A conversa com Karen fluiu e eu também não queria deixá-la sozinha no estado em que estava. Ao longo da nossa conversa pude perceber as dificuldades com que o casal vivia, a luta para melhorar, particularmente do marido dela que mantinha dois empregos e ainda tentava estudar para um dia se formar em engenharia informática, seu sonho. Karen no entanto era consciente que o objetivo era muito difícil de ser alcançado já que ele não tinha tempo para estudar.

 

A cada relato, ou a cada descoberta de um detalhe da vida da minha secretária eu ficava admirada com a sua força e ao mesmo tempo indignada com o meu descaso. Karen trabalhava comigo há mais de dois anos e eu não sabia absolutamente nada da sua história, das lutas, só me preocupava com as tarefas que ela executava com profissionalismo e devo confessar que mal via o ser humano à minha frente.

 

Gosto dela, sempre gostei, mas à minha maneira, sem envolvimentos, sem estabelecer uma relação de verdade. Ela no entanto gostava de mim, eu percebia na forma como me olhava, com brilho nos olhos, me admirava pelo trabalho, admirava a mulher por trás da profissional e eu me questionava por qual razão. Não acho que seja nada de especial, pelo contrário, eu me destaco sim no campo profissional e é isso, de resto sou uma pessoal banal, mas não para Karen que fartou-se de dizer que sou uma excelente pessoa e que é um prazer estar na minha companhia.

 

Eu nunca ouço esse tipo de elogio sincero, no mundo profissional há muita bajulação e na minha vida pessoal, os homens, estão interessados no meu desempenho sexual, alguns estão interessados em algum tipo de favor, pura perda de tempo porque eu não misturo as coisas...não tenho muitos amigos. A única amiga que tenho, amiga no verdadeiro sentido da palavra é a Susan e essa sei que gosta de mim mesmo com todos os defeitos que me caracterizam...e não são poucos.

A conversa com Karen me fazia pensar na minha vida, o que vinha sendo a vida de Catherine desde a mais tenra idade, ou então, desde que ela aprendera que estava sozinha e que teria de sobreviver na selva que era o mundo em que vivia.

**************************************************

--Além de exímia saxofonista a senhorita ainda tem visão de lince...

Risos.

--Eu tinha a certeza que tinha visto a tua amiga no lounge...

--Amiga?

--Ah sei lá, ela é o quê mesmo? Vocês adoram uma definição para tudo...

--Nada...alguém que me constrangeu, alguém cujos movimentos na vida nada tem a ver com os meus...

--Acho que esqueceste de alguma coisa...

Skya olhou para a amiga e depois para longe.

--Não...

--Alguém que numa situação inusitada te atraiu e com quem viveste dias maravilhosos...palavras tuas.

Skya pareceu pensar um bocado ou reviver velhas lembranças.

--Até nisso ela lembra a...- Ela suspirou sem concluir o raciocínio.

--Eu não concordo com essas comparações Skya...

--Como não? Conheci a Christiane também de forma inusitada, me apaixonei, perdi a cabeça, ela fingiu ser o que não era, me fez acreditar em possibilidades que não estava disposta a viver, brincou com os meus sentimentos e ainda tentou manipular-me por ser mais jovem e ainda tinha aquele marido idiota dela, ai nem gosto de lembrar essas porcarias...

--Skya...essas porcarias fazem parte da tua vida e são experiências que de certa forma te fizeram crescer. Mas eu continuo a dizer, não faça comparações, a Catherine não tem nada a ver com a Christiane.

--Não? Ambas loucas, manipuladoras, que não medem esforços para conseguir o que querem ainda que isso acarrete sofrimento alheio, sedutoras, perigosas...

Rebeka riu às gargalhadas.

--Assim pareces uma menina indefesa que foi seduzida...olha que no caso da Catherine sou de opinião contrária...

--Como assim?

--Tu a seduziste Skya, ela deve ter ficado encantada com a tua figura, tua história...és tão diferente do mundo que ela está acostumada. Eu não a conheço mas de tanto ouvir algumas coisas aqui e ali já imagino que ela seja uma pessoa muito diferente de ti, sentiu-se atraída...o vosso encontro foi inusitado, quase idílico...

--Idílico? Só tu Rebeka...idílico...

--Sim, completamente...claro que a realidade da vida é outra totalmente diferente...

--Estamos a falar de caracter Bekie...

--Skya, tu não achas que estás a ser exagerada no julgamento?

--Porquê?

--Tu não podes julgar o caracter de alguém por um ato isolado e mais, ela nunca mostrou ser uma coisa e depois revelou ser outra. Tu não a conheces, essa é a minha opinião, assim como ela não te conhece. Passaram 3 dias no paraíso, vivendo apenas o lado bom das coisas, as descobertas, o encantamento...na certa, ela, assim como tu, não acreditava na possibilidade de um reencontro...

--Ela é idêntica à Christiane.

--Tudo bem que queiras acreditar nisso como forma de te preservar de algum sofrimento, embora eu não concorde com essa atitude, mas uma coisa é certa Skya, não exija em troca o que não deste.

--Não entendi...

--Da forma como abordas a situação, deixa transparecer que foste iludida, que deste amor a alguém e em troca recebeste o pior dos sentimentos.

--Ninguém falou de amor...

--Seria bom que prestasses atenção à intensidade da tua mágoa...eu não estou aqui a defender a Catherine porque eu não a conheço, mas eu te conheço e sei que na realidade o problema é que não superaste muito bem a tua antiga história e logo apareceu-te uma mulher que te encantou e ela deve ser mesmo encantadora, pelo menos se levarmos em consideração a opinião de Susan, ou no mínimo complexa, já que desperta amor e odio quase na mesma proporção...pessoas assim são atraentes. Skya misturaste as coisas, as dores...a Catherine nunca te prometeu nada, logo é insensato esperares alguma coisa...

--Mas eu não espero nada, apenas exijo respeito...

--Onde houve falta de respeito? A historia do amigo entrando na casa dela e enfim, aquela coisa toda, tu sequer permitiste que ela se explicasse...pode até ser que estejas certa e que ela realmente tivesse premeditado uma sessão de sex* a três, mas são suposições e da mesma forma que não a conheces, ela também não te conhece, ou seja, poderia muito bem pensar que para ti, uma noite de sex* a três fosse a coisa mais natural da face da terra.

Skya arregalou os olhos em espanto.

--Ok, eu sei que não, mas ela talvez pense de forma diferente... pode achar que és uma mulher livre, que encara tudo com naturalidade...e ainda pode não ter sido planeado, as coisas podem ter tomado um rumo inesperado...

--Eu quero paz para a minha vida Rebeka...quero dedicar-me ao meu trabalho com música, sabes bem que ser musicista é extremamente exigente, muito estudo, horas de concentração e nós ainda escrevemos...eu não quero mais lembrar que um dia cruzei o caminho dessa mulher, eu não quero saber de sofrimento para a minha vida...

--Então nada de romances?

Risos.

--Nada de romances com mulheres complicadas...se aparecer uma mulher leve e bem resolvida por aí, porque não? Só não sei em que horário vou namorar...

Gargalhadas.

--Quando se quer muito uma coisa aparece sempre uma solução...

--E a senhora dona Rebeka, eu já ouvi quase uma lição de moral, mas a senhora anda por aí focada apenas na arte...

--Exagerada...sim, agora ando focada no trabalho porque preciso me centrar...mas eu deixo a vida seguir o seu trilho. E meu bem, nesse momento preciso trabalhar em dobro para ajudar parentes...

--Eu acho lindo essa vossa forma de estar na vida...família é força, união...e contigo, na tua relação com os teus parentes isso é notório...por falar nisso, quando é que a senhorita vai me levar para conhecer ao menos a mãe?

Risos.

--Skya, já notaste que andamos mais a correr do que outra coisa? A minha mãe outro dia quase ficou amuada dizendo que não lembro mais que tenho família...e ela não queria que eu estudasse musica...

--Não?

--Nem é uma questão de querer, nós não tínhamos a menor condição...minha mãe veio para cá muito nova e na condição de ilegal...eu nasci de uma relação que não deu certo e meu pai desapareceu, já te contei essa parte...estudei com muita dificuldade e minha mãe ainda ajudava os irmãos mais novos, tenho tios quase da minha idade, família numerosa...quando decidi seguir música foi um inferno, apenas um dos meus tios me apoiou, mas foi apenas apoio moral porque ele assim como o resto da família vive com muita dificuldade, trabalhei em muita coisa diferente para ter dinheiro para pagar meus estudos, instrumentos, às vezes desanimava, mas eu sempre soube o que queria e batalhei e batalho até hoje para ter o meu lugar ao sol, mas não é fácil...

--E ainda tens esse sorriso lindo no rosto...eu sou muito grata por ter-te conhecido Rebeka. Eu te adoro sua chata, linda e muito talentosa.

Skya abraçou a amiga com muito carinho e foi amplamente correspondida.

--Eu adoro-te mais ainda...tua simplicidade é cativante, teu talento inebriante, caracter instigante, sem contar na beleza que é de tirar o folego.

Gargalhadas.

--Só não te peço para namorar comigo porque ainda não consigo sentir tesão por uma mulher porque de resto, serias a mulher perfeita.

Gargalhadas altas e Skya muito vermelha.

--Não acabaste de dizer que sou confusa?

--E és, ou estás...mas faz parte do encanto.

Risos.

--Vamos estudar dona Rebeka, afinal precisamos trabalhar muito para dar show, pagar as nossas contas e a senhorita ainda precisa ajudar a família.

--Foco!

--Foco!

Gargalhadas.

**************************************************

Uma semana se passara desde o dia em que Karen confessou-me estar a viver uma gravidez de risco e eu a obrigara a ficar em casa. Nessa semana almoçamos juntas praticamente todos os dias e quando não me era possível atravessar a cidade para estar com ela a meio do dia eu sempre fazia um esforço e ia à noite, a qualquer hora.

Ela ficava a maior parte do tempo sem o marido que trabalhava quase o dia todo para poderem ter uma vida melhor, mas tinha sempre um vizinho ou um parente dele com ela, zelando para que ela não fizesse esforço algum.

A mãe dela, que morava numa cidadezinha de El Salvador não fazia a menor ideia do risco que ela corria de perder o terceiro bebé. Karen não queria levar mais preocupações a uma senhora que já tinha muitas e sempre sorrindo dizia que podia contar com amigos.

Finalmente conheci o Juan e pude concluir que Karen não exagerara, ele era uma pessoa muito boa e gostava dela de uma forma que emocionava. Ele se culpava por não poder estar sempre com ela, mas ao mesmo tempo tentava com sua simplicidade me convencer que se não trabalhasse como um louco as coisas seriam mais difíceis ainda mais com a chegada de um bebé. Mas ele não precisava convencer-me de nada, eu já tinha entendido que ali a vida era dura e mesmo assim sorrisos e afetos não faltavam...

