• Home
  • Recentes
  • Finalizadas
  • Cadastro
  • Publicar história
Logo
Login
Cadastrar
  • Home
  • Histórias
    • Recentes
    • Finalizadas
    • Top Listas - Rankings
    • Desafios
    • Degustações
  • Comunidade
    • Autores
    • Membros
  • Promoções
  • Sobre o Lettera
    • Regras do site
    • Ajuda
    • Quem Somos
    • Revista Léssica
    • Wallpapers
    • Notícias
  • Como doar
  • Loja
  • Livros
  • Finalizadas
  • Contato
  • Home
  • Histórias
  • Pentimentos
  • Capítulo 5

Info

Membros ativos: 9524
Membros inativos: 1634
Histórias: 1969
Capítulos: 20,491
Palavras: 51,957,181
Autores: 780
Comentários: 106,291
Comentaristas: 2559
Membro recente: Thalita31

Saiba como ajudar o Lettera

Ajude o Lettera

Notícias

  • 10 anos de Lettera
    Em 15/09/2025
  • Livro 2121 já à venda
    Em 30/07/2025

Categorias

  • Romances (855)
  • Contos (471)
  • Poemas (236)
  • Cronicas (224)
  • Desafios (182)
  • Degustações (29)
  • Natal (7)
  • Resenhas (1)

Recentes

  • Entre nos - Sussurros de magia
    Entre nos - Sussurros de magia
    Por anifahell
  • 34
    34
    Por Luciane Ribeiro

Redes Sociais

  • Página do Lettera

  • Grupo do Lettera

  • Site Schwinden

Finalizadas

  • Dayara e Moara
    Dayara e Moara
    Por May Poetisa
  • Marina  ama  Biatriz
    Marina ama Biatriz
    Por Bel Nobre

Saiba como ajudar o Lettera

Ajude o Lettera

Categorias

  • Romances (855)
  • Contos (471)
  • Poemas (236)
  • Cronicas (224)
  • Desafios (182)
  • Degustações (29)
  • Natal (7)
  • Resenhas (1)

Pentimentos por Cidajack

Ver comentários: 0

Ver lista de capítulos

Palavras: 11121
Acessos: 2256   |  Postado em: 00/00/0000

Capítulo 5

CINCO

disclaimer no capítulo UM

 

Luciana estava contrariada com o fato de Becky estar trabalhando.

 

Em seis meses, como era de se esperar, Becky estava cansada e chateada com a pouca perspectiva de melhora.

 

Respeitando o orgulho dela, Luciana apenas escutava.

 

Com todas as aulas que Becky estava tendo, seu nível de conhecimento estava acima de muitas pessoas com diplomas e mesmo com carreiras. Mas, não era uma formação oficialmente acadêmica.

 

A frustração era enorme e estava interferindo nos ânimos da relação.

 

Luciana não suportava perder alguns fins-de-semana em função do trabalho de Becky. Prá ser totalmente sincera, ela não dava a mínima para o trabalho de Becky.

 

Era muito mais aceitável se ela decidisse dedicar seu tempo a estudar e prestar um vestibular, entrar em alguma faculdade e fazer o caminho normal. Becky tinha apenas 21 anos e estava dentro dos limites.

 

Tudo para Becky estava relacionado ao fator tempo. Até ter uma formação adequada, levaria no mínimo uns cinco anos.

 

-- Uma faculdade de renome é uma fortuna!!

 

-- Você sabe que isto não é o problema....

 

-- Não vamos começar com isto de novo, Luciana.

 

De sua parte,  Becky ainda estava se sentindo desconfortável com a dependência financeira que tinha em relação à Luciana.

 

Seria ridículo ela falar em "arcar com suas despesas", quando seu salário era básico.  Era evidente que tudo o que Luciana estava habituada ela trazia para o apartamento. Poucas foram as vezes que Becky conseguira pagar algo para ela. Seus gostos eram naturalmente caros. E era inconsciente mesmo. Luciana não sabia qual era o gasto total de sua casa. Ela sabia das contas dos hospitais, da folha de pagamento das empresas, do custo com aquisição de equipamentos e todo um outro amontoado de números e verbas. Mas, com relação às suas despesas pessoais, não tinha noção. Clara era a responsável pelas despesas da casa e para os demais gastos, tinha o pessoal do financeiro.

 

Quando ficava na mansão, Becky sentia-se como mais um item da casa. As coisas eram dadas por Luciana ou vinham junto com os caprichos da doutora. E há muito que ela estava se constrangendo com os caprichos da doutora, fazendo um enorme esforço para não estragar a beleza do amor que sentiam com estas sensações.

 

Luciana percebia que Becky não usava as coisas que ganhava dela. Até o carro que insistentemente e após muito esforço conseguira que ela aceitasse, ficava parado na garagem durante a semana, mesmo tendo sido dado com o intuito de poupá-la de pegar os coletivos e ficar sujeita a atrasos e outros contratempos que roubavam o tempo que Luciana tinha para ficar com ela.

 

No início, não deram conta desta diferença de situação,  pois a paixão era urgente. Ainda o era. Ficar ao lado dela era o principal para Becky. Mas, com o desenrolar da vida de ambas, com as interferências que faziam em seus destinos, as coisas começaram a pesar.

 

De um lado, Becky queria provar ser capaz de construir algo para si, até como forma de fazer valer o investimento de Luciana. Já que tinha aceitado ser bancada, pelo menos deveria aproveitar o impulso e alçar vôo sozinha. Não pretendia a liberdade em relação ao comprometimento com Luciana, mas em relação à dependência.

 

Do outro, Luciana se sentia cada vez mais presa ao comprometimento e queria ver provas de que Becky não a abandonaria quando tivesse asas para voar. Por mais que soubesse que a loira agia como uma pupila que quer provar que valeu a pena ser preparada, ela não queria que toda esta preparação representasse o risco de perdê-la. Entendia o orgulho, mas não entendia a recusa em receber seus presentes, até mesmo mostrar-se com ela.

 

A coisa ficou feia quando Luciana quis unir o útil ao agradável e convidou Becky para acompanhá-la em uma conferência sobre previdência na Austrália. A idéia era esticar até Nova Zelândia, coisa que Luciana queria há muito tempo e, agora com seu novo amor, seria perfeito.

 

-- Luck, Nova Zelândia não é o local...

 

-- É. É o local onde aquela série que você assiste é filmada. Você diz que eu pareço com a atriz....Vou prestar mais atenção.

 

-- Com um pouco mais de couro sobre sua pele, uma espada, um certo gritinho... os olhos são iguais!!!

 

-- Realmente, eu preciso ver de perto...

 

Os olhos de Becky brilhavam. Começou a comentar sobre filmes que vira e que foram rodados naquela terra. Comentou de sites que vira sobre turismo e, para alegria de Luciana, mencionou o fato de ter tido vontade de ir prá lá, quando nem sequer imaginava se teria condições.

 

- Luck, aquele lugar parece o paraíso!! É muito lindo!!! E eu nunca viajei assim antes.

 

Luciana estava feliz com a empolgação do seu amor. De repente, o brilho do olhar de Becky sumiu.

 

-- Que!?!?! Que foi?!?!

 

-- Não posso, Luciana. Ainda não tenho direito a férias. Tenho responsabilidade com meu trabalho.

 

O sorriso de Luciana foi se transformando em uma linha dura e áspera em seu rosto, agora sério, denotando irritação.

 

-- Você está dizendo que não pode ir comigo, realizar um sonho seu, por causa daquela sua ....distração! - falou isto dando um tapa em algo imaginário, como se derrubasse um castelo de cartas.

 

As palavras não caíram bem nos ouvidos de Becky. Mais do que frustrada pela impossibilidade de ir atrás de seu amor, ela ficou indignada pela forma como Luciana falou de algo muito importante para ela.

 

-- Não é distração! É o meu trabalho. É a primeira vez que trabalho em um lugar legal ..é a primeira vez que eu trabalho....e as pessoas confiam em mim e gostam do que faço..

 

-- Besteira!!! Organizar livros e pajear crianças chatas ...oras, qualquer pes...

 

A frase morreu aí. Os olhos verdes não eram vistos, pois estavam fixos nos sapatos. O corpo trêmulo denunciava o choro abafado. Luciana queria uma reação mais violenta. Preferia que Becky tivesse gritado, lançado-se sobre ela com os punhos cerrados e a esbofeteasse. Ao invés disto,  a imagem de sua amada tão desamparada, tão "vencida",  comprimida pelo rolo compressor que foram suas palavras. Poucas, simples e mal pensadas, mas tão devastadoras.

 

Pensou em se retratar, mas tudo o que dissera era o que realmente pensava. Qualquer pessoa poderia fazer o que Becky fazia. Não era humilhante, nem algo de menor valor, mas era muito pouco dentro da relação delas. O parâmetro era a relação que tinham cultivado. Todos os valores relacionados às condições financeiras, carreira, estudo, enfim, qualquer coisa de não tão alta relevância naquela situação delas, irritava Luciana.

 

Se, por um lado, era  louvável a insistência de Becky em deixar claro que não queria depender dela; por outro, era patético, pois nenhuma delas poderia mudar as coisas subitamente.

 

-- Quando eu estava nas ruas, queria apenas ter um emprego, ter um canto meu e me sustentar. É um pensamento simples e modesto, mas era muito mais do que eu imaginava conseguir.

 

As palavras saiam entrecortadas pela tentativa de refrear as lágrimas.

 

-- Você aconteceu muito rápido. Eu vi só você e mais nada.  O que eu mais queria era tê-la. Foi um pulo muito grande, uma distância que transpus em um único salto. Eu quero ser sua todas as horas do dia, mas não quero ser um capricho. Não sou fútil, não gosto de esbanjar o que não é meu. Não posso voltar atrás, não pelo que tenho materialmente, mas pelo que tenho dentro do coração. Porém, seguir adiante está sendo difícil. Sinto-me empacada.

 

Luciana estava parada, no meio do quarto, seminua, uma vez que estava a caminho do banho quando começaram a discutir. Rebeca estava sentada na cadeira, próxima a cama.

 

-- Luck, você  não sabe o que é viver pedindo a caridade de todos. Quando nas ruas, eu procurava não pensar, pois tinha que sobreviver e era loucura me torturar com estes pensamentos. Com você, sei que não é caridade, mas incomoda saber que as pessoas me olham como a protegida da doutora.

 

Os olhos azuis estavam sem expressão, A mulher alta e imponente olhava para a pequena figura, que parecia menor ainda, com aquele ar de inconformidade.

 

-- Você é um sonho prá mim e dele eu tenho que acorda todos os dias e ver que saí das ruas para dentro de um mundo de riqueza, de cultura, de posições sociais que denunciam nossas diferenças. Quando separo a realidade do sonho, sobra o desconforto. Já pensou quem eu sou prá você ? Olha, nem sei comandar seus empregados, pois às vezes me sinto menos que eles, que estão aqui com funções e responsabilidades, sabem quem são e o que têm a fazer, além de conhecerem você melhor do que eu. Eles acatariam minhas ordens apenas para não contrariá-la, quando não fossem atrás de você para saber se poderiam fazer o que peço.

 

Becky via os sentimentos travando batalhas terríveis no olhar gélido. Um azul agudo e perfurante que batia com força contra seus  verdes e sinceros  olhos.

 

-- Não os culpo, afinal eu apareci nesta casa e ninguém tem idéia do que eu sou, além da loirinha que encanta a toda poderosa Luciana, prá ser menos explícita na definição que já ouvi para a minha maneira de encantá-la.

 

Com sua impaciência habitual, Luciana arrancou o resto da roupa que vestia e atirou na cadeira  ao lado de Becky, indo para o banheiro.

 

Um som de vidro quebrado ressoou no quarto e Becky precipitou-se em direção ao barulho.

 

O espelho estava quebrado, a escova de cabelos atirada no chão, entre os estilhaços.

 

Luciana torcia uma toalha nas mãos, como se estrangulasse algo. Os olhos azuis estavam muito pálidos e frios, mas tênues lágrimas faziam-no brilhar.

 

Becky pensou que seria expulsa do banheiro, da casa e da vida da doutora, pelo olhar que recebeu. Ficou estática e quase recuou quando Luck avançou em sua direção e a abraçou, um abraço tão forte que a pequena loira sentiu a respiração faltar.

 

-- Não somos nós, Becky. Sei que não somos nós. Mas, o que somos separadas.

 

Um pouco distraída, Becky pensava no calor do corpo que se estreitava ao dela, como querendo fundi-las em um único ser. Era esta sensação, este conforto, este amor, que ela sabia que não poderia abrir mão. A voz tão penetrante, o tom decidido, a beleza e musicalidade. Era estranho, mas Luciana ficava mais bonita quando irada. O corpo agigantava-se, como se toda a extensão, todo o esplendor de seus 1,83 m fossem alçados ao máximo. Ela era uma deusa e Becky não sabia como tinha acontecido ela ser o bem maior desta divindade

 

-- O que você quer que eu faça. Aqui em casa não preciso fazer nada, mas se você quiser eu chamo todos e digo que você é a minha companheira, a mulher que eu amo e respeito e que com certeza saberá todas as coisas que me fazem bem. você exagerou no que disse, pois eles a querem muito bem e a respeitam pelo que você é, não pelo poder que tem. Eu sou o monstro, você a minha domadora! Eles agradecem você por isso.

 

-- Não gosto quando você fala assim. Você não é um monstro, meu amor. É apenas alguém preservando coisas que julga importante e usando todas as suas armas para tal. Algo ou alguém machucou muito a sua alma. Você só precisa se recuperar. Um dia, talvez, eu consiga....

 

Com um beijo, ela emudeceu minhas palavras. Deus, como eram intoxicantes aqueles lábios, aquela língua. Será que era tão importante saber de quem era o poder financeiro, diante de tanta coisa que eu tinha nas mãos?

 

Delicadamente, ela segurou meu queixo e me fez olhá-la nos olhos. Hipnotizantes.

 

-- Quando você entrou na minha vida, eu estava planejando largar tudo e ir viajar. Mas agora, o largar tudo seria tudo mesmo!!! As empresas, esta casa, minha posição, o dinheiro, luxo, conforto, tudo mesmo. Sei lá...começar de novo, a gente pode ficar lá no apartamento e depois pensa em algo melhor.

 

Continuava sem fala. Sentia o ar entrando em minha boca, totalmente aberta. Luciana preencheu-a com seu beijo.

 

-- Seja o que for que possa trazer a sua auto-estima de volta, eu farei. Não quero um fantasma como este assombrando nosso amor. Você não pode se tornar bem-sucedida da noite para o dia...

-- ...nem você pode ser menos do que é, independente de abrir mão de todas as coisas. Sempre existirá este tipo de  diferença.

-- Mas é o caminho mais curto...

-- ...para o nosso desastre.

 

A água corria pelo ralo, minhas mãos perdiam-se na extensão das costas de meu amor e seu cheiro entrava por todo o meu corpo. Afastei-a mais uma vez, relutantemente.

 

-- Termine o seu banho, meu amor!

 

Penso que eu a confundia e ela ficava sempre na fronteira entre o total amor por mim e a fúria da sensação de impotência na qual eu a colocava. Seu olhar denunciava que, não fosse eu quem era prá ela, e estaria morta. Qual seria a minha punição por revirar tanto sua vida, caso ela quisesse me punir?

 

Senti sua mão fechar-se ao redor de meu punho, com força. Da mesma forma, fui puxada para perto dela e atada em um abraço. Minhas costas contra seus seios. Os braços firmes cruzavam-se sobre meu corpo, pela barriga, enquanto as mão prendiam meus pulsos. A língua bailava em minhas orelhas e traçava caminhos pelo meu pescoço. As mão habilidosas, removeram minha camiseta, com um cruzar de braços. Com as mão soltas, deslizei minha saia por meu corpo, deixando cair sobre meus pés, que a chutaram longe. Nuas, deixei que sua força me arrebatasse e fui cedendo a pressão da gravidade sobre minhas pernas enfraquecidas pelos toques em meu corpo. Luciana estava levando-nos para uma posição mais segura. Ajoelhadas, por átimo senti o chão frio, mas depois só o calor das mãos magníficas. Os cabelos negros caindo sobre meus ombros, enquanto seus dentes mordiscavam e brincavam com os bicos rijos de meus seios. Seus dedos totalmente úmidos por minha excitação, faziam desenhos complexos no interior de meu sex*, deixando meus pensamentos mais emaranhados que as possíveis linhas traçadas por eles. Praticamente sentada em suas mãos, sabia que estava prestes a atingir meu clímax. Encostando a cabeça em seu ombro, virei para receber a língua maravilhosa, enquanto suas mãos deslizavam entre minhas pernas, dedos me penetravam, enquanto outros se alternavam ora em meu clit*ris, ora em Luciana. Freneticamente, comecei a esfregar meu corpo contra o dela, que me prendia contra seus seios, enquanto eu lançava-me na direção de seus dedos. O suor descendo por minha testa, os músculos tenso de Luciana, no esforço de me prender junto a ela. E a sensação vinha, subia pelo meu corpo, em ondas de calor e parecia não querer acabar. Com o corpo convulsionado, respiração ofegante e batimentos acelerado, eu queria mais. "Ficar sem ela seria a maior punição para mim".

 

**************************

 

Nossa decisão, fosse ela qual fosse, teria que esperar. Por outra, ela foi tomada de uma forma bem pouco racional, mas bastante prazerosa.

 

A fúria de Luciana traduzira-se em paixão e desejo incontroláveis. Dei meu corpo a ela como se jamais fosse ser amada novamente. Vezes e vezes, querendo que o instante de prazer desse a volta por meus sentidos e se repetisse sem qualquer interrupção. Luciana não se fez de rogada. Eu queria e ela dava. Pensei que ela fosse estranhar a minha volúpia, mas ela só fez acender mais e mais.

