--Ai, amiga, eu ando numa fase que vou te contar, viu? – Patrícia queixava-se com Diana ao telefone – Acredita que fui pra Parada do Orgulho LGBT, desfilei num trio elétrico, fiz falação, gravei pro meu canal, entrevistei gente e peguei ninguém? – reclamou

 

Diana riu gostosamente. – Paty do céu, não me diga que você foi pra Parada com esse propósito? – achava graça

 

--Claro que não, né? Fui no maior espírito de militância, dar apoio e tals, mas já que tava lá... Custava nada! – dizia a verdade – Apostei todas as fichas numa garota que parecia estar super a fim e na hora do vamo ver me deu um perdido no meio da multidão! – falava de Latifah – Depois disso, apareceu mais ninguém interessante.

 

--Também fiquei sabendo que você passou as férias em São Paulo na pilha da Bruna e voltou reclamando. – riu novamente

 

--E por que?? – retrucou indignada – Ela me fala que a cidade é verdadeiro brejo e eu fui no mar e não achei água! Até a motorista do Iuba me deu um tôco! – lembrava de Vera -- Tinha que reclamar!

 

Riu novamente. – Calma, criatura, há de aparecer uma garota legal pra você namorar. – deu força – Enquanto isso, aproveite as Frogs da vida. – referia-se à autora Carol

 

--Humpf, nem me fale daquela uma! – fez um bico – Vi que anda cheia de gracinha com umas leitoras que tão comentando no Reganheta. – falava do mais novo conto da outra – Daqui a pouco vou escrever uma coluninha acabando com a vida dela, espera só! – ameaçou – Safada!

 

Achou graça. – Ai, ai... Da Paty Golezzo eu tenho medo! – brincou

 

--E é pra ter mesmo! – concordou – Outra que se não abrir os olhos comigo vai dançar é a Khaalii. A mulher some do nada, deixa a gente por séculos esperando pra saber o que vai acontecer com Zayah e Sulah! – reclamava – Tem autora que é muito folgada, vou te contar!

 

--DONA PATRÍCIA!! – Joelma chegava gritando

 

--Dessa aí eu tenho mais medo ainda! Fui! – Diana desligou o telefone

 

--Ai, meus sais! – pôs o telefone no gancho e se levantou de um pulo – Boa tarde, chefinha! – estava dura como um pau – “E quem é esse que chegou com ela??” – reparava no homem ao lado da chefe

 

--Boa tarde. – respondeu com seriedade – Este aqui é o senhor Henrique, nosso novo despachante. – apresentou – Agora toda vez que tivermos qualquer trâmite alfandegário é com ele que a senhora vai tratar! – ordenou

 

--Meu cartão. – o homem foi até a jovem e entregou – Encantado. – cumprimentou formalmente

 

--Prazer é meu. – recebeu o cartão – Pode deixar, chefinha, de hoje em diante trato com o senhor Henrique. – sorriu solícita

 

--É isso aí. – Joelma respondeu com firmeza – Agora... – virou-se de frente para o homem – Infelizmente tenho reunião daqui a 5 minutos e não poderei lhe dar mais atenção. – falava toda melosa

 

--Eu entendo. – pegou a mão dela e a beijou – E quando poderemos... despachar novamente, Joelminha? – piscou

 

--Amanhã, Rique! – soprou um beijinho e foi para a sala

 

Henrique se despediu de Patrícia com um gesto de cabeça e partiu.

 

--Não é possível!! – Patrícia jogou-se na cadeira – Até a estressada da Joelma se arrumou com alguém e eu aqui na seca?? – chocou – Puta merd*!

 

***

 

Quitéria voltava do médico. Sentia-se triste com as notícias que recebera, mas não desejava dividi-las com ninguém. Decidiu que passaria no escritório de Érica para tratar sobre as últimas pendências do processo de transferência das ações em seu nome para Abigail.

 

“É só resolver esse problema das ações e posso finalmente ter sossego!” -- pensou

 

Enquanto o motorista guiava o carro pela Nove de Julho, admirava sem ver o mundo exterior, viajando no passado há muito distante.

 

“--Fran? – Quitéria chamava pela irmã – Vim me despedir de você. – aproximou-se lentamente e se ajoelhou ao lado da outra – Que bom que ela dormiu... -- olhou para a Celinha adormecida sobre a cama

 

Francelina olhou brevemente para a outra e lançou-lhe um sorriso triste. – Não se despeça. – pediu com brandura – Você volta, não volta? Modos de vim ver nós aqui? – cobriu a filha com um lençol leve – São Paulo é longe mas não é outro país.

 

--Volto. – respondeu sem firmeza – Sempre que Tibúrcio tiver que vim pra essas bandas, eu venho mais ele, não sabe? – prometia o que não podia cumprir

 

--E enquanto não volta, vamos trocar umas carta. – segurou a mão da irmã – A gente nunca vai se separar, não é? – perguntou com os olhos marejados

 

--Nunca! – derramou uma lágrima”

 

--E a gente se separou... – Quitéria sussurrava para si mesma – Por minha culpa... – continuava lembrando de lances do passado – Por causa de minha covardia, de meus medos diante de Tibúrcio...

 

“--Tá vendo esse marzão lindo, muiézinha? – Quitéria mostrava para a sobrinha – Não é uma belezura? – admirava

 

--Ave Maria, se é! – a jovem respondeu encantada – Eu nunca que tinha subido no alto do Morro do Careca! – exclamou empolgada

 

As duas mulheres estavam sentadas no topo da duna.

 

--Quando mãínha, sua mãe e eu viemos morar aqui em Natal, esse foi um dos lugares que mais me encantou, não sabe? – contava – Tia Vitória ainda era boazinha pra nós e trouxe nós tudo pra ver o alto dessa duna. – lembrava – Depois que mãínha morreu, teve uma vez que fugi e vim aqui sozinha, espiar esse mar.... Cada onda que vem e que vai... – viajava no tempo -- Eu pedi pras água trazer o que eu mais queria e elas me trouxeram Tibúrcio, que me tirou da vida... – referia-se à prostituição

 

--As água traz o que gente mais quer, tia? – a jovem perguntou esperançosa

 

Sorriu. – Pois diga aí, menina, deseje o que você mais quer! – falou bem humorada – E peça pro mar!

 

--Eu quero que o mar traga a senhora de novo e que da próxima vez que vier, nós tudo vamo simbora do puteiro! – desejou esperançosa – Pra sempre!”

 

--E eu nunca fiz isso... – pegou o lenço para secar os olhos marejados – Eu não voltei... mas como queria ter voltado... Ai, e como queria... -- lamentava

 

--Algum problema, dona Quitéria? – o motorista perguntou preocupado

 

--Não se preocupe, João Paulo. – respondeu com um sorriso triste – São apenas lembranças de uma velha...

 

***

 

Sayruci viu que a filha tomava sol deitada numa espreguiçadeira na beira da piscina e decidiu ir abordá-la.

 

--Oi, filha! – beijou a cabeça dela – Milagre é esse de você aqui?

 

--Oi, mamys! – sorriu ao abaixar os óculos escuros – Aproveita esse dia inusitado de sol e calor em pleno mês de junho pra depois não dizer que esqueceu como é! – brincou – Quando voltar o frio se segura, daí! – recolocou os óculos

 

--É mesmo, hoje nem parece junho. – sentou-se em uma espreguiçadeira – Acabou que você não disse como foi lá na Parada... – sorriu – “Queria tanto ter ido...” – lamentou mentalmente

 

--Ih, nem te conto! – sentou-se empolgada – Mamys, não foram as tais das duas milhões de pessoas que tanto esperavam, mas pelo menos umas trezentas mil apareceram! – gesticulava – Gravei pro meu canal com uma influencer do Rio e você não sabe, bombou! Acredita que numa tacada só pulei pra marca dos 70 mil seguidores? – falava afetadamente – Vi cada coisa tão massa e muito protesto irado! – contava -- Tinha gente protestando contra o vampirão, contra esses religiosos reaça, contra o estupro de uma mina lá no Rio... E tudo num bom gosto, sabe? Adorei os modelitos, as perucas... – cruzou as pernas – Maqueei um bocado de drag e agora elas tão tudo no meu canal, imagina! Só abrilhantando! – riu

 

Sayruci acabou achando graça também.

 

--Eu vi até chocolate erótico pra vender, mamys, abafa o casoo! – fingiu que contava um segredo – Comprei um e morri! – gesticulava -- A gente morde e o leite condensado escorre pela boca, mamys, olha que coisa pervertida! – riu novamente

 

“Chocolate erótico?” – surpreendeu-se – “Será coisa da Vera?” – achou graça mais uma vez – “Ai, minha caipira doidinha...” – suspirou – Então pelo visto, você gostou? – observava a filha – E além de tudo isso... qual o aprendizado pra você?

 

--Mamys, eu fiquei foi numa confusão mental muito loka! – gesticulou com mais ênfase – Vi um monte de homem trans super gatinhoo! – pôs a mão no peito – Aí eu pensava: Gentem, mas é muito perfeito, olha isso, Senhorrr! Tem peitinho forte e cabeludo, bíceps fortinho, barbinha, coxão grosso, bumbum empinadinho, ai, que tudo! Mas na hora H é pepeca, né? – considerava – Aí eu pensei de novo: Gentem, se eu pego um desses sou o que? Hetero repaginada, bi antenada, homo desligada...? – olhou para a mãe – Fiquei numa dúvida tão atroz que no final preferi só observar. – deu um tapinha no braço da outra – Acredita que a tal influencer do Rio achou que rolava de ficar comigo? – achou graça – Mas não dava jogo, no way! – revirou os olhos – Dei um perdido nela e vazei!

 

--Ah... – riu mais uma vez – Filha, eu não estava me referindo a isso de pensar em ficar ou não com alguém. Quando falei de aprendizado me referi ao que você pôde perceber daquelas pessoas, sua visão sobre elas e a luta delas. – queria entender como a jovem pensava – Porque muita gente considera que aquilo ali é palhaçada.

 

--Palhaçada, não... – negou com a cabeça – De fato, ouvi muita história punk, triste, down... – lembrava – Pessoal trans sofre muito, mamys! É cada coisa que fazem com eles, sabe? – considerou – A luta deles não é qualquer coisa, daí!

 

--E não é mesmo! – concordou imediatamente – É inegável que os trans são os mais expostos à violência e ao preconceito, mas todos que fogem à heteronormatividade sofrem muito... – pensava em si mesma – Não é fácil ser homossexual! Especialmente quando se nasce em meios muito conservadores, tradicionais...

 

--Por essas e outras que eu dou graças a Deus por ser hetero! – deitou-se novamente – Menos um problema!

 

“Sorte a sua!” – pensou

 

--Ah, deixa eu te contar. – cruzou os braços por cima da cabeça – Apareceu até uma motorista de Iuba perguntando por você!

 

O coração acelerou. – Por mim?? – ficou tensa – “Vera?? O que será que ela disse a Latifah, meu Deus?” – estava com medo

 

--Ela disse que dirigiu pra você em novembro e queria saber se dava pra ser mais uns rolê dessa vez. – olhou para a mãe – Saquei que foi ela que te levou pros seus encontros misteriosos! – provocou – Depois me arrependi de não ter perguntado pra tal quem foi o bofe secreto que você pegou e não revela nem sob tortura! – prestava atenção nas reações da mãe

 

--LATIFAH! – ralhou olhando para todos os lados

 

--Relaxa, mamys. – riu brevemente – Eu tinha visto que a barra tava limpa; no outsiders! – referia-se aos funcionários da casa

 

Reclinou o corpo na direção da filha. -- Você não pode sair falando essas coisas assim e aqui! – continuava ralhando – Tudo nessa casa é vigiado e se Samir ou maama ficam sabendo...

 

--Mamys, quer relaxar? – não via problemas – No reasons to overreactions!

 

--Overreactions? – riu do absurdo -- Se maama sonha em saber do que houve em São Paulo, -- olhava nos olhos da jovem – ela é capaz de me internar! – falava com seriedade

 

--Nossa! – achou estranho – Tá. – fez um gesto despreocupado – Assunto encerrado! – deitou-se de lado

 

--E... o que você disse a ela, à motorista? – estava curiosa

 

--Que você não foi. – respondeu simplesmente – Por que? Tinha recado pra ela levar... pra alguém? – provocou

 

--Não. – levantou-se – Fico feliz que essa Parada tenha ensinado coisas a você. – olhava para a jovem – Espero que nunca se esqueça. – soprou um beijinho e se retirou

 

Latifah não entendeu o recado mas não se incomodou. Permaneceu curtindo o solzinho da manhã.

 

“Foi muito ruim Vera ter encontrado com Latifah e perguntado sobre mim.” – pensava enquanto subia as escadas – “O que será que ela pensou? Será que achou que eu não fui porque não quis?” – preocupava-se – “Tomara que ela não fique pensando bobagens!” – desejou – “Não tenho coragem de ligar pra ela. Não sei até que ponto maama está me vigiando...” – passou a mão nos cabelos – É muito difícil! – falou para si mesma e olhou para o terço em seu pulso – “Ai, amor, se você soubesse como penso em você...”

 

***

 

Abigail finalmente acabava de escrever o capítulo final do conto Lésbicas da Faraó.

 

--Pronto, agora é só postar e investir numas boas dedadas com Rita mais Jailson! – estava satisfeita com sua obra – Com o final magistral que eu dei, quero só ver se vai ter Paty Golezzo ou qualquer outra Satanás do tipo pra dizer que não prestou!

 

Enquanto isso, Jailson, Maria José e Laerte tentavam desentupir a fossa, perto da piscina.

 

--Num era pra eu tá fazendo isso! – Jailson reclamava com metade do corpo dentro da fossa – Nunca vi mensageiro de hotel com essas tarefa! – enfiav* um vergalhão no buraco do esgoto

 

--E eu que sou cozinheira? – Maria José protestou enquanto fixava o carretel do vergalhão – Imagina fazer comida fedendo a bosta?

 

--Será que vai sujar meu fardamento, hein? – Laerte apoiava o corpo do colega – A blusa é branca... – reclamava

 

--Oxe! – Jailson levou um susto – Descobri o que entupiu tudo aqui! – arregalou os olhos – Tem uma galinha morta entalada na caixa de gordura! – estava pasmo

 

--Ave Maria, e quem joga uma galinha pela descarga do vaso? – Laerte chocou

 

--Homi, tire essa bicha daí! – Maria pediu apavorada – Bote ela no saco de lixo que eu trouxe, ói! – apontou para o saco – E vamo simbora daqui pra desenterditar logo essa piscina, não sabe? Daqui a pouco os hóspede vão reclamar!

 

--E num vestiram a bicha com calcinha e sutiã? – Jailson pelejava para tirar o animal morto daquele buraco

 

--Vôti! – os outros dois exclamaram pasmos

 

--Ah, tirei! – o mensageiro prontamente jogou o animal dentro do saco de lixo e pulou pra fora da fossa – Ave Maria, tá me dando até vontade de vomitar, num sabe? – sentiu-se enojado

 

--Que fedor miserável! – Laerte ficou enojado também

 

--Me ajuda aqui a enrolar esse arame! – Maria pedia – Tem que fechar a tampa da fossa! – tentava enrolar rapidamente mas não conseguia

 

E um barulho estranho se fez ouvir. – CHIC CHIC CHIC CHIC

 

--Mas que diacho... – Jailson aproximou-se da fossa novamente – AHAHAHAHAH!!! – berrou

 

--AHAHAHAHAH!!!! – Maria José e Laerte berraram também

 

--Conto postado e revisado! – Abigail exclamou após reler o que escreveu – Vamos às dedada... – começou a clicar

 

--Bigail! – Rita apareceu correndo na porta da sala de lazer – Corre que tem um problemão aqui, não sabe? – estava desesperada – Uma ruma de rato e barata invadiu o hotel, mulher, corre!

 

--VIXE!! – arregalou os olhos – Que conversa é essa?

 

--Pra piscina, corre! – foi embora

 

--Mas uma criatura pode produzir conteúdo em paz assim? – levantou-se reclamando – Duvido que Black Velveteen, LesGeek ou qualquer uma dessas autora consagrada viva passando por isso, não sabe? – seguiu para a recepção – Mas Rita também é bicha exagerada. Quero ver isso de ruma de bicho! – pegou o corredor para a piscina -- Minha Nossa Senhora! – arregalou os olhos apavorada

 

Ratos e baratas corriam desgovernados pela piscina e começavam a se espalhar por outras partes do hotel.

 

--Simbora matar os bicho, Bigail! – Jailson tentava cortar a cabeça dos ratos com a foice – Arre, peste! -- pulava

 

Rita e Maria José davam vassouradas aleatórias, enquanto Laerte sapateava como um dançarino mexicano.

 

--AHAHAHAHAH!!!!!!!! – hóspedes gritavam de suas janelas – SOCORRO!!

 

Duarte gritava apavorado em cima de uma cadeira de plástico. – MATA, MATA, MATA!!! – não sabia o que fazer – SOCORRO!!!

 

E o fuzuê era completo.

 

--Eu já sei! – teve uma ideia – Cambada, vem comigo! – bateu palmas chamando pelos colegas – Simbora pra recepção! – correu para dentro

 

--VAI, VAI!! SIMBORA, GENTE!! – Duarte orientava para que seguissem Abigail e eles foram – AI, MINHA NOSSA SENHORA, VALEI-ME! – clamava aos céus

 

Em poucos instantes, Abigail e os colegas vinham com extintores de gás carbônico para baforar nos bichos.

 

--Duarte, -- Abigail gritou -- pegue uma vassoura e trate de varrer essa ruma de barata e rato congelado, simbora, homi! – ordenou – Toma, peste! – baforou um coletivo baratesco

 

Ao contato com o gás os animais congelavam momentaneamente, dando tempo para que fossem apreendidos de alguma forma.

 

--Vou pegar todos os saco de lixo que tiver! – Laerte correu para a cozinha quando seu extintor esvaziou

 

--Que coisa horrível! – Duarte se enojava ao varrer – “Um gerente de minha estirpe, varrendo essa ruma de rato e barata congelada!” – pensou desgostoso

 

No dia seguinte Duarte estava com os funcionários na sala de convenções. Eram quase três da tarde e todos assistiam a um vídeo recentemente lançado na internet, o qual o gerente projetava no telão.

 

Bichos escrotos saiam dos esgotos,

Bichos escrotos venham enfeitar...

 

Imagens mostravam ratos e baratas saindo da fossa perto da piscina enquanto os funcionários tentavam em vão dar cabo deles.

 

Meu lar,

Meu jantar,

Meu nobre paladar...

 

Maria José e Laerte apareciam nitidamente uniformizados como funcionários de cozinha.

 

Bichos, saiam dos lixos,

Baratas me deixem ver suas patas...

 

Jailson rapava a foice no chão buscando decapitar ratos e baratas.

 

Ratos entrem nos sapatos,

Do cidadão civilizado...

Titãs - Bichos Escrotos [1]

 

Duarte sapateava descalço em cima da cadeira de plástico. Ratos se divertiam dentro de seus sapatos.

 

O vídeo terminava com Abigail chegando com o extintor de incêndio.

 

--A conta dessa brincadeira foi cara! Esse vídeo jogou nossa reputação no ralo! – Duarte falava desconsolado ao desligar o telão – Quase todos os hóspedes fizeram check out antecipado, os extintor tão tudo descarregado e a água da piscina ficou uma danação! – olhava para os funcionários – Sem contar de que ainda vou ter que pagar uma dedetização no hotel inteiro, pois sabe Deus onde esses bichos foram parar!

 

“Tinha barata até nos fundilho de minhas calças!” – Jailson pensou enojado

 

--Isso fica de lição pra você e pro dono do hotel! – Abigail afirmou de imediato – Onde já se viu colocar o mensageiro e o pessoal da cozinha pra desuntupir fossa? – gesticulou – Pagasse uma firma especializada e não tinha acontecido isso!

 

--A gente não tava preparado, não sabe? – Maria José concordava com a colega – E nunca que se ia imaginar que alguém que se hospedou nesse hotel vestisse uma galinha com calcinha e sutiã, fizesse saber-se lá o que, matasse a bicha e jogasse na descarga!

 

--Isso é coisa do Cão, Ave Maria! – Laerte se benzeu

 

--E o hotel não pode ficar sem extintor de incêndio, Duarte! – Rita advertiu – Isso tem que ser resolvido pra ontem!

 

--Eu devia descontar do seu salário, visse Abigail? – olhou para ela de cara feia – Afinal, a ideia foi tua! – acusou

 

--E não fosse isso, os bicho tinha se espalhado pelo hotel inteiro e mais pelas vizinhança, aí sabe quantos hóspede ia ter por agora? – respondeu de pronto – Nenhum! – falava de cara feia – E o hotel ainda ia ter que pagar dedetização pro prédio do lado! – gesticulava – Quer me descontar? Eu tive atitude! E o senhor, o gerente do hotel? Fizesse o que? Desse pití, gritando feito um filho de uma égua! Taí o vídeo que não me deixa mentir!

 

--É isso aí!!! – os demais concordaram

 

Duarte ajeitou a gravata no pescoço. “Se o dono do hotel assistir essa pistinga de vídeo, tô na rua!” – pensou preocupado

 

***

 

Sayruci conversava discretamente com a cozinheira. Fingia que falava de assuntos domésticos.

 

--Você tem certeza que esse plano é seguro, Maristela? – perguntou em voz muito baixa – Estamos falando aqui sobre coisa muito séria! – advertiu – Preciso que a encomenda chegue no destino completamente segura e íntegra! – olhava para a mulher

 

--A senhora fique tranquila! – respondeu convicta – Na minha hora de sair, pego a bolsa que a senhora escondeu no jardim, levo como se fosse o lixo pra jogar fora e deixo perto do poste na saída do condomínio. – contava o plano – Meu marido virá no caminhão de lixo e vai pegar esse embrulho separado. Depois meu irmão encontra o caminhão dele perto do trevo e segue caminho pra Medianeira, onde vai pernoitar. Dia seguinte, o sol raiou, ele segue pra São Paulo. – preparava o jantar – Assim que entregar pra quem de direito, vai me ligar avisando e eu digo pra senhora. – olhou para a patroa – Ele não volta mais pra cá, nem vai ficar em São Paulo. – pegou um vidro de tempero – Vai seguir direto pra Belo Horizonte, atrás de reconquistar a ex mulher que voltou pra lá com meus sobrinhos. – explicou

 

“Deus queira que dê tudo certo!” – desejou mentalmente – Vamos conversando. – balançou a cabeça em acordo

 

--Nós devemos muito a senhora! – afirmou com gratidão – Todos nós! – olhou novamente para a patroa – Ninguém vai dar errada nesse arranjo. Tem minha palavra! – pausou brevemente – E ninguém sabe o que tem na bolsa! – garantiu -- Do jeito que a senhora me pediu!

 

--Eu confio. – respondeu com sinceridade – Agora vou cuidar de algumas coisas. Obrigada.

 

--Eu que lhe agradeço! -- sorriu

 

A morena também sorriu, fez um gesto de cabeça e saiu da cozinha. Pegou o celular e começou a escrever uma mensagem.

 

“Até agora deu tudo certo. Ai, Senhor, permita que as joias cheguem sãs e salvas nas mãos de Vera, eu imploro!” – pedia mentalmente

 

A cerca de 1060 km de distância, Vera não percebeu o celular vibrando em cima da poltrona. Vestia apenas a roupa íntima e mirava sua própria imagem no espelho do banheiro. Julho começava e os dias frios e cinzentos do inverno pareciam tornar a saudade e a solidão que sentia ainda mais crueis. Lembrava-se de trechos da discussão recente que teve com Socorro.

 

“--Será possível que você não vê um palmo diante do nariz, criatura custosa? – Socorro advertia – A mulher tá triste, lutando pra se libertar das garras do marido ruim, da família tinhosa – falava com ironia -- e no entanto, é pousando junto com a filhinha em anúncio de joia! – falava alto – Eu vi na internet, não foi ninguém que veio me contar, não, fi!

 

--Você não sabe de nada, Socorro! Nada! – argumentou com olhos marejados

 

--Ela te usou o tempo todo! Não vai mais aparecer! – gesticulava – Cadê ela no dia da Parada? A filha veio, mas e ela? Não veio junto dessa vez por que??

 

--Ela me prometeu que não ia me deixar! – derramou uma lágrima

 

--Ela mentiu, sua trouxa! – respondeu de pronto – Faz as pazes com a realidade e pára de sonhar com o que NÃO vai acontecer! ELA NÃO VAI VOLTAR!”

 

Derramou uma lágrima e acompanhou sua trajetória através da imagem refletida no espelho. Lembranças de fatos passados, há muito tempo adormecidas, voltaram a lhe atormentar.

 

“--Vera, mas será possível? – o pai gritava com ela – Você quebrou o jarro de flor da patroa, menina? – pegava os cacos no chão – E eu digo a ela o que? Me fala? – estava furioso

 

--Foi sem querer, papai! – abaixou a cabeça

 

--Você faz tudo errado! – exclamou com desgosto – Não foi a toa que sua mãe morreu quando trouxe você pro mundo!”

 

Mais lágrimas fugiam daqueles olhos tristes. Mais lembranças castigavam seus pensamentos.

 

“--Essa filha de Teodorico é uma menina feia, enjambrada! – uma vizinha comentava com o marido – Tinha que ver como ficou um traste vestida com a roupa que a vó deu! Parecia até aqueles homi afeminado que se veste de muié! -- riu

 

--Eu tenho pra mim que a falecida pulou a cerca! – o marido respondeu – Não pode um casal tão bonito fazer uma menina dessa, que nem parece uma garota! – comentou desgostoso – Homi nenhum vai querer casar com ela!

 

--Pelo menos é boa pro trabalho. -- a vizinha continuava – Bem fez Teodorico que mandou voltar da capital pra se dedicar à lida na fazenda. – comentava – Estudar pra que? Não ia dar pra nada mesmo, então pelo menos ajuda o pai aqui.

 

Vera capinava a uma certa distância deles, mas ainda assim podia ouvir tudo que diziam.”

 

A caipira secou os olhos molhados com as duas mãos como se quisesse espantar as lembranças, mas elas teimavam em lhe importunar.

 

“--Vem! – puxava a outra pelo braço -- Aqui ninguém vai aparecer! – Marcinha segurou a gola da camisa de Vera – Me beije! – pediu antes de beijá-la – Vem... – beijou-a novamente

 

--Hum. – interrompeu o beijo – Tem certeza? – perguntou preocupada – Minha madrasta passa por aqui quando volta da igreja! – advertiu – Ela gosta de ver as caliandra florida!

 

--Ela já passou, uai! – respondeu sorrindo – Eu vi! – beijou-a novamente

 

--Então... tá... então... – falava entre beijos – Vem! – abraçou-a com força

 

--Ai... – beijavam-se com intensidade

 

--Mas que patifaria é essa aqui??? – uma voz feminina as interrompeu subitamente

 

--Dona Yeda? – a jovem se apavorou ao se desvencilhar da outra – Me socorre aqui, por favor! – correu para junto da mulher – Ela me agarrou à força, eu não queria! – começou a chorar

 

--Marcinha?? – Vera ficou revoltada – Pois foi você que me trouxe pra cá pra ficar comigo! – falava com indignação – Como pode dizer uma calúnia dessa??

 

--Eu sei muito bem quem você é, menina! – acusou -- Esse teu jeitinho sonso nunca me enganou! – Yeda abraçou Marcinha, que continuava chorando – Vou contar tudo pro teu pai e ele vai te botar pra correr daqui em dois tempos!

 

--Eu não agarrei ninguém à força, é mentira! – chorava contidamente – Ela mente pra ninguém saber que a ideia foi dela!

 

--Marcinha é muié com jeito de muié! Você é muié macho e isso qualquer um vê! – Yeda continuava acusando – Só me faltava provar e hoje eu tirei à limpo!”

 

--Por que ninguém nunca gostou de mim de verdade? – perguntou com muita tristeza – O que você tem de errado, caipira miserável? – olhava para a própria imagem com raiva – Qual é o seu problema, hein? – deu um soco no espelho e cortou a mão direita no vidro – AH!!!!!!!!!!!!!! – berrou de tristeza – AH!!!!!!!!!!!!!!!! – chorava desejando morrer

 

O sangue escorria pela mão e antebraço, manchando a cuba da pia de vermelho. Vera chorava e gritava, perdida entre as dores do passado e a desilusão que sentia quanto ao amor que julgava nutrir sozinha.

 

***

 

Sayruci estava trabalhando no restaurante em mais um festival de inverno. Calculava que pela hora o irmão de Maristela já teria entregue a bolsa para Vera. Aguardava notícias disfarçando a ansiedade que a consumia. Estava na cozinha quando um garçom lhe avisou que alguém a aguardava do lado de fora.

 

--Maristela? – aproximou-se rapidamente da mulher – Nossa, que cara é essa? – perguntou preocupada – Aconteceu alguma coisa? – ficou nervosa – “Meu Deus, o que pode ter dado errado?” – pensou aflita

 

--Dona Sayruci... – pensava em como dizer – Meu irmão chegou bem no endereço que a senhora deu, mas a moça que tinha que procurar não tava lá, daí. Disseram que foi internada. Coisa de um acidente que sofreu ontem, não sei. – pausou brevemente – Disseram que foi uma coisa horrível.

 

--O que?? – sentiu o coração disparar – Como assim, acidente horrível?? – um mal estar tomou conta de seu corpo – Acidente de carro, o que foi?? – estava nervosa

 

A cozinheira reparou na reação e ficou preocupada. – Calma, por favor dona Sayruci, a senhora chega ficou pálida! – segurou uma das mãos da patroa – Eu não sei o que foi, meu irmão não conseguiu detalhes. – pensava em como dizer – Mas... sem saber o que fazer ele entregou a bolsa pra senhora que deu a notícia a ele. Uma tal de dona Alcilene, moradora do mesmo prédio. – estava visivelmente constrangida – E de lá ele foi embora pra BH.

 

--Meu Deus! – ficou ainda mais preocupada

 

--Eu nem sei o que dizer... – colocou a mão na testa da morena – Nossa, a senhora tá gelada! – assustou-se

 

“Que acidente terá sido esse?” – não conseguia pensar direito – “Meu Deus, será que perdi tudo?” – mal se aguentava em pé – “Perdi o amor da minha vida e a chance de mudar essa realidade que eu vivo?” – começou a tremer

 

--Ei, por favor! – Maristela acenou para um garçom – Traz uma cadeira aqui, rápido! – pediu – Calma, dona Sayruci! – segurou as duas mãos da patroa – Vai ficar tudo bem, calma, pelo amor de Deus! – estava com medo

 

“Mas que movimentação é essa?” – Zorayde estava no restaurante com algumas amigas e estranhou o burburinho de funcionários do lado de fora – Queridas, -- limpou os lábios com o guardanapo – com licença, sim? Preciso ver o que está se passando, perdoem. – gentilmente cumprimentou e seguiu para ver

 

Sayruci sentou-se na cadeira que lhe foi trazida e recebeu um copo de água com açúcar.

 

--Beba, dona Sayruci. – um garçom pediu – Isso é o estresse do trabalho, restaurante cheio... – tentava entender o que ocorria

 

A morena tremia cada vez mais e chorava de forma contida. Não dizia uma palavra sequer. Lembranças do que se passou quando fora forçada a deixar a universidade misturavam-se em sua mente e a deixavam confusa.

 

“Meu Deus, eu devia ter dado a notícia de outra forma...” – Maristela não sabia o que fazer – “Tem que chamar um médico, nunca vi a patroa assim!” – levantou a cabeça e viu que a mãe da morena as observava -- “Ai, meu Pai, dona Zorayde!” – engoliu em seco

 

Zorayde percebeu que a filha era a causa do burburinho e se preocupou. “Sayruci está passando mal?” – não entendeu – “Vamos ver isso!” – seguiu na direção dela

 

--Tem uma pessoa ligando pra dona Sayruci! – um dos garçons veio correndo com o telefone sem fio na mão – Ela tá podendo falar? – perguntou para os colegas

 

--É claro que não, imbecil! – Zorayde se meteu na conversa – Não vê que minha filha está passando mal? – falava de cara feia

 

--Desculpe senhora. – respondeu constrangido – É que é uma moça de São Paulo e ela diz ser muito importante...

 

--São Paulo? – ficou curiosa – Venha, -- estendeu a mão – me dê esse telefone! – pediu e o homem obedeceu – Alô? – atendeu e fez sinal para o funcionário se afastar

 

--Escuta aqui, dona Sayruci, -- Socorro foi logo dizendo – a senhora é uma grandessíssima canalha! – pensava estar falando com a própria – Minha prima teve uma crise nervosa como não acontecia há anos por causa da sua falta de caráter! – acusou

 

Interessou-se pela conversa. – Como assim? – passava-se pela filha – Qual teria sido a minha falta de caráter? – sondou

 

--Não se faça de besta, sujeitinha! – respondeu de pronto – Primeiro foi a coisa de seduzir a prima com aquela sua conversinha mole de conto lésbico, troca de e-mails, telefonemas melosos... A pobre madame rica do marido ruim! – falava ironicamente -- Depois veio aqui por duas vezes e se divertiu que chega dói na cama da prima, tomando tiro na curnicha por horas a fio! – sentia raiva da outra – Aí a madame cansou, inventou uma historinha e sumiu!

 

“Então...” – olhou para a filha – “Ela realmente tem uma amante em São Paulo!” – concluiu com ódio – “E se afastou da tal, na certa, pra me enganar!”

 

--Sabia que a prima tá internada por sua causa? – continuava acusando – Você prometeu a ela que ia ficar com ela, que ia mudar a vida toda por causa dela! E pra que, sua canalha, pra que? Só pra ver ela destruída do jeito que ficou!

 

“Mudar de vida por causa dela...” – Zorayde olhava para a filha tomada pela fúria – “Sayruci fez todos nós de idiotas!” – pensava furiosa

 

--Nunca mais se atreva a procurar por ela, senão eu mesma me encarrego de te quebrar a cara, sua desgraçada! – ameaçou – E tá avisada! – desligou

 

“Eu não acredito!” – Zorayde pegou o celular e procurou um número

 

--Eu vou chamar um médico pra patroa agora! – um garçom corria para a cozinha

 

--Não! – Zorayde mostrou o telefone sem fio em suas mãos – Leve esse telefone. Eu estou chamando um médico! – o garçom foi até ela e recebeu o aparelho – Leve! – fez sinal para que se afastasse

 

--Clínica Psiquiátrica Salim Farjan, boa noite. – uma mulher atendeu do outro lado

 

--Boa noite, aqui é Zorayde Ajami. – apresentou-se – Envie uma ambulância agora mesmo para o restaurante Al-Hafeez, por gentileza. Preciso internar minha filha Sayruci com urgência!

 

***

 

Samir e Latifah chegaram nervosos à clínica psiquiátrica. Zorayde os aguardava na sala de espera e se levantou quando os viu entrando.

 

--Viemos assim que soubemos! – o homem falou nervoso – Por favor, minha sogra, me conte tudo! – segurou as duas mãos da mulher

 

--Vóvys, que história heavy foi essa de internar a mamys nesse lugar? – a jovem perguntou em choque – Aliás, nem gostei daqui! – reparava no ambiente – Lugarzinho down, viu? – fez uma cara feia

 

--Sayruci teve uma crise nervosa no restaurante. – a idosa respondeu seriamente – Perdeu a fala, ficou tremendo, uma coisa horrível! – dizia a verdade – Fazia mais de vinte anos que isso não acontecia, mas enfim, se repetiu. – olhava para os dois – Na ocasião fomos aconselhados a interná-la, mas meu marido mudou de ideia porque Sayruci era muito jovem, estava de casamento marcado... – lembrava dos fatos – Só que depois do que vi hoje, decidi que era o melhor a fazer.

 

--Sazii teve uma crise naquela época? – o homem não sabia – E por que teve outra crise agora, o que aconteceu? – queria entender

 

--Como assim, decidiu que era o melhor a fazer? – Latifah perguntou indignada – Vóvys, com todo respeito, -- riu nervosa – desde quando medicina é o seu forte?

 

--O doutor Salim os espera para explicar tudo. – respondeu calmamente – Venham comigo. – indicou o caminho

 

--Eu quero entender isso! – Samir ajeitou o paletó enquanto caminhavam – Não pode uma pessoa vir muito bem e de repente uma crise! – não aceitava – “Logo agora que nosso casamento andava tão bom!” – pensou

 

--Eu tô passada com isso! – Latifah achava tudo muito estranho – “E vóvys, como sempre, com esse coração de aço!” -- pensou

 

--Sayruci só precisa de um tempo aqui e tudo ficará bem. – Zorayde buscava convencê-los – No futuro vocês me agradecerão! – acreditava que fazia o certo – “Eu jamais deixaria minha filha largar tudo pra viver com sei lá que mulherzinha em São Paulo ou seja lá onde for!” – pensou com decisão

 

***

 

--Morada dos Deuses Palace Hotel, bom dia! – a funcionária atendeu solícita

 

--Bom dia. Será que eu poderia falar com a senhora Abigail, por gentileza? – pediu

 

--É ela. – identificou-se – Como posso ajudá-la?

 

--Olá Abigail. Ainda não nos conhecemos pessoalmente mas já ouvi muito falar de você. Meu nome é Érica, sou advogada e amiga da sua tia Quitéria. – identificou-se também – Estou ligando porque tenho que lhe dar notícias sobre ela. – pensava em como dizer

 

--Oxe, aconteceu alguma coisa com minha tia? – perguntou preocupada – Fale logo, mulher, que eu já fiquei num aperreio só! – estava nervosa

 

--Desculpe por lhe deixar assim, mas tenha calma. – buscou tranquilizá-la – Dona Quitéria foi internada hoje no Centro de Oncologia do Hospital Werner Heisenberg. – pausou brevemente – Você não sabe mas ela teve câncer no seio, operou, se tratou... O problema foi que voltou.

 

--Valei-me, Deus! – os olhos marejaram

 

--Nem eu sabia que tinha voltado. Ela escondeu de todo mundo. – falava a verdade – Agora não estava mais aguentando as dores e por isso se internou.

 

--E pode visitar? Eu quero ver ela aí nesse hospital! – afirmou de imediato

 

--Também te liguei por isso. – pausou brevemente – Olha, temos muito que conversar, mas o principal agora é você vir. Eu te mando as passagens por e-mail, não se preocupe com nada, apenas em fazer as malas e vir. – orientou – É só me dizer quando vai poder e eu...

 

Interrompeu a fala da advogada -- Pego o primeiro avião que você conseguir passagem, não sabe? – respondeu com decisão – Eu tô sem celular, mas você liga aqui pro hotel e me diz. Vou ficar de olho nos e-mails também!

 

--Pode deixar. Em menos de uma hora retorno e te falo sobre o voo. – pausou brevemente – Tenhamos fé! Até mais.

 

--Até. – ouviu a ligação ser encerrada

 

Rita prestava atenção e ficou surpresa. -- Mulher, tu vai pra São Paulo visitar a tia? – perguntou de imediato – Vai como, se não tá em tempo de tuas férias?

 

--Não me interessa, Rita. – colocou o telefone no gancho – As passagem chegando, eu vou! Nem que seja só com a farda do hotel! – olhou para a amiga

 

--Eu entendo que a causa é séria mas o hotel tá em crise! Se tu for assim no susto, Duarte vai te demitir! -- advertiu

 

--Pois que demita! – a decisão já estava tomada – Minha família só tem três pessoa! – falou com os olhos marejados – Você, Jailson e tia Quitéria! – a amiga se emocionou também – E ela tá precisando de mim muito mais que vocês!

 

--Ai, mulher... – abraçou-se com a outra – Faz o que teu coração tá mandando, então! – fechou os olhos – E nós vamos ficar aqui rezando, se pegando com Deus pra dar tudo certo!

 

--Amém! – fechou os olhos também – “Por favor, Senhor, me dê tempo de chegar e encontrar minha tia viva!” – pediu mentalmente

 

Enquanto isso, no Rio de Janeiro, Paty Golezzo acabava de postar a coluna da autora do mês de junho.

 

--Vamos reler pra ver se ficou bom. – olhava para a tela do computador – Nunca imaginei que a mais lida do mês fosse terminar em empate e justamente entre duas autoras tão diferentes!

 

Autora do Mês: Junho

Por Paty Golezzo

Olá meninas!!

Os ventos gelados de julho já sopram até aqui na capital carioca, mas não são frios o suficiente pra abrandar o calor desse mundo lésbico que é uma caixinha de surpresas. Ao me deparar com a informação de quem seria a mais lida do mês, eis que vejo um empate (pasmem, é isso mesmo!): Khaalii e Gail Nasser chegaram juntinhas no topo das paradas de sucesso no mês que se passou! Ficaram passadas? Eu com certeza fiquei!

Khaalii vinha muito bem com seu conto Sob o Pranto de Zayah, que muito me cativou e emocionou ao apresentar as personagens Zayah e Sulah. Duas mulheres complexas, intensas, diferentes mas muito iguais, daquele jeitinho que a gente pensa logo na coisa da alma gêmea. Quantas vezes me peguei rindo, chorando, sonhando e até me excitando com as cenas protagonizadas por aqueles dois pedaços de mau caminho! E tudo vinha muito bem até que... Khaalii sumiu! E eu até já escrevi sobre isso aqui, vocês devem lembrar!

Só que, gentem, sumiu MESMO! Nem uma notícia da mulher e a gente fica aqui sem saber! Tá bem, com saúde, tá viva, morreu, desistiu de escrever e ligou o botão FODA-SE pra todo mundo? Quem vai saber? A mulher além de tudo é misteriosa e a gente fica sem nem ter a quem perguntar. Tudo bem, tem que respeitar o direito da pessoa de não se mostrar e tals, mas onde fica a consideração com as leitoras???

Talvez por tudo isso, a mulherada tenha ido matar as saudades da autora fazendo uma releitura do conto e com isso, junho bombou. Sabe como é... inverno, céu cinza, vento frio, clima deprê... Vamos pegar um pote de sorvete (no inverno? Yes!), jogar uma calda de chocolate e reler Sob o Pranto de Zayah pra ver se a autora se anima né? Muitas leituras, vai que?

E onde entra Gail nisso tudo? Outro mistério...

Lésbicas da Faraó finalmente teve seu final em junho e a coisa bombou. Não sei se as leitoras tiveram esperança de ver aquele conto “das arábias” ter um final digno, mas tudo que li foi um final que fez jus à história como um todo, ou seja, conteúdo zero. A frase de encerramento foi ímpar: Gail Nasser veio pra TRANSgredir! kkkk

Transgredir o que?? Só se for o senso de noção porque no mais, sem chance!

Depois de um tempo sumida Gail Nasser tentou dar um desfecho de efeito mas, a meu ver, falhou de verde e amarelo. Surpresas? Eu não! Seria preciso um malabarismo literário milagroso para que um capítulo salvasse aquele conto de si mesmo. Mas ela tentou, não se pode negar!

Só espero que Khaalii, se um dia voltar, ao menos dê ao conto um desfecho digno do que ele vinha sendo até então. E que Gail, se desejar traduzir outro de seus contos “árabes” para o português, escolha um texto melhor, porque este que nós conhecemos foi triste!

Esta que vos escreve se despede!

Fui!

 

--Depois dessa, -- Patrícia falava sozinha com o computador – vamos ver se essas autoras tomam vergonha na cara! – passou a mão nos cabelos – Eu hein?

 

E em São Paulo...

 

--Você nunca mais se deixe abater desse jeito por causa de mulher nenhuma! – Socorro falava com firmeza – Ninguém merece isso, entendeu? – olhava para a prima

 

--Tá entendido, uai. – respondeu enquanto se vestia

 

--Você tá levando alta e é vida que segue! – aconselhava – Tira aquela uma do seu pensamento!

 

Continuou se vestindo sem responder.

 

--Nessa consumição toda, seu celular ficou largado na tua casa. – entregou o aparelho a outra – Tava descarregado mas eu carreguei. Não sei tua senha mas percebi que tem mensagem que chega dói! – observou – Deve ser as cliente reclamando que você sumiu!

 

--Humpf! – fez um bico – “Já tá pensando no dinheiro que deixou de ganhar comigo!” – pensou contrariada ao olhar para o telefone – Uai?? -- viu que recebera uma mensagem de número desconhecido no dia em que se cortou – “Será??” – pensou esperançosa – “Ah, meu Deus!” -- sorriu

 

--E não me diga que já tá com essas canjica arreganhada por causa da sem vergonha? – cruzou os braços indignada – Tem jeito não! – revoltou-se

 

Ignorou o que a outra dizia e começou a ler.

 

Olá meu amor! Sei que estou sumida há muito tempo, mas eu te adverti que assim seria. Amanhã à tarde um homem chamado Valdeci vai lhe entregar uma encomenda minha. Você verá que ela tem um lacre com a numeração 9823572 (confira se não foi alterado). No fundo da bolsa colei uma carta com fita prata. Remova-a com cuidado e leia o que escrevi antes de qualquer coisa.

Não comente com ninguém!

Com amor e muitas saudades,

Sayruci

 

“Encomenda?” – não entendia – “Uai, mas se ela me mandou uma encomenda com carta e tudo é sinal de que não vai me deixar!” – interpretava a situação positivamente – “Ela não vai me deixar!” – sentia a alma renovada – “Ela vai ficar comigo, como me prometeu!” – sorria – Tenho que voltar pra casa agora! – olhou para Socorro – Sayzinha me mandou uma encomenda e alguém do prédio deve ter recebido! Tenho que descobrir isso pra ontem! – guardou o celular no bolso da calça

 

--Encomenda?? – não entendeu – Ah, mas se ela te mandou encomenda, olha com muito cuidado, porque depois das poucas e boas que eu disse pra ela... – gesticulou – Safada!!

 

--Você o que??? – aproximou-se da prima – Do que você tá falando? – ficou nervosa

 

--Eu procurei o telefone do restaurante dela na internet e liguei! – contava – Quando a madame atendeu, falei muito desaforo pra ela, que não teve cara pra me responder! – encarava a prima – Falei tudo que você na sua pasmaceira nunca teve coragem de dizer praquela sem vergonha!

 

--Eu não acredito nisso!! – estava revoltada – Droga, Socorro! – deu um soco no ar – Vamo embora daqui porque eu tenho que pensar num jeito de consertar as tranqueira que você fez! – saiu do quarto como um foguete – Vamo!

 

--Mas olha só isso! – cruzou os braços indignada – Além de tudo ainda é ingrata! – seguiu atrás da outra

 

 

Fim do capítulo