O pedido de impeachment da presidente Vilma gerava debates acalorados em todo país, abrindo espaço para grupos de extrema direita ganharem fôlego com suas pautas conservadoras. Em meio ao burburinho, grupos LGBT, em oposição, organizavam protestos em diversas cidades. Foz do Iguaçu sediou um deles, no qual a jovem filha de Sayruci fora convidada a participar.

--Gentem, que coisa mais comuna isso aqui! – Latifah reparava nos participantes do protesto – E eu pensando que o agito ia ficar só naquela pegada LBGT pedindo respeito e tals... – comentava com Telminha -- Tem Movimento dos Sem Nada, Central de Trabalhadores e uma pregada de partido de esquerda! – não gostava do que via

--Latifah, conecta, honey! – estalou os dedos imitando a outra – Lógico que se a razão central do barulho é o impeachment de uma presidente de esquerda e nós estamos gritando contra, tinha que aparecer partido de esquerda pra somar! – falou como diz o óbvio

“Se eu tivesse me tocado não tinha vindo!” – revirou os olhos – Eu não tô na vibe de assumir posição política, mas tô aqui pelos LGBT. – pensava em seus seguidores – E se eles me demandam... eu venho. – passou a mão nos cabelos

--Você vai gravar pro seu canal? – perguntou interessada

--Sure, my darling! – respondeu sorrindo – “Não tô aqui à toa!” – pensou ao se preparar para uma selfie

***

Sayruci tocava piano pensando em Vera. Nos últimos tempos vinha se dedicando cada vez mais ao trabalho voluntário, além de se desdobrar no atendimento às demandas que Samir sempre lhe trazia. Buscava nunca ter tempo ocioso para não pensar e tentar sofrer menos. Interrompeu o conto que escrevia por ter perdido completamente a inspiração. Adicionalmente, buscava poder despachar suas joias da cidade o quanto antes.

Sozinha na sala, tocava piano de olhos fechados, completamente entregue à canção. Era capaz de ouvir a intérprete cantando em sua mente, enquanto a acompanhava com suas notas melancólicas.

Tarde triste me recorda,

Outros tempos.

Que saudade,

Que saudade...

Visualizava o rosto da amada, seu sorriso, o jeito simples e delicado que tanto a cativou.

Vivo só,

Num turbilhão de pensamentos.

De saudade,

De saudade...

Pensava no que ela deveria estar fazendo naquele momento.

Por onde andará quem amei,

Será que também vive assim,

Sofrendo como só eu sei,

Pensando um pouquinho em mim...

Derramou uma lágrima teimosa.

Tarde triste,

Noite vem,

Já está descendo...

E eu sozinha, sofrendo...

--Ela toca de um jeito... – Margô comentou com a cozinheira – Parece até que o piano fala! – admirava-se com a intensidade da patroa -- Dá uma tristeza na gente...

--Dona Sayruci é uma mulher muito triste, muito só. – Maristela respondeu para a colega – Pode ser rica, ter fartura de tudo, mas não tem o mais importante... – reparava na patroa – Amor.

Tarde triste,

Noite vem,

Já está descendo...

E eu sozinha, sofrendo...

Nana Caymmi - Tarde Triste [1]

***

Socorro conversava com Vera ao telefone.

--Eu vi sem querer, sabe? Essas tranqueira que a internet joga no LivrodasFuça da gente? – comentava com a prima – Aí cliquei no vídeo pra fuxicar e vi a filha da tua morena fazendo protesto gay. Mandei o link pro teu QQOV?. Depois vê.

--Tá bom, eu vou ver. – concordou – “Bom saber que a filha dela é simpatizante da causa.” – pensou

--E ela? Nunca mais apareceu? – perguntou – Já estamos em meados de abril e nada? – cobrava

--Ela já me escreveu... – respondeu sem desejo de alimentar o papo – “Mas depois sumiu de novo. Nem sei se ainda lembra de mim...” – pensou pesarosa -- Prima, eu vou ter que desligar. Afinal de contas ainda tem dois serviço da Marida pra fazer hoje.

Percebeu que Vera fugia do assunto mas não insistiu. – Então tá então, né? – brincou – Vai lá. Tchau.

--Tchau. – respondeu ao desligar – Cadê o tal do vídeo? – foi no aplicativo e clicou para ver – Uai? -- surpreendeu-se – A filha dela é aquela passageira metida que chega dói que uma vez peguei no aeroporto? -- reconheceu a jovem -- Que diferença da mãe! Só puxou a beleza dela e aqueles olhos maravilhosos... – não quis ver o restante – Trabalhar que a vida não tá ganha! – guardou o celular no bolso e ligou o carro – É um inferno! Eu nunca pesquisei sobre Sayruci na internet, mas a prima parece que vive à caça! – reclamava sozinha – Eu não quero saber da vida dela por lá em Foz! Quero saber da vida dela comigo e só! – sentia medo de descobrir que a amada apenas a usava para se distrair – Eu não quero saber! – deu um tapa no volante

Minutos depois a caipira chegava no primeiro endereço que deveria atender. Respirou fundo e fechou os olhos. “Foca no trabalho, caipira!” – abriu os olhos e bateu na porta – Não pense, não sofra! – aconselhava a si mesma – Nada como um trabalho tranquilo pra acalmar o coração.

--Boa tarde, querida! – uma mulher de uns cinquenta anos abriu a porta completamente nua – Vem comigo que a treta é no banheiro do meu quarto. – fez sinal para que entrasse – Fecha a porta, por favor. – seguiu andando pela sala

“Eita!” – ficou sem graça com a recepção – Licença. – entrou e fechou a porta

--Quem é? – uma voz masculina se fez ouvir

--É a Marida de Aluguel, amor. – respondeu melosa

Vera se encaminhou até o quarto da mulher e viu que um rapaz estava deitado na cama igualmente nu.

“Mas que diacho!” – pensou contrariada

--Então, meu bem. – a mulher se sentou próxima ao rapaz – A descarga tá vazando água. Eu consultei na internet o que tinha que comprar, comprei e deixei tudo em cima da tampa do vaso. – sorriu – Divirta-se!

--Pode deixar. – entrou no banheiro e começou o trabalho

--Agora concentra em mim, meu bichim gotosim! Bizim bizim, bizim bizim! – a mulher fazia uma voz fininha

--Vem cá, bandida! – o jovem respondeu com atitude – Vem e me ch*pa até o bilau sumir!

