--Dona Yesmin, -- Scheila entrava receosa na sala da chefe – por favor, mil perdões, mas a senhora sua mãe não para de ligar! – olhava para a CEO – Ela diz que precisa lhe falar pessoalmente e com urgência. – transmitia o recado – Também reclamou muito que liga pro seu celular e a senhora não atende.

 

--Mas que coisa! – pegou o celular e viu que havia registro de muitas chamadas da parte de Adma – Eu já disse que viajo hoje à noite, não tem como passar na casa dela! – reclamou

 

--E eu disse isso a ela, mas não adianta! – a secretaria respondeu receosa – Ela... mandou lhe falar que o assunto tem a ver com sua filha e... a moça hacker. 

 

Deu um suspiro profundo e olhou rapidamente para o relógio. – Delegue a reunião que acontecerá daqui a meia hora pro Ramos atender no meu lugar e bloqueie minha agenda até o fim do dia. – ordenou – Vou pra casa de maama agora e de lá sigo direto pro Galeão. 

 

--Sim senhora. – balançou a cabeça em entendimento

 

“Vamos ver que assunto tão urgente será esse!” – pensou contrariada

 

***

 

--Meu Deus, dona Yesmin do Céu!! – a cuidadora abriu a porta em êxtase – Nossa, eu sou super fã da senhora! – envolveu-a em um rápido abraço de urso – Meu nome é Carol, encantada! – deu passagem para a outra entrar -- Sabia que eu tô assinando a versão mais nova do FalaGPiTaco? E a mais cara, viu? – sorria – Minha filha usa ele direto pra estudar, fazer as tarefas de casa... – contava animada – Até as tarefas das aulas de música e de artes plásticas ela tá fazendo com ele! – tietava a engenheira – Essa IA da senhora é incrível! – reparava na outra de cima a baixo – “Que mulher chiquerérrima!” – pensou fascinada

 

“Mais uma cuidadora diferente nessa casa?” – pensou intrigada – Que bom, fico feliz! – respondeu sem muita graça – Olha, Carol... – abriu a bolsa e sacou a carteira – Vai fazer um lanchinho na padaria do outro lado da rua porque eu preciso ter um particular com maama. – colocou duas notas de cem reais no bolso do uniforme da mulher

 

Carol arregalou os olhos ao ver o dinheiro e mais encantada ficou. – Vou sim, vou sim, obrigada, viu? – pegou a mão direita da mulher e beijou rapidamente – Vou falar com Zaida pra ir comigo, só um minutinho! – pediu

 

--Espere! – fez sinal para a outra – Tenho que ter um particular com ela também. – passou a mão nos cabelos – Pode ir sozinha mesmo. – pediu – “Só podia ser plantão daquela enxerida!” – pensou contrariada

 

--Tá bom. – continuava sorrindo como boba – É... tchau, viu? – acenou rapidamente – Foi uma honra! – abriu a porta da sala e saiu dando pulinhos – “E ainda ganhar duzentos reais sem fazer nada? Hoje foi meu dia de sorte!” – pensou

 

--Zaida, alguém tocou campainha, ouviu falatório na sala e não sabe o que houve! – Adma comentou intrigada – Aquela Carol é desmiolada! Vá ver o que se passa? – pediu

 

--Tá certo. – a cuidadora interrompeu a massagem que fazia na paciente e se encaminhou para a porta do quarto. – Por um momento pensei que fosse a sua filha que tivesse chegado.

 

--Yes, me! – apresentou-se diante da outra – Maama tinha tanta urgência pra me falar, não é mesmo? – olhava nos olhos – Por que será que algo me diz que isso é coisa sua, Zaida? – perguntou ironicamente – “Sapatãozinha sem graça e intrometida!” – pensou com desdém

 

“Meu Deus, essa mulher é um nojo, mas hoje ela tá simplesmente bonita demais!” – pensou ao reparar na CEO – Por que a senhora não cumprimenta sua maama primeiro e faz os julgamentos depois? – perguntou educadamente – Vou deixá-las a sós pra conversarem à vontade. – encaminhou-se para sair

 

--Você fica, Zaida! – Adma ordenou – E você pare de provocar minha cuidadora e venha cá falar comigo! – olhava para a filha – Sumiu desde ano passado e sabe Deus quando lembraria que tem maama! – ralhou

 

--Provocar sua cuidadora?! – riu por achar absurdo e se aproximou da idosa -- Ora, maama, a senhora sabe muito bem por que tive que me ausentar por tanto tempo! – colocou a bolsa em cima da cadeira – E sabe melhor ainda que tenho que viajar pra promover a nova versão do FalaGPiTaco! – gesticulou brevemente – O mundo dos negócios é assim! – olhava para a mãe – Eu tenho certeza que essa história de ressuscitar o caso da hacker tem tudo a ver com sua querida Zaida! – falava com desdém

 

“Essa mulher me odeia, não entendo porque!” – pensou ao se encostar na parede – “Será que tudo isso é ciúme da maama dela comigo?”

