O nosso almoço correu de forma tranquila e eu permaneci grande parte do tempo calada. Elas tinham muito para conversar, planos, detalhes sobre arranjos, acordes, tempo, coisas do mundo da música que eu não entendia, mas era bom ficar calada e de expectadora, assim podia observar todos os detalhes de Skya.

 

Eu me perdia no jeito dela mexer no cabelo, no franzir da testa, arquear de sobrancelha, no sorriso, nas covinhas, na delicadeza com que segurava a taça...linda, simplesmente linda e cativante.

 

--Não é Catherine?

 

--Hã? - Senti minha face arder, era só o que me faltava. - Não entendi...

Rebeka sorriu e eu tive a certeza que ela sabia em que mundo eu estava...

--A Skya está a teimar que a inauguração do Silver Jazz é neste fim-de-semana, e eu tenho a certeza que será na sexta da próxima.

--Não faço a mínima ideia...há algum tempo que minha diversão de fim-de-semana é ler ou preparar relatórios.

--Jura?

Skya perguntou arqueando a sobrancelha.

--Juro, viver sem secretária é um ato de sobrevivência.

--Agora dás-me o devido valor dona Skya?

Risos.

--Mas eu jamais desmereci o teu trabalho Bekie...

--Estou a brincar amor...

Risos.

--Catherine, ela é boa mesmo?

--Maravilhosa! Minha vida sem essa menina seria um inferno.

Continuamos a conversar amenidades enquanto esperávamos a sobremesa e eu senti-me muito bem porque em momento algum vi desprezo ou ódio nos olhos de Skya, aliás aquela Skya era quase a mesma por quem me encantara...quase a mesma e meu coração agia em conformidade.

--E qual será a boa ação, quero participar.

--Comprar roupas de bebé! - Disse Rebeka sorrindo enquanto piscava o olho para mim.

Skya pareceu ficar confusa.

--Bebé? - Ela olhou para mim com um enorme ponto de interrogação na testa.

--Calma, ainda não vais ser tia, não estou gravida.

Rebeka riu às gargalhadas mas Skya permaneceu séria e olhou mais uma vez para mim.

--Nem a Catherine...calma dona Skya.

Rebeka sorriu parecendo achar piada da situação. Eu não consegui dizer nada, meu coração batia desgovernado no peito.

--Então?

--A gravida é a Karen, minha tia e secretária da Catherine mas já sabes disso, lembra que o motivo de estar a ajudar a Catherine...

--Claro. - Ela pareceu aliviada, ou seria loucura da minha cabeça?

--Vamos comprar tudo para o bebé porque a Karen não conseguiu nada ainda por estar de repouso.

-- Eu quero ajudar, posso? - Ela olhou diretamente para mim e não consegui abrir a boca, ridículo, sim, mas não consegui abrir a boca, apenas um sorriso concordando.

--Vamos então? Não temos muito tempo Skya, ensaio daqui a pouco...

--Não quero atrapalhar...-Finalmente abri a boca.

--Ela é exagerada. Podemos ensaiar mais tarde, afinal é por uma boa causa.

Rebeka pareceu ter ficado admirada com a reação da amiga mas sorrindo concordou com tudo.

Pagamos a conta e seguimos em direção à melhor loja de artigos de bebé do shopping. Um mundo perfeito para bebés, tudo, de roupas a acessórios, utilidades a supérfluos, uma perdição para futuras mães.

Elas se deliciavam naquele mundo colorido e escolhiam tudo do mais bonito e eu adorava mas não dava muitos palpites porque o universo não me era familiar.

--Olha que coisa mais fofa Catherine, já imagino o bebé dentro desse babygrow, a Karen vai enlouquecer.

--Eu prefiro esse vermelho, lindo.

--Mas Skya, vermelho é mais para menina e nós nem sabemos o sex* ainda...

--Quem disse que vermelho é para menina? Não é lindo Catherine?

Ela olhou para mim sorrindo e fazendo uma careta tão fofa que eu tive vontade de dizer que linda era ela, mas sorri e assenti.

Elas continuaram a saga das compras e eu me deliciava na imagem de Skya e viajava para a pequena cidade no Sul...e ela ainda estava de sneakers.

--E tu, não dizes nada? Não escolhes nada?

--Eu não entendo nada disso, não sei lidar com crianças...