Eu estava a adorar ser útil e retribuir toda a dedicação que Karen sempre devotara a mim, mas estava cansada. Cansada por não ter minha secretária e ter de me desdobrar em duas para que ela não perdesse o emprego. Prometi que ninguém indicado pela empresa ocuparia o seu lugar, pelo que fazia tudo sozinha...como era necessário o trabalho de Karen e como ela era imprescindível...

Estava muito cansada e com a rotina tão alterada que mesmo tendo prometido que jamais voltaria a deixar Scoutie com Susan, tive que abdicar do meu orgulho e pedir que minha amiga cuidasse dele. Não podia sacrificar meu companheiro, jamais.

Susan é amiga e recebeu Scoutie de braços abertos. Não poderia ser diferente mas meu receio era a mulher dela, sempre arisca comigo. O bem-estar do meu bichano era mais importante que qualquer rixa sem sentido...

Susan ofereceu-se até para me ajudar na parte do secretariado mas ela tinha uma vida tão corrida quanto a minha e os bichos também precisavam dela. Não quis abusar da minha amiga, mas o fato é que estava cansada e cada vez mais respeitava o trabalho e a dedicação da minha secretária.

**************************************************

Mais uma semana sozinha no escritório e aproximava-se uma viagem em que precisava de tudo organizado e uma secretária era vital. Uma secretária não, um anjo chamado Karen, mas ela não tinha condição alguma de locomover-se e eu não tinha coragem de levar trabalho para a sua casa. Ela se esforçava em aparentar muita força e disposição mas notava-se o aumento do cansaço e a diminuição da facilidade dos movimentos.

Mesmo esgotada mantive a minha rotina de ir vê-la quase todos os dias e até a Susan me acompanhou algumas vezes, ela também gostava de Karen.

Apesar de todo o meu esforço em parecer uma super mulher capaz de dar conta da minha nova condição, Karen me conhecia e bem e notou a minha fadiga, as olheiras, enfim, o cansaço que se apoderara de mim.

--Catherine, estás tão cansada.

--Estou mas não te preocupes, ainda não fiz nenhuma asneira monumental.

Eu sorri mas ela permaneceu séria.

--Está tudo bem Karen, nada de preocupações infundadas...

--Como infundadas? Vejo à minha frente uma mulher extenuada e que mesmo assim atravessa a cidade quase todos os dias para saber se estou bem...não precisas disso, podes contratar uma secretaria melhor do que eu a qualquer hora...

--Ah sim? E a minha palavra que não colocaria ninguém no teu lugar? Secretária melhor do que tu? Só se for em Júpiter...calma Karen, vai dar tudo certo. Sabes quem me ofereceu ajuda? O teu amiguinho do oitavo andar e que não gosta de mim.

Ri alto e ela sorriu.

--O Dante? Eu pedi que eles ajudassem no que fosse possível...

--Pois, ele ajudou com scanning de alguns documentos, levou café para mim a meio do dia, sempre com aquele olhar desconfiado.

Ela sorriu e olhou para mim de forma intensa.

--O que foi Karen?

--Eu vou arranjar uma solução, não posso atrapalhar a tua vida, estamos a falar de coisa séria, tu és muito profissional Cathe...

--Ainda não morri dona Karen, sem dramas. E o Juan, sempre na luta por um emprego mais flexível? - Mudei de assunto, não queria que ela entrasse em stress.

--Sempre, mas é difícil. Ele está tão agradecido por estares a fazer isso tudo por mim. Tem a irmã mais velha dele que é sempre muito prestativa e que gosta muito de mim, ma ela mora longe e eu não gosto de perturbar a rotina de ninguém...espera aí...

--O que foi?

--A Kika, claro.

--Quem é Kika? - Perguntei sem entender nada.

--Sobrinha do Juan, filha única da Mercedes...claro. - Ela sorriu confiante e eu continuava sem entender uma linha. - A Kika é um amor de pessoa e entende muito bem de serviço administrativo, ela não trabalha mais nessa área mas com certeza se puder ajudar ela não se fará de rogada.

--Nem sabia que o Juan tinha uma sobrinha adulta...

--Tem vários sobrinhos, mas aqui nos Estados Unidos, adulta, apenas a Kika. Filha da irmã mais velha do meu marido. A família dele é muito unida, mesmo estando separados o sentimento de entreajuda é muito forte, se um puder fazer algo para ajudar o outro, não mede esforços.

Ela pegou o telefone e ligou para alguém que não atendeu.

--A Kika não atende, mas vou ligar à Mercedes para saber se ela acha a minha ideia boa...

Ela ligou para a cunhada com quem conversou por alguns minutos e nesse intervalo eu fiquei observando o ambiente em que estávamos. Já conhecia a casa toda e eles não tinham quase nada mas o que chamava a atenção era a falta de coisas para o bebé que brevemente chegaria. Absolutamente nada, nem roupas, acessórios, berço, nada.

Estava na cozinha bebendo um copo de água quando Karen apareceu sorridente.

--A partir de amanhã terás uma assistente, não a tempo inteiro porque a Kika é muito ocupada mas ela irá conversar contigo amanhã e juntas chegarão a um consenso.

--Mas assim? Sem mais nem menos? - Eu estava abismada com o sentido de família que aquele povo tinha.

--Não entendi...

--Ela aceitou ajudar-te apenas com um pedido?

Karen sorriu abertamente entendo claramente a minha pergunta. No meu mundo uma atitude assim estava longe de ser uma constante.

--Sim...na realidade não falei com a Kika e sim com a mãe, mas eu posso garantir que ela irá. Mas não será uma funcionária por isso...