 

Adma fez um esforço e se sentou melhor na cama para mirar o rosto da filha. – Fale baixo comigo porque estou velha, mas não deixei de ser sua maama! – estava séria – Zaida não manda em mim e se eu disse que o assunto é urgente é porque é!

 

Deu um suspiro profundo e cruzou os braços olhando para a idosa. – Estou ouvindo. – respondeu contrariada

 

--Você sabe muito bem que minha neta não é inocente! – foi direto ao assunto – Então tem responsabilidade pelo destino da moça que fez o que fez porque queria trabalhar com você!

 

--Ah! – indignou-se – Maama, pelo amor de Deus, o julgamento já aconteceu e nada se provou contra minha filha! – argumentou -- Eu não acredito que...

 

--EU AINDA NÃO TERMINEI!! – Adma interrompeu a fala da outra com veemência – Eu não nasceu ontem e sabe que Stefany mente! Todos vocês mentem! – acusou -- Você vai fazer coisa, usar seus influências pra tirar a moça daquela prisão, passar pra outra, não sei! – gesticulou – Mas a menina tem sido estuprada por cinco prisioneiras e isso tem que acabar!

 

Levou um susto ao ouvir. – Mas como a senhora sabe disso? – olhou rapidamente para Zaida – Maama, o que a senhora acha que eu posso fazer? – gesticulou nervosamente – Fernanda tá presa, eu não tenho como...

 

--VOCÊ TEM SIM! – interrompeu-a novamente – Você consegue tudo que quer, Yesmin! – falava com energia – Stefany e você meteram moça no prisão! – acusou novamente – Então você tem que fazer alguma coisa porque nada disso é certo! – cobrou – Onde está mulher que quer mudar o mundo? – provocou – Se você não tem competência pra mudar nem o que tá perto como pode querer mudar um mundo inteiro?

 

Yesmin rodou em círculo por duas vezes, passou a mão nos cabelos, pegou a bolsa e falou antes de deixar o quarto da mãe: -- Eu vou ver o que posso fazer, mas não prometo nada. – olhou rapidamente para o relógio – Tenho que ir pro Galeão e ainda aproveitar pra trabalhar de lá antes de pegar o avião. – aproximou-se da idosa e beijou-lhe a testa rapidamente – Deseje ao menos que eu tenha uma boa viagem. – pediu

 

--Rahimaka Allah! (Deus te abençoe!) – ergueu a mão direita na direção da testa da filha – Bismillah! (Obs: nesse contexto significa “Tenha uma boa viagem!”) – desejou

 

--E você me acompanhe até a porta! – fez sinal para Zaida e seguiu para a sala

 

“Lá vem!” – pensou ao revirar os olhos – Pois não. – seguiu a patroa

 

--Agora somos nós! – parou diante da porta da sala e se virou para a cuidadora – Posso saber por que diabos você foi buscar informações sobre aquela hacker pra infernizar o juízo de maama e, consequentemente, ela infernizar o meu? – falava de cara feia

 

--Eu não busquei nada! – retrucou de pronto – Aconteceu que minha companheira conheceu a mãe dela e a mulher anda tão desesperada que já saiu contando o drama da filha! – repetiu o que ouviu da esposa – Eu contei pra dona Adma e ela decidiu pedir sua ajuda. – resumiu a história

 

Incomodou-se ao ouvir a outra dizer “minha companheira”. – Sabe qual é o seu problema, Zaida? – encarou a cuidadora bem de perto – Você não sabe se colocar no seu lugar e pensa que tá em pé de igualdade conosco! – falava entredentes – Eu sou sua chefe, maama é sua paciente e você deveria entender o mundo de coisas que nos separam de gente como você!