GLOF, GLOF, GLOF... – um barulho estranho se fez ouvir

“Eu hein!” – a caipira arregalou os olhos – “Esse pessoal vai ficar se pegando comigo aqui?” – não acreditava

--AH! – o jovem gemia – Boquinha de veludo, ai, ai, ai, ai, aiiiii! – gritou

“Eu tenho que consertar esse trem pra ontem!” – desmontava a descarga o mais rápido que podia

--Agora vem! – a mulher gritou de repente – Me prepara, abre as alas! – pedia

--Eu vou cair de boca na vida! – o homem gritou com fé

SHUUU, SHUU, SHUUU – mais barulhos estranhos

--Ô, minha mãe, ô, minha mãe!! – a mulher gritava – Mamãe, mamãe, mamãe!!!

Vera tirou as peças desgastadas da sede da válvula e abriu a caixa da válvula nova que a mulher comprou. “Sem chance de perguntar pra ela se é pra deixar a sede original aí ou trocar o trem.” – pensou constrangida – “Vai ficar!” – decidiu

--Agora eu quero o tchá! – o homem falou de repente – Segura, peãoooo! – gritou

--Vem que é tua, Gargamel! – ela pedia sôfrega

--AHAHAHAH!!! – os dois gritaram juntos

NHEC, NHEC, NHEC, NHEC... – e a cama rangia com raça

A caipira rapidamente instalou as peças novas dentro da sede e se preparava para montar a válvula e encerrar o serviço.

--Ai, ai, ai, ai, ai... – a mulher gemia

--Oi, oi, oi, oi, oi... – o homem gritava

“Esse pessoal é totalmente desprovido de noção!” – Vera pensava enquanto aparafusava a parte externa da válvula

--Agora eu quero um fodeback! – o jovem comandou – Right now, na na na! – ordenou – Pega, pega!

--Pego, pego! – a mulher respondeu escandalosa -- Eu tô uma brasa, mora?

“Terminei!” – a caipira pensou aliviada – “O negócio agora vai ser sair daqui e pegar o dinheiro!” – lembrava da cliente que ofereceu pagar com sex* e acabou dando calote

--UAUAUAUAUAUAUA!!!!!!!! – o jovem gritava como uma sirene

--UHUHUHUHUHUHU!!!!!!! – a mulher gritava como fantasma

“E seja lá o que Deus quiser!” – Vera se benzeu, pegou suas coisas e saiu do banheiro

A primeira cena que viu foi o rapaz de quatro com a mulher ajoelhada atrás dele se movimentando rapidamente.

--Com licença? – não sabia como se comportar – Terminei e agora tem que pagar, uai. – sorriu timidamente

--UAUAUAUAUAUAUA!!!!!!!! – o jovem continuava gritando

--O DINHEIRO TÁ... UHUHUHU!! – a mulher não parava de se movimentar – EM CIMA DA COISAAA... -- gritava

--PEGA, PEGA, PEGA!! – o rapaz gritava – CACHORRA!!

--AU, AU!! – a mulher respondeu

--GATINHA!! – ele gritava

--MIAU!!

--Onde, uai? – não entendia – “Que danação infernal!” – estava morta de vergonha

--NA MEEESINHA ALI, PORRA! – a mulher apontou rapidamente fazendo careta -- FIIICA COM O TROOOCOOO!! – ordenou com voz endiabrada – UHUHUHU!!

--CACHORRA!! – o rapaz gritava -- UAUAUAUAUAUAUA!!!!!!!!

--AU, AU! – a mulher respondeu

A caipira localizou o dinheiro, guardou no bolso e foi embora quase correndo.

--GATINHA!! – e tome de gritar

--MIAU!!

--Que vergonha! – entrou apressada no elevador – Ave Maria, é o fim do mundo! – apertou o botão de fechar portas

***

Duarte estava em reunião na sala de convenções com todos os funcionários do hotel. Ao contrário dos pedidos de Abigail e Adriano, não havia contratado em caráter permanente mais um funcionário para o turno da noite, tampouco um segurança.

--Eu chamei vocês aqui hoje pra discutir algumas coisas muito sérias! – caminhava sobre o palco mantendo as mãos atrás das costas – Desde que se passou o carnaval, nosso hotel tem recebido um número muito pequeno de reservas. – informava – E depois que aqueles peste vieram pra cá me inventar moda de trazer menina nova e deu polícia e o escambal, ficou ainda pior! Os parente dos traste andaram falando mal do hotel na internet!

--Se a gente não fosse tão sobrecarregado, dava tempo de ter respondido à altura! – Abigail aproveitou a deixa – Eu andei fazendo umas postagem, botei o vídeo de Adriano, mas não tive tempo de responder a umas outra mentira que andaram escrevendo, não sabe?

--Eu também postei umas resposta, mas não dá tempo de acompanhar! – Rita complementou – De seis da manhã às sete da noite fico sozinha mais Abigail pra dar conta de recepção, sala de convenções e de piscina! – gesticulava – E o pobre do Jailson na mensageria e em todo quebra galho!

--Tem dia que nem sento! – Jailson reclamou – Quando dá problema no restaurante... – revirou os olhos

--E só vive dando problema! – a cozinheira denunciou – Teve três princípio de incêndio na chapa quente e mais dois vazamento forte de água na pia!

--Eu tô sozinho como único garçom no restaurante! – Laerte aproveitou a deixa para reclamar – No turno da noite é só Misael.

--E eu no lobby bar fazendo tudo! – outro complementou -- Meu colega do turno da noite tá a ponto de pedir as conta!

--São dez andar nesse hotel cheio de quarto e nós somos só quatro camareira! – uma das mulheres reclamava – E é nós que limpa a cozinha, o lobby bar, sala de convenções, piscina, tudo!

O descontentamento era geral.

--Gente, pelas caridade, parem de tanto reclamar! – Duarte levantou as duas mãos – Se eu tô aqui dizendo que o número de reservas diminuiu, vocês acham que vai ter mais contratação de pessoal? – falava em voz bem alta – Mais fácil diminuir!

--OXE!!! – todos exclamaram

--Ave Maria, diminuir como? – Abigail se levantou com as mãos na cintura – Cortar da onde, posso saber?

Os outros trabalhadores conversavam entre si aos cochichos.

--Calma, se aperreie, não! – abaixou as mãos – Eu tenho conversado com o dono do hotel, estudado... – tentava tranquilizar o pessoal

--Se é de tanto estudo, o dono do hotel tinha era que investir! – Abigail protestou – O número de reservas diminuiu porque esse hotel não tá prestando! Tudo velho e mal acabado! – gesticulava – O mofo tá fazendo chapéu!

--É isso aí! – os demais apoiaram

--Gente, não é por aí! – Duarte fazia cara feia – O que vai acontecer é o seguinte, prestem atenção! – gesticulava para que se calassem – O lobby bar não vai mais funcionar de manhã, só de noite. – comunicava – João Batista passa agora pro turno da noite e fica mais Misael na dobradinha lobby bar e restaurante! – olhava para todos – Auxiliadora será a única cozinheira da noite, cuidando dos dois, lobby bar e restaurante. Tonho e Lourdes vão ser demitidos.

--Ah, não! – João Batista reclamou

--Isso é um absurdo! – Abigail gritou no que foi acompanhada pelos demais

--Maria José permanece na cozinha pela manhã, com Laerte como garçon e os dois vão dar apoio na piscina. – Duarte continuava falando – Ficaremos só com três camareiras. Maria João vai ser demitida.

--É um abuso esse tanto de demissão! – Abigail deu um soco na mesa

--É um abuso! – Jailson concordou com a colega

--Você vai ajudar na limpeza dos quartos! – Duarte olhou para o funcionário

--O que??? – o mensageiro chocou

--Rita e Abigail continuam fazendo o que já fazem, mas agora também vão cuidar da sala de lazer. Gerson, da TI, vai pra rua! E cada uma de vocês duas vai portar uma pistola pra usar em caso de necessidade.

--OXE!!! – as duas arregalaram os olhos

--Calma, que é de brinquedo! Tudo de plástico! – advertiu – E no caso de Adriano, ele vai ter um fuzil de plástico e mais uma foice que vou deixar escondida atrás da porta! – Duarte continuava falando – Mas a foice é de verdade e corta! -- garantiu

--Mas que fuleiragem é essa de foice? – Abigail se revoltou – Só falta a capa preta e a máscara de caveira! – indignou-se – “Se eu soubesse, tinha guardado as peça de minha montagem de Gail no Congresso!” – pensou

--E assim vão ficar as coisas! – Duarte encerrava a reunião – E tenho dito! – falou com decisão

--Aqui deve ser o único hotel de Natal inteira onde acontece umas fuleiragem desse tipo! – Rita estava revoltada – Onde já se viu? Colegas demitidos, mais trabalho pra quem fica e nós duas com pistola de brinquedo na recepção! – não acreditava – Além da foice de Adriano, é claro! – revirou os olhos

Abigail estava revoltadíssima. – Espere como vai ser daí pra pior! – cruzou os braços – A sorte é que essa cidade é muito turística, então o hotel nunca vai ficar zerado, mas esse período de meio de ano vai ser osso! – balançou a cabeça contrariada – E graças a Deus que os bandido nem sonha que a segurança é zero! – agitou-se na cadeira – “É por essas e outra que eu tenho que atinar num jeito de Gail finalmente deslanchar e eu enricar como autora!” – pensava – “Me livrar dessas pistinga de uma vez por todas!”

***

--Boa noite, filha! – Sayruci cumprimentou sorridente ao chegar

--Ora, ora, boa noite! – Samir cumprimentou também – Milagre que esteja aqui a essa hora!

--Buenas! – mandou beijinhos para ambos e nada comentou. Estava no celular, navegando no Fuçagram

--Sazii, vamos ao clube? – o homem logo propôs – Os Khalil vão fazer uma festinha por conta da gravidez da Naila. – lembrou-se do fato – Poderíamos passar por lá e socializar um pouco, que acha?

Detestou a ideia. – Vamos. – respondeu disfarçando a má vontade – Deixe-me tomar um banho e trocar de roupa. – pediu -- Hoje no restaurante foi puxado.

--Também farei a mesma coisa. – sorriu para a esposa – Que tal um banhozinho juntos, hein? – propôs sorridente e falando baixo

--Pode ser. – sorriu sem vontade – “Meu Deus, dai-me forças!” – pensou

Latifah estranhou a atitude dos pais. “Oh, My, papys todo fofinho e mamys no tipo da apaixonada?” – reparava – “Esses chifrinhos fizeram bem pro casal!” – pensou divertida

--Filha, vai conosco? – Samir convidou – Soube que Ali está na cidade.

“Humpf!” – pensou – “No way! Detesto Ali!” – sorriu para o pai – Valeu, papys, mas passo essa, tá?

Sayruci subia as escadas. – Ela não quer ir. Deixe-a. – falou para o marido – Jovens não gostam mesmo desse tipo de programa.

Samir não respondeu e subiu as escadas também. “Não é possível que nenhum solteiro rico agrade essa menina!” – pensou contrariado

***

Latifah e Sayruci voltavam de uma seção de fotos na S.Hterny. Maio acabava de começar e as duas foram convidadas por conta do dia das mães. Após muita insistência da filha, a morena aceitou o convite, mas não gostava daquele tipo de coisa e fizera um grande esforço para disfarçar a contrariedade.

--Mamys, aquelas fotos ficaram muito da hora! – comentava animada – E a sacada deles de nos colocar com as pedras verdes perto dos nossos olhos foi o must! – sorria – Quando liberarem as fotos vou postar tudo no meu Fuçagram!

A jovem vinha dirigindo e a mãe perdia-se em mil pensamentos. Não havia prestado atenção em uma palavra da filha.

“Finalmente as réplicas das minhas joias ficaram prontas e agora que pude conferir e ver que está tudo certo, posso despachar todas elas para bem longe daqui!” – analisava – “Vou enviá-las junto com algumas roupas e sapatos. Já sei até a bolsa que vou usar.” – decidia – “Agora vem a parte mais difícil: como fazer isso em segurança e sem ninguém desconfiar?” – buscava uma saída

--Mamys? – Latifah olhou para ela rapidamente -- Dá pra conectar, please? – estalou brevemente os dedos de uma das mãos

--Sim, querida? – olhou para a outra – O que foi mesmo? – nem imaginava o que deveria dizer

Latifah percebeu que a mãe estava totalmente longe dali. -- Vamos aproveitar que consegui tirar o motorista dos nossos calcanhares e trocar umas figurinhas, daí! – pausou brevemente – Eu tô vendo papys todo fofinho, vocês dois no maior clima e achei até estranho. – comentava – E a vóvys parece que fica só de tocaia pra ver se tá tudo bem mesmo. – olhou rapidamente para a mãe mais uma vez – Me conta qual é a da parada porque ainda não captei.

--E não tem o que captar. – respondeu sem graça – “Infelizmente não posso te contar que estou me preparando para ir embora.” – pensou com certa tristeza – “Especialmente quando sei que você não vai me apoiar...”

Achou graça. – Eu vou até errar o caminho de casa de propósito só pra gente continuar essa conversa. – sorriu – Mamys, please? Pra cima de moi? – respondeu descrente – Você teve um caso com um sujeito misterioso, viveu noites de amor e loucura com ele em São Paulo por duas vezes e de repente descobriu que tá in love pelo papys? – riu de novo -- Tá certo que ele tem investido em te reconquistar, anda mais romântico, parou com a violência, só que... I’m sorry, você não me convence! – afirmou afetada – Nunca te vi ao lado dele com metade do... – pensava em como dizer – Do frescor, do ânimo, da vida, sei lá, que você exalava quando voltava dos encontros com o Lobo Misterioso!