 

O chuveiro ainda estava aberto, mas nós estávamos no chão do quarto quando a exaustão nos fez voltar à realidade. O gosto dela estava em minha boca, mas eu não me preocupava em retê-lo, pois eu a tinha ali e podia renovar a seiva que saciava minha sede. Minha cabeça repousava sobre o cetim de seus pelos negros e a coxa forte e musculosa era a visão que eu tinha do meu amor.  Sua mãos acariciavam meu cabelos. Virando o rosto, lambi a umidade do centro de seu corpo, fazendo-a tremer. Deliberadamente, galguei seu corpo, esfregando cada centímetro do meu sobre ela. Os olhos fechados esperaram minha respiração tocar suavemente sua face e então se abriram, revelando para mim uma cor azul jamais imaginada, algo como a fusão de todos os oceanos com todos os céus, diurnos e noturnos. Busquei sua língua e nos beijamos várias vezes, até serem apenas leves toques.

 

-- Becky, o que eu tenho materialmente é nada perto do que nós temos. O que você quer que eu faça? Com certeza, é mais fácil para mim me despojar de tudo o que tenho e ficar ao seu lado, tentando reconstruir tudo.

 

-- Luck, não posso pedir nada à você, uma vez que já tenho tudo o que posso querer. Por outra, peço desculpas...

 

Aquele beijo de novo. O beijo que me calava nas horas mais constrangedoras prá ela, quando não suportava ver revelada a beleza que eu via nela e o que tê-la representava para mim. Não iria me calar agora.

 

- Humm...desculpas por não entender o que estou arriscando...- outro beijo - por estar sendo egoísta...humm...por atordoá-la e confundir sua lucidez com ...coisas...

 

Não dava. Penso que nos entendemos, pois a última coisa que pensei foi abandonar o emprego e seguí-la.

 

 

 

 

 

A viagem foi maravilhosa, obviamente.

 

Um país estrangeiro, pessoas estranhas, uma vida sem possíveis cobranças. A Austrália era linda. Enquanto Luciana ficava no seminário, Becky saía e conhecia os lugares. Sidney não era uma capital como outra qualquer. Cada dia era uma descoberta. Museus, galerias, ruas, a história dos pioneiros. Ela estava deslumbrada. Durante o dia, como nos seus tempos de rua, saía e se aventurava por ruas e lugares, usando e abusando do inglês, tão bem desenvolvido com a ajuda de Clara.

 

Andava muito por parques e pensava na vida. Em como tudo acontecera. Estavam juntas há quase um ano e meio. Luciana revelara-se uma pessoa dócil no convívio doméstico. Profissionalmente, Clara sempre contava certas coisas que mostravam que ela não poderia ser menos do que era, mas tinha um enorme coração a ser lapidado.

 

Becky imaginava o que endurecera tanto a doutora.

 

De qualquer forma, lá estavam elas, às vésperas de umas férias prolongadas, prá não dizer indeterminada, vivendo uma para a outra, abusando do amor que sentiam .

 

Era maravilhoso. Surpreendia-se consigo mesma: as coisas que aprendera, os conhecimentos, o idioma estrangeiro, a capacidade de transitar e discorrer sobre assuntos e lugares os mais variados. Sempre pensara que o mínimo que poderia fazer por Luciana, era tornar-se uma pessoa intelectualmente à altura dela. Sob este aspecto, Luciana era um poço de informações. Com certeza, jamais cobraria tais coisas de Becky, mas só o fato de disponibilizar uma verdadeira equipe multidisciplinar para orientá-la, deixava claro que ela queria que este aspecto se desenvolvesse.

 

Quando voltava para o hotel, preparava a banheira e ficava esperando seu amor, para um longo e demorado banho, no qual relaxavam e deixavam o corpo seguir sua vontade.

 

Luciana chegava no hotel sempre se queixando da chatice do evento. Desta vez, estava realmente irritada, pois inventaram um tal jantar de confraternização. Seria o último dia, após o qual estariam liberadas para curtir o  novíssimo continente.

 

-- Não quero ir. Já falei para o meu sócio ir e representar nossas empresas, mas ele diz que eu devo estar lá, pois temos contatos a serem mantidos e eu sou especialista nisso. Estou de saco cheio destes anciões, Becky!!!

 

-- Meu amor, vai. O que pode acontecer de tão terrível se você gastar algumas horas em um jantar?

 

-- Quatro ou cinco pretendentes correndo atrás de mim, como ocorreu todos estes dias no evento!

 

Os olhos de Becky arregalaram-se, em uma expressão de espanto, seguido de um longo assobio.

 

-- Não é um jantar apenas, é um coquetel, com música, dança e tudo o mais.

 

-- Quer saber, coloque seu melhor vestido, realce esse olhos mortíferos e enfarte todos os anciões do recinto. Serão mortes naturais, ninguém se sentira culpado, você ficará livre deles e, posso garantir, eles morrerão felizes!

 

-- Meus pretendentes são bem saudáveis, minha querida. Diria até ...interessantes.

 

Antes que pudesse terminar, foi atingida pelo travesseiro que Becky lançou fingindo estar zangada.

 

-- Becky, só porque eles são bonitos....

 

Outra almofada.

 

-- Tem um que parece aquele deus lá do seu seriado...uma boca...

 

Duas almofadas e um empurrão nocautearam Luciana.

 

A guerra de travesseiros terminou na cama, com Becky sobre Luciana, sufocando a doutora com beijos e leves mordidas. Com as coxas entre as pernas de Luciana, mexia-se bem devagar e ritmadamente.

 

-- Quem é interessante?

 

Havia um brilho intenso no olhar de Luciana e ela estava saboreando a brincadeira. Becky traçava pequenos círculos entre os seios cobertos apenas pelo soutien, por sobre o qual mordiscava os mamilos rijos. O movimento entre as pernas da doutora continuavam suaves e o tecido da lingerie denotava a umidade que tomava conta da mulher. A loira tinha que admitir que era uma bela e quente espécime de mulher.

 

Lutava com o corpo de Luciana, que tentava inverter a posição, sem sucesso. Becky queria o controle.

 

-- Eu mereço um pedido de desculpas, por isso seja boazinha comigo, doutora.

 

Na cabeceira ao lado da cama estava uma pequena tesoura.

 

Os olhos azuis estavam escuros e seguiram as mãos, detendo-se na tesoura. Uma expressão que transitava entre o medo e a total excitação bailava no brilho intenso do olhar.

 

-- O que você vai fazer? - a voz denotava a excitação, não havia medo.

 

-- Penso que vou realizar uma operação. - Becky esfregava suavemente a lâmina no peito da mulher que a olhava com os olhos azuis escuros pelo desejo. - Um corte aqui...

 

Becky não teve cerimônia em usá-la para arrancar o soutien e a calcinha de Luciana.

 

Os seios de Luciana estavam expostos, livres da pressão do tecido que os cobria. A  tesoura deslizava pelo corpo, guiadas pelas mãos de Becky, o aço frio causava arrepios em Luciana, enquanto achavam seu destino entre a carne do quadril e o tecido da calcinha. Primeiro, a direita; depois, esquerda.

 

Com certo desprezo, como uma criança que esquece de um brinquedo para pegar outro, Becky se desfez da tesoura, enquanto arrancava o que restou da calcinha, deixando o corpo magnífico exposto para seu deleite. Agora, sentia em sua pele a umidade  e o calor da doutora.  Sentiu-se como um artista diante de sua matéria-prima favorita. O fogo dela consumindo seu próprio corpo. Manteria o controle.

 

-- Ainda não ouvi o pedido.

 

Luciana mal podia pensar, seus seios estavam sendo literalmente devorados. Prá ser sincera, sentiu um pouco de dor, mas era alucinante o que Becky fazia. Sentia as sucções que ela dava em seu ombro, próximo às axilas, entre os seios. Ficariam marcas. Com certeza.

 

-- Que...qual...pedido...

 

Becky não dava trégua. Seus dedos estavam deliciosamente alojados em um lugar quente, úmido, macio e faziam movimentos alternados entre o suave e a agressividade. Ch*pou-os, saboreando o gosto de seu amor, para depois perdê-los na boca de Luciana, que sugava o misto de sabores, sentindo seu corpo ser invadido por sensações únicas.

 

-- Você não vai pedir...ok...prá mim chega de brincadeira!

 

Quando Luciana pensou que isto seria um ultimato para ser levada ao paraíso, Becky simplesmente abandonou tudo.  Saiu de cima da doutora, saiu da cama e, como se nada estivesse acontecendo, ligou a televisão enquanto pegava uma fruta na bandeja.

 

-- Becky!!!?!?!? - Luciana ainda estava ofegante - Não acredito que você vai me deixar....

 

-- Psiu! Estou ocupada.

 

Subitamente, sem ter tempo de dizer algo, Becky foi literalmente arrancada da poltrona e atirada na cama. Ela sabia da força de Luciana e, do fundo de sua alma, estava contando que fosse usada. Ficaria muito frustrada se a reação da doutora fosse diferente.

 

Em segundos, suas lingeries viraram trapos. Sem muito rodeios, suas pernas foram abertas. Sentiu a pele macia esfregar-se contra a sua.  Sentiu os cabelos da doutora roçando seu pescoço, quando esta, enterrando seu rosto no nicho entre o ombro e a nuca, iniciou uma frenética fricção de corpos, ao mesmo tempo em que deslizava dedos em sua umidade, em movimentos cada vez mais rápidos e fortes.

 

Com certa brutalidade, Luciana puxou a perna de Becky sobre suas ancas, não precisando grande esforço para sentir a pressão e o aperto forte das coxas  de ambas, que bailavam atadas de uma maneira, que nem mesmo o ar passaria entre elas.

 

O suor facilitava o atrito. Becky implorava por mais, enquanto Luciana buscava o gozo. Com pouca diferença, ambas atingiram seus orgasmos, sendo o corpo da loira coberto completamente pela extensão total de corpo moreno, os músculos relaxando, em tremores mais espaçados. Becky sentia os beijos de Luciana em seu pescoço e, antes que pudesse pensar, sentia seu corpo reagindo novamente.  Alcançou a língua deliciosa e a saboreou, ainda entre a respiração arfante da doutora. Olharam-se, enquanto duelavam em um beijo ardente, como que travando um desafio para ver quem fecharia os olhos primeiro.

 

- Eu quero o seu gosto em minha boca.....- Becky  a interrompeu, lançando todo o peso do corpo contra o corpo maior que o seu.

-- Você lembra daquele pedido de desculpas?

 

Olhos azuis escurecidos por um misto de desejo e raiva lançaram dardos no alvo verde. Luciana não acreditava .

 

-- Nem lembro de respirar...quanto mais porque tenho que pedir desculpas!

 

Becky riu alto e montou sobre o corpo perfeito.

 

-- Acho que vou considerar isto como desculpa. - falava e esfregava-se sobre o abdômen, percebendo sua umidade traçar o caminho.

 

A noite demorou em acabar e terminou com um longo suspiro de Luciana, praticamente desfalecida nos braços de sua amada. Becky gostava da sensação de tê-la em seus braços.

 

-- Você iria me abandonar mesmo naquela hora? - foram suas últimas palavras.

 

 

 

 

 

 

Acordou sozinha. Apenas um bilhete sobre o travesseiro. Riu do que leu.

 

"Apesar do calor, tenho que usar mangas compridas. Não saberia explicar como fiquei tão cheia de marcas.  Esteja pronta. Iremos juntas ao jantar.

 

Tenha um bom dia, amor!!!

 

L.

 

p.s.: não estou convencida que devo me desculpar! "

 

Becky ficou lembrando da noite anterior. Sempre teve vontade de excitar Luck e deixá-la, prá ver o que ela faria. Nunca conseguiu, pois o próprio desejo e volúpia não a tornavam capaz de interromper o amor intenso. Foi um esforço e, se a doutora soubesse o quanto ela estava insegura em ter acertado ou não na aposta, teria deixado a coisa morrer, só para frustrar seus planos. A verdade era que nenhuma delas era capaz de evitar o que sentiam e o quanto queriam mais e mais.

 

Que mulher quente e insaciável. Fascinante! Agradecia diariamente todas as divindades por ter encontrado este amor.

 

Ir com ela ao jantar seria uma prova e tanto, uma vez que raramente foram vistas juntas pelos  colegas de trabalho de Luck. Algumas vezes, depois dos incidentes, tinha ido ao hospital, mas estava tão diferente fisicamente, que ninguém a associou àquela loirinha que tinha ido lá com o rapaz moribundo. Ficara muito pouco tempo. Fizera uma breve visita pelos andares, junto com Luciana e depois saíram, sem maiores margens para comentários, exceto por um impensado ato, reflexo da convivência, quando ao tropeçar foi rapidamente amparada por Luciana, o que fez uma mecha do espesso cabelo negro cair sobre seus olhos e ser afastada carinhosamente por Becky, causando um sorriso terno e afetuoso brotar no rosto iluminado por brilhantes olhos azuis. Pouco, mas o bastante para olhares mais atentos, acostumados ao jeito seco e de poucos arroubos emocionais da doutora, perceberem algo mais entre elas.

 

O único elo entre a vida doméstica e a profissional era Clara, que era uma pessoa extremamente discreta e, ultimamente, dera para ser mais devota de Luciana e cúmplice de Becky.

 

Então, como ela seria apresentada para os sócios de Luciana?

 

Não queria pensar, mas era inevitável. Decidira-se que, qualquer que fosse a forma como seria introduzida, não a molestaria.

 

Sabia muita coisa sobre Luciana, mas o que vinha depois do casamento, era pouco.

 

Ela era viúva, herdara a parte do marido nas empresas, nas quais sempre foi atuante, participando ativamente das decisões administrativas, após decidir parar de exercer sua profissão.

 

Os sócios eram amigos do marido, colegas de faculdade, sociedade antiga. Havia uma diferença considerável de idade entre Luciana e o marido. Era nebulosa a forma como eles haviam se envolvido, mas ninguém nunca teve motivos para suspeitar do amor e legitimidade na união de ambos.

 

Completando estas poucas informações, Becky soube que os sócios tentaram manter um convívio social com Luck, procurando convidá-la para jantares e reuniões. Raramente ela comparecia a algum evento. Um dos sócios a queria como uma filha; o outro ...bem, se realmente ela quisesse largar tudo, ele estaria dando pulos de alegria, se a artrite deixasse. Tal desavença era relacionado ao fato dele considerar como herdeiros  legítimos apenas os filhos e o sócio falecido não deixara nenhum filho. Luciana era uma aventureira, prá ele.

 

Existia uma história que corria abertamente sobre uma certa discussão que Luciana teve com este sócio, pois ele queria que o filho cuidasse de um setor vital para as empresas e a doutora sabia da incapacidade do rapaz. Simplesmente, sem muito tato, ela arrastou o rapaz para fora do departamento, ao mesmo tempo em que mandava o pai pagar-lhe umas boa viagem para o inferno.

 

Ela podia fazer isto, pois detinha a maior parte da sociedade. Desafiá-la era desestruturar toda a organização.

 

Estas eram as lendas. A noite, teria a visão real das coisas. Quem sabe poderia começar a fazer perguntas.

 

*******************************************

 

Sair da cama e deixar o calor de Becky não foi a única coisa difícil naquela manhã e foi também um dos motivos que levaram Luciana a travar uma série de brigas consigo mesma. Cada vez mais era um esforço deixá-la. Mesmo trabalhando, quando em suas viagens, queria tê-la com ela.

 

Os últimos meses tinham sido divertidos. O envolvimento com a pequena loira era algo inegavelmente maravilhoso. Mesmo com o fato das disparidades entre elas, nada parecia ser mais importante do que o amor que descobriam a cada instantes que passavam juntas...e aí estava a questão: Luciana queria mais tempo para ficar junto dela. Queria, mas temia pedir, uma vez que ela mesma colocara Becky distante dela.

 

Aparentemente, mesmo contrariada, conseguia ainda manter a distância entre suas vidas, morando cada qual em seu canto. As poucas vezes que permaneceram juntas no ambiente de Luciana, Becky promoveu revoluções. Boas, mas fora do padrão comportamental da temida e voluntariosa doutora.

 

Instituir a distância foi uma segurança. Mas, quando o fizera, também tentara preservar a privacidade de Becky, que parecia ter nenhuma, oriunda de onde era. Que tipo de privacidade teria uma menina que vivia de favores, nas ruas?

 

Becky estava feliz, sim, e isto importava muito. Luciana não gostava da forma como o trabalho dela interferira na relação. Becky estava feliz por não depender de Luciana e isto também era uma coisa importante, pois denotava que não havia interesses financeiros envolvidos. Com um sorriso, Luciana agradeceu a quem quer que fosse o fato de ter finalmente se libertado desse fantasma em um relacionamento.

 

Nunca fora mulher de ficar presa em uma mesma situação por muito tempo, quer profissional, quer afetiva...bem, nunca era meio exagero, pois tivera um excelente casamento e estaria nele, se não fosse...a incapacidade de pensar nessa fase de sua vida, sem sentir-se tremendamente usurpada e muito ferida, era uma outra coisa que a irritava demais. Já era tempo de ter superado estes sentimentos.

 

Naquele momento, o fato era que algo tinha que mudar. Pensando na sensação de estagnação, começou a se inquietar.

 

De alguma maneira, a viagem já servira para trazer alguns monstros à tona.

 

Embora tivesse abandonado o trabalho na livraria, Becky não abandonara seu propósito de ser independente. Resolvera que  iriam trabalhar isto juntas.

 

Agora, a decisão de levá-la à festa.

 

Sabia que seria um ato de ousadia e tanto. Não pensara em omitir o que ela era em sua vida. Não tinha a intenção de criar personagens para ela.

 

De sua parte, nada tinha que temer. Não tinha que dar satisfações a ninguém. Porém, eles eram pessoas idosas, conservadoras e com certeza, não entenderiam a mudança.

 

Por outro lado, eram raposas espertas e qualquer tipo de desvio poderia ser uma arma poderosa para causar alguns transtornos. Nada em proporções alarmantes, mas aborrecimentos e chateações.

 

Não é todo dia que uma mulher desfila em público apresentando sua ....noiva. Ainda mais uma mulher como Luciana, tão fechada em sua intimidade. Nunca, em nenhum momento, após a morte do marido, dera permissão para que se intrometessem em sua vida particular. 

 

Uma incerteza a pegou de surpresa: e se Rebecca não quisesse tornar público o relacionamento. Ela nunca vira aqueles rostos antes e já ser apresentada com um rótulo no meio da testa, era um pouco demais.

 

Não era só o aspecto do preconceito contra o tipo de relacionamento, mas a própria situação. Todos iriam avaliá-la. Seriam polidos, manteriam alguma discrição, mas a olhariam como uma possível aproveitadora. Iriam interrogá-la. Tentariam tirar vantagem sobre ela.

 

Pela primeira vez, a indecisão tornou-se um oponente forte.

 

**********************************************

 

-- Olha só a minha turma, Becky! - Luciana sentiu vontade de rir ao ver a cara de sua parceira.

 

-- Pensei que você fosse pediatra e não geriatra.

 

-- Becky!

 

Vieram recepcioná-las os dois sócios, ambos com olhares curiosos que oscilavam entre o espanto e a cobiça.

 

Eram senhores bem charmosos. Na casa dos setenta anos. Homens de trato, em trajes impecáveis. Gestos refinados e...gulosos.

 

-- Minha cara Luciana, não sabíamos que traria alguém...- falou o homem de estatura mediana, de aparência mais reservada, cabelos grisalhos, bigode  e óculos de armação escura, que lhe conferia um ar meio carrancudo.

 

-- Nem sabíamos que você estava acompanhada em Sidney, Dra. - comentou em tom jocoso o outro homem, que Becky pensou ser o homem mais alto que ela já tinha visto, nariz adunco e olhos azuis desbotados que lançaram  um olhar que não se fixara nos olhos de Becky, mas percorrera todo o seu corpo e, com certeza, fizera um diagnóstico completo sobre quão saudável ela era.

 

Com poucas palavras, Luciana só fez as apresentações.

 

-- Eu resolvi tirar férias e convidei Rebecca para ser minha companheira de viagem.

 

-- Mas, nós nunca fomos apresentados antes. Não lembro de vê-la em nenhuma....

 

-- Prof. Victor, eu sou uma presença muito nova na vida da Dra. Luciana. Estamos desenvolvendo nossa amizade e, desta forma, as coisas estão acontecendo naturalmente. Ela ainda está se acostumando com a idéia de ter uma parceira.

 

Discretamente, Luciana sorriu com a frase final. Elas combinaram dar o mínimo possível de informações para os dois homens, mas no fundo, Becky queria deixar bem claro o que ela era para a toda poderosa mulher.

 

-- Mas, mesmo assim, minha jovem, ela poderia ter...

 

-- Eu poderia ter o quê, Victor?  Passado uma C.I. - o tom de voz de Luciana deixava claro que a conversa tinha terminado.

 

O homem chamado Victor estava carrancudo agora e perdera o ar de indignação. Instintivamente, Becky segurou o braço de Luciana e sentiu uma leve tensão.

 

-- Prof. Victor, vamos aproveitar a noite. Não é sempre que temos duas jovens lindas ao nosso lado. A bem da verdade, temos sempre que disputar  uma vaga perto de Luciana. Hoje, eu fico com Rebecca. Se ela não se importar em ter um velho médico ao seu lado.

 

A tensão foi quebrada e Becky sorriu com verdadeiro prazer para o simpático doutor.

 

-- Sinto-me segura com médicos...de qualquer idade, Prof.

 

-- Mas, então, o que você está achando de Sidney, Rebecca?

 

O Prof. Arthur era mais galanteador. Ele era muito alto e, se Becky sentia-se pequena perto de Luciana, perto dele era uma verdadeira liliputiana.  Divertiu-se ao constatar que mesmo Luciana ficava pequena perto dele.

 

Antes de ser arrastada para o meio do salão pelo galante senhor, Becky lançou um olhar divertido sobre Luck, que articulou um "boa sorte" .

 

À mesa do jantar, entretanto, as coisas não foram muito fáceis. Junto com elas e os professores, jantaram outros renomados médicos. Elas eram as únicas mulheres naquele mesa e Becky a única novidade no jantar.

 

Os perseguidores de Luciana não deram trégua, mas sabendo da natural indiferença da dra., resolveram redirecionar o ataque para um novo alvo. Desta forma, sem querer, ganharam a atenção de Luciana. Não diretamente,  é claro.

 

Os olhos azuis, agora totalmente gélidos, passaram a observar o comportamento das pessoas durante o jantar.  Mais especificamente, Becky.

 

Logo quando foram tomar seus lugares à mesa, foram separadas. Idéia de um médico canadense, que argumentou o fato da mesa ficar desequilibrada se as duas únicas mulheres ficassem lado a lado.  Então, ao redor de Luciana, ficaram o canadense, dois médicos australianos, o Prof. Victor e um outro médico brasileiro. Na secção composta por Becky, dois médicos italianos, um neozelandês, o Prof. Arthur. A mesa era redonda e por isso o diâmetro proporcionava uma distância considerável entre elas. Desta forma, pouco conversaram.  A doutora podia ver que sua parceira estava se divertindo muito. Ria  dos comentários de um e, vez ou outra, evitava uma mão mais ousada ou desviava a cabeça de um possível sussurro em seu ouvido. Os dois homens ao lado dela eram realmente bonitos. Luciana sentiu a boca seca. Pegou a taça de vinho e percebeu o olhos verdes encarando-a.

 

Daquele lado da mesa, tirando os esforços do Prof. Victor em animar um pouco a conversa, todos estavam comendo e bebendo socialmente, sem demonstrar diversão. Um dos médicos tentou algum gracejo com  Luck e recebeu um olhar que fez o vinho gelar nas mãos do coitado.  Desestimulados, passaram a tentar ouvir o que ocorria com o lado mais leve do grupo.

 

Becky tinha consciência dos torpedos azuis que miravam-na. Não sabia, mas supunha, como seria a dra. enciumada. Embora ambas estivessem sendo bombardeadas por gracejos e conversas charmosas, a loirinha tinha certeza que seus sentimentos não seriam afetados se Luck fosse simpática e se divertisse com os médicos ao redor dela o que, definitivamente, não estava sendo o caso

 

Porém, sabia que o mesmo não se aplicaria a ela. Aquele olhar que ela estava evitando denunciava a tempestade. Quando resolveu encarar Luciana, ergueu a taça de vinho e simulou um brinde, revirando os olhos, numa expressão de tédio e enfado. Com um pedido de desculpas, a doutora levantou e dirigiu-se ao toalete. Por um instante, pensou em seguí-la, mas não o fez. Eram adultas e Luck tinha que aprender a confiar na relação das duas. Principalmente, tinha que aprender a confiar.

 

Depois de alguns minutos, que pareceram uma eternidade, Luciana voltou. Olharam-se. Por um momento, o calor dos olhos verdes penetraram nos domínios gelados dos olhos azuis, mas foi muito rápido. Becky sabia que sua doutora estava no limiar de uma luta interna. Era engraçado imaginar como ela venceria ela mesma, sem sair ferida.

 

Os momentos seguintes foram estressantes, pois uma vez que passaram do jantar para a dança, os infelizes rapazes da ala de Luciana dispersaram-se atrás de outras mulheres mais amigáveis do que a morena de olhos azuis mais gélidos do que um iceberg.

 

Por sua vez, Becky continuava sendo o centro das atenções e toda hora era arrastada para a pista de dança.

 

-- Por que você não se diverte como a sua amiga, Luciana? Ou, pelo menos, finge? Vem dançar comigo.

 

Sem que pudesse se esquivar, Luciana foi levada para o meio do salão. O Prof. Arthur era um amigo verdadeiro. O mais leal que ela conhecia. Em todas as disputas do conselho, ele sempre mediava as brigas monumentais entre ela e o Dr. Victor.

 

-- Diferente do Victor, eu  não queria um memorando, mas teria apreciado saber que você tinha uma amiga. Você sabe o quanto nos preocupamos com a sua solidão.

 

Luciana parecia não estar ouvindo as palavras. Propositalmente, o professor redirecionou os passos da dança e posicionou-a de costas para onde Becky estava dançando com um dos convidados.

 

-- Ela é muito bonita. Muito amável, eloqüente, adorável. Todos estão encantados com ela. Vai ser difícil tirá-la daqui. Ela está realmente se divertindo.

 

Os olhos azuis estavam fuzilando-o agora.

 

-- Arthur, onde você quer chegar. Ela está se divertindo, Veio aqui para isto...

 

-- Presumo que você também.

 

-- Mas eu estou...

 

-- ...espantando todo mundo com o seu mau-humor. Todos conhecem sua frieza, mas hoje, se desligarem o ar, ninguém sentirá o calor, uma vez que você está glacialmente aniquilando todas as tentativas de aproximação. Aliás, ela deve ter um anjo-da-guarda poderoso ou uma resistência térmica muito boa, senão estaria morta ou preservada em algum processo cliogênico.

 

Luciana foi obrigada a rir.

 

-- Ah...um sorriso. Assim é bem melhor. Você é tão linda, mais ainda quando sorri. Quando você entrou no salão, seu rosto estava iluminado. Fiquei feliz. De repente, lá estava a velha dra iceberg. É ela, não é?

 

-- Como?

 

-- Ela lhe dá a luz e toma de volta quando quer, mesmo sem saber.

 

-- Não entendo...

 

-- Não sei como aconteceu, não sei como acontece. Penso que sou velho para entender tanto, mas reconheço o amor quando vejo. Já o vi em seus olhos antes. Fico feliz em vê-lo novamente em tão bela morada.

 

Luciana sentiu seu rosto corar. Não pensou que aconteceria, mas estava se sentindo constrangida. Confessar um novo amor para o mais querido amigo do seu marido,  de repente, parecia-lhe uma traição. Pior ainda era constatar para si mesma que era um amor melhor, diferente, era o amor que a resgatara. O fato de ser por uma mulher fora o que menos contribuíra para seu enrubescimento.

 

-- Isto incomoda você, Arthur? Eu amar de novo? Amar uma mulher?

 

-- Nenhuma das hipóteses. De forma alguma. Entretanto, agradeço pela pergunta, pois sei que foi um esforço de consideração, uma vez que não importaria muito a minha resposta, não é mesmo?

 

Ambos riram.

 

-- É novo apenas, Luciana. Sei que relacionamentos entre pessoas do mesmo sex* não é nada incomum, mas ainda causa muito espanto. Você mesma me parece não saber lidar com a situação, ainda.

 

A forma como os lindos olhos se abriram, denotaram que a doutora estava perdida na constatação do amigo.

 

-- Como você queria que uma jovem tão radiante quanto Rebecca fosse recebida em um jantar? Por outra, como você queria que ela se portasse?

 

Luciana abriu a boca para falar, parou, pensou, manifestou outra palavra inarticulada e gaguejou um tímido " não sei".

 

Na verdade, pensara em ficar ao lado de Becky a noite toda, mas também ficara sem jeito de ser a sombra da jovem o tempo todo. Tinha que deixá-la livre. Porém, todo aquele assédio, o envolvimento prazeroso de Becky e mesmo a indiferença dela por Luciana...sim...indiferença, pois ela teve a chance de ir atrás dela no banheiro e não fez; enfim, tudo o que ocorrera até aquele momento estava tirando a doutora do sério. Sabia que não devia sentir, mas ele estava lá: o ciúme. Forte, instigador, maquiavélico.

 

-- Como a própria Becky falou, você ainda está se acostumando a ter uma parceira. Há quanto tempo estão juntas?

 

-- Ano e meio, mais ou menos.

 

-- Não se irrite, mas você confia nela?  Sabe o que ela sente por você? Acredita nos sentimentos dela?

 

-- Sim.

 

-- Se a rapidez da sua resposta reflete a sua crença, você deveria estar mais segura, estar se divertindo mais e, apesar do ambiente não ser tão propício, deveria estar ao lado dela, se divertindo com os galanteios daqueles que são os verdadeiros palhaços da noite, uma vez que só estão divertindo a jovem loirinha, de estonteantes olhos verdes, sem qualquer chance de proveito. Ela é sua. Tome-a deles.

 

Estrategicamente, Arthur virou Luciana e a deixou cara-a-cara com Becky que estava dançando com um dos admiradores mais persistente. As palavras de Arthur cresceram dentro de Luciana e, sem qualquer hesitação, ela tirou o rapaz  dos braços de Becky, rodopiou com ele pela pista e o largou no meio do salão. Em seguida, pegou duas taças de champanhe e levou Becky para a varanda, onde a noite estava linda e estrelada. Furtivamente, roubou-lhe um beijo.

 

-- Uau! Doutora...hum...- outro veio em seguida. - Você não sabe o quanto eu precisava desses lábios, Luck.

 

-- Hum..hum...tive uma ligeira idéia, demonstre mais.

 

Foram interrompidas pelo afoito pretendente de Becky. Espantado com o que vira, o fulano girou sobre os calcanhares e saiu muito apressado.

 

-- Um a menos. - Becky suspirou aliviada.

 

-- Vamos fazer sua última dança?

 

-- Pensei que jamais pediria.

 

************************************************

 

Seja lá o que foi que o homem mais alto que já vira falara para Luciana, Becky  estava grata.

 

Quando percebeu, estava travando uma luta dentro da luta de Luciana. Elas iriam viver juntas, não se esconderem juntas. Era inadmissível para Becky que sua parceira não suportasse sair com ela. Se divertir com ela, em qualquer ambiente, gls ou straight. Ciúme é ciúme.

 

Na verdade, não estava totalmente absorta dos galanteios e da animação. Sempre gostara de movimento, de pessoas, de dança. Estava preocupada sim, mas era algo para resolverem depois, no hotel, entre elas.

 

Sabia que estava puxando Luciana para além dos seus limites, mas ela tinha que perceber o que poderia acontecer com elas de agora em diante.

 

Evitara todas as danças mais lentas e que exigissem contatos físicos mais intensos. Tais músicas gostaria de partilhar com sua dama de olhos azuis, cujo calor só transparecia para ela e a esquentava no mais remoto lugar do seu corpo. Tudo bem que o ambiente não propiciava, mas tinham imaginação e coragem. Becky sorriu ao lembrar dos lugares onde tinham feito amor, nem sempre por iniciativa dela. Luciana sabia ser ousada. Na verdade, nada a afetava ou importunava.

 

-- Você está com um sorriso de prazer nos lábios, Rebecca. Fico feliz em agradá-la tanto!

 

Becky quase riu do pretensioso médico italiano, com aquele sotaque carregado e cheio de calor. Se ele soubesse o quanto ela queria um par de olhos azuis, boca sensual, braços longos e fortes e um beijo...não era beijo, era uma arma. Instintivamente, olhou para Luciana e a viu nos braços do Prof, Arthur.

 

Observou o sorriso no rosto de Luciana. Percebeu quando ela pareceu desviar os olhos dos dele. E, num rodopio do italiano, viu sua amada diante dela. O olhar confiante, o sorriso irônico, a atitude decidida. Mais alta que o par de Becky, arrastou-o para o meio do salão, dançando sensualmente com ele, o que o estimulou. Então, sem mais, largou-o lá e veio para ela.

 

Na varanda, sem qualquer preocupação, beijou-a com toda a saudade que aquelas poucas horas de separação causaram em suas almas.

 

Inconformado, o italiano presenciou o que deve ter sido o beijo mais ousado, apaixonado e escandaloso que um homem já viu, em se tratando de duas mulheres. Quando Becky separou seus lábios para poder respirar, se deu conta de que Luciana estava fitando algo atrás delas e virou a tempo de ver o chato se afastando.

 

Sem qualquer constrangimento, dançaram a música que tocava. Por um momento, Becky seguiu os olhos de Luciana, que observava Victor comentando algo com Arthur, que ficou sério e pensativo, após sorrir como quem ouve uma piada de mau gosto.

 

-- Vamos embora, Luck. Poderemos dançar melhor sozinhas!

 

Sem mais demora, saíram do salão, de mãos dadas, rindo ao pensarem no que as esperavam.  Ainda puderam perceber alguns queixos caídos pelo ambiente. Arthur estava certo, eram todos palhaços e agora sabiam disso.

 

Luciana sabia que Victor daria trabalho. Becky sabia que poderia contar com o Prof. Arthur.

 

**************************************

 

Meu coração estava acelerado, meu corpo dolorido, minhas pernas trêmulas. A sensação de renascimento era nítida. Luciana ria muito. Felicidade misturada com adrenalina pura.

 

Lá de baixo, ao olhar a altura da qual saltei, senti um orgulho danado de mim mesma. O mundo que eu via aberto para mim na hora do salto lembrou-me a minha vida. Uma única palavra veio à minha boca, como grito de liberdade: Luciana. Gritei seu nome com toda a força do meus pulmões.

 

Ainda meio cambaleante, amparada pelos braços firmes, ríamos como crianças.

 

-- Vamos de novo? Um pouco mais alto, agora. - o brilho dos olhos azuis inibia a beleza do céu daquele paraíso.

 

Fazer o bungy jump fora apenas uma das coisas radicais que a doutora inventou. Lógico que, como argumento para o salto, ela disse que estar na terra do bungy e não fazê-lo era uma heresia. Porém, ela dominava tudo e eu, pobre de mim, só tinha coragem, o que era o bastante para me aventurar atrás dela.

 

Adorei toda a parte aquática, moutain bike e trilhas, mas escaladas, rafting e algumas coisas que exigiam maior resistência física, encarei com muita reserva. Fazia o básico e ficava boquiaberta vendo Luck fazer aquelas manobras.

 

Agora sabia como aquele corpo ganhara tão belos contornos.

 

-- Queria ter mais tempo para fazer estas coisas. - ela comentou, ofegante, após um longo passeio de bicicleta.

 

-- Nem sabia que você fazia estas coisas!!! - falei, distraidamente, enquanto arrastava minha bike.

 

-- Como diria minha "sósia", eu tenho muitas habilidades. - ela retrucou, passando acelerada por mim.

 

Na água, eu era melhor. Sempre gostei de nadar e sempre nadei em rios e mar. Mergulhava de forma natural, sem aparatos específicos e fiquei meio atrapalhada com aquelas coisas todas que Luck  insistia para eu usar, mas depois que me adaptei, aproveitamos as belezas do fundo daquelas águas ora verde, ora azuladas.

 

Deixava a doutora com seus esportes e ia para meus passeios em museus, edificações históricas e, logicamente, o contato com o povo. Ela me acompanhava de vez em quando. Tudo que envolvia coletivismo, mesmo os esportes onde isto era necessário, não a colocava à vontade.

 

As poucas vezes que fomos aos parques, era nítida a irritação de Luck com as crianças. Eu as atraía. Qualquer que fosse a situação, sempre acabava rodeada por elas ou acabava com algum bebê nos braços. Mas, Luck evitava qualquer contato.  Não era sua habitual superioridade ou arrogância. Era uma espécie de medo de ser "contaminada". Como se aquelas criaturinhas na verdade contivessem perigos ocultos, poderes devastadores. Percebi que, disfarçadamente, ele evitava passar perto de rodinhas e círculos infantis.

 

-- Você realmente não gosta delas, não é?

-- Não. - foi uma resposta seca, sem direito a comentários, "por enquanto, pensei".

 

 

 

 

 

 

Era tanta coisa para ver. Bem que nos avisaram que férias não é um espaço de tempo muito bom para se conhecer a Nova Zelândia.

 

Estávamos há quase dois meses e parecia que faltava o próprio mundo para ser explorado.

 

Fizemos todos os possíveis circuitos. Às vezes com ajuda de guias kiwis, outras por nossa conta.

 

Visitamos vinícolas, regiões vulcânicas, zoológicos, parques. Passeios de helicóptero, visitas em minas de ouro, passeios a cavalo, ski.

 

Apesar de não ser muito sociável com passeios de barco, Luck quis e alugou um pequeno iate e fomos passear. Fiz um belo esforço para não estragar tudo com meus enjôos, mas depois com a ajuda de uma certa doutora, fiquei bem.

 

Não sei como era a vida de Luciana antes, bem antes do período no qual a conheci, mas ela era uma mulher de atividade. Gostava de coisas que deixassem a vida no limite de suas possibilidades.

 

Pelo que eu estava vendo agora, ela trancou-se em sua solidão e amargura, por motivos que ainda iria descobrir um dia, esquecendo as coisas que realmente a faziam bem. De repente, coisas que ela não gostaria de viver sozinha.

 

Compensador era o fim do dia, quando meu corpo dolorido pelas atividades radicais, recebia cuidados especiais. Também era a hora que conversávamos e nos conhecíamos cada vez mais.

 

Com sua habitual reserva, ela preferiu nos alojar em lugares que nos deixassem a sós, mas com infra-estrutura.  Eram chalés aconchegantes, onde ficávamos livres para escolher nossos roteiros. Em dias de chuva, nada a fazer senão cama.

 

Deliciava-me com a visão daquele corpo nú, tão livremente desfilando na minha frente, em nosso quarto. Ela estava feliz e eu também. Como uma criança,  lançou-se na cama fazendo a estrutura balançar sob seu corpo cheio de energia.

 

Encostada à janela, eu a observava pelo reflexo no vidro. Chovia muito.

 

Preguiçosamente estirada na cama, em uma pose extremamente convidativa, mas sem intenções, Luck colocou as mãos sob a nuca, realçando ainda mais os seios que seguiam o mesmo trajeto dos olhos, rumo ao teto e parecia perdida em pensamentos.

 

Não foram poucas as vezes que a observei assim, absorta em um mundo que eu sabia ainda não era o meu. Uma terra tão ou mais cheia de mistérios e contrastes do que a Nova Zelândia.

 

Contentava-me o fato de que agora ela estava mais aberta. Vez ou outra chegou até mesmo a comentar sobre o marido, quando fazia algo que tivessem feito juntos. Porém, se a minha curiosidade avançasse seus limites, o corte era seco e preciso.

 

Ainda encostada à janela, virei-me. Meu movimento, a fez olhar para mim. Senti-me como um pássaro hipnotizado pelo olhar da serpente. O azul dos olhos estavam claros, límpidos, como águas calmas. Eu estava com um lençol enrolado em meu corpo e, sem muita hesitação, abandonei no caminho entre a janela e a cama. Engatinhei pela cama e deixei meu corpo inteiro cobrir o dela, prendendo nossos olhares.

 

-- Você me desvenda o mundo, quando me desvendará você?

 

Como resposta, um beijo terno, profundo suportado por seus braços quentes em volta de minha cintura.

 

-- Seria tão bom se nossos contatos físicos transferissem para mim as  minhas repostas sobre você.

 

Murmurava tais pedidos em seu ouvido, enquanto deixava minhas mãos escorregarem entre nossos corpos.

 

-- Sei que a faço feliz. Sei que você confia em mim. Eu só posso confiar em você. Tenho tempo para esperar. A eternidade do meu amor.

 

Ela estava chorando. Sentia o gosto salgado das lágrimas misturado ao sabor daqueles lábios que sorriam, contrastando com a expressão dos olhos molhados.

 

Ajoelhei-me ao lado dela. Seus braços tentaram me alcançar, mas os afastei. Coloquei minhas mãos sobre seu corpo, distantes apenas poucos milímetros, o suficiente para não ser um toque. Percebi a pele se arrepiar, os pelos faziam leves cócegas em nossas peles. Retirei uma lágrima com a ponta do dedo e sorvi o gosto do que poderia ser a sua tristeza e alegria misturadas.

 

Estava em transe. Meu corpo pedia o dela, mas era algo instintivo. Naquele momento, eu queria apenas olhá-la. Examiná-la como uma estudiosa dissecando seu objeto de estudo.

 

Ela estava calma. As lágrimas cessaram, deixando apenas os rastros, como afluentes que, contrariamente,  saíssem dos oceanos, agora um pouco mais escuros pelas reações de desejo.

 

Evidenciando sua entrega, ela levantou os braços acima da cabeça e segurou o espaldar da cama, deixando seus músculos totalmente flexionados e os seios desafiadoramente apontados como setas para meu olhos.

 

"Calma, Becky. Ela já cedeu muito. Não a pressione tanto. Não se torture tanto. O que você poderá fazer com as dores dela?"

 

Baixei minha cabeça e beijei seu rosto, seus olhos, a testa. De repente, eu não queria um contato íntimo. Queria apenas ser a pessoa mais confiável e terna para espantar todas os fantasmas que se escondiam no brilho do azul intenso.

 

Minha resposta veio quando ela repousou sua cabeça em meu colo, abraçando novamente minha cintura.

 

-- Eu tive um filho.

 

De repente, eu não queria ouvir mais. Não precisava mais.  O tom de voz, quase um sussurro, me fez temer o terreno que eu insisti para pisar.

 

-- Foi uma tremenda alegria. Thomas achou que não teríamos nenhum, mas eu era jovem e saudável e ele um homem muito forte. Douglas nasceu com quase 4 kg. Lindo. O pai dizia que ele tinha os meus olhos, mas eu os achava tão puros, tão límpidos, pareciam encomendados ao mais talentosos dos artistas.

 

Tentei interrompê-la, não por querer, mas por saber como aquela narrativa terminaria.

 

-- Luck..é o bastante...não precisa

 

Minhas palavras foram ignoradas, cheguei mesmo a duvidar se as pronunciei, tão fraca foi a minha voz.

 

-- Bem...eu tive um filho e...e o perdi...não tive poder para salvá-lo. Olho todas as coisas que me cercam e queria apenas poder partilhar com ele.

 

Acariciava o espesso cabelo negro, enquanto suas mãos, distraidamente, faziam círculos em minhas costas.

 

-- Então penso que, caso minha vida tivesse seguido outro rumo e eu agora tivesse Douglas aqui comigo, eu não teria você. São sentimentos tão diferentes...mas é a perda que ronda meus pensamentos. Jamais quis perdê-lo, jamais pude deixar de lamentar a perda, mas agora eu fico pensando se recebi uma compensação. Você é a minha luz agora. Ele era algo que saiu de mim, tinha minhas marcas impressas em suas características. Era o meu poder transformado em vida. Agora você é a única vida que me dá poder. O poder de encarar uma perda tão grande e tentar deixá-la acalmar e ganhar seu lugar nas estantes da memória.

 

Percebi minhas lágrimas caindo sobre o cabelo dela, depois uma escorregou para o ombro, o que a fez olhar para mim.