 

Aborreceu-se com o que ouviu e encarou também. – Eu sei muito bem as diferenças que existem entre nós, dona Yesmin! – respondeu atrevida – Sei muito bem quem é a patroa aqui, sei muito bem que a senhora tem mais formação, dinheiro e status do que eu e que vive coisas que eu nunca vou viver! – olhava nos olhos – Mas a maior diferença entre nós, hoje, é que somente uma de nós duas dorme com a consciência tranquila! – acusou 

 

Sentiu o sangue ferver, mas se conteve para não se descontrolar. – Quando eu voltar de viagem, nós vamos ter uma conversinha muito séria! – decidiu – Recomendo que vá procurando outras oportunidades de emprego! – ameaçou

 

Teve medo da possibilidade de ser mandada embora, mas não deixou transparecer. – E eu recomendo que a senhora vá procurando saber quem vai frequentar essa casa no meu lugar, pra que sua maama não seja roubada e nem corra perigo como vinha acontecendo até bem pouco tempo e a senhora sequer imaginou!

 

“De quem será que ela tá falando?” – pensou intrigada – No meu retorno conversamos. – abriu a porta e se foi a passos rápidos

 

“Essa desgraçada vai me demitir, mas eu não podia ouvir tudo isso calada!” – Zaida pensou chateada – “Mas que ela faça algo por Fernanda já me dou por satisfeita!”

 

***

 

Zaida e Vivinácia passeavam num shopping do subúrbio do Rio.

 

--Eu acho que vou ser mandada embora depois que ela voltar, mas também acho que ela há de fazer alguma coisa por Fernanda. – a cuidadora dizia – Dona Adma foi bem firme, isso lhe garanto!

 

--Pois pode acreditar que essa mulher não só vai ajudar Fernanda como não vai te mandar embora! – a diarista afirmou convicta – Ela não há de ter força e nem coragem pra prejudicar mais ninguém! – garantiu – “Nem que eu tenha que varar as próximas noites fazendo mandinga da grossa!” -- pensou

 

--Tá nas mãos de Deus! – Zaida respondeu simplesmente – Ih, olha ali, amor! – apontou para uma loja – Tudo com desconto de 50%! – sorriu – Vai que a gente consegue comprar alguma coisa? 

 

--Mas é claro que consegue, uai! – segurou a mão da esposa e seguiram na direção da loja – Ontem fiz um tanto de faxina naquele hotel e ganhei dinheiro, sô! Vamos gastar! – sorria – “Graças a madame Vivi, vamos lavar a égua hoje nas loja!” – pensou satisfeita

 

Enquanto isso, Nazira e Malika procuravam ofertas no mesmo shopping.

 

--E aí o Pitaco vira e mexe tem me aconselhado a estudar, fazer uns cursos, buscar mudar meu destino, sabe? – a mulher mais jovem dizia – E eu pensei que de repente ele tem razão! – gesticulou – “Vai que conforme eu for estudando ganho ares mais intelectuais e o nerd cai na minha rede?” – pensou

 

--Hum... – Malika prestava atenção – Você pode fazer o que quiser desde que não me peça um centavo a mais! – considerou – Com a pensão do falecido mal dou conta das despesas da casa, das minhas despesas e mais do seu salário. – foi logo dizendo 

 

--Mas como que eu vou fazer curso sem gastar dinheiro? – retrucou – Tem a mensalidade, passagens, lanche... – enumerava

 

--Procura um curso grátis, come só quando voltar pra casa e vai pra lá a pé! – aconselhou – Ou pelo menos arruma um lugar que só pegue uma condução pra ir e outra pra voltar. Aí você dá conta com seu salário. – considerou

 

“Que dureza!” – pensou desanimada – Olha ali, dona Malika! – apontou para uma loja – Tudo com 50% de desconto! – sorriu – Vamos ver se tem coisa boa pra comprar? – propôs

 

--Se bobear, mesmo com esse desconto é tudo caro! – prestava atenção nas vitrines – Mas vamos ver por que de repente... – seguiam em direção à loja

 

--Amor, você não acha que já encheu esse carrinho demais? – Zaida perguntou preocupada – Não dá pra gastar o dinheiro do mês todo em roupa!

 

--Que dinheiro do mês o que, uai? – achou graça – Quem disse que o mês acabou? – sorria para a esposa – Até que termine ainda tem serviço pra fazer e o seu pagamento ainda nem entrou! – colocou mais algumas peças no carrinho 

 

--Até que os preços tão bons, hein? – Nazira escolhia uns modelitos – Aproveita, dona Malika? – incentivou

 

--Mas só se vê doideira! – pegou um vestido – Espia isso aqui! Parece até uma mortalha! – reparava – Ave Maria!