Skya correu pela loja e pegou um boneco que era a imitação perfeita de um bebé e o embalou.

--Que lindo Skya...pareces uma mãe de verdade.

--Eu adoro criança, quero ter um filho até aos 28 anos.

--Acho valida essa tua convicção, mas filho é uma responsabilidade e tanto...e outra, tens que encontrar um bom pai...

--Não necessariamente...

--Não?

--Produção independente...mas ainda só tenho 25 anos.

Risos.

A saga pelas melhores roupinhas e acessórios para o bebé de Karen e Juan continuou pelos vários departamentos da enorme loja. Finalmente chegou o momento do astro do quarto, o berço. Rebeka afastou-se um pouco para atender a um telefonema e Skya deslumbrou-se com os vários modelos de berço. Ela gostava mesmo daquele universo e estava sendo um prazer indescritível testemunhar aquele encanto.

--O que achas desse? - Ela perguntou completamente rendida a um berço todo cheio de arrumos.

--Não sei...

--Ah vá lá Cathe, escolhe um, são tão lindos e não te esqueças que é o filho da tua secretária querida.

Não ouvi nada além de Cathe...era a primeira vez que ela me chamava assim, senti borboletas no estomago.

--Ei, qual deles?

Ela posicionou-se atrás de mim com o queixo no meu ombro. Fui para longe, outro momento, fui para o segundo em que sucumbi ao encanto daquela mulher a ponto de fechar os olhos e sentir coisas inomináveis. Aquela Skya eu não conseguiria resistir e nem queria. Encostei-me mais um pouco ao corpo dela e fiz charme...era tão boa aquela sensação.

--Não sei...é apenas um berço.

--Claro que não, vem cá.

Ela puxou-me pela mão e passou a mostrar-me cada detalhe que diferenciava um berço do outro. Me vi entusiasmada e de repente já dava palpites que ela fazia questão de refutar.

--Nem pensar, este é muito mais bonito.

--Mas esse é mais pratico e acho que cabe melhor no quarto que o Juan preparou.

--Mas não disseste que eles vão mudar de casa?

--Eu disse isso?

--Então foi a Rebeka...mas não interessa, esse berço é muito mais bonito, olha essas prateleiras acopladas, muito útil.

Eu ria e ela parecia muito interessada em me convencer que a sua escolha era a melhor.

--Querem ajuda para a escolha?

Fomos surpreendidas por uma vendedora muito sorridente.

--É natural esse tipo de cena, briga entre os pais sobre o berço ou outro detalhe qualquer do quarto do bebé. Mas ainda têm tempo, nada de barriga...qual das duas vai ter o bebé?

Skya me olhou e levou a mão à boca para segurar um riso, eu achei tudo muito engraçado, ela achava que seriamos mães de um bebé...que loucura.

--Não...como é o teu nome? - Perguntou Rebeka que voltou na melhor hora.

--Diana.

--Não Diana, o filho não é delas...

--Ah desculpa, é que recebemos todo o tipo de casal aqui e nós não discriminamos ninguém e como elas pareciam tão...desculpa...

A moça saiu quase correndo morta de vergonha e Rebeka riu às gargalhadas.

--Então mamãs, qual berço vamos levar?

--Pateta! Qual Catherine?

--Eu? Vocês são melhores nessa matéria...não faço a mínima ideia...pode ser esse
que defendeste com unhas e dentes Skya.

Ela riu e mostrou as unhas.

--Ganhou o melhor.

--Convencida essa Checa.

--Eu não sou Checa...vamos tomar um café? E esse monte de coisas? Catherine não consegues levar sozinha...

--Sim para o café e não vou levar nada agora. Vai chegar tudo como presente em casa da Karen. Mas Kika, teremos de lá estar porque a moça não pode fazer esforço algum.

--Claro chefe, tu mandas.

Risos.

--Só um café correndo, temos ensaio Skya...

--Exagerada...

--Já passa das 4 da tarde, e era para termos começado às 3, depois não quero ninguém em stress e tendo que repetir a mesma peça 100 vezes em busca da perfeição.

--Essa tua secretária é uma doida, neurótica e que não me dá um minuto de liberdade.

Gargalhadas.

--Olha para a minha cara Cathe, eu sou zen, tranquila...

--Concordo, a pessoa mais calma que eu conheci nos últimos tempos...

Skya pulou à minha frente e me olhando com ares de menina perdida perguntou:

--Eu sou doida? Neurótica? Frenética? - Ela perguntava e ia fazendo uma pose mais engraçada que a outra e eu morria de rir.

--E atriz também, não te esqueças.

Rimos as três como crianças felizes.

No café:

--Adorei a nossa tarde, tive as melhores companhias. Skya, encontrar-te aqui e poder contar com a tua ajuda foi providencial.

--Sim, até porque eu não fui de muita serventia. - Disse fingindo um ar de derrota.

Risos.

--Tu és a melhor surpresa da minha vida nesses últimos tempos...a melhor surpresa. - Rebeka falou com muita sinceridade e eu me emocionei.

--Obrigada...eu não sou muito boa para essas coisas, mas tu e a tua família em geral têm sido...faltam-me palavras...obrigada.

Rebeka me abraçou. Adorava aquela espontaneidade, eu adorava tudo.

--Não fiques com ciúme minha Checa linda, eu te amo também, mas agora vamos ensaiar porque eu não gosto de nada abaixo da excelência.

--E depois a perfeccionista sou eu...

--Cathe, não te iludas, ela é chata e nunca está satisfeita com nada. Tocamos a mesma peça até doer-lhe os dedos e faltar-me fôlego e mesmo assim ainda não está perfeito.

--Ah Rebeka, assim ela vai pensar que sou uma insuportável.

--Com essa carinha de menina linda e levada? Nunca, não é mesmo Cathe?

Eu olhava para as duas completamente envolvida por aquela aura de naturalidade, familiaridade...porque tudo não era sempre assim?

--Nem responda para não acabar de vez com meu dia.

Risos.

--Doida!

Rebeka me abraçou e beijou e puxou Skya pelo braço para irem logo embora.

--Obrigada Kika, adorei tudo.

--Eu que agradeço em nome da minha família, és muito especial.

--Obrigada Skya...muito obrigada.

--Pensei que ninguém fosse lembrar que eu existo e que fui peça fundamental na escolha das melhores coisas para esse bebé.

Gargalhadas.

--Ah, Cathe, esqueci de mais uma característica...ela é carente.

Risos.

Skya me olhou com profundidade e com um sorriso que me roubou o ar aproximou-se e beijou-me o rosto. O ato mais singelo possível, mas eu mais uma vez senti meus pés fora do chão.

Rebeka a puxou e elas saíram correndo em direção às escadas.

Levei minha mão ao peito e tive vontade de gritar de felicidade.

**************************************************

Finalmente ia passar uns dias com o meu Scoutie. Estava com tantas saudades dele que pedi a Susan que o levasse ao escritório e de lá seguiríamos para casa. A verdade é que não estava com muita vontade de cruzar com Ciara e ouvir criticas veladas à minha pessoa.

--Oh meu Deus quanto amor, esse peludo estava mesmo com saudades da dona.

--Claro dona Susan, pode parecer que não, mas esse chato me adora. Desculpa a ausência Scoutie mas a Cathe estava assoberbada e sem tempo sequer para respirar.

Falava com o meu gato que ronronava e se aconchegava nos meus braços.

--Então as coisas estão mais tranquilas, vejo que sim, pelo menos o ambiente está mais organizado.

Risos.

--Pois, não tens noção da valia da Kika, que mulher cheia de talentos e prestativa.

--Eu achei engraçado quando ela disse que estava aqui contigo, jamais passou pela minha cabeça que uma saxofonista pudesse ser secretária e pelos vistos das boas.

--O susto foi meu quando ela entrou aqui e eu percebi que a saxofonista era sobrinha da minha secretária.

--Coincidências...

--Pois...

--E a Karen como está?

--Quase chegando a hora...ela está bem, mas muito cansada e ontem fiquei ligeiramente preocupada, achei-a um pouco inchada, pés, pernas...

--Normal Cathe, ela já está com nove meses...mas o que mais tens feito além de trabalhar como doida?

--Comprei o enxoval completo do bebé.

--Sério? Mas tu não entendes nada dessas coisas Catherine, tens verdadeira fobia do mundo infantil.

Risos.

--Meu Deus quanto exagero, não é bem assim...

--Não?

--Não sou expert nesse universo mas tive ajuda...

Sorri feliz ao lembrar do momento...de Skya.

--Hmmm, agora faz sentido, quem te ajudou? Já não lembras mais de mim?

Gargalhadas.

--Carência a essa altura da vida não dá Susan...a Kika me ajudou...e a Skya também.

--Wow, um batalhão. Mesmo assim não consigo vislumbrar essa cena, Catherine com roupinhas de bebé, chocalhos, fraldas...

Gargalhadas.

--Não...elas fizeram tudo, eu apenas observei...ah e ajudei a escolher o berço.

Risos.

--Tu me surpreendes criatura...e a Skya?

--O quê?

--Vosso ultimo encontro não terminou da melhor forma...

--Não...mas ela agiu normalmente, deve ter esquecido...

--E tu?

--Eu o quê Susan?

--O que tu sentiste?

--Naquela noite? Já estás cansada de saber...

--O que tu sentiste no reencontro?

Olhei para Susan e tive vontade de dizer tanta coisa, mas elas não faziam muito sentido para mim...mas ela era a melhor pessoa que conhecia, a mais ponderada...

--Fiquei feliz.

Ela olhou-me de forma diferente, parecia analisar-me em profundidade.

--E o que significa exatamente ter ficado feliz?

--Susan...

--Catherine?

--Feliz...alegre...feliz por ela não me olhar com ressentimento, feliz pela interação, feliz por ela estar bem, feliz por estarmos no mesmo ambiente...por poder tocá-la ainda que sorrateiramente...feliz Susan...

Ela sorriu e eu fiz a mesma coisa sentindo-me leve. Era bom compartilhar as coisas com Susan...

--Tu gostas dela Cathe...

--Não sei, não entendo bem o que sinto, mas é como eu disse...fiquei feliz ao vê-la e o fato de aparentemente não restar ressentimentos é reconfortante...

--Catherine, posso ser sincera? Juras que não sais pela tangente?

Sorri e apertei Scoutie nos braços.

--Juro! O que vem agora Susan?

--Eu acho que precisas viver essa história, não falo apenas de uma ou outra noite de bom sex*, isso já sabemos que é uma maravilha com a menina dos sneakers...

Risos e eu sentindo um redemoinho no estomago.

--Viver Cathe, descobrir o que essa sensação de felicidade ao vê-la significa...

--Estás a sugerir que eu namore a Skya?

Nem eu mesma acreditei naquela possibilidade e soltei uma gargalhada.

--E porque não? Namorar uma mulher pode ser uma experiencia inesquecível.

Risos.

--Susan eu nem entendo bem o que sinto, é uma confusão sem precedentes...muita coisa nova na minha vida, às vezes vejo-me perdida...

--Eu entendo, às vezes fico surpresa com algumas atitudes, mas eu sei que mais cedo ou mais tarde vais entender essa nova Catherine...

--Nova Catherine?

--Sim...maravilhosa nova Catherine. Eu amo as duas, mas essa é capaz de despertar muito amor por aí...no mundo todo e essa é a verdadeira Catherine.

--Assim fico confusa...mais confusa.

--Não fiques meu bem, apenas siga o teu imenso coração, deixe essa Catherine aflorar e colhe os frutos.

Sorri sem entender muito bem o que aquela frase realmente significava.

--Tens viagem por esses dias? O Scoutie é muito bem-vindo, sempre.

--Eu sei...e ao que parece nem a chata implica mais com a presença do meu peludo...

--A Ciara adora o Scoutie assim como todos os habitantes lá de casa.

Risos felizes e o outro ronronando como se entendesse alguma coisa.

--Cathe...

--Diga Susan.

Risos.

--Já notaste nas muitas coincidências que vos cercam?

--A quem?

--Tu e a Skya. Inúmeras...ela te encontrar...

--Normal, deixei cair um cartão no trem...

--Claro que não estou a referir-me a esse detalhe e sim ao fato de estarem rumando para a mesma cidade...ela ser contratada da Ciara que é a minha mulher, a Rebeka que é amicíssima dela agora trabalhar contigo e ser parente da Karen...sabes o que parece?

--O quê louca?

--Que é para ser...

--Ah Sue, às vezes eu me esqueço dessas tuas viagens...

Ri alto mas fiquei pensando naquelas coisas.

--Vou viajar na próxima sexta. - Mudei de assunto, não me sentia confortável no equacionamento de possibilidades...eu morria de medo de frustração, sofrimento...inédito e por isso mesmo assustador.

Susan me entendia como ninguém e não forçava nada.

--Vais para onde?

--Pensilvânia...Millbourne, negociação rápida, apenas dois dias. Nem imaginas a minha alegria, não estou com muita paciência para longas viagens.

Susan sorria de uma forma enigmática.

--O que foi agora criatura?

--Quando eu falo de coincidências...

--Hmmm?

--As meninas vão participar de um festival de Jazz em Filadelfia...no próximo fim-de-semana.

--Susan, a doida, romântica e aliciadora de mulheres complicadas.

Gargalhadas.

--Depois das reuniões, uma noitada de boa musica em Filadelfia não te soa bem?

--Muito bem, mas há milhões de opções em Filadelfia.

--Mas apenas uma com a menina de sneakers.

Ri como há muito não fazia.

--Ah Susan...ela estava de sneakers no dia das compras...linda, nunca pensei dizer isso, mas ela fica linda de sneakers...linda de qualquer maneira. E a mesma leveza, o mesmo encanto...

--Isso é paixão!

Risos.

--Nunca mais saí com homens, falta de tempo...devo estar a confundir as coisas...

--Acho que não é falta de tempo e sim de interesse...e com a Skya, não tens vontade de estar com ela...literalmente?

Suspirei e viajei em devaneios.

--Pense nisso Catherine.

--Há dias que não penso em outra coisa.

Gargalhadas felizes.

**************************************************

A entrega dos presentes em casa de Karen e Juan foi uma autêntica festa. Rebeka e a mãe preparam um verdadeiro banquete para parentes e amigos mais próximos e o bebé recebeu mais presentes ainda.

Juan, na sua forma muito peculiar de demonstrar gratidão, não cabia em si. Karen sorria e nada mais podia fazer pois estava pesadíssima e com ordens expressas de não se emocionar e muito menos fazer qualquer movimento brusco.

Eu, mesmo me sentindo um pouco peixe fora de água, diverti-me e em vários momentos senti-me parte integrante daquela família.

Juan fez questão de mostrar-me o quarto todo enfeitado e estando sozinhos ele agradeceu-me de forma tão espontânea e sincera que senti meus olhos marejados.

A casa ainda estava cheia de amigos e parentes quando Rebeka apressou-se para ir embora alegando já estar atrasada para uma viagem a trabalho.

--Minha sobrinha é uma estrela. - Disse Juan orgulhoso.

--Ainda não tio, mas chego lá.

--Talento e carisma não faltam à minha filha.

--Concordo plenamente. Tomara que o meu filho nasça com essa aptidão também...sempre quis tocar violino.

Risos.

--Jura Karen?

--Sim...mas nunca passou de um sonho.

--Seria uma violinista linda meu amor. - Juan beijou a cabeça de Karen que sorriu feliz.

--Vais para onde Kika?

--Filadelfia, quatro dias.

--E vais deixar minha chefe desfalcada?

Risos.

--Não te preocupes Karen, está tudo organizado e eu também vou viajar a trabalho.

--Karen, eu sou responsável e tudo está organizado para que a tua chefe arrase nas negociações.

Risos.

--Eu sei disso meu bem, obrigada.

--Ah para...eu e a chefe vamos para a mesmo estado, qualquer coisa ela pode gritar que chego para socorrer.

Gargalhadas.

--Era só o que faltava, uma estrela indo em meu socorro.

--E porque não? Uma estrela ajudando outra estrela.

Gargalhadas.

--Parem ou esse bebé nasce na sala e agora.

O ambiente continuou leve e todos em volta de Karen, zelando para que ela não exagerasse nos movimentos.

Antes de sair, Rebeka despediu-se de mim e fez questão de convidar-me para um concerto intimista que dariam depois do festival.

--Não te convido para o festival porque vai ser muita confusão, mas o concerto promete ser muito interessante e vamos acompanhar a Lara di Tulio em duas músicas.

--Wow, gosto dela.

--Então não podes perder...sábado ás 21 horas...sei que a tua viagem de regresso é no domingo. Sou uma secretaria eficiente.

Gargalhadas altas.

