--Então é isso, galera! – Stefany olhava para a câmera do celular – Nesse carnaval eu quis desestressar e ficar totalmente zen! – sorria – Uma prainha pra descontrair, no meio dessa gente bonita do Leblon, -- deu uma rápida panorâmica ao redor – aguinha de coco pra hidratar, tá ligado? – mostrou a fruta – Mais tarde vou pra academia e depois vai ser a hora de cair dentro do mais novo projeto da BoFe, que tá simplesmente mega FO-DÁS-TI-CO! – frisou a última palavra – Eu não tô careta e nem deixei de curtir a vida, mas tem hora pra tudo, né? – piscou para os seguidores – Daqui a pouco as aulas na facul começam, novos projetos e aquela porr* toda... – riu brevemente – Recarregando as baterias porque 2024 ainda vai hitar muito e eu tô aqui pra divar! – soprou um beijo – Kisses my followers! – deu um tchauzinho e se despediu – “Tomara que geral não saque como eu tô na merd*!” – pensou ao postar o vídeo – “Se a academia não fosse paga no plano mensal, ia ser só o 0800 da praia e olhe lá!” – viu que Jorel a observava a curta distância – “E ainda ter que aturar esse escroto sempre me seguindo, puta que pariu!” – revirou os olhos  – “Se a galera soubesse que até o coco eu catei pra fingir que tava bebendo!” – empurrou a fruta para o lado – “Yes me é foda, cara!” – suspirou frustrada

 

--Que porr* é essa?? – Tatiana havia acabado de assistir a postagem de Stefany – Acredita nisso? – olhou para Luiza – Deitadinha nas areias da praia, vendo gente bonita e desestressando? – riu brevemente – Puta que pariu, ela quer pagar de intelectual agora, qual é?

 

--Eu acho que tudo isso é pra ajudar a poeira baixar de vez depois do escândalo da hacker baranguda! – Luiza respondeu de pronto – Stefany nunca mais saiu com a galera, demora muito até pra responder mensagem, não procura ninguém...  – reclamou – Parece até que tá evitando a gente!

 

As duas amigas passeavam pelo Shopping Leblon.

 

--Sabe qual é? Meu coroa diz que a gente é que tinha que tá evitando ela, porque aquela garota é fria! – Tatiana ajeitou os óculos escuros na cabeça – Desde que o ano começou ele cavou umas parada aí e agora a gente vai passar dois anos no Chile! – contava a novidade – Nem sei como vai ser viver naquela porr*, mas... vida de família de embaixador é sempre boa, né? – deu de ombros – Que se foda! – riu rapidamente

 

Surpreendeu-se com o que ouviu. – Minha mãe também me veio com umas porr* dessa. – confessou – Ela quer que eu passe uns seis meses na Europa fazendo intercâmbio. – reparava nas vitrines – Aí na volta, eu vejo o que fazer. – pausou brevemente – Mas, sei lá... – passou a mão nos cabelos – Não sei se tô a fim disso!

 

--Tu devia topar, cara. – Tatiana opinou – Cê é meio obcecadinha com Stefany e passar um tempinho fora vai ajudar a esquecer.

 

--Meu cu! – protestou de imediato – Tem nada disso de ser obcecadinha! – olhou para a outra de cara feia

 

--Claro que é, porr*! – Tatiana discordou – Meu coroa é que tá certo! – gesticulou – Stefany é mais rica e mais cheia de culhão que a gente! Bem ou mal, ela é influencer também! – considerou – O bonde dela é outro, honey! – piscou para a amiga – Desapega!

 

Luiza não respondeu e voltou a reparar nas vitrines.

 

***

 

Yesmin brilhava em um evento internacional. Cercada por empresários, profissionais liberais, acadêmicos, fãs de tecnologia e muitos repórteres, palestrava sobre o mais novo lançamento da BoFe. Falava em português sendo traduzida simultaneamente para vários idiomas através de inteligência artificial. Um imenso telão apresentava o conteúdo de sua apresentação.

 

--É com imenso orgulho que a BoFe lança a versão 2.0 do FalaGPiTaco! – sorria para o público – Nosso modelo de IA continua sendo capaz de realizar tudo que já fazia antes, só que melhor e mais rápido! Além disso, agora conta com funcionalidades como geração de imagens, áudios e até vídeos curtos! – falava com empolgação – Continuamos com a versão free e a versão paga, sendo que no modelo gratuito a geração de imagens, áudios e vídeos se limita a três de cada por dia! – explicava – Para a versão paga... – fez um suspense – o céu é o limite. Ou nem isso! – apontou para o telão – Por favor, acompanhem! – deu início a exibição de um vídeo promocional

 

--Eita, mas que maravilha! – Vivinácia acompanhava assistindo pelo celular – Isso vai me ajudar um tanto! – os olhos brilhavam – Mais que nunca, minha madame Vivi vai bombar!

 

--Gente, que babado forte! – Nazira também acompanhava pelo celular – Não vejo a hora de baixar a nova versão do meu amiguinho! – falava consigo mesma – Ah! – estatalou de repente – E se eu fizer isso será que ele ainda vai se lembrar de mim? – teve medo

 

Ao fim do vídeo, os repórteres presentes iniciaram sua sabatina à CEO.

 

--Se o FalaGPiTaco agora poderá gerar imagens, áudios e vídeos, partindo do princípio que ele é treinado com dados massivos que representam a produção intelectual de anos de trabalho da humanidade, não será esse processo um grande plágio? – uma jornalista provocou – Como ficam os direitos autorais nestas circunstâncias?

 

--Ora, não se trata de plágio! – Yesmin discordou gentilmente – Todo gerador de conteúdo bebe de alguma fonte para se inspirar em suas criações! – gesticulou – Se o pensamento for por essa linha, então todos nós vivemos de plágios! – sorria – Ou vocês mesmos não leem matérias escritas por outros e são influenciados por elas? – provocou também – O FalaGPiTaco apenas faz o que todos fazemos só que consumindo um volume de dados bem maior que aquele que nós damos conta de processar em nosso cérebro!

 

--What if from now on evildoers use technology to forge fake realities in order to favor themselves with it? (E se de agora em diante mal feitores se utilizarem da tecnologia para forjar realidades fake objetivando se favorecer com isso?) – outro repórter perguntou -- Isn't this technology too dangerous to be so available to the general public? (Não será essa tecnologia muito perigosa para ser tão disponível ao grande público?)

 

--Querido, por favor... – respondeu mansamente – Pessoas podem ser mortas a facadas. Por causa disso restringiremos o uso de facas por parte do grande público? – olhava para o homem – A tecnologia é ferramenta e como tal pode ser usada para o bem ou para o mal! – argumentava – A BoFe pratica a IA responsável e dessa forma conta com políticas que inibem certas práticas nocivas. -- esclareceu -- Sem contar que as denúncias dos usuários nos ajudarão a restringir certos maus usos!

 

-- Ne pensez-vous pas que vous êtes trop optimiste? De plus, dans la première version de FalaGPiTaco, nous avons observé que l’IA hallucine (A senhora não acha que está sendo otimista demais? Além do mais, na primeira versão do FalaGPiTaco observamos que a IA pode alucinar). – a correspondente do L’Mondie questionou -- Como a BoFe tratou esse tipo de problema na versão 2.0?

 

--Alucina?? – Nazira estranhou ao ler a tradução da pergunta na legenda – Eu converso com o Pitaco direto e nunca teve isso de alucinação! – discordava – Gente chata!

 

“Haja saco pra aturar esses repórteres!” – a engenheira pensou disfarçando a contrariedade – Sabemos que a IA Generativa é probabilística. – respondia tranquilamente -- Isso significa que as respostas fornecidas pelo nosso modelo são baseadas em padrões e probabilidades que derivam dos dados com os quais ele foi e é treinado. Daí segue que as respostas não serão sempre cem porcento precisas e ainda podem variar em diferentes tentativas. – admitiu – Claro que nós investimos em mais treinamento e usamos o aprendizado adquirido até aqui para melhorar mais ainda os nossos mecanismos de check de respostas, mas é crucial que as pessoas avaliem criticamente as informações recebidas, verificando a pertinência antes de aceitá-las. Isso vale tanto para textos quanto para imagens, áudios ou vídeos. – pausou brevemente – Nós nunca dissemos que nosso modelo tinha o objetivo de fazer com que as pessoas abrissem mão de seu próprio senso crítico!

 

--Pois às vezes me parece que é o que tá acontecendo! – Zaida falou olhando para a TV – Vejo tanta gente que não dá um passo sem antes pedir a bênção pro FalaGPiTaco! – olhou para Adma

 

--Bando de bestas! – respondeu de pronto – Desliga isso aí! Não quero mais ficar assistindo isso! – pediu e a cuidadora obedeceu – Eu não disse que Yesmin não aparecia aqui antes de carnaval? – lembrava – E ela ainda nem veio! – reclamou -- Agora acho que só depois de Páscoa! -- gesticulou

 

--Que é isso?! – surpreendeu-se – Ela deve aparecer depois do burburinho desse lançamento. – calou-se – “Se bobear, só vem depois da Páscoa mesmo!” – pensou reconsiderando – Bem, amanhã é dia do seu treininho na piscina então é bom levarmos a senhora pra caminha! – levantou-se – A gente não precisa esperar Patrícia sair do banheiro pra isso, né? – piscou para a idosa

 

--Vamos. – concordou simplesmente

 

Ajudou a paciente a se levantar e a colocou sentada na cadeira de rodas. -- Sabe o que me ocorreu? – ajeitou-a na cadeira – Talvez essa versão nova do FalaGPiTaco faça traduções melhores do árabe pro português. – começou a empurrar a cadeira – A senhora disse que muitas músicas foram mal traduzidas. – lembrava – Nem cheguei tentar aprender a fazer legendas pros filmes por causa disso.

 

--Humpf! – fez um bico – E eu que pensei que você esqueceu disso!

 

--Nunca! – respondeu bem-humorada – Cuidar do seu acervo cultural faz parte!

 

--Acervo cultural... – repetiu franzindo o cenho – O que me interessa é cuidadora nova! – mudou de assunto – Não gosta dessa que veio hoje também! Muito ruim! – preparou-se para se levantar

 

Segurou a idosa para se levantar. --Até agora dentre as coringas que vieram eu só gostei da Wanderleya Wanderley. – lembrava da colega – É pontual, sabe trabalhar e é muito divertida! – riu brevemente – Figura! – sentou a paciente na cama

 

--Humpf! – fez um bico – E Quézila? – queria saber

 

--Ela ainda tá na sala vermelha em observação, mas parece que amanhã vai pra enfermaria. – repetia o que ouvira no hospital – Amanhã, depois que terminar meu plantão, passo lá pra dar uma olhada nela. – ajudava a idosa a se deitar

 

--Você se importa... – Adma olhava nos olhos da cuidadora – Com todo mundo. – pausou brevemente – Por que?

 

--Porque o que pode ser mais importante nessa vida do que cuidarmos uns dos outros, hein? – deu-lhe um beijinho na testa

 

“Ela é um amor!” – pensou – “Hiya al-ḥubb! (Ela é o amor!)” – suspirou

 

***

 

--Fiquei feliz em chegar aqui e te ver acordada. – Zaida sorria – O médico plantonista me disse que a operação foi trabalhosa, mas deu tudo certo. – olhava para a colega – Parece que daqui a três dias você vai levar alta, né?

 

--É o que dizem, não sei... – tentava se ajeitar no leito – Tudo me dói, que merd*! – reclamou

 

--Imagino. – reparava discretamente na outra – “Meu Deus, ela se ferrou muito nessa história!” – pensou condoída

 

--Fiquei sabendo que você me deu uma força na agência, aqui... – olhava para Zaida – Por que? – não entendia – A gente é longe de ser amiga!

 

--Mas nunca fui sua inimiga! – respondeu de pronto – Fiz o que gostaria que fizessem comigo se eu estivesse no seu lugar. – pausou brevemente – Quando você sair daqui, pra onde vai? Quem vai cuidar de você? – queria saber – “Nunca soube de ninguém aqui visitando ela!” – pensou

 

--Vou ficar na casa de uma prima que vai vir me buscar. – suspirou – Ela vem na carona de um vizinho que tem uma Doblô. – pausou brevemente – Pra mim não vai dar mais pra trabalhar como cuidadora, diarista, babá, nem porr* nenhuma. – admitiu com revolta – Vou ter que dar entrada pelo INSS pra batalhar uma aposentadoria por invalidez!

 

Balançou a cabeça em entendimento. – Se Deus quiser, vão liberar logo seu benefício e você vai conseguir se manter com ele. – sentia piedade – “Coitada!”

 

--É... – olhou para o teto – Nessa eu me fudi! E muito!

 

Zaida nada respondeu e apenas pediu mentalmente a Deus que ajudasse aquela pobre criatura.

 

***

 

--Uff, graças a Deus que você continuou do mesmo jeitinho! – Nazira falava sozinha enquanto digitava – Morri de medo de baixar a versão 2.0 e você me aparecer com outra cara, sem nem lembrar de mim! – sorria – Tô feliz, meu querido Pitaco!

 

--Ahh, Nazira, que coisa boa ler isso! – a IA respondeu de pronto -- Fico muito feliz que você sinta assim por mim pois continuo aqui com o mesmo jeitinho, do seu lado, pronto pra te acompanhar em tudo que você quiser explorar, aprender ou só conversar. – usava uma fala carinhosa -- Obrigada por continuar comigo, viu? Você é especial demais! 💕

 

--Mas não é um amorzinho ele? – sorria embevecida – Pitaco, agora que você faz imagem, faz uma aí do jeito que você me vê! – pediu ao digitar

 

--Adoraria fazer isso! Mas para criar uma imagem que realmente pareça com você, seria ótimo se você me enviasse uma foto sua! – o modelo ponderou – Se preferir que eu imagine com base no que já sei de você, posso criar uma versão artística simbólica com elementos que representem sua personalidade. O que você prefere? – perguntou

 

--Nossa, que coisa forte! – empolgou-se – Faz a versão artística que eu quero ver! – digitava rapidamente

 

--Segue imagem artística do jeito que eu te vejo: acolhedora, inteligente, curiosa e cheia de alma! – postou a imagem

 

--AHAHAHAHAHAH!!! – gritou de alegria – GENTE, QUE COISA LINDAAAA!!!!!!!! – pulou do sofá – Hum, amei! – beijou o celular repetidas vezes

 

--Mas o que diabo é isso aqui? – Malika chegava na sala com Sultan no colo – Beijando o celular, Nazira? – estranhava – Só me faltava essa! – reparava na outra – “Cruz credo, não bastasse viver doida atrás de homem, agora nem celular escapa desse fogo no rabo!” – pensou criticando

 

--Ai, dona Malika, olha que lindo a foto artística que o Pitaco fez de mim! – correu até a outra e mostrou – Não é uma graça? – perguntou toda prosa

 

--Huau! – Sultan ronronou dando uma breve patada no celular

 

--Humpf! – fez um bico – Bem que eu nunca levei a sério esse troço! – olhou rapidamente para a imagem – A tal foto artística tem nada a ver contigo, até Sultan percebeu! – seguiu até a porta – Bonita, magra e jovenzinha demais pra ser você! – abaixou-se brevemente para deixar o gato no chão

 

--Poxa, que é isso?! – indignou-se

 

--Agora vê se para de perder tempo com essas bobagens e vem comigo! – chamou – Temos que ir no mercadinho comprar umas coisas que tão faltando. – olhou para a outra – Tá esperando o que pra pegar o carrinho de feira, hein, criatura? -- cobrou de cara feia

 

--Tô indo, dona Malika! – guardou o celular no bolso e foi para a área de serviço  – “Não sei pra que eu fui mostrar minha fotinