Capitulo 14
Fedra entrava e saía dos cômodos da sua casa verificando se tudo estava em ordem e se não esquecia de nada ligado. Ria cada vez que entrava no quarto e arrumava um detalhe que lhe escapara. Não era a mais desarrumada das criaturas, longe disso, mas não tinha a mania da arrumação de Sabrina e sabia que ela reparava em tudo.
-Sua doida, a Sabrina só está cá por um fim de semana, não precisas de tanto stress...- E ria enquanto ia arrumando os travesseiros.
Perdeu a noção do tempo olhando para a cama enquanto revivia as horas de intenso prazer ali vividos. Mordeu a boca e podou-se para não pular de ansiedade calculando as horas que faltavam para Sabrina voltar a abrilhantar a sua casa.
-Fedra, pelo amor de Deus, vais estar com uma senhora de 69 anos e outras tantas pessoas que não fazem ideia desse vendaval maravilhoso que estás a viver. Concentra-te, mulher. Ah e agora dei para falar sozinha...socorro!
E rindo, deixou o seu apartamento rumo à casa da tia Adélia onde encontraria parte da família, incluindo a mãe, para um almoço de sábado.
***
O almoço familiar seguia o ritmo de sempre: todos falando ao mesmo tempo, risadas altas, discordância sobre quase todos os temas, fofoca sobre os familiares que não estavam presentes, tia Adélia no comando e sempre com a última palavra.
Fedra ria, estabelecia conversas mais serenas em paralelo com a mãe e vez ou outra, sobressaltava-se com uma mensagem deliciosa de Sabrina. Ela iniciara a troca, crente que a outra estaria muito ocupada e não daria seguimento. Não poderia estar mais errada. De meia em meia hora chegava uma mensagem nova e ela não conseguia disfarçar a alegria, ou a vergonha. Sabrina escrevia cada coisa maravilhosa...precisou se abanar muitas vezes tamanho era o fogo que lhe subia pelo corpo.
"Concentra-te no trabalho, professora!"
"Agora sim, mas a partir das 19 horas, minha concentração terá um foco exclusivo."
E Fedra se abanava e respirava fundo. Que delícia! Há muito tempo não vivia nada assim...
-Minha sobrinha querida, estás com os calores da menopausa? Não paras de te abanar e vejo um afogueamento no teu rosto? Vou buscar um leque...
Fedra controlou uma gargalhada. A tia não precisava saber da origem dos seus calores, mas com certeza, não tinham nada a ver com menopausa.
Mais uma mensagem de Sabrina e ela sorriu feliz. Lia e relia e o sorriso permanecia.
-Hmmm, Gracelina não me disse nada, mas acho que vamos ter outro casamento na família. - Tia Adélia e sua veia fofoqueira.
-Quem? - Fedra perguntou alheia que o foco era ela.
-Tu, quem mais? Pelos teus sorrisos estonteantes a cada vez que olhas para esse telefone, só pode ser o bonitão. Vocês já não têm idade para ficar nessa coisa sem futuro.
-Ai, tia, eu não tenho paciência para casamentos a essa altura da minha vida. Aproveite que a Laisa ainda é jovem e cheia de sonhos, e seja feliz na festa dela.
-Mas ao menos podiam morar juntos. Essa relação muito solta, pode dar azo a outras coisas...os homens não perdem tempo e tu não podes deixar escapar um homem como o José Eduardo.
A mãe de Fedra, sentada num dos extremos do sofá, notou o arquear da sobrancelha da filha e a respiração levemente alterada e habilmente mudou de assunto. Conhecia Fedra como ninguém e sabia que a resposta à provocação da tia não seria amena.
-Ah, esses jovens...se bem que a Fedra já está na meia idade...poderia ter mais juízo. - Concluiu tia Adélia enquanto era levada para outro ambiente pela mãe da Fedra.
Não demorou muito tempo para Fedra despedir-se alegando que tinha trabalho para fazer.
***
Depois de voltar do supermercado, tomar banho e deixar o apartamento com uma aura bastante acolhedora, Fedra se policiava para não ligar para Sabrina e descobrir se faltava muito tempo para concluir os trabalhos. Ao mesmo tempo que quase era vencida pela ansiedade, repreendia-se por aquele estado de espirito tão fora do seu habitual. Tinha como norte, as 19 horas, e ainda faltava quase uma hora. Não recebia uma mensagem dela há algum tempo, provavelmente estariam no júri final. Suspirou esparramando-se no sofá enquanto escolhia uma música. Não demorou muito naquela pasmaceira, seu corpo não relaxava e seu coração parecia querer sair pela janela.
Às voltas pelo apartamento, ouviu o toque de chamada de vídeo. Não pensou que pudesse ser Sabrina, ela não era muito de chamadas de vídeo. Era a filha. Sorriu e deslizou o dedo feliz.
Ela queria saber de todos os acontecimentos do almoço de sábado. Eram sempre recheados de pérolas.
-Ah, Malía, quem foi escolhido para tema esse fim de semana, fui eu e o Djaiss.
-Tu? Mas mãe, tu és a certinha da família. - Brincou Malía.
-Ela cismou que preciso casar, que já não tenho idade para me relacionar à distancia...
-Bom, sobre isso sabes o que eu penso e nem digo pela distância...
Fedra andava de um lado para o outro como quem procurava alguma coisa e a filha percebeu.
-Mãe, pareces-me afoita. Está tudo bem?
-Estou ótima, meu amor. - Sorriu.
-Hmmm, esse sorriso eu não via há bastante tempo...fico feliz também. Estás à espera de alguém?
-Sim...uma amiga vem jantar comigo.
-Que bom, mãe. Não te aguentava tão workaholic.
Risos.
-Sigo a mesma pessoa...apenas uma amiga vem jantar cá em casa.
-É alguém que conheço?
-Até que sim...mas eras tão pequena que com certeza já não te lembras dela...é uma amiga que não via há muito tempo e que agora reapareceu...
-Mãe, eu me lembro de todas as tuas amigas...nem são tantas assim...
-Ela é do passado...
-De quando saias para dançar com alguma regularidade e eras bem mais interessante.
-Atrevida! Estás a me chamar de chata?
Riram.
-Minha chata favorita! Saíste para dançar com essa tua amiga? Estás diferente, mãe...sei lá, tem alguma coisa diferente em ti...
-Só se for cansaço de aturar a tua tia-avó...
-Pelo contrário, eu diria que estás reluzente...
-Juras que vês isso tudo pela tela de um telefone?
Riram.
-Mãe, até a tua forma de me responder está diferente...ah sei lá...essa tua amiga demora a chegar? Ainda é cedo por lá...
-Marcamos para as 8...
-Lembrei-me agora daquela tua amiga com quem saías quase todos os fins de semana e que eu adorava pois significava dormir com a Vovó e fazer tudo o que eu quisesse.
Gargalhadas.
-É ela?
-Ah, Malía, não sei... eu saía com algumas pessoas...
-Mãe, dessa não há como fazer confusão, eu me lembro que ela era bonita, bem diferente de ti...
-Como?
-Ah, ela parecia mais jovem, tu sempre foste minha mãe, a séria...eu me lembro do sorriso dela...isso, ela tinha um sorriso lindo...
-Malia, e desde quando uma criança repara no sorriso das pessoas?
-Ah, esqueceste que me chamavam de precoce, esquisita e outras tantas coisas? Eu vivia de cara fechada, mas reparava nas coisas...e não era mais criança...
Mais gargalhadas.
-Ah, já me foste buscar em casa da vovó com ela, em casa do meu pai...lembro-me de eu emburrada, com raiva de ti e ela me acalmando com o sorriso e um pirulito que mais pareceu magia.
Mais gargalhadas.