--E como...vou fazer os possíveis.

--Eu vou adorar ver-te na plateia...e a Skya também. Ela está doida, não faz outra coisa além de ensaiar...perfecionista essa Checa.

Risos.

**************************************************

Entrei no pub onde acontecia o concerto de jazz no momento em que uma plateia entusiasta aplaudia a performance de pé. Fui acompanhada de Gregory, diretor executivo da Lamberts & Co. Tínhamos fechado um negócio vantajoso para ambas as partes e convenci-o a acompanhar-me apenas para dar um beijinho na saxofonista. Ele aceitou desde que em troca jantássemos juntos. Nenhum sacrifício, ele era excelente companhia.

Mal a segunda música começou a ser tocada meu acompanhante aplaudiu e me agradeceu pelo convite.

--Show primoroso. Conheces as artistas? A cantora é sobejamente conhecida mas sem esse acompanhamento com certeza não seria a mesma coisa, estou encantado...encantadíssimo.

--Conheço e estás certo, elas são maravilhosas.

--E lindas...shiuuu, vamos curtir a música.

Sorri e fixei meus olhos na violinista...Skya tocava violino naquela música. Meu coração...ah meu coração...batia alucinadamente, muitas emoções.

Ela parecia namorar aquele instrumento, tocava com perfeição e nem era sua primeira opção.

Estava linda, toda de preto, cabelos presos...uma luz batia sobre ela e deixava tudo com ares de sonho...era um sonho aquela mulher ali naquele palco.

Á medida que me perdia em devaneios, aumentava a minha apreensão, definitivamente não entendia aquela avalanche de emoções.

Passei grande parte da reunião pensando no concerto, pensando se deveria ou não aparecer...pensei em Susan no momento em que Gregory sugeriu que fossemos ouvir um pouco de música antes do jantar...as tais coincidências. A partir daquela sugestão nada mais me deteve, nem mesmo os meus medos e anseios...iria ver Skya e ponto.

--Catherine...Catherine.

--Oi...

--Vamos jantar? O concerto acabou e estou morto de fome.

--Vamos...

--Só um pedido, posso?

--Claro.

--Quero conhecer as musicistas, a violinista e a saxofonista. São incríveis.

--Agora?

--De preferência, tu é que as conheces, vamos lá, eu adoro violino e a menina do violino é linda, mas a do Sax, meu Deus...como é o nome dela?

--De quem?

--Da mulher linda que toca sax.

--Ah, Rebeka...

--Lindo nome...me apresentas?

--Claro.

Dirigimos para um ponto do pub onde os músicos estavam reunidos em confraternização e onde a cantora atendia aos fãs.

Minhas pernas teimavam em não me obedecer e o coração...

Mas lembrei-me que era Catherine Lohman, sempre impecável em situações difíceis e caminhei tranquilamente em direção ao grupo.

Rebeka foi a primeira a ver-me, graças a Deus.

--Cathe, claro que não perderias o melhor de Filadelfia...gostaste?

--Muito. Perfeito. Esse é o Gregory que quer muito conhecer a saxofonista linda.

--Obrigada. Gostaste?

--Adorei...simplesmente adorei...

Aproveitando o entusiasmo de ambos naquela conversa, dirigi-me para o canto onde Skya conversava com o rapaz que tocara violoncelo.

--Skya...- Chamei quase no ouvido dela que estava de costas.

Ela virou-se e pareceu não acreditar no que via. Mas a reação seguinte quase usurpou-me o bom senso.

Abraçou-me e pude sentir seu coração galopando...provavelmente contagiado pelo meu.

Ainda no abraço disse:

--Adorei a performance...

--Obrigada...não esperava ver-te aqui...boa...muito boa a surpresa...

--A Rebeka sabia que eu viria a Millbourne e convidou-me...gosto da Lara.

--E quem não gosta?

Sorrimos uma para a outra...eu estava encantada com aquela mulher. Ela me olhava com entusiasmo, alegria e felicidade...sim, estava tão feliz quanto eu.

--Cathe...Catherine.

--Hã?

Gregory e Rebeka estavam ao meu lado e eu não tinha notado a movimentação.

--Não me apresentas à violinista?

--Claro...Skya, Gregory.

Skya cumprimentou-o e agradeceu os elogios.