--Lobo Misterioso... – achou graça – “Ai, menina, mal sabe você que é uma caipira deliciosa...” – suspirou – Aquela aventura me abriu os olhos. – virou o rosto para a janela – Tenho uma vida real aqui e é nela que devo investir. – mentia – “Só Deus sabe como me dói mentir pra você, minha filha...” – pensava

--Hum... – considerou o que ouviu – De fato... – pausou por uns instantes – Cê nunca vai me dizer quem era o tal, né? – perguntou meio chateada – Não confia mesmo em mim! – reclamou

Deu um suspiro profundo. – Você nunca aceitaria se soubesse. – olhou para a filha – Deixemos as coisas como estão. Por favor.

--Não aceitaria por que? – não entendeu – O cara é velho, é pobre, é bandido, tudo isso junto, qual é a dele?

--Latifah, por favor... – insistiu em sua negativa

--Tá bom. – desistiu de insistir – Você não confia em mim, então... – ficou realmente chateada – Depois quer que eu confie em você e te diga tudo! – fez beicinho – Mas tudo bem. No hard feelings!

--Eu só queria que você acreditasse em uma coisa porque não importa o que aconteça, o que te digam, nada! – olhava para a filha – Sou sua mãe e amo você! – declarou-se com muita intensidade – Mais que tudo na minha vida!

--Nossa, mamys... – ficou meio sem graça – Por que isso? – olhou rapidamente para ela

--Para você saber. – virou o rosto para frente – E nunca duvidar. Apenas isso!

Neste momento, a estação de rádio que Latifah ouvia começa a tocar uma música que Sayruci gostava.

De longe eu penso em você,

E com meus olhos fechados...

A morena fechou os olhos e pensou em Vera.

--Ih, os bons tempos estão de volta! – notou que a mãe estava curtindo

Te vejo ao lado respirando,

Sinto um calor se propagando...

--Aumenta o som, por favor? – a morena pediu sem abrir os olhos

--Ok. – a filha obedeceu

Noto você na minha frente,

Se materializar na minha frente...

Lembrava-se da primeira noite de amor com a caipira.

E volto a ver o teu tamanho,

Saber o teu lugar...

“Gentem, será que ela tá pensando no Lobo Misterioso?” – Latifah pensou desconfiada

E desejo o desejo

Do perigo de um novo jeito, ow!

Sayruci abriu os olhos e sorriu.

--A música mudou o astral, né? – Latifah brincou

--Eu amo essa música! – olhou para a filha – “Não podia ser mais oportuna pro momento!” -- pensou

Um mar de lava incandescente

Faz de repente ver...

Sayruci não aguentou e começou a cantar alto: -- Que eu quero esse mistério sempre, não quero te perder... – dançava sentada – “Não quero mesmo, meu amor!” -- pensou

--Gentem! – a jovem estava pasma – “Nunca vi mamys se soltar assim!” – pensou

--E desejo o perigo,– Sayruci cantava com os braços erguidos -- do desejo de um novo jeito!

--Ai, agora me animei, gentem! – Latifha levou o som nas alturas e as duas começaram a cantar juntas

Arrisco todo o meu ouro,

Dou meu amor como garantia,

Para encontrar um tesouro,

E não bijuteria...

Kid Abelha – Todo Meu Ouro [2]

--Tooooooodo, meu ouro! – Sayruci batia palmas – “Arrisco tudo por você, Vera!” – pensava – “Tenha paciência e me espere!”

***

Onde está Khaalii?

Por Paty Golezzo

Olá meninas!!

Ontem mesmo lá estava eu me acabando de emoção, felicidade, tesão e tudo mais que se possa dizer ao reler o último capítulo postado de Sob o Pranto de Zayah. Aquele encontro de Zayah e Sulah, as cenas de amor que todas nós estávamos esperando... Ai! (suspiros)

Daí as duas se despedem, Zayah teve que voltar praquela vidinha bandida (que nós estamos loucas pra que ela abandone), Sulah ficou carente e cheia de inseguranças e nisso... a autora some! Pode uma coisa dessas, produção? Ah, não, não pode!

Desde fevereiro nossa Khaalii não dá as caras! Nenhuma postagem, nenhum recadinho pras leitoras dizendo algo do tipo: “gentem, vou ter que sumir mas eu volto, tá? Segura as pontas aí que eu volto!”

Hum! Que nada! Ela sumiu e sem aviso prévio! Sem perfil no LivrodasFuça pra gente perturbar, sem e-mail, porque parece que não responde mais... É difícil!

Um monte de leitoras já me disseram que não leem contos não finalizados pra não correr o risco de se apegar à história e a autora sumir. E o pior é que tem umas que somem, viu? Ficam meses (até anos!!) sem nos dar um alô sequer. Será que Khaalii é dessa thurma? Não sei, mas está parecendo...

Estamos em meados de maio e lá se vão três meses que ficamos sem saber o que aguarda o futuro de Zayah e Sulah. Agora só faltava depois de nos fazer ter uma crise de ansiedade, Khaalii aparecer um belo dia, do nada, e ainda separar as duas! Será??

Khaalii, querida, te amo de paixão, mas faça isso e te detono sem dó nem piedade, viu? E a senhora está merecendo bem!

Quando Paty Golezzo fala (ou escreve)... Tenha medo!

Como diria nossa querida Camarada Sapa: Hay que emputecer pero perder molhadura jamás!

Beijuuus!

Paty Golezzo

--Até a maluca daquela Paty Golezzo tá sentindo falta da minha Sayzinha. – Vera suspirou ao terminar de ler – Faz ideia eu! – guardou o celular no bolso da calça – Será que ela me dizia a verdade naquela mensagem? Será que ela volta pra mim? – queria muito acreditar – Ah, deixa eu trabalhar que a vida não tá ganha! – pegou a chave do carro – Não gosto de fazer Iuba de noite, mas tô sem sono e não quero ter tempo de pensar em nada! – abriu a porta da sala e saiu

Enquanto isso, bem longe dali, Abigial acabava de ler a coluna da mulher que antes admirava mas depois aprendeu a antipatizar.

--Humpf! – fez um bico – Isso tudo é combinado! A tal da Khaalii finge que some, a tal da Paty finge que tá aperreada com isso, escreve coluna, atiça as leitora e qual a consequência? – falava sozinha – Corre todo mundo apavorada pra ler o conto da outra e entender o que tá acontecendo! – espremeu os olhinhos – Enquanto isso, Gail também some desde que a safada roubou meu notebook, e Paty faz o que? Nem uma palavra! – gesticulava com fúria – É muita fuleiragem nesse meio, vou te contar!

Abigail aproveitava que Duarte havia deixado a sala de lazer sob responsabilidade dela e de Rita para, de quando em vez, dar uma bisbilhotada nas fofocas do mundo lésbico, além de marcar leituras em seu conto e tentar terminar de escrever o último capítulo dele.

--Mas pelo menos, goste Paty Golezzo ou não, vou terminar esse conto lá pelas duzentas mil leituras. Nem que meus dedo fique no sabugo, mas eu vou meter dedada! – prometia – E Rita e Jailson também! Ai deles que não!

E nisso, o ramal da sala toca de repente.

--Eu hein? – pegou para atender – Alô?

--Mulher, corre aqui na recepção, pelas caridade! – Rita chamou desesperada – Tem uns hóspede que tão recebendo santo!

--Oxe, mas que bixiga é essa? – não entendeu – Tô indo! – desligou e se levantou – Negócio é esse de recebendo santo? – correu para ver

Um homem de meia idade se contorcia silenciosamente e revirava os olhos em frente ao balcão da recepção. Sua esposa estalava os dedos ao redor dele e fazia barulhos estranhos. Rita e Jailson observavam encolhidinhos por detrás do balcão.

--Hum! – a mulher revirava os olhos – Hum!

--Mas que danação é essa aqui? – Abigail colocou as mãos na cintura

--É danação que nada, minhas infia! – o homem respondeu com os olhos arregalados – Aqui quem fala é seu Zé! – chacoalhava os braços – Seu Zé! – mostrou um beição

--Eita, meu tranca rua! – a mulher gritou – Ê, ê! – pôs as mãos na cintura – E aqui quem fala é a dona Pomba! -- rebolou

--Ave Maria! – Rita e Jailson benzeram-se apavorados

--Humpf! – Abigail desacreditava daquelas incorporações – Quando e como começou isso? – perguntou para os colegas

--Foi uma coisa horrível! – Rita respondeu apavorada – Eles desceram pra fazer o check out e quando mostrei a conta...

--Os dois começaram a se contorcer e os santo vieram, não sabe? – Jailson complementou

--Seu Zé num qué pagá! – o homem balançava a cabeça como louco – Num qué! – e tome de beição

--E a dona Pomba giraa!! – a mulher rodopiou

--Ah, então bastou aparecer a conta pra pagar que os dois fizeram esse verdadeiro download de santo aqui na recepção? – perguntou descrente

--Num faz deboche, minhas infia! – o homem ameaçou com o dedo em riste – Seu Zé é poderoso! – estremeceu-se todo – Tem pudê!

--E a dona Pomba giraa! – e tome de rodopio da mulher

--Eu espero que seu Zé seja mais poderoso que a polícia, porque eu vou chamar eles aqui agora! – encaminhou-se para o balcão – E espero que a dona Pomba não sofra de labirintite, porque se continuar nesses arrodeio aí, cair e se quebrar, vai ficar quebrada! Jailson encerou o chão hoje!

Marido e mulher se entreolharam desconfiados.

--Bigail, não desafia as entidade! – Rita aconselhou

--Tu não parece nem que é de igreja, visse? – pegou o telefone – Ligar pra polícia agora!

--Seu Zé e dona Pomba têm poder! – Jailson falava assustado

--Vamo ver esse poder quando a polícia chegar aqui e meter os cacetete no lombo dos dois! – fingiu que discava

A mulher parou de rodopiar e o homem se contorcia mais devagar.

–Jailson, pegue a foice de Adriano que hoje ela vai ter serventia! – Abigail ordenou e o colega foi buscar

--Foice?? – o casal perguntou apavorado

--Alô, polícia! – fingiu que falava com alguém do outro lado – Tem um casal aqui na recepção do Morada dos Deuses Palace Hotel e eles fizeram um download de uns santo bem na hora de pagar a conta, não sabe? – gesticulava – Tão pensando que isso aqui é encruzilhada banda larga que eles vêm e vão baixando na hora que quer e sem pagar nada!

--Olha a foice, Bigail! – Jailson vinha carregando a ferramenta

O casal arregalou os olhos.

--Onde que eu tô, quem sou eu? – a mulher fingia-se voltando ao normal

--Ah... oncotô, proncovô? – o homem falava abestalhado

--Tchau! – desligou o telefone – Eu vou lhe responder, senhor. – pegou a foice da mão do colega – O senhor está prestes a pagar a conta da hospedagem e pra onde vai depois disso, pergunte a seu Zé. – mostrou a foice – A polícia vai chegar em 15 minutos! – sorriu – Vai ser no dinheiro, cheque ou cartão? – bateu com o cabo da foice no chão

Os dois se entreolharam e responderam de imediato. – No dinheiro!

--Dona, por favor, pode ligar pra polícia de novo e dizer que tudo se resolveu. – o homem pediu – Os santos se foram! – sorria nervoso

--E pode guardar esse trem aí porque não precisa, viu? – a mulher pediu também

--Bem melhor assim! – continuava sorrindo com a foice na mão – Bem melhor! – bateu com o cabo dela no chão novamente

“Ave Maria, Bigail espanta até as entidade!” – Rita pensou admirada enquanto o casal acertava a conta

“Bigail tem poder!” – Jailson pensou surpreendido

“Como bem disse Rita: uma mulher que deu nó no rabo do Capeta não cai em qualquer golpezinho fuleiro desse tipo!” – sorria para o casal ameaçadoramente – “Teodora foi um deslize do destino!” – suspirou – “Ô, galega boa...” – lembrava da golpista

***

--Meu amor, como é que você não sabe? – a jovem trans perguntou estupefata -- A 20ª edição da Parada do Orgulho LGBT da cidade vai acontecer nesse final de mês e você aí comendo mosca?? – gesticulava – No domingo que vem a Paulista vai parar sob o tema "Lei de Identidade de Gênero, Já! - Todas as Pessoas Juntas contra a Transfobia!” – informou – Vai bombar! – afirmou resoluta

--Eita, que eu não sabia de nada! – Vera confessou enquanto dirigia – E como vai ser isso? – queria saber

--Geral vai se concentrar em frente ao MASP a partir das 10h. – explicava – Vão ser 17 trios elétricos que junto com as massas vamos fazer uma grande mobilização pra que a Lei de Identidade de Gênero seja aprovada! – deu um tapinha no ombro da motorista – Se eu fosse você, já tava lá! – convidou – Vai ter show de encerramento e tudo! Te contar? – falava afetadamente -- Vai ser foda!

--Mas eu quero, uai! – concordou de pronto – Você é uma das organizadoras, Natacha? – olhou para ela pelo retrovisor

--Trabalho junto com elas, amore! – cruzou as pernas – Eu e umas amigas vamos fazer a cobertura do evento.

--Eu adoraria trabalhar num trem desse! – comentou empolgada – Sou fotógrafa, fiz muitos trabalhos como freelancer pra edição de jornal cobrindo greves, protestos, amenidades, mas nunca tive oportunidade de trabalhar num evento assim! – prestava atenção no trânsito – “E eu também nunca sei das novidade... Totalmente por fora desse trem de Parada!” – pensou – “Caipira avoada!”

--É mesmo? – perguntou interessada – E atualmente você tem feito que trabalhos?

--Anêim, nunca mais nenhum nessa área. – falou a verdade – Ano passado fui demitida do último jornal onde trabalhei e desde então minha vida é Iuba, Marida de Aluguel e chocolote pornô!

--Oi?? – achou graça – Eu até desconfio do que seja a tal marida mas essa do chocolate pornô... – achava graça

--Minha prima faz uns chocolate no formato dos trem da gente, sabe? – gesticulou brevemente – Recheia com leite condensado, em alguns põe até roupa íntima e vende. Eu que entrego. – explicou – E tem saída, viu, fi? O povo compra!

--É mesmo? – riu novamente -- Seguinte? Passa lá no endereço onde você vai me deixar e a gente conversa. Chega por volta de umas oito da noite, pode ser? – convidou

--Pode, uai! – respondeu animada – Eu quero! – sorriu toda prosa

--Aproveita e leva um mostruário desses tais chocolates pornô, porque isso aí pode vender feito água na Parada! – teve uma ideia – Vou falar com as garotas e, de repente, se elas animarem, a gente encomenda umas trezentas unidades e vende lá!

--Eita! – arregalou os olhos – Levo sim! – achou graça – “Prima Socorro vai endoidar, Ave Maria!” – pensou – E te agradeço por demais da conta!

--A gente tá no mesmo barco, amore, tem que se ajudar! – sorriu solícita – E só assim pra te ver sorrir, né? – comentou – Você é uma pessoa super gracinha mas desde que entrei nesse carro tava tão pra baixo... – reparou

--É... – respondeu meio sem graça – Coisas da vida. – não queria entrar em detalhe – Mas a gente supera... Como diz lá na minha terra: caipira rodopeia mais num freia! – sorriu – “Sempre fui jogada fora mesmo... Sayruci foi só mais uma a fazer isso...” – pensou com tristeza – “Vou sobreviver, como sempre fiz.” – tentava disfarçar o que sentia

***

Latifah e Samir discutiam na sala.

--Só me faltava essa, Latifah! – o homem reclamava de cara feia – Já não bastava você ter se metido no escândalo daquela depravada, -- referia-se a Telminha – ter se enfiado em passeata de esquerda, agora me inventa mais uma?? – gesticulou – Quer se meter nessas palhaçadas de orgulho gay?? Parada LGBT?? – falava com desprezo – Faça-me o favor!

--E qual o mal, daí? – respondeu sem se incomodar com o que ouviu – Papys, eu cheguei na marca dos 50 mil followers! – dava grande importância ao fato – Se eles me querem lá, abrilhantando o evento, não há como dizer não! – falava afetada – Eu sou do povo, gentem! Os LGBT simplesmente me veneram! – jogou os cabelinhos – “E a tal da Paty Golezzo vai estar lá! Sabendo que a maluca passou dos 500 mil seguidores quero colar nela pra ver se chego logo nesse marca também!” – pensou com interesse

Riu do absurdo. – É do povo! Pois sim! – reparava na filha – Você quer aparecer, acha que eu não sei?

--Of course, I do! – assumiu – Só que lutando por uma causa que meus followers me demandaram! – pôs as mãos na cintura – E se eles querem, eu vou! – desafiou

--Veremos se vai! – respondeu com grosseria – Corto seus cartões de crédito com um telefonema! – ameaçou – Todos eles! – gesticulava – Aí eu quero ver a mulher do povo pra onde vai!

--Ah, não! – bateu com o pé no chão – Isso é covardia, você não pode fazer isso! – ficou revoltada

Sayruci chegava em casa naquele momento. Havia passado o dia dando aula sobre alimentação saudável em um asilo da cidade. – Boa noite. – cumprimentou desconfiada – Não me digam que vocês estão brigando? – aproximou-se dos dois – De novo?

--Mamys, você tem que fazer alguma coisa! – correu até ela e a abraçou – Papys quer bloquear todos os meus cartões de crédito e me deixar na miséria! – fazia um drama

--E por que isso? – não entendia

--Por que não contou a história completa, Latifah? – Samir gesticulou com raiva – Ela quer simplesmente sair pela Avenida Paulista com um bando de... – pensava em como dizer – de gays mostrando o traseiro por aí e empunhando a bandeira do aprovem a Lei de Identidade de Gênero! – falava com deboche – E tudo isso por que? Porque os followers pediram! – achava tudo ridículo

--E o que tem de mal nisso? – Sayruci continuava sem entender

--Hum, mamys! – beijou o rosto dela e sorriu

--Sazii?? – olhou boquiaberto para a esposa – Não me diga que você é a favor disso?? – estava pasmo

--Samir, às vezes você nem parece um homem de negócios. – desvencilhou-se delicadamente da filha e se aproximou do marido – Essas pautas identitárias têm conquistado cada vez mais atenção. – argumentava – Empresas, hotéis, restaurantes e estabelecimentos comerciais têm recebido selos de vários tipos como iniciativa sustentável, cidadã, socialmente inclusiva e por aí vai. – olhava para ele – Você que observa tanto os Kahlain não percebeu como eles estão atentos a tudo isso?

--Estão?? – ficou pasmo

--Ih, papys, tá out geral, hein? – percebeu o jogo da mãe e seguiu a mesma linha – O festival de turismo da cidade no ano passado reservou um dia inteirinho pra debater sobre o turismo pro público LGBT! – contava – Sei disso porque a garota propaganda do evento foi ninguém menos que euzinha! – exibiu-se – E tudo foi sediado onde mesmo? – provocou – A cabeça deles tá anos luz na frente da sua! – estalava os dedos – Conecta!

--Hum... – ficou pensando

--Deixe-a ir, querido. – tocou o ombro dele – E se meus sogros ou maama questionarem, diga que foi por causa dos negócios. – fazia a cabeça do marido – Afinal de contas você é um homem moderno e não admite ficar pra trás em nada! Você anda sempre na frente!

--É isso! Sempre na frente! – concordou

“Mamys tá ficando esperta, tô gostando de ver!” – pensou orgulhosa

–Tudo bem, Latifah. – olhou para a filha – Dessa vez você vai. – mudou de ideia – Aproveite e leve uns folders do hotel, do restaurante e da loja pra sair distribuindo por lá! – cruzou os braços – Dizem que vai muita gente nessas coisas, então vamos aproveitar e fazer um merchan!

--Sure! – concordou de pronto – Mamys podia ir comigo também, né? – sugeriu – Me ajudava nesse merchanzinho básico! – sorriu

O coração de Sayruci encheu-se de esperanças. “Aí eu mesma podia levar as joias para esconder com Vera!” – pensou animada – “E mais que isso: rever meu amor!”

--Nem pensar! – negou enfaticamente – No final de maio teremos muitos eventos e Sazii fica aqui comigo! – gesticulou – Você vai sozinha e olhe lá!

Decidiu não insistir. – Ok. No problem! -- começou a subir os degraus – E agora que acabou-se a discórdia, vou me preparar e gravar um vídeo incrível informando a meus seguidores que sou presença confirmadíssima na Parada! – deu tchauzinho – Valeu, mamys! Papys! – continuava subindo – Fui!

“E ela nem pra insistir...”-- Sayruci suspirou frustrada.

***

Abigail e Quitéria conversavam pelo telefone. A funcionária aproveitava para usar a linha do hotel enquanto Duarte estava envolvido em um evento na piscina.

--Graças a Deus tá tudo bem por aqui, minha filha. – a idosa respondia – E você aí, como vão as coisas?

--Na luta, né, tia? Aquela batalha do nosso dia a dia. Mas de saúde tudo bem, graças a Deus.

--E aquela golpista que te roubou? Nunca mais soube da tal?

--Ah, aquela ali desapareceu! Safada! – lembrava-se da mulher – Capaz de nunca mais nem ver! – mexia no fio do telefone – Ruim que com isso ainda não acabei de publicar meu conto. Tô escrevendo o último capítulo, não sabe?

“Ela e essas pistingas de conto...” – Quitéria pensou sem nada comentar – Falando nisso, aqui na cidade o povo anda em polvorosa! Domingo agora vai ser a tal da parada LGBT na Avenida Paulista. Dizem que esperam uns dois milhões de pessoas!

--Ave Maria! – arregalou os olhos – “Já pensou eu lá? Gail Nasser abrilhantando os evento LGBT?” – pensou empolgada – “Com dois milhões de leituras eu botava tudo que é autora no bolso!” -- devaneou

--Você não gostaria de vir? – convidou – Suas folgas não são aos domingos?

O coração acelerou. – Quisera tia! – sorriu – Tem dinheiro não pra pagar duas passagem de avião pra ir pra São Paulo... No sábado saio de sete da noite, sei nem os horário de voo depois disso, e na segunda cedinho já tenho que tá por aqui... – pausou brevemente – Eu adoraria rever a senhora, ir no evento, mas dá não... Acho que nem que tivesse o dinheiro não daria tempo...

“Seria muito puxado pra uma pessoa com a rotina de trabalho que ela tem.” – Quitéria pensou – “Deixa pra próxima.”

***

Vera estava animada como há muito tempo não se sentia. Ajudando a equipe de Natacha a cobrir a Parada do Orgulho LGBT, acompanhava atentamente a tudo que se passava. Também estava satisfeita que ao final foram encomendados 400 peças de chocolate erótico, o que lhe rendeu uma boa comissão.

“Quanta gente protestando pelo fora Brener!” – tirava fotos – “E cada protesto mais massa que o outro! Olha esse contra o carrancismo religioso!” – fotografou uma mulher trans protestando com uma falsa bíblia nas mãos

Paty Golezzo e Latifah seguiam radiantes no topo de um carro de som no qual um homem trans fazia um discurso apaixonado. Cada uma por uma razão diferente, ambas eram todas sorrisos e faziam mil poses para selfies imediatamente postadas no Fuçagram.

--Os transexuais ainda somos aqueles que no seio da comunidade LGBT mais sofremos preconceitos, discriminações e marginalização pela sociedade. – olhava para o público – Apesar de sermos aqueles com maior visibilidade, sofremos preconceito até mesmo dentro da própria comunidade LGBT! Especialmente o preconceito contra os homens trans! – provocou – E, nós, pessoas trans, somos as maiores vítimas de violência dentre todos! – agitava-se ao microfone – Hoje goz*mos de alguns direitos antes impensáveis, mas no entanto, o segmento trans, e aí eu falo de travestis, transexuais e transgêneros, carecemos de muito mais atenção, espaço e oportunidades! – pausou brevemente – Nós queremos o direito à identidade trans como uma realidade legalmente aceita e bem estabelecida! Eu quero o direito de ler o nome de Greg Mendonça no meu RG, ao invés do que está escrito lá, porque eu não me identifico em ser chamado de Jessica Mendonça, essa não sou eu! – falava do nome de nascença – E esse é o caso de centenas, milhares de homens e mulheres trans que lutam pelo simples reconhecimento do nosso nome social!

--Menina, eu já escutei cada história nessa Parada que me deixou passada! – Latifah comentou afetada – Como as pessoas trans sofrem violência, oh, mon Dieu! – revirou os olhos

--Os trans sofrem discriminação na escola, na família, no emprego, em todo lugar! – Patrícia respondeu – E é isso que leva à marginalização. – olhava para a outra – Não que nós, homossexuais cis, não sejamos vítimas também, é claro que somos. Mas a barra é muito mais pesada pro pessoal trans, com toda certeza!

--A gente do lado de cá nem pensa nisso, daí. – referia-se aos heterosexuais – Eu nunca tinha parado pra refletir, sabe, honey? – Latifah confessou – Uma vez aqui parece que me abriu um outro mundo! – gesticulou

--Ah, é? – perguntou interessada – “E essa Latifah é um bocado gata, hein? Só esses verdes são de ensandecer!” – pensou – Mas e aí? – começou a jogar um charme – Você ficou... curiosa pra entender mais? – sorriu insinuante – “Não posso sair dessa Parada sem pegar ninguém, não é possível!” – Patrícia pensava

“Jura que a maluca tá achando que eu quero dar uns pega nela?” – pensou achando graça – “Mas se bem que eu posso tirar uma vantagem dessa situação... Afinal de contas, ela tem pouco mais de meio milhão de seguidores e isso não é qualquer merd*!” – sorriu – Até que fiquei? – fez um gesto afetado – Que tal a gente gravar um vídeo juntinhas pra mostrar pros nossos seguidores como a gente tá fazendo bonito aqui na Parada? – propôs jogando um charme discreto

--Amei a ideia! – concordou de pronto – “E depois da Parada, a gente vai fazer mais bonito ainda entre quatro paredes!” – pensou assanhada

--Uai? – Vera percebeu que Latifah estava no carro de som que acabava de fotografar – Se ela veio... – o coração disparou – Sayzinha! Minha linda! Meu amor! – sorriu – Eu tenho que dar um jeito de abordar essa garota! – reparou que Patrícia estava no mesmo carro – E já sei até como fazer, uai! – ficou empolgadíssima

Bem longe dali, Abigail fazia limpeza em sua casa pensando no que estaria acontecendo na Paulista.

--Por essa hora, tem umas duas milhões de pessoas lá em São Paulo na Parada LGBT! – varria a casa – Ah, que fosse aqui! – desejava – Gail Nasser glamurosa, cercada de mistério, -- espremeu os olhinhos -- mandando beijo do alto de um carro de som! – segurou o cabo da vassoura como se fosse um microfone – É isso aí, meus fãs! – devaneava – Todo mundo protestando pelo povo trans! – gesticulou – É hora de TRANSformar, TRANSpassar, TRANStornar! – falava para ninguém – E Gail Nasser veio pra isso, pra TRANSgredir! – pensou no que havia acabado de dizer – E ói, que eu gostei! – considerou – Vou encerrar meu conto Lésbicas da Faraó com essa fala: Gail Nasser veio pra TRANSgredir! – sorriu – Frase de efeito, não sabe? As leitora hão de gostar!

***

Ao final da Parada, os participantes se concentraram na Consolação, onde o show de encerramento aconteceria. Vera trabalhava e ao mesmo tempo buscava se aproximar de Latifah para saber onde estaria seu grande amor.

--E aí, gostou? – Patrícia continuava jogando um charme – Foi sua primeira Parada LGBT aqui em São Paulo? – sorria ao brincar com uma mecha dos cabelos da outra

--Foi, my darling, eu nunca tinha vindo! – Latifah respondeu afetada – Agora virei freguesa! – piscou para a outra

“Assim você me mata! Ai, se eu te pego...” – Patrícia pensou ao suspirar – E... – aproximou-se um pouco mais – Você vai curtir a festa aqui com a gente? – mordeu o lábio inferior

--Até que vou, menina? – afastou-se delicadamente – Gente bonita, né? – sorria – “Agora é a hora de dar um perdido nessa maluca!” -- pensou

--Paty Golezzo? – Vera finalmente conseguiu se aproximar das duas mulheres – Lembra de mim? – sorria timidamente – Tô ajudando na cobertura do evento! – olhou discretamente para Latifah – Tudo bem?

--Ora, se não é Vera, a assessora da Gail! – cruzou os braços bem humorada – Tudo bem, garota? – deu beijinhos de comadre -- Conhece Latifah, outra maravilhosa influencer que apoia nossa causa? -- apresentou

--Oi! – sorriu para a jovem – Prazer, Vera. – percebeu que a mulher não se lembrava que já a conhecia do Iuba

Deu beijinhos também. – Prazer. – sorriu para ser simpática – “Aproveitar que essa criaturinha tosca chegou pra dar um jeito de meter um perdido nessa Paty Golezzo.” – pensou – Gentem, olha só, eu vou comprar uma bebidinha ali e já volto! – anunciou

--Eu compro pra você, que é isso? – Patrícia ofereceu gentilmente – Diz o que quer e eu te trago! – caprichava nos olhares

“Mas será possível que essa Paty Golezzo não deixa passar nada, uai?” – Vera pensou surpreendida – “É ruim que essa garota aí vai querer ficar com ela!” – reparou

--Ah... – não esperava por aquela resposta – Água tônica, please. – sorriu

--E você, Vera, quer alguma coisa? – ofereceu à outra também

--Agradecida. – Vera recusou com um gesto de negativa

--Me dê só dois minutinhos! – mostrou dois dedos para Latifah, deixando-os roçar brevemente nos lábios dela – Já volto! – soprou um beijinho e se afastou

Latifah revirou os olhos. “É agora que eu vazo, daí!” – decidiu

--É... uma licença? – Vera percebeu que a jovem estava de saída – A senhora Sayruci veio com você? – perguntou esperançosa

Surpreendeu-se com a pergunta. – Você conhece mamys da onde? – não podia imaginar

Já havia pensado previamente no que diria – Eu fiz uns serviço de Iuba pra ela em novembro. – respondeu timidamente – Quando é fé ela podia precisar de novo dessa vez... – tentava disfarçar a ansiedade

--Ah, tá. – passou a mão nos cabelos – Sinto informar que dessa vez não vai rolar. – fez um gesto despreocupado – Vim sozinha. – olhou na direção de Patrícia, que ainda comprava bebidas – E tô indo resolver umas coisinhas agora. – deu um sorriso breve – Kisses! Fui! – afastou-se rapidamente

“Ela não veio...” – decepcionou-se – “Ela podia ter vindo e não veio...” – ficou arrasada

--Olha a água tônica geladinha! – Patrícia voltava divertidamente – Ué, cadê ela? – estranhou e olhou para todos os lados – Quê que houve? – reparou em Vera – Cadê a Latifah, aconteceu alguma coisa? Você tá com uma cara de enterro!

--É que eu... recebi uma notícia que me deixou só o quimba... – respondeu com tristeza – E Latifah picou a mula. – controlava-se para não chorar – Meu trabalho ainda não acabou. Prazer te rever. – deu um tchauzinho e se foi

--Não acredito que tomei um tôco! – revoltou-se – Não é possível que eu volte pro Rio no zero a zero, puta que pariu! – olhou para as duas latas de água tônica em suas mãos – Tomar um porre disso aqui! – abriu uma lata e começou a beber – Será que ainda hoje acho companhia pra segunda lata? – reparava nas pessoas ao redor

***

Abigail aproveitava uma oportunidade na recepção para ligar para Vera. Desejava saber novidades sobre a Parada e ao mesmo tempo cumprimentar sua ex assessora.

--Alô. – atendeu com tristeza – Abigail? – perguntou desconfiada ao reparar no DDD

--A própria! – respondeu animada – E então, mulher, como vai?

Vera estava trabalhando no material coletado na Parada. Usava um computador da sala onde Natasha e suas colegas mantinham uma espécie de ONG.

--Vou bem... – não queria falar de si – E você, como vai? Posta o último capítulo do conto ou não, fi? – tentava fingir-se animada – Essa demora toda faz parte dos mistérios de Gail?

--De certa forma... – não desejava falar que estava sem notebook – Gerar um clima de frisson, não sabe? – sorria – Mas e então? Fosse ontem nas Parada?

--Trabalhei na cobertura dela. Na verdade, continuo trabalhando porque tô dando uma garibada nas fotos.

--Vixe, que massa! – sorriu empolgada – E as Dez Mais? Alguma delas apareceu? – queria saber

--Que eu visse não. A única pessoa daquele Congresso que encontrei por lá foi Paty Golezzo, sua ídola.

--Ex ídola! – retrucou de pronto – Hoje em dia tenho nojo daquela uma!

“Eu hein? Essas autoras mudam de ideia tão rápido!” – pensou – “Deve ter sido o que aconteceu com minha Khaalii...” – concluiu com tristeza – “Mudou de ideia...” – suspirou – “Minha Sayzinha...”

Fim do capítulo