-Acho que sim, estamos a falar da mesma pessoa...eu já não me lembrava de nada disso...é a Sabrina.
-Isso mãe, lembras que que eu te perguntava se não ias sair com a Sassá, nome que eu inventei, para eu poder ir para a vovó?
Mais risos.
-Que boa memória, minha filha. Eu já não me lembrava desses detalhes...
-Manda beijos meus, claro que ela não se lembra da minha versão pirralha, mas mostra-lhe uma foto atual minha e diz que agradeço por ela te fazer feliz.
Fedra sorriu sem entender o que a filha queria dizer. Mas a verdade era que se sentia muito feliz com a chegada inesperada de Sabrina.
-Aproveita mãe e divirta-se com a tua amiga. Tens uma vida tão...já sabes o que eu penso...não te esqueças do que me prometeste...
Muito emocionada por lembrar-se das promessas que se fez depois da doença e de muitas vezes esquecer-se de algumas, Fedra prometeu mais uma vez à filha e a si mesma que sim, seria feliz.
***
Encostada à janela, Fedra viu quando Sabrina estacionou o carro em frente ao prédio. Olhou o relógio e ela tinha demorado apenas 15 minutos entre a mensagem avisando que tinha concluído os trabalhos e a chegada. A universidade ficava a uma distância considerável de onde morava. Sorriu ao concluir que ela também estava com saudades. Olhou-se ao espelho, respirou fundo e abriu a porta com seu melhor sorriso.
Abraçaram-se e deixaram-se ficar. Um toque profundo como forma de dissolver a saudade.
-Não é justo! Tu estás cheirosa, linda, suave como uma pétala e eu com a roupa a cara e o cansaço de um dia inteiro. - Sabrina resmungou no abraço de Fedra.
-Para de ser chata, estás linda...cheirosa como sempre e o cansaço te cai bem...
Riram ainda no abraço.
-Como foi o trabalho? - Fedra perguntou embora já tivessem trocado mensagens sobre o assunto.
-Foi muito bom! Eu adoro esse universo...ver os sonhos nascerem...adoro...
Fedra sorriu com o entusiasmo dela.
-O que queres fazer? - Perguntou olhando nos olhos dela.
-Quais são as opções? - Sabrina provocou sorrindo.
-Podemos sair, jantar fora, ouvir música, dançar... ou pedir alguma coisa e ficar por aqui, com música e um bom vinho. Ou ainda... eu posso inventar alguma coisa na cozinha. - Fedra enumerou num tom meigo.
-Hmmm, não nos faltam opções - Sorriu - e todas aliciantes, mas não te importas se ficarmos por aqui? Estou tão cansada que te irritaria em dez minutos na rua.
Fedra riu alto deixando o ambiente ainda mais leve.
-Eu sou sincera...- Sabrina escondeu o rosto no colo dela.
-E eu te adoro por ser assim...nenhum problema ficarmos aqui, aliás, eu adorei essa opção.
-Preciso de um banho demorado e depois faço o que quiseres...só não me peças para cozinhar.
Mais uma sonora gargalhada.
***
-Que cheiro maravilhoso! O que a senhora está a inventar? E ainda diz que não arrasa na cozinha. - Sabrina entrou na cozinha e abraçou Fedra por trás enchendo-a de beijos nas costas.
-Prova! - Fedra deu-lhe um pedaço de queijo na boca.
-Delicioso! Descreva nosso manjar. - Sorriu.
-Nada demais...uma pequena degustação de queijos maturados e uma massa com tomate, alho e mais queijo. Não dava para fazer nada mais elaborado em tão pouco tempo e acredito que estejas com fome.
-Faminta e esse jantar para mim, está divino. Adoro figo com queijo. - Mordeu mais um pedaço de provolone com figo.
***
Depois do jantar, sentadas na varanda, conversavam sobre temas variados, tudo regado a bom vinho e risadas.
-Não tens trabalho amanhã, nada te impede de beber mais vinho. - Fedra serviu mais vinho nas duas taças.
-Eu não tenho nada para fazer amanhã...mais vinho...
Brindaram e quase derrubaram a garrafa de vinho sobre a mesa. Mais gargalhadas soltas e felizes.
-Como foi o almoço familiar?
-Ah, eu adoro a minha família, mas há momentos em que tudo o que quero é fugir. - Confessou.
-Família grande deve ser tenso...
-A minha é enorme...e tem umas figuras intensas. Hoje os holofotes estavam em mim e no meu primo Djaiss. Tia Adélia não tem qualquer noção de limite social e acha que pode opinar em tudo.
-É...família é isso mesmo...- Não que soubesse do que estava a falar. Sua noção de família passava longe da realidade de Fedra.
-Graças aos céus minha mãe é diferente da tia Adélia. Ah, há bocado falei com a minha filha e acreditas que ela se lembra de ti?
-Eu me lembro perfeitamente dela...da versão de 10, 11 anos.
Risos.
-Foi isso que ela disse...a Malía se lembra de cada detalhe daquela época...
-Eu me lembro de irmos buscá-la em casa da tua mãe ela vir revoltada por que queria ficar mais tempo...lembro-me de irmos deixá-la em casa do pai...
-Meu Deus, acho que sou a única sem memória. Preciso beber mais vinho para afogar as mágoas.
Gargalhadas.
-Meu bem, e o teu pai? Lembro-me de naquela época teres ido embora daqui por causa dele...ou será que minha memória me pregou mais uma peça?
Sabrina soltou o ar e no canto da boca formou um sorriso triste.
-Tu me conheceste na melhor fase da minha vida. Estava centrada em mim, adorava o meu trabalho, fazia terapia, tinha amigos, meu espirito aventureiro estava aflorado e morava aqui...eu gosto dessa ilha...até que, mais uma vez, tive que sair a correr para acudir o meu pai e minha vida deu uma cambalhota e até hoje não sei muito bem de que lado estou...
-Teu pai está em São Vicente?
-Não! Ele me atropela, eu caio no abismo e ele se levanta e segue a vida...ele mora na Itália, é casado com uma mulher muito rica...e basicamente é isso que eu sei sobre a vida do meu pai. - Desabafou soltando mais uma vez o ar com força.
Seguiu-se um silêncio em que, por um lado, Fedra pensava na melhor forma de tirar Sabrina daquele desconforto evidente, e por outro lado, Sabrina se admirava por ter falado sobre o descaso do pai e não lhe ter causado a angústia asfixiante à qual estava acostumada.
-E agora, o que achas de fazermos o que melhor sabemos fazer juntas? - propôs Fedra sorrindo, enquanto segurava uma das mãos de Sabrina.
- O que é? - Perguntou Sabrina devolvendo-lhe o sorriso
-Ah, vai me dizer que não sabes...
-Eu posso pensar em algumas coisas que fazemos muito bem juntas...
Olharam-se com vontade e logo desataram a rir.
-Tu és muito safada, dona Sabrina. Isso também...mas pode esperar...
-Mas eu não disse nada...
-Hum-hum...eu sei que não.
Mais uma risada cúmplice.
-Então o que é?
-Dançar! - Ergueu-a e começaram a dançar mesmo sem música.
-Maluca, os teus vizinhos vão pensar que somos doidas.
-Eles que pensem o que quiserem. - Riu inclinando a cabeça para trás o que sempre causava uma profusão dos melhores sentimentos em Sabrina.
Dentro de casa, Fedra acionou uma de suas playlists e dançaram grudadas, soltas, aos pulos, felizes. A música era Emorio (Kady) e cada uma parou num canto da sala observando a outra como quem lia a melhor página de um livro. Não ousavam abrir a boca para expressar o que enchia o coração...Sabrina, por um medo atroz da próxima cambalhota, Fedra por nunca ter sentido nada parecido e por não acreditar que tal fosse possível. Sorriram. Sabrina alcançou-a no outro extremo da sala, os corpos se encaixaram e por instantes esqueceram medos, inseguranças. Beijaram-se gem*ndo de prazer, saudade. Um beijo que começou intenso, quase desesperado e aos poucos, tornou-se doce, quente...um encontro perfeito.
-Por que demoras tanto tempo para me beijar? - Reclamou Fedra ainda com os lábios colados à boca de Sabrina.
-Porque eu gosto do prazer que a espera me provoca...eu gosto da demora...- Sabrina sorriu, beijando-a mais uma vez.
-E eu que morra de ansiedade. - Dramatizou Fedra.
Riram abraçadas.
-Meu bem, poderias ter me beijado mal entrei por aquela porta...
-Eu fico com receio de parecer muito intensa...cheguei a pensar que as mulheres não se beijam tanto...ah sei lá o que eu pensei...não liga para os meus devaneios...
Sabrina riu alto e beijou-a inúmeras vezes.
-As mulheres se beijam muito...muito... e eu adoro beijar...adoro te beijar e podes me beijar quando, onde e sempre que quiseres. Ok?
-Ok! Se eu disser que quero ir para a cama agora, vou parecer muito desesperada?
Sabrina riu muito e experimentou um calor no coração que se não estivesse tão entregue, teria acionado um alarme no seu cérebro.
-Não...a menos que eu esteja tão desesperada quanto tu...- Empurrou-a em direção ao quarto.
***
Acordei e meus olhos preguiçosos já sabiam onde estava. Respirei fundo e olhei para Fedra que dormia profundamente. Ainda era cedo, pois conseguia ouvir os passarinhos nas árvores que rodeavam o apartamento dela e a luz do sol entrava sem muito fulgor pela janela. Nossas roupas espalhadas pelo chão, uma taça de vinho quase vazia em cima da mesa de cabeceira, reviveram minhas memórias de mais uma noite perfeita. Não demorou muito para a sensação de plenitude transformar-se em apreensão. O tempo escorria rápido demais...em algumas horas estaria de volta à minha rotina, a todas as responsabilidades do trabalho e sem meu sopro de alegria...prazer...esperança...
Deitei-me de bruços e com a cara enfiada no travesseiro, finalmente me dei conta que estava a entrar em terreno muito perigoso. A sensação que já conhecia, quase me fez pular daquela cama e correr. Fui impedida pelo corpo de Fedra sobre as minhas costas. Perdi a razão quando ela me abraçou e entreguei-me ao deleite.
-Bom dia! - Enroscou-se um pouco mais contra o meu corpo. A voz, o calor do corpo, o cheiro dela, os gemidos...ninguém conseguiria pensar. Impossível!
-Bom dia...
Ficamos naquela posição por alguns minutos, com ela sempre beijando minhas costas, fazendo carinho nos meus braços...se eu pudesse escolher...
-O que achas de passarmos o dia a passear pelo interior? Com as chuvas, o cenário está lindo...- Perguntou com a voz abafada contra o meu ombro.
-Adoraria...- Minha cabeça estava presa num sonho.
-Então vamos fugir da cidade. Quero passar o dia contigo pelo interior, mostrar-te os lugares que eu gosto.
***
Ainda era cedo quando saíram rumo ao interior, uma viagem sem pressa, nem roteiro, apenas sensorial. Assim que chegaram em São Domingos, o cenário já era outro, um verde brilhante substituía majestosamente o cinza e castanho da cidade. Sabrina seguia debruçada na janela com o braço contra o vento e o pensamento vagando por cenários idílicos, enquanto Fedra dirigia com maestria e um sorriso permanente no rosto.
Seguiram pelas estradas que serpenteavam o interior da ilha e Sabrina ficou em êxtase ao chegarem às barragens de Flamengos e Ribeira Principal. Com as chuvas recentes, estavam cheias de água e o verde que circundava tudo, oferecia muitas tonalidades e cada uma mais encantadora que a outra. Sabrina suspirava de felicidade, já que sua ilha era tão seca e ela uma amante de campos verdejantes. Fedra parecia se deliciar com a alegria dela.
-Sinto-me presenteada pela natureza com o seu melhor brilho. - Disse Sabrina de braços abertos e face voltada para o sol que lutava para aparecer entre as nuvens de chuva.
Fedra teve vontade de ter mais daquilo...mais dela...muito mais delas juntas...sorriu com a intensidade dos seus pensamentos.
Seguindo o fluxo do desejo de desbravar, pararam para almoçar em São Lourenço dos Orgãos. Sabrina agradeceu porque simplesmente era o seu lugar favorito na ilha de Santiago.
-A sério? Ai que bom. Já comeste a catxupa de lenha do pessoal que vende perto do mercado?
-Não, mas estou doida para experimentar. - Sabrina salivou.
-Calma, meu bem. Não é nenhum restaurante...é no improviso e nos sentamos em mesinhas de rua, mas garanto-te que a experiência é memorável.
-Até parece que eu ligo para essas coisas. Vamos, agora!
E seguiram caminhando às gargalhadas.
O almoço era uma experiência inesquecível. Desde o recanto, até à iguaria gastronómica servida. Tudo muito simples e genuíno o que resgatava partes de Sabrina há algum tempo esquecidas.
-Será que eu pequei? - Sabrina indagou olhando fixamente para os três pratos vazios à sua frente. Ergueu os olhos e encontrou com um semblante que não condizia com o momento. Fedra parecia chorosa, quase que a sufocar. - O que foi? - levantou da sua cadeira e ajoelhou-se à frente dela.
Fedra segurou-lhe as mãos entre as suas e claramente não conseguia falar. Assim ficaram por algum tempo até que Fedra ergueu-a do chão.
-Meu bem, teus joelhos...
Eles estavam todos marcados por casa do atrito com as pedras da calçada.
-O que aconteceu, Fedra? - Insistiu Sabrina de volta à sua cadeira.
-Essa comida deliciosa...o cheiro de terra molhada, de verde...esse momento...há algum tempo eu não tinha paladar, meu olfato era pouco sensível, e eu cheguei a perder as esperanças de voltar a sentir tanta coisa...de viver...agora eu fui invadida por uma força de vida tão grande que quase sufoquei...- Os olhos dela estavam marejados.
-Que linda...como tu és linda, mulher.
Sabrina saiu do seu lugar e abraçou-a por trás da cadeira.
-Prometa-me apenas uma coisa: que vais viver pelo menos mais 50 anos.
Riram entre lágrimas.
***
Seguindo o espirito de aventura, subiram até Santa Catarina, explorando vilarejos bem no interior. Num desses recantos encravados nas montanhas, pararam numa feirinha de produtos típicos, onde Sabrina, encantada pelo colorido das barracas, dos doces, bebidas, quis fotografar tudo. Fedra se encantava com o deslumbramento dela.
-Nessas horas que eu queria ter uma máquina profissional...oh que lindo...
E Fedra a acompanhava sem reclamar, completamente encantada com a alegria dela.
Logo no final da feira, havia uma espécie de bosque, o que deixou Sabrina ainda mais entusiasmada. A luz que entrava por entre as árvores altas e o barulho de um riacho a correr algures, deixava o lugar com ares de cenário de fantasia, o que para Sabrina era um incentivo a mais para muitas fotos.
-Ei, vem cá! Não fizemos nenhuma foto juntas até agora. É proibido? -Perguntou fazendo sua cara de carente que sempre lhe rendia bons frutos.
-Boba...e por que seria proibido? - Fedra sorriu aproximando-se dela.
-No teu telefone, pelo amor de Deus. A foto que me fizeste da outra vez lá na cachoeira é perfeita. - Decretou Sabrina.
-A senhora manda, mas as poses tu decides...eu não entendo nada disso.
-Não precisa de pose, meu bem, é só tu me abraçares como se eu fosse o amor da tua vida, eu faço o enquadramento perfeito, e o resto deixamos a cargo do teu super telefone.
Riram às gargalhadas.
Depois de poucos cliques, o telefone de Fedra tocou e na tela apareceu o nome de José Eduardo. Com um gesto com a mão, ela pediu que Sabrina aguardasse e se afastou.
Pouco tempo depois ela regressou e Sabrina conversava com algumas senhoras que por ali estavam.
-O sol daqui a pouco se põe, voltamos ou queres desbravar mais? - Perguntou Fedra sorrindo.
-Estou nas tuas mãos...- Brincou Sabrina também sorrindo, mas algo tinha mudado no seu olhar.
Seguiram viagem de carro em silêncio. Sabrina se perdia na beleza deslumbrante dos contornos da ilha e Fedra lutava contra pensamentos intrusivos que teimavam em povoar-lhe a mente. Pelo caminho, decidiu desviar e voltar para São Miguel, local que já tinham visitado mais cedo. Dessa vez, fizeram o trajeto pelo litoral, o que era um espetáculo não menos deslumbrante. Desceram uma ladeira sobre um manto verde cintilante e ao fundo via-se o mar em perspetiva. Sabrina tirou fotos e Fedra teve uma ideia cujo único objetivo era devolver o brilho ao olhar dela.
***
-O que te parece uma taça de vinho no deck da tia Adelaide?
-Hmm? - Sabrina olhou em volta. - Reconheço esse cenário...vamos para a casa da tua tia dos Estados Unidos?
-Hum-hum...- Fedra sorriu manobrando o carro para a direita e entrando no caminho que levava diretamente à casa da tia.
-Se correres um pouco, consigo apreciar o pôr do sol mais lindo que já vi nessa vida - Sabrina sonhou.
Fedra acelerou um pouco e riram alto.
Em casa da tia de Fedra, Sabrina remeteu-se quase que ao completo silêncio. Além de reverenciar a beleza da natureza que por ali era quase um exagero, aquele lugar era o ponto onde voltara a se conectar com Fedra de forma inequívoca. Sentia-se quase num santuário...
No deck, Fedra entregou-lhe uma taça de vinho e posicionou-se ao lado dela enquanto o sol descia. O céu foi se pintando de amarelo-dourado, depois laranja, até um vermelho profundo.
Sabrina suspirou e por instantes teve vontade de chorar. Controlou-se. Olhou para Fedra que tinha toda a atenção presa nela.
-É o pôr do sol mais lindo que já vi na vida! Eu sei que pareço repetitiva, mas a natureza me devolve a capacidade de sonhar...acreditas em Deus?
-Não acreditava até não me restar outra alternativa. Porquê?
-Por que às vezes parece que há Deus em cada detalhe...esse pôr do sol que eu já achava o mais lindo, agora vem nesse tom avermelhado...inesquecível...é como se tudo fosse orquestrado para eu não esquecer...-Declarou Sabrina sonhadora.
-Espero que não esqueças porque eu hei de me lembrar até o último dia da minha vida. - O olhar de Fedra era o mais doce e apaixonante.
Sabrina abriu a boca para dizer alguma coisa, mas calou-se. Tudo lhe pareceu ínfimo diante do que pulsava o seu coração. Seu âmago estava preenchido de um sentimento que não se lembrava de ter qualquer intimidade.
Fedra a abraçou e ela respirou fundo algumas vezes. Se pudesse prolongava as horas...os dias...parava o tempo...
Olhou-a em silêncio e num instante de honestidade brutal, pensou: eu gosto dela mais do que seria sensato.
***
A viagem de regresso foi feita quase que em silêncio absoluto e sem pressa. A maior parte do tempo, o único som que se ouvia era do motor do carro e de uma música tocando em volume baixo. Depois do turbilhão emocional, sentindo-se esgotada, Sabrina adormeceu com a cabeça encostada na janela do carro. Fedra cortou caminho por uma estrada que passava por algumas localidades, e foi nesse instante que percebeu que Sabrina adormecera e que estava toda arrepiada de frio. Parou o carro, desceu e procurou algum casaco no porta-malas. Riu ao se lembrar das primas brincando que seu porta-malas era uma autêntica casa. Cobriu-a com dois casacos sem que ela se mexesse. No resto do trajeto, ela foi pensando no sentido das coisas...
***
-Ei, sua dorminhoca, estamos a chegar. Não sei como consegues dormir nesse desconforto. - Brincou Fedra.
-Hmmm...- Sabrina alongou os braços e tentou esticar as pernas. - Estou cansada...tenho dormido muito pouco...
Fedra riu.
-Onde estamos? - Sabrina olhou pela janela.
-Na circular, em dois minutos estaremos no meu bairro.
-Preciso passar em casa da Glória antes de ir para casa. Estou cá há quase 3 dias e não estive com ela...
-Estivemos juntas no jantar...
-Se não passo em casa dela, sou destituída do cargo de amiga. E quero ver a Malú...ainda é cedo...
-Queres ir buscar o teu carro lá em casa ou...
-Não! Se não te atrapalhar muito, poderias me deixar lá...
-Não atrapalha em nada, até porque vou aproveitar para ver a minha mãe que mora no bairro vizinho.
Em frente ao prédio de Glória, a atmosfera do carro era mais densa, carregada de coisas não ditas. Olharam-se e houve uma troca de sorrisos a meio tom. Fedra queria entender o nervosismo explícito nos olhos de Sabrina, mas sua própria inquietação não lhe permitia questionar coisa alguma.
-Até logo...- Sussurrou Sabrina.
-Até logo. - Respondeu Fedra, tocando-lhe o rosto com carinho.
Fim do capítulo
" I hate writing; I love having written." ( Dorothy Parker)
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brunafinzicontini
Em: 10/10/2025
Mais momentos mágicos, fortalecendo o laço entre elas! Não há dúvida de que estão apaixonadas! Pergunto-me por que não ficaram juntas desde que se encontraram? Naquela ocasião não aconteceu essa quimica incrível?
E Malia se lembra da amiga querida que desde então fazia bem à sua mãe... Quer dizer que havia realmente algo entre elas desde então...
O telefonema do namorado sempre perturbando Fedra! Quando é que ela resolverá dar o cartão vermelho e ele e expulsá-lo do jogo?
Nem sei como Sabrina teve coragem de deixar Fedra para se encontrar com Glória... Eu iria direto para a casa de Fedra...
Mais uma vez devo dizer que fico maravilhada com as belezas que você descreve de sua terra! Que privilégio viver nesse paraíso! Adoro!
Boa semana, autora querida! Forte abraço,
Bruna
Nadine Helgenberger
Em: 12/10/2025
Autora da história
Muito obrigada. Bjs
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mtereza
Em: 08/10/2025
A que maravilha de capítulo Nadine como sempre amando a história das duas
Nadine Helgenberger
Em: 12/10/2025
Autora da história
Muito obrigada. Bjs
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Nenete
Em: 06/10/2025
Ihh acho que a Sabrina está com ciúmes da Fedra. Falta comunicação nessa relação. Elas sentem, mas não falam. Ansiosa pelos próximos capítulos. Bjusss...
Nadine Helgenberger
Em: 12/10/2025
Autora da história
Muito obrigada. Bjs
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NovaAqui
Em: 05/10/2025
Elas estão in love S2
Fofas de mais
Nadine Helgenberger
Em: 12/10/2025
Autora da história
Muito obrigada. Bjs
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HelOliveira
Em: 05/10/2025
Que energia boa nesse capítulo, na hora do telefone fiquei com medo, mas Fedra conseguiu mais um momento maravilhoso..
Nadine Helgenberger
Em: 12/10/2025
Autora da história
Muito obrigada. Bjsss
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