 

--Amor, eu acho que já chega! – Zaida continuava preocupada – Vamos provar essas roupas pra ver se ficou bom e daí ver o que dá pra levar? – pediu

 

--Ô, mulher custosa, já não disse que tá tudo...? – deu de cara com Nazira – “Ô, Pai Santo, é aquela cliente de Bonsucesso!” – reconheceu e logo virou o rosto – Vamos provar! – correu em direção à esposa – Cadê o provador mesmo, hein?

 

--Ei, madame! – Nazira reconheceu de imediato – Madame Vivi! – chamou em vão – Dona Malika, -- correu até a idosa – madame Vivi tá aqui na loja! – afirmou empolgada – Ela tá bem ali, ó! – procurou com o olhar – Ué, mas pra onde será que ela foi? – questionou-se

 

--E eu lá quero saber de madame! – respondeu de pronto – Tô é procurando roupa! – continuava tentando encontrar algo de seu agrado – Que troço estranho! – reclamava de uma saia

 

--Uff, graças a Deus o provador é cheio de cabine! – Vivinácia pensou em voz alta – “Se aquela moça vier pra cá pode muito bem nem sonhar que tô aqui dentro!”

 

--Eu hein! – a cuidadora estranhou – Não entendo você! – olhava para a esposa – Primeiro tava aí se sentindo rica e enchendo o carrinho de roupa; agora parece até que viu um fantasma! – reparava – “Será que ela fez as contas e descobriu que não dá pra pagar?” – pensou intrigada

 

--Que nada, meu bem! – tentava disfarçar – É ansiedade pra provar as roupas! – mentia – Simbora pegar uma cabine dessa e provar tudo juntinha! – piscou

 

--Safadinha! – soprou um beijo e entrou numa cabine

 

Minutos depois, Zaida e Vivinácia estavam prestes a sair do provador quando Nazira e Malika se encaminhavam para entrar. 

 

“Ai, meu Pai, olha quem vem lá!” – a diarista se desesperou – Amor, minha bolsinha! – fez um teatro – Esqueci na cabine, vem comigo! – puxou a outra pelo pulso e deu meia volta para a cabine

 

--Mas o que é isso?! – levou um susto – O carrinho, criatura! Parece que tá doida! – reclamou ao se desvencilhar – Volta lá e eu espero aqui, eu hein! – falou de cara feia

 

--Ah, tá! – sentia-se nervosa – E agora, meu Pai, como que vai ser isso? – falava sozinha – Aquela mulher vai me reconhecer, me chamar de madame Vivi e o tempo vai fechar aqui nessa loja! – olhando para todos os lados constatou a presença do painel de disjuntores – “Situações drásticas exigem medidas drásticas!” – pensou

 

Zaida usava o celular para calcular o valor total da compra que iriam fazer e nem reparou que Malika se aproximava com Nazira a curta distância. A idosa, por sua vez, vinha mexendo em sua bolsinha de dinheiro e não viu que a filha estava parada no meio do corredor. Tampouco percebeu que Nazira derrubou uma blusa no chão e se abaixou para pegar.

 

E, de repente... CRASH, BOOM, BUFF!

 

--Gente, blackout! – alguém gritou – Socorro!

 

--Acabou a luz? – outra mulher perguntou alarmada

 

--Ai, meu Deus, só faltava essa! – Zaida reclamou sozinha – Vivi? – acionou a lanterna do celular – Vivi, cadê você?

 

--Vem! – pegou a esposa pelo pulso e saíram rapidamente do provador – Lá fora tem luz!

 

--Ai, dona Malika, socorro! – Nazira fazia um drama – E agora, meu Deus?

 

--Nazira, cadê você, criatura? – chamava sem ver um palmo diante do nariz

 

--Eu acho que é o sensor de presença! – uma mulher falou – Mexe os braços pra acionar, gente! – pediu

 

--Liga, luz, liga, luz! – Nazira pedia enquanto gesticulava com fúria

 

--AI! – um grito se fez ouvir – MAS QUEM BATEU NA MINHA CARA??? – a idosa perguntou revoltada

 

--Dona Malika?? – Nazira perguntou envergonhada – “Ô, meu Pai, mas por que a cara dela tinha que tá justo no caminho da minha mão?” – pensou 

 

--EU VOU TE MATAR, NAZIRA!!! – tateava no escuro em busca da outra

 

Um grupinho de vendedoras e seguranças entraram correndo no provador. – Ninguém sai, ninguém sai! – eles diziam

 

--Eu hein, que coisa esquisita! – Zaida olhava para tudo com estranheza 

 

--Esquece isso e vamos pro caixa pagar os trem! – Vivinácia pedia nervosamente – Essa loja aqui já deu! – seguia para longe do provador – “Graças ao Pai! Dessa vez foi por pouco!” – benzeu-se discretamente

 

***

 

--Ela me pediu uma semana! – Ana dizia para sua filha – E eu sei, eu sinto que ela vai fazer alguma coisa boa por você! – segurava as duas mãos dela – Vai te tirar desse inferno e te livrar dessas malditas mulheres!