--Acabei de convidar Rebeka para jantar connosco e claro que o convite era extensivo à violinista mas ela recusou.

--Não recusei, seria um prazer, mas temos compromissos de contrato...jantar com a produção do concerto, órgãos executivos do Metropolitan...

--E quem somos nós não é mesmo Catherine?

Risos.

--Eu adoraria e com certeza a Skya também, mas não podemos...

--Cá entre nós, que não me ouçam...que chatice.

Gargalhadas. Skya era maravilhosa.

--Só me resta a companhia dessa bela mulher para um jantar que se adivinha memorável. Adorei conhecê-las moças lindas e talentosas, vou ficar atento às vossas atuações pelo mundo e quando for possível, estarei na primeira fila.

Despedimo-nos de Skya e Rebeka e deixamos o pub.

*****

--Skya...meu bem, para de babar.

Rebeka riu alto da cara da amiga.

--Eles estão juntos?

--Eu não sei...acho que não...

--Ele é bonito, não é?

--Umhum...muito. Sexy, um charme.

--Porque não fomos jantar com eles?

--Contrato.

--Saco! Aturar esse povo chato ao invés de passar a noite conversando com essa mulher linda...viste como ela estava linda?

--Não sou cega.

Gargalhadas.

--Conversar?

--Ah para Bekie...não quero sonhar alto e ainda tenho alguma mágoa...

--Não parece, tu quase emites luz quando ela está por perto e não é exagero de Rebeka.

Risos.

--Queria conversar com ela, estar no mesmo espaço...entender algumas coisas...

--Então por que perdes tanto tempo?

--Medo...já falamos sobre isso.

--A Catherine não é a doida que te manipulou. Ela é uma mulher muito interessante...sem querer ser chata, achas que uma mulher assim fica muito tempo sozinha?

--Não...mas ela está com alguém?

--Não, mas não sei por quanto tempo. Não és a única com olhos na cara, mas provavelmente és a única com milhões de vendas nos olhos e grilos na cabeça...corra atrás Skya, vale a pena e sabes que sim. Pode muito bem ser apenas uma breve e louca paixão, mas viva, sinta, eu sei que queres...

--E ela?

--Só vais saber com ela, eu não posso responder pela Catherine.

Foram chamadas pelos restantes músicos e Rebeka correu para guardar seu instrumento deixando Skya com o pensamento em ebulição.

**************************************************

Cheguei em casa cansada mas com fome e sem nenhuma vontade de ir para a cozinha, que aliás nem era o meu forte. O dia nem tinha sido agitado, mas uma reunião de horas com o conselho e gestão acabara com as minhas forças.

Depois do ritual de entrada que consistia em muito amor ao meu gato, resolvi tomar um banho de alguns largos minutos para relaxar os músculos.

Após o banho senti-me mais disposta e a fome ganhou proporções gigantescas. Pedi uma pizza, alimentei Scoutie e resolvi ouvir música enquanto aguardava a iguaria com alguma ansiedade.

O banho quente fez-me tão bem que de repente estava dançando ao som de uma das minhas seleções preferidas para momentos de relaxamento em casa.

Dançava e cantarolava Nouveaux Horizons de Melissa NKonda quando ouvi o som da campainha. Fui pulando de alegria receber a minha pizza.

Abri a porta e tive a certeza que estava a sonhar, do outro lado estava Skya...linda e com um sorriso timido no rosto.

--Oi...boa noite...

--Oi...entra.

Ela passou por mim e o perfume dos cabelos me entorpeceu.

--Desculpa vir sem avisar...

--Jantas comigo? - Interrompi-a quase em transe.

--Claro. - Sorriu. - Estou com fome, trabalhei até agora e esqueci de comer.

--Com a Rebeka?

--Não, sozinha. Fiquei de ajudá-la na escolha das cores para uma ilustração mas ela não telefonou, pensei que estivesse a trabalhar contigo...

--Hoje não, tive reunião o dia todo e ela foi dispensada.

--Não brigues com o teu porteiro...eu o seduzi.

Ela sorriu e a seduzida fui eu.

--Normal...ele não resiste a uma mulher bonita o que é um perigo.

Risos.

--Ele foi muito simpático e lembrou-se de mim, nem sei como, porque se bem me lembro só o vi uma vez e muito rápido. Perguntei se estavas em casa e pedi para subir sem ser anunciada e ele deixou...

--Porquê?

--Não sei...receio que não me atendesses...

--Skya...

A campainha tocou mais uma vez, a pizza.

--Finalmente vou comer essa bendita pizza e com a tua companhia...

--Umhum...

Comemos sentadas no sofá e bebendo vinho.

--Boa...

--O quê?

--A pizza, como eu estava com fome...

Risos.

--Eu também e fome de pizza.

Gargalhadas.

--A música é muito boa...

--Sim, gosto das minhas seleções, e Scoutie também, não é meu amor?

Scoutie apareceu na sala e pulou no meu colo.

--Ele é tao lindo...tão bem tratado...

--Vida de lorde...

Skya debruçou-se para acariciar Scoutie e mais uma vez o perfume invadiu meus sentidos. Ela olhou-me dentro dos olhos e me perdi naquela limpidez, vontade de...

--Vou guardar essas coisas antes que o dono da casa resolva comer o que não deve.

Sai quase correndo dali...ainda não sabia ao certo o motivo daquela visita, só sabia que estava no paraíso, ou lá perto.

Ela pediu água e disse-lhe para buscar na cozinha. Fui ao banheiro passar água fresca na minha cara, estava em chamas.

Voltei e ela ainda estava na cozinha ou algures brincando com Scoutie, podia sentir a sua presença por ali, não poderia estar mais feliz...

Mudei a música...estava nervosa, não sabia o que fazer e nem como agir. Ela não parecia estar com raiva...

Skya na minha casa...eu queria rir às gargalhadas.

Fiquei quase encostada na porta de vidro da minha varanda enquanto ouvia a melodia perfeita de Touch dos Barcelona...parecia um sonho...filme...mas ela estava lá, podia sentir a presença...e mais do que isso, podia senti-la.

Ela abraçou-me por trás e senti meu corpo todo tremer. Meus cabelos estavam presos, ela beijou-me a nuca e gemi...saudades dela...tanta...

Ela apertou-me e suspirei...

--Catherine...Catherine...

Virei e segurei-lhe a nuca e com uma fome que jamais sentira beijei-lhe a boca. Ela sorriu no beijo e experimentei a mesma sensação da primeira vez em que nos beijamos...

Ela apertava-me, beijava-me e prendia meu corpo contra a porta de vidro e eu suspirava, gemia, tremia...era tão bom, a melhor sensação...

--Eu adoro a tua boca...a língua...o cheiro...gosto...Ah Catherine...adoro...

Ela falava, me mordia, beijava, apertava e eu sentia tanta coisa nova...minhas pernas tremiam...queria tanto aquela mulher...tanto...tanto...

Afastei-me um pouco para vê-la...ela sorriu, vermelha, ofegante...senti-me apaixonada..,completa e irremediavelmente apaixonada.

Beijamo-nos até nos faltar ar, eu não queria desgrudar daquela boca e ela partilhava do meu desejo.

--Vem para cá...vem comigo...

Puxei-a para o sofá e ela veio sorrindo e me empurrou com carinho...

Deitou-se sobre mim e olhando dentro dos meus olhos disse:

--Eu estava com muita saudade...

Beijou-me de forma tão intensa que não me restaram dúvidas que era verdade.

No torpor do momento um som repetitivo teimava em ecoar no meu ouvido. Ignorei por algum tempo até que o som pareceu ter duplicado.

Skya riu e me beijou mais e mais...

--Tem um telefone tocando...

--Acho que mais do que um...

--Tens muitos?

Risos.

--Não...mas pode ser o meu e o teu...

--Paramos para ver? - Ela beijou-me a ponta do nariz e simplesmente adorei.

--Hmmm...não...

Ela riu na minha boca, como eu adorava aquilo...mais beijos, cada vez melhores e mais intensos...e os telefones não paravam de tocar.

Ela correu para desligar mas parou ao ver quem era.

--É a Rebeka...

--Atenda, vou ver o meu...

Três chamadas não atendidas, duas do Juan e uma da Rebeka.

Caminhei para junto de Skya que ligava para Rebeka. Abracei-a e ela sorriu beijando o meu braço.

Segundos depois...

--O bebé de Karen vai nascer.

Pulei de alegria...muita felicidade para um único coração.

 

Fim do capítulo