--Claro, não vou exigir nada demais, mas fico muito feliz por poder ter alguém para organizar as coisas até voltares. Ela vai trabalhar na minha sala e ninguém precisa saber, embora eu possa fazer o que bem entender com quem trabalha comigo já sabes como é aquele pessoal do RH..

--Obrigada. Catherine eu nem sei o que dizer...nunca me enganei quanto ao teu caracter e generosidade.

--Generosa, eu? - Sorri sem acreditar no que acabara de ouvir.

--Completamente, comigo é muito generosa, sempre foi, mesmo quando fingia que não me via...

Risos.

--Mas eu não via...é ridículo o que estou a dizer, mas muitas vezes não vejo nada alem de mim...

--Não concordo...apenas tens uma forma peculiar de ver as coisas, eu diria uma forma particular de apreender as coisas ao teu redor.

Resolvi mudar de assunto, não estava acostumada a falar de mim...

--E o sex* do bebé?

Karen suspirou segurando a barriga com muito carinho.

--O que vou dizer agora pode soar a loucura...eu nunca quis saber o sex* do meu filho por medo de perdê-lo a qualquer momento...

Franzi a testa sem entender.

--Eu sonho com uma menina, mas como das outras vezes eu perdi, tenho medo de me acostumar com ela, ou ele, sei lá...medo de me acostumar e depois...

--Não Karen, acho que não corres mais o risco de perder o teu bebé, daqui a pouco terás 8 meses...

--Não é bem assim, meu médico foi claro comigo, posso ter complicações e causar sofrimento ao bebé...ah não quero pensar nisso, vai correr tudo bem.

--Isso mesmo. Tu és forte e cheia de amor isso deve ajudar...- Nem sabia o que estava a dizer mas não queria ver Karen com aquele ar de sofrimento.

Ela sorriu feliz.

--Sim, não tenho razões de queixa. Tenho o melhor marido, a melhor família, a minha e a dele, tenho amigos e ainda tenho a melhor chefe.

Arremessei uma almofada na cara dela, não gostava de elogios...mas esse era sincero, podia sentir...

--E nomes, já temos opções para esse bebé?

--Se for menino, claro que o Juan faz questão de escolher, mas se for menina...

--Sim?

--Se for menina, tu escolhes.

--Eu? Porquê?

--Porque sim...pela ajuda abnegada, pela presença, pela amizade...porque sim.

Não soube o que dizer apenas sorri e tentei acomodá-la melhor no sofá.

Algum tempo depois...

--Mas Karen, o teu marido concordou com essa ideia de eu escolher o nome da menina?

--Claro, e foi ele quem sugeriu...o Juan é meio travado mas ele é maravilhoso e tem um coração enorme...ele sempre diz que ninguém tem chefe como eu...

Risos.

--Já contaste que às vezes sou uma perfeita carrasca e que grito contigo?

--Claro que sim...- Risos.

--E mesmo assim ele tem essa opinião a meu respeito?

--Ele te vê pelos meus olhos e eu enxergo além do óbvio...

Mais uma vez fiquei sem saber o que dizer...ela me conhecia tanto assim?

--Bom, vamos ter que comprar coisas para esse bebé dona Karen...

Risos.

--Eu queria escolher as coisas mas nesse estado, e o Juan prefere poupar para mudarmos de casa...

--Não querem viver aqui?

--No bairro sim, é um bocado afastado mas aqui temos amigos de verdade, estamos integrados, mas a casa é grande demais e não temos como cuidar dela, como vês não temos quase nada...

--É só o inicio Karen...daqui a pouco as coisas melhoram...

--Sim, quando nosso bebé nascer vamos ter de focar mais na nossa família, no nosso núcleo aqui...por enquanto sobrevivemos aqui e ajudamos muito as nossas famílias em El Salvador.

--Tu não ganhas mal...

--Não, longe disso. Sou muito grata pelo meu salário mas metade dele segue para El Salvador...tenho dois irmãos que estudam às minhas expensas e tem a minha mãe, remédios, etç, mas eu ajudo com muita vontade, meus irmãos querem ser cientistas e serão meu orgulho.

--Qual a idade deles?

--18 e 17 anos. O Marco vai tentar uma bolsa para estudar engenharia aeroespacial aqui, é muito difícil mas ele é inteligente e dedicado e o Luiz quer ser biólogo e descobrir curas para várias doenças...eu preciso ajudar. Tive sorte e estou numa posição privilegiada, meus irmãos também merecem.

--Claro. - Eu não estava familiarizada com aquelas atitudes altruístas, com família...nada, mas era bom ouvir e ver o entusiasmo na cara da minha secretária.

Deixei a casa de Karen quase na hora do regresso do marido e mesmo assim porque Yourgos insistiu para se encontrar comigo. Aceitei porque precisava relaxar, rir um bocado.

*************************************************

Yourgos não parava de rir e de me provocar por não sair mais e não badalar nas noites da cidade.

--O mundo está ávido por Cathe, the queen.

Gargalhadas.

--O mundo nem sabe que eu existo.

Risos.

--Deixa de ser modesta...o pessoal do ginásio está doido atrás de ti, disseram que não respondes às ligações, mensagens, nada. O James perguntou se tinhas mudado de país.

--Povo exagerado, mas realmente estou sem tempo...sem secretária, com muita solicitação no trabalho, tendo que dar assistência à minha secretaria e fiel escudeira, coitado do meu gato, ainda bem que tenho a melhor amiga do mundo...

--E tens a mim também, qualquer coisa é só gritar. Estou com saudades das nossas conversas...

--Aconteceu alguma coisa? Tu com saudades de conversas? Pensei que estivesses com saudades de dançar até cair de cansados...

Risos.

--Também disso, mas saudades da vertente mais recente da nossa amizade...

--Hmmm, temos novidades?

--Não...apenas vontade de conversar e por falar em conversar, e a nossa amiga do menage?

Ri com a gargalhada dele, só o Yourgos para me animar naquele momento em que me sentia um caco.

--Não soube mais dela...

--Outro dia convidaram-me para um happy hour e quem estava lá dando um show? A musa do menage, que mulher linda e talentosa, claro que lembrei-me de ti e da falta que me fazes...lembrei também do vulcão prestes a explodir que vi naquela sala da tua casa...

Viajei para muito longe dali...fui para um lugar lindo, para braços perfeito, abraço que acolhe, sorriso que contagia...a sensação do coração leve e ao mesmo tempo galopante voltou ainda que por segundos...senti minhas mãos tremerem...ansiedade...tanta coisa mal resolvida dentro da minha cabeça, tantas vontades sem sentido, desejos sem razão...

--Oi...estou aqui!

Yourgos ficou de pé à minha frente fazendo careta. Louco.

--Eu sei...senta doido.

--Onde estavas?

--Com a Karen.

--Não, onde estavam os teus pensamentos?

--Nas coisas que tenho para fazer amanhã...cansada demais Yourgos e tu nem serves para me ajudar.

Risos.

--Amor, eu sou programador e dos bons, não entendo nada do teu metier.

Risos.

--Eu sei, meu metier é para poucos...

Gargalhadas.

--Mas se eu puder ajudar de alguma forma...

--Vou pensar e depois digo-te alguma coisa. Nosso amigo irlandês já foi embora?

--Não, e vai ficar mais alguns meses...ele é muito bom e numa especialidade que precisamos para um projeto novo. Acho que vai ficar por um bom tempo...

--Gostei dele...

--E ele de ti, mesmo com aquele ar sério ele não para de falar na Catherine...

--Sério?

--Sim, não sei o que lhe deste...

--Ah para, entendi muito bem o teu joguinho daquela vez que jantamos juntos, mas não aconteceu nada.

--Não foi jogo, juro por Deus.

--Deus? O que sabes sobre Deus?

Gargalhadas.

--O mesmo que tu. - Risos. - Mas naquele dia não foi plano para proporcionar à amiga uma fabulosa noite de sex*, aconteceu mesmo um imprevisto, ou achas que vida de garoto de programa é fácil?

Gargalhadas altíssimas.

--Não aconteceu nada além de uma conversa maravilhosa, até porque Mike é gay...

--Como podes ter tanta certeza?

--Porque ele me disse com todas as letras...

--Assim, sem mais nem menos? Claro que tu és essa mulher livre e que deixas todos na mesma condição mas ele parece-me tão discreto....

--E é, mas devo ser mesmo essa tal mulher livre...ele disse que apaixonou-se por um homem e que deste então não pensa em outra forma de se relacionar...

--Mas ele ainda está com essa pessoa?

--Sei lá Yourgos, porque não perguntas diretamente?

--Tem até graça, nós sequer falamos sobre essas coisas...

--Para tudo há um começo...

--Não tenho nada a ver com a vida sexual do meu colega.

--E a tua como vai?

--Parada...fazes falta Cathe.

Risos.

--Quem ouve essa frase descontextualizada acredita que fazíamos sex* todos os dias.

Gargalhadas.

--Nada disso, mas quando saio contigo sinto meu sangue pulsar, e tu és linda e chamas atenção...

--Não entendi...eu chamo atenção de homens e tu gostas de mulheres ou não? - Provocava descaradamente.

--Tu chamas atenção de todos meu amor, está para nascer mulher mais sexy...

--Achas mesmo que sou sexy? - Eu não me acho exatamente uma mulher sem charme, mas tem dias que não vejo absolutamente nada de especial...

--Cathe, tu és um sonho...além de linda e sexy ainda tem esse porte de mulher poderosa, que não está nem aí para nada, que manda e desmanda...o povo baba.

Quase morri de rir, eu era assim?

--Exagerado.

--Nada...tu és maravilhosa mulher e ainda é doida, mais um ponto para o charme...

--Doida como?

--Intensa, complexa...maravilhosamente doida. Ah e tem mais...uma mulher que não se inibe e preenche todos os requisitos.

Risos.

--Não entendi...

--Capaz de despertar paixões avassaladoras em homens e mulheres...touché.

Gargalhadas.

--Estou me sentindo a própria...quem?

--A própria Catherine, maravilhosa.

--Obrigada Yourgos...estava mesmo a precisar dessa injeção de ânimo.

--Eu sei disso querida, mas tudo o que disse é a mais pura verdade, quanto mais convivo contigo mais me apaixono.

Risos.

--Só não me peça em casamento porque não aceito.

Gargalhadas.

--Doida. Mas quer saber, se te mostrares ao mundo como eu te vejo, vai ter fila de candidatos...candidatas...

Risos.

--Agora todos querem me ver com outros olhos...tu, a Karen, Susan...se bem que essa sempre viu uma Catherine que deve estar muito bem escondida...

--Digo e repito...Maravilhosa. E não te peço em casamento porque não sei muito bem o que quero da vida...

--Nem eu...

--Mas tu pelo menos não tens medo de experimentar...

Será que não tinha? Se ele se referia à Skya, ao meu envolvimento com uma mulher, aquilo nada tinha a ver com coragem...pelo menos eu não via assim. Ela me atraiu, o momento era propicio e permiti que acontecesse...universo paralelo. Nada a ver com coragem, coragem era outra coisa e essa eu não tinha...

**************************************************

Entrei na minha sala faltando pouco para as nove da manhã, tinha muito para fazer e além do habitual, do meu stress sem Karen, ainda queria deixar o ambiente com um aspeto menos caótico, afinal a partir das duas da tarde teria a ajuda da tal sobrinha de Karen.

Normalmente um arranjo desse tipo não entraria jamais no meu modo de agir mas ultimamente eu me via fazendo coisas que outrora seriam impossíveis...efeito Karen na minha vida.

Nos últimos tempos tenho aprendido tanta coisa, principalmente o conceito de família. Eles se ajudam e sem interesses escusos, ajudam-se porque querem que todos estejam bem e essa atitude é contagiante. Apesar de cansada e muitas vezes à beira de um ataque de nervos, tenho-me sentido muito bem, como se de repente as coisas fizessem mais sentido...

A manhã correu, entre fazer o meu trabalho, atender o telefone, dar coordenadas a Dante que não era exatamente um ser organizado, vi que o relógio marcava uma hora.

Sai correndo para comer uma salada com Susan que também queria estar comigo, aliás eu estava doida para vê-la e saber notícias do Scoutie que ultimamente ficava mais com ela...em pouco tempo, se essa sobrinha de Karen fosse boa, eu ficaria mais aliviada e poderia retomar a minha rotina, pelo menos com o meu gato.

--Calma Cathe, coma devagar, assim a comida não faz efeito. Estás mais magra...

--E sei Sue, mal tenho tido tempo para comer...Susan ficar sem Karen é quase um tsunami na minha vida.

Risos.

--Eu sempre disse que ela é uma santa.

--E a santas devemos tudo...

Risos.

--Mais ou menos isso...mas e essa nova secretaria?

--Não é secretária, é sobrinha de Karen que não trabalha no ramo, pelo menos não atualmente mas que já teve uma experiencia e que segundo minha querida secretaria poderá ajudar-me pelo menos na organização.

--Cathe...eu já disse que te adoro?

--Não...porquê isso agora?

--Catherine, eu sei que queres ser fria, e deves ter as tuas razões para camuflar tanto os sentimentos...mas poucas pessoas agiriam como tu no caso da Karen.

--Ela faria a mesma coisa por mim...

--Faria, não tenho dúvidas, mas normalmente o egoísmo impera e tu não, mesmo tendo que trabalhar em dobro e muitas vezes fazendo coisas erradas já que é humanamente impossível dares conta do volume de trabalho, mesmo com tudo isso, resolveste seguir o caminho mais difícil...eu tenho orgulho de ser tua amiga.

Risos.

--A Karen é um choque de realidade na minha vida...a situação dela, acho que precisava dessa sacudidela para ver as coisas como elas são e não apenas o meu mundinho...

--Eu te amo.

Sorri feliz...queria dizer a mesma coisa mas não era boa com essas palavras.

Abracei-a com carinho e beijei-lhe a testa.

--E o Scoutie, a Ciara ainda não o atirou pela janela?

--Nem brinques com essas coisas...Scoutie é o dono lá da varanda do nosso quarto, ele não permite que ninguém mais reine. Continua a paixão com Younie e Strauss está possesso.

Risos.

--Vou busca-lo no fim-de-semana. Devo viajar mais para o final do mês...tudo bem com a Ciara, ela não gosta muito do Scoutie...

--Não digas isso, a Ciara adora o Scoutie e ela gosta que ele esteja lá em casa.

--As coisas estão como num céu de verão?

--Sim...não posso queixar-me Cathe...ela tem trabalhado muito, viajado, mas sempre carinhosa e com todas as provas de amor que meu coração pode aguentar.

Sorri feliz, não gostava muito da Ciara, ou melhor, ela não gostava de mim mas fazendo a Susan abrir sorrisos de orelha a orelha eu já me sentia muito bem.

--Apaixonada, preciso ir...a Kika vai chegar dentro de minutos, isso se a menina for essa maravilha toda que a Karen descreveu.

Risos.

--Confia. Mas o nome dela é Kika?

--Sabes que eu nem sei, acho que não...mas vou descobrir dentro de minutos. Estou ansiosa Sue, e precisando muito que essa menina seja boa mesmo. Ela só vai trabalhar um período e teremos que fazer adaptações consoante os seus compromissos.

--Ela trabalha em quê?

--Achas que eu sei? Fiquei tão excitada com o fato de poder contar com alguém para me auxiliar que nada mais me interessou.

--Vai dar tudo certo e vais poder respirar aliviada.

--Tomara. Agora preciso correr.

--Ligo-te mais tarde para saber as novidades mas tenho fé que tudo vai correr muito bem.

Queria ter a fé da minha amiga, mas a verdade é que estava preocupada...meu perfecionismo não me permitia relaxar...

 

**************************************************

Às duas horas em ponto ouvi um leve toque na porta da minha sala e pedi que a pessoa entrasse. Sorri, pelo menos no quesito pontualidade Karen não tinha exagerado.

Olhei em direção à porta e quando a mulher entrou eu tive a certeza que a conhecia, só não me lembrava de onde.

Sorriso aberto mas postura profissional, mais um ponto para ela.

--Olá, Rebeka Sanchez, muito prazer.

Ela estendeu a mão, cumprimentei e pedi que se sentasse.

--Catherine Lohman, muito prazer. Rebeka...Kika vem de Rebeka, claro.

--Nem tão claro assim, loucuras de um dos meus tios e acabou ficando Kika. Mas apenas no seio da minha família sou chamada assim...

Ela me olhava e parecia querer dizer alguma coisa e eu tinha a certeza que a conhecia mas como tenho a mania de não me ater a nada...

--Já estiveste aqui com a Karen? Eu sei que te conheço só não me lembro de onde...

--É muito engraçado...- ela sorriu. - Ainda que seja curiosa sobre essas coisas, as tais coincidências da vida, há coisas que me surpreendem, eu sabia que te encontraria...

Ela calou-se de repente, provavelmente por causa do meu ar de espanto...não estava a entender nada.

--Eu nunca estive aqui com a Karen e só descobri que eras a Catherine de quem já ouvi falar e com quem já cruzei uma ou duas vezes salvo o erro, agora há pouco...a Karen é discreta e quase nunca fala do trabalho.

--E quando fala não deve ser coisa boa...

--De ti? Nunca ouvi uma queixa, talvez que estivesse cansada, mas ela sempre disse que tinha a melhor chefe do mundo.

--E eu te conheço de onde?

--Toco com a Skya...

Claro. De repente vi a imagem dela claramente na minha mente. Logo ela tinha que ser a sobrinha de Karen...já tive sentimentos nada abonatórios em relação a essa mulher...

--Algum problema?

--Não, mas quero entender o que uma saxofonista está a fazer na minha sala para prestar serviço de secretária.

Ela sorriu abertamente e não sei porquê gostei daquela atitude.

--Antes de ser saxofonista já fui muita coisa, inclusive assistente administrativa. Não sou expert como a Karen mas acredito ser capaz de te ajudar e mais do que isso, ajudar a minha tia a ficar tranquila que é o que ela precisa nesse momento.

Mais uma vez eu fiquei pasma com o sentido de entreajuda daquele povo...

--Eu preciso muito da tua ajuda, olha como essa mesa está um caos...

Levei as mãos à cabeça e ela sorriu e levantou-se para começar a trabalhar.

--Vai ficar tudo perfeito, só preciso que me mostre tudo, minha mesa, computador, as pastas, eu organizo tudo.

Fiquei feliz, quase pulei de alegria, era disso que precisava.

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Não sei qual foi o milagre que a Kika fez mas em dois dias tudo estava na mais perfeita harmonia e ela só trabalhava um período. Acordamos que na primeira semana ela viria à tarde e que depois faríamos um novo plano de acordo com suas outras atividades.

Eu estava feliz e mais tranquila para fazer o meu trabalho. Ela era muito profissional e dedicada, parecia que ser secretária era seu sonho de vida, quando na realidade era uma exímia saxofonista, aliás aquele detalhe ainda me fazia alguma confusão. Como uma musicista dedicada e que ainda precisava de muita luta para conseguir o seu lugar ao sol, ainda assim, tinha tempo e disposição para nas horas vagas ajudar a tia como secretaria? Mas é o tal de sentido de família do povo de Karen, um por todos e todos por um...lindo.

Rebeka era espontânea, inteligente e muito engraçada.

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Skya olhava para o entusiasmo da amiga ao contar a sua nova aventura e não sabia ao certo o que sentir. Tinha passado duas semanas em Londres com os pais e no regresso essa novidade no mínimo bombástica. Sim, queria muito esquecer Catherine e de certa forma estava a ter sucesso, mas agora com Rebeka falando dela a cada dois minutos seria praticamente impossível...e pior, ela estava encantada com Catherine, só via o lado bom...

--Mas Bekie como vai ser com os nossos concertos? E tem o concerto do Metropolitan...

--Tudo sob controle meu bem. Meu trabalho com a Catherine é flexível e ela sabe da minha outra vida e que essa outra vida é o que quero fazer para a vida inteira, então...

--Hmmm, mas que coincidência...

--Não é?

--Mas tu entendes bem dessas coisas...

Risos.

--Sim, mas mesmo assim fiquei pasma quando vi que ela era a Catherine...

--Não sabias?

--Não, minha tia quase nunca fala do trabalho e quando nos reunimos é quase sempre para celebrar alguma coisa e ninguém fala de trabalho. Só descobri quando cheguei ao escritório, minutos antes de ficar cara a cara com ela...ela é muito engraçada Skya e de uma competência, dá gosto trabalhar para alguém assim. Sem contar o fato de gostar muito da minha tia, do meu tio, ela parece ter adotado a Karen e o Juan como parentes e eles adoram-na. Eu já te contei das nossas dificuldades, e eles têm-nas acrescidas porque a Karen ajuda seus irmãos, mãe, se ela perdesse o emprego ou se colocassem alguém no seu lugar e depois perdesse o salario atual seria um baque grande, mas a Catherine não permitiu que tal acontecesse e mesmo tendo que trabalhar a dobrar ela cumpriu com o prometido...só me restava ajudar e faço de bom grado.

O pensamento de Skya voava para outros momentos e seu coração teimava em querer galopar...

Conviver quase diariamente com alguém que só via o lado bom de Catherine, que parecia estar apaixonada pelo convívio com ela, não estava nos seus planos...

--Cuidado para não se apaixonar por ela. - Skya brincou mas com uma leve preocupação.

Rebeka riu às gargalhadas.

--É um risco grande porque ela é apaixonante...mas não misturo trabalho com prazer.

Rebeka teve que se controlar para não rir da cara de espanto da amiga. Catherine era sim apaixonante, principalmente a Catherine com quem ela passara a conviver quase diariamente, mas não corria risco algum de se apaixonar, até porque a chefe de sua tia tinha os canais do amor todos fechados.

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Terminava um relatório quando parei por instantes para apreciar a calmaria do ambiente ao meu redor. Tudo no lugar, silêncio, cenário propício para produzir e bem. E pensar que há menos de um mês o caos imperava...

Sorri ao lembrar de Rebeka...a primeira impressão que tivera dela e motivada por sentimentos que não entendia bem, não tinha sido das melhores e entretanto naquele momento poderia dizer que ela pertencia ao rol de gente do bem, assim como Susan, Karen e mais meia dúzia de seres com os quais convivia.

Gostava do profissionalismo, da alegria, da calma que ela passava mas o que mais chamava a minha atenção era a discrição. Eu tinha certeza que ela sabia o que acontecera entre mim e a Skya mas não falava nada e a impressão que tinha era que evitava falar desse outro lado da sua vida exatamente para que o nome da amiga não viesse à baila...ultimamente eu convivia com as melhores pessoas.

Enviei o relatório e olhei as horas, passara do horário de almoço...normal, eu me esquecia da vida quando o trabalho me absorvia.

Preparava para levantar e sair quando Rebeka entrou na minha sala e com o seu melhor sorriso. Nessa semana ela estava de manhã comigo porque à tarde tinha que preparar um concerto e estudar para não sei o quê...e essa mulher ainda escrevia, só não sabia a que horas dormia, namorava...

--Desculpa interromper a tua concentração mas é por um bom motivo.

Ri com gosto, adorava aquela espirituosidade.

--Não quer almoçar comigo? Assim conversamos um pouco, estou com muita fome.

Ela olhou-me admirada, será que tinha exagerado?

--Algum problema? Minha companhia não é interessante?

--Acho que é das melhores...mas eu fiquei espantada porque entrei aqui para te convidar um almoço...para celebrarmos o nono mês de gravidez e sem sobressaltos da Karen, o bebé nasce a qualquer hora.

--Já está no nono mês? Como o tempo voa...

--Liguei agora há pouco para perguntar a forma certa de fazer um trabalho e ela estava toda feliz e deitada de pernas para cima, não pode fazer nenhum esforço e a qualquer hora vai para o hospital.

--Mas eu estive com ela ontem e ela não me disse nada...

--Ela está a viver uma coisa de cada vez...receio que aconteça...nem gosto de pensar nessas coisas mas ela pensa e tem medo, o que é justificável pelo histórico...

--Pois...mas que eu saiba esse bebé ainda não tem nada.

--Absolutamente. Uma ou outra coisinha que eu comprei, que minha mãe comprou...o tio Juan já pintou o quarto mas só isso. Ele está trabalhando a dobrar, está preocupado com as despesas com o parto e a Karen não pode fazer nada.

--Mas nós podemos.

Ela sorriu e eu ri alto.

--Sempre adivinhas o que eu quero?

Sorri feliz.

--Vamos comprar tudo para esse bebé?

--Vamos. Estou louca para ver a cara da Karen...do Juan, ele é meio sério, meu tio mais sério e quase da minha idade, mas ele é meu preferido, talvez por conviver mais de perto...gosto dele, alias eu adoro o casal.

--Eles são ótimos. Vamos comer e depois comprar tudo para essa criança.

--Mas sequer sabemos o sex*...

--Ah, compramos cores neutras e todos os acessórios, berço, coisas de higiene, decoração do quarto...tu me ajudas porque eu não entendo nada desse universo.

--Ajudo sim, eu adoro bebés. Vamos comer?

--Agora.

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Chegamos a acordo que massa seria perfeito para ganharmos energia e poder percorrer as lojas do shopping atras dos melhores presentes para o bebé de Karen. Rebeka escolheu um shopping que ficava nas imediações do local onde ela deveria estar no período da tarde para ensaiar.

--Temos que comer rápido para ter tempo para te ajudar.

--Não te preocupes com isso, podemos fazer as compras outro dia...sei que hoje estás cheia de coisas para fazer.

--Não, tem de ser hoje, depois viajo a trabalho e se o meu primo resolve nascer por esses dias.

Risos.

--Ok, mais uma vez estás coberta de razão.

Ela deu-me os braços e entramos no restaurante italiano do terceiro piso.

Sentei-me e Rebeka preparava-se para fazer o mesmo quando abriu um largo sorriso. Olhei na mesma direção do seu olhar e levei um susto.

--Parece que hoje massa é prato de eleição...

Nem tive tempo de pensar, ela pegou-me pelas mãos e dirigimos à mesa onde Skya estava sentada sozinha.

--Olá moça linda, tem lugar para mais duas?

Skya levantou os olhos e sorriu para a amiga. Olhou para mim e meu coração acelerou...tanto tempo depois e o efeito era o mesmo. Não sei se manteve o sorriso porque eu não via mais nada, o nervoso me consumia.

--Há sempre espaço...que coincidência, estava a pensar em ti.

Ela respondeu à amiga mas olhou-me dentro dos olhos...minhas mãos gelaram.

--Estamos famintas e com alguma pressa...

--Temos ensaio mas ainda falta algum tempo...

--Claro, mas vou ajudar a Catherine, aliás vamos praticar uma boa ação juntas.

Rebeka olhou para mim com admiração e piscou-me o olho. Eu não conseguia reagir...que estupidez.

--Posso ajudar? - Skya perguntou.

As duas olharam para mim mas meus olhos estavam fixos na mulher mais linda que já vira na minha vida, aquela que me deixava com as pernas bambas, mãos geladas e o coração acelerado...Skya.

 

 

Fim do capítulo