 

--Uma cartomante, mãe? – recolheu as mãos – A senhora não acredita nos advogados e foi se pegar com uma cigana cartomante? – falava com certa revolta – Eu não preciso desse tipo de ajuda! – levantou-se nervosamente

 

Estranhou a atitude da filha, mas entendia em função das circunstâncias. – Parece absurdo, eu sei, mas antes mesmo de falar o que te acontecia aqui dentro ela já sabia e com detalhes! – levantou-se também – E eu tenho orado noite e dia pra Deus te proteger e...

 

--Deus?! – interrompeu a fala da mãe e riu sarcasticamente –Se Deus existisse eu não tava aqui passando por isso! – respondeu com desgosto – A senhora não tem ideia do que é essa merd* de lugar! Tudo de ruim acontece, mas todo mundo finge que não vê! – pausou brevemente – Não me fale em Deus porque me revolta!

 

Ana ficou em silêncio. Não sabia o que dizer. Apenas lamentava em seu coração por tudo que estava acontecendo.

 

***

 

Yesmin estava nos Estados Unidos em seu terceiro dia de viagem. Após muitas reuniões e entrevistas em Nova York, confraternizava em um coquetel com um seleto grupo de empresários e outras pessoas influentes daquele estado.

 

--I’m sure your agenda is too busy, but if you have some free time (Tenho certeza de que sua agenda está muito ocupada, mas se você tiver algum tempo livre), -- o homem estendeu-lhe um cartão de visitas –all that you need to know about me is here (tudo o que você precisa saber sobre mim está aqui). – indicou um QR code impresso no cartão – Take care! (Cuide-se!) – piscou para a CEO e se afastou fazendo um charme

 

--Obrigado. – respondeu educadamente em inglês – “Mas não estou interessada, meu bem!” – pensou ao discretamente descartar o cartão – “Definitivamente homens velhos não me atraem!”

 

--E quantos desses você terá recebido só nesta noite? – uma mulher se aproximou falando um português com sotaque hispânico – Aposto que a CEO da empresa de tecnologia do momento recebe tantas cantadas quanto o FalaGPiTaco recebe perguntas de seus usuários! – sorria – Aliás, um brinde ao sucesso desse modelo de IA, que eu particularmente amo! – deu uma batidinha na taça da outra com a sua própria

 

Achou graça do comentário. – E com quem estou falando? – olhava para a mulher – “Parece até uma atriz de Hollywood!” – pensou ao reparar

 

--Carmen Díaz! – apresentou-se – Estilista e empresária de moda feminina. – bebeu um gole do espumante – Não posso dizer que eu seja uma Coco Chanel do século XXI mas ainda chego lá! – brincou – Especialmente ao ver que justo você está vestindo um tailleur da minha coleção de outono. – reconheceu a roupa – Ficou muito bem! -- elogiou

 

--Oh, mas que surpresa maravilhosa! – afirmou admirada – Eu amo os cortes da sua marca! – dizia a verdade – Desculpe não reconhecê-la, eu nunca tinha visto a sua imagem. – estendeu a mão direita – É um grande prazer!

 

--Também me sinto encantada! – apertou brevemente a mão da engenheira – Devo confessar que atendo a este evento única e exclusivamente pelo desejo de conhecê-la em persona! – fazia um charme – Assim como capricho no meu português para me fazer entender sem quaisquer sombras de dúvidas! – falava com duplo sentido

 

“Ela tá me cantando??” – pensou com estranheza – Imagino que você seja sempre muito direta. – bebeu um gole da bebida 

 

--E sou! – caprichava na sedução – O feminino me interessa por completo. – bebeu mais um gole – E há sabores que só de pensar me deixam atiçada. – lambeu-se sugestivamente

 

--Bem, eu... – estava se sentindo desconfortável – Eu preciso conversar com aqueles senhores. – indicou alguns homens – Eles são da MegaSoft e temos alguns negócios inacabados. – não sabia o que dizer ao certo

 

Achou graça da atitude da outra. – Certamente. – fez um gesto de cabeça – Mas, se em algum momento quiser ter uma conversa menos... técnica... – colocou um cartão no bolso da outra – está aí a chave do meu quarto. – olhava nos olhos – Número 1302. Mesmo hotel que você! – soprou um beijinho e se afastou

 

Yesmin caminhou na direção dos empresários e discretamente jogou o cartão sobre a bandeja que um garçom segurava.