 

-- Eu não queria me dar para mais ninguém. Não como eu fui dessa criança. Não como eu fui para Thomas. Se todas as coisas que eu posso fazer enquanto pessoa poderosa, enquanto médica e salvadora de vidas, não foram capazes de preservar comigo o que de mais precioso eu já tive, não tinha mais segurança para confiar o que restou de meus sentimentos nas mãos deste destino que eu não controlo.

 

Eu chorava. Ela chorava. Queria tanto confortá-la e lá estava eu, derretendo dentro de um abraço não muito meigo, mas algo como um desesperado pedido de confiança.

 

-- Nunca fui mansa. Sempre quis tudo e da forma mais ousada que me fosse possível. Thomas foi uma ousadia. Ele era  meu mestre. Meu mentor. Tínhamos o mesmo fogo, a mesma ambição e ganância. Jogávamos com o mesmo objetivo: ter poder, abusar dele, dominar, ser o supremo. 

 

De repente, certas atitudes de Luck tornavam-se claras.

 

-- Estávamos nos sentido no topo do mundo. Reconhecidos profissionalmente, poderosos, respeitados, amando-nos e isto nos bastava e, de repente, agraciados com nosso filho. 

 

Sustentava um sorriso amargo que foi se desfazendo e em seu lugar um semblante carregado de ódio se formou. Nunca vira aquela expressão antes. Para que não a visse, trouxe-me para seus braços, colocando minha cabeça em seu peito.

 

-- Como admitir ser arrancada da minha festa, expulsa do que era meu ?  Não pude.  Penso que ainda não posso. Aprendi que não posso reter vidas, mesmo aquelas atadas a mim. Posso mandar nos mais fracos, exigir dos bajuladores, humilhar quem me desafia, cuspir nos inimigos, arruinar quem odeio, arregimentar quem eu quiser com meu dinheiro; mas não posso salvar quem amo, não posso garantir tê-los comigo, não posso arrancar das mãos de um ser o meu destino.

 

Sentia o coração acelerado sob a palma da minha mão, repousada no peito dela, onde havia me aninhado, recebendo o que deveria ser um afago, mas era um toque pesado, deixando marcas em minha  pele.

 

-- O pior de tudo era que não tinha contra quem me vingar. Arrumei culpados, os expulsei de minha vida, rompi com tudo que não merecesse a minha estima. 

 

Ela começou a rir. Meus olhos encontraram os dela, questionando o que havia perdido.

 

-- Em meio a uma crise, cheguei a anotar todas as coisas que poderiam ter culpa na mort....na  minha perda: objetos, situações, pessoas. Queria nomear culpados.

 

Sorri sem vontade. Era triste o que ela falava. Era triste vê-la frágil.

 

-- Se você quer saber, foi o que clareou um pouco meus pensamentos. Senti que não tinha nada e nem alguém contra quem disparar minha metralhadora. Todas as vezes que a girava, ela apontava para mim.  Disparei e deixei as balas cravejarem minha alma, matando tudo que fosse saudade, lembranças, alegrias, prazeres...tudo. Sobreviveu a mulher sem motivações, amarga, mais egoísta, mais predadora, menos humanitária; um ser cheio de barreiras e dinheiro para comprar respeito, submissão, subserviência e ignorância.

 

Inesperadamente, num gesto brusco, ela segurou meu rosto e me beijou. Ternamente. Demoradamente. Ficamos caladas. Por muito tempo.

 

Voltei a deitar minha cabeça em seu peito, seu coração continuava acelerado e as batidas pareciam um mantra, algo hipnótico. Por um momento, senti um entorpecimento e ao longe ouvia a voz da mulher que representava o meu desafio, a minha vida.

 

-- Agora eu tenho você. Juro que eu não sei porque devo merecê-la. Juro que não sei o que fazer para acalmar o meu coração e não pensar na possibilidade de perdê-la. E, pior de tudo, juro que não sei o que fazer para expulsar a culpa por ser feliz novamente, sabendo que talvez só agora eu realmente saiba o que é a felicidade e admita que viveria tudo novamente se esse fosse o preço a ser pago para chegar até você.

 

Minhas lágrimas desenfreadas molhavam seus seios. Agarrei-me a ela, sentindo o corpo quente e forte relaxando sob meu contato. Mal conseguia envolvê-la, mas queria tudo, queria ela inteira em mim. Estava com medo.

 

Por mais força que eu pudesse dar a ela, sempre seria sua fraqueza também. Tudo o que ela queria me entregar era simplesmente a sua crença perdida em si mesma. Suas aptidões, seus sentimentos, suas afetividades. Todos os buracos abertos por seu metafórico suicídio. Era muito para mim. Agora eu tinha a dimensão da missão que me dera quando a vi. "Deus, e ela se julga ambiciosa!"

 

Não queria e nem podia fugir. Estava encantada com as palavras ditas por ela. Estava mais do que nunca presa a ela. Não seria ali, fragilizada pelo momento,  que eu saberia como, mas com certeza, eu moveria aquela dor.

 

O que ela me dizia era que eu valia todas as dores que ela passou até me encontrar. O meu amor valia a perda de todos os outros.  A perda do filho. Era essa intensidade que eu amava em Luck. Ela não percebia, mas a paixão, a coragem, a força, o amor que ela ignorava era todo o alimento que ela sempre usou para suportar suas dores. Mesmo tendo canalizado tudo para fechar-se em um mundo de escuridão.

 

 

-- Eu te amo, Luck. Você acredita?

 

-- Sim.

 

-- Sou sua.

 

Ela ficou em silêncio. Desviou o olhar. Guiei seu rosto e prendi nossos olhares. De repente, uma certa arrogância se fez presente, lutando contra a rendição. Aos poucos, sem resistência, as lágrimas limparam seu olhar.

 

-- Sou sua, meu amor. Você é a minha vida. Minha vida é sua, para protegê-la, para guiá-la, para seguí-la.

 

-- Tenho  competido com o destino, Becky, pois nem ao menos tenho coragem de querer morrer. Não sem uma luta justa e isto nunca parece acontecer com ele. Nunca quis ser escrava de nada. Sempre desafiei e fiz o meu caminho. Sempre acreditei nisto. Sou uma cientista. Não posso admitir interferências que não possam ser explicadas. No entanto, o que pude fazer para evitar ...

 

-- Não se trata de uma competição, meu amor. Você já sabe que não é  assim que vai funcionar. E você pode escolher a maneira como quer que seja a sua vida. Sua escolha já foi feita. Estamos sempre buscando caminhos.

 

-- Jamais imaginei que você seria o meu.

 

-- Desde que a vi, sonhei que você fosse importante em minha vida. Não sabia como alcançá-la, mas eu tinha que arriscar.

 

-- Você foi contra todas as barreiras. Chegou em mim com coragem, determinação, destemor...como você ...

 

-- Eu decidi viver pelo amor, com amor...sei que a encontraria, pois sem você, de nada me adiantaria ter tomado tal decisão. Pregaria o amor, mas jamais entenderia o real significado dele.

 

Perdi-me naqueles olhos brilhantes, no azul vindo das profundezas de uma alma  em dilema. Um azul resultado de chamas renovadas.

 

Beijei-os e deixei meus beijos tomarem conta daquele rosto. Tudo ali era meu. Sobre ela, só queria sentir a pele que forrava a minha, esquentando com meu fogo, sob a minha paixão.  Rolando meu corpo, obriguei-a a sobrepor-se ao meu. Eu sabia que tiraria dela o que quisesse. Queria que ela tirasse de mim o que quisesse.

 

-- Preciso de você ...agora e sempre. O meu caminho é o seu.

 

Não sei dizer, mas foi a mais bela entrega que nos concedemos. Havia tristeza e alegria ao mesmo tempo. Lágrimas e sorrisos. Fomos gentis uma com a outra.

 

Ao mesmo tempo em que eu queria afagar as feridas invisíveis naquele corpo, também queria fazê-lo sentir a leveza do meu amor.

 

Luck parecia temer desmontar o que, com certeza, ela via como algo frágil tendo que suportar um peso além de suas forças.

 

Delicadeza foi o que orquestrou nosso amor naquele dia.

 

 

 

Fim do capítulo

Notas finais:

força!


Comentar este capítulo:
[Faça o login para poder comentar]
  • Capítulo anterior
  • Próximo capítulo

Comentários para 5 - Capítulo 5:

Sem comentários

Informar violação das regras

Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:

Logo

Lettera é um projeto de Cristiane Schwinden

E-mail: contato@projetolettera.com.br

Todas as histórias deste site e os comentários dos leitores sao de inteira responsabilidade de seus autores.

Sua conta

  • Login
  • Esqueci a senha
  • Cadastre-se
  • Logout

Navegue

  • Home
  • Recentes
  • Finalizadas
  • Ranking
  • Autores
  • Membros
  • Promoções
  • Regras
  • Ajuda
  • Quem Somos
  • Como doar
  • Loja / Livros
  • Notícias
  • Fale Conosco
© Desenvolvido por Cristiane Schwinden - Porttal Web