 

Horas mais tarde, a CEO dormia agitada por um sonho incomum.

 

“--Você não tem ideia de como aquela maldita me tratou quando estive na casa de maama! – a engenheira desabafava deitada em um divã – E ela é sempre tão irritante, enxerida, abusada! – falava com raiva – Como pode uma mera cuidadorazinha ser tão besta?

--Eu nunca entendi a sua repulsa contra essa mulher. – Rogério falava com formalidade – É como se um processo egodistônico fosse disparado na sua psique devido ao contato de vocês, despertando toda uma pulsão difícil de controlar. – gesticulava – Uma força estranha parece puxar vocês sempre para o mesmo lugar!

--Eu, hein, mas que conversa é essa? Parece nem um psiquiatra falando! – protestou – Vê lá se aquela sapatão de meia tigela me abala dessa forma? Eu só não... -- olhou para o marido e se surpreendeu ao ver Carmen no lugar dele – Você?! – espantou-se

--Talvez seja justamente isso, querida! – debruçou-se quase em cima da outra – É o fato dela ser uma “sapatão” – fez aspas com os dedos – que tem te interessado! – jogava charme

--Eu nunca fui lésbica! – levantou-se de um pulo – Você não me conhece, Carmen! – afastou-se da estilista – A vida inteira eu só tive homens e você se surpreenderia se conhecesse a minha coleção de amantes! – afirmou convicta

--Mas o seu caso não são as mulheres, meu bem! – cruzou as pernas e ficou mirando a CEO – Mas A Mulher! – sorria – Zaida te desafia, te trata como igual, ela não tem medo de você! – pausou brevemente – Ela te excita! – provocou –E se você for mulher de verdade encara! 

--Mas isso é um absurdo! – discordou veementemente 

--Mesmo? – Zaida surge do nada e puxa Yesmin de encontro a si – Vamos ver até que ponto você diz a verdade! – beijou-a com paixão”

 

A engenheira acordou nervosa e com o coração acelerado. – Meu Deus, mas que tipo de pesadelo foi esse? – passou a mão nos cabelos – Desde aquela maldita ida na casa de maama toda noite me vem uma perturbação! – falava sozinha – Primeiro foram aquelas sombras me acusando por causa da hacker e agora isso! – olhou para o relógio –Tão logo o dia amanhecer, ligo pro Borges e mando ele fazer alguma coisa pra ajudar aquela garota. – pensava no advogado – Talvez assim tudo isso pare! – deu um suspiro profundo como se tentasse meditar – Eu devo ter ficar impressionada com a história do estupro na prisão, foi isso! – concluiu – Respira, Yesmin, respira!

 

***

 

--Oiê. – cumprimentou desconfiada assim que Zaida abriu a porta – Minha vó taí? – perguntou meio sem graça – “Até que o cafofo da coroa é maneirinho!” – pensou ao reparar

 

--Boa tarde, Stefany! – sorriu e deu passagem para a jovem – Sua avó está e vai ficar super feliz em te ver aqui! – fechou a porta – Meu nome é Zaida, sou cuidadora dela e fui eu que postei aquelas mensagens no seu Fuçagram. -- olhava para a moça – Sempre achei que você deveria saber de quem herdou sua veia artística!  

 

--Veia artística? – não entendeu

 

--Você não é influencer? – respondeu com simpatia – Todo influencer é um tanto artista, você não acha? – mentia para ajudar na aproximação

 

--Já é! – concordou balançando a cabeça – Demorou!

 

--Vem comigo. – chamou e ela veio – Pega leve, porque ela é de outra geração. – advertiu – Mas vocês têm tudo a ver e com certeza cê vai se surpreender quando souber da história da dona Adma! – incentivava – “Senhor, que esse encontro dê certo!” – pediu mentalmente – “Que Stefany não xingue 10 palavrões por segundo e que dona Adma tenha paciência com ela!”

 

Fim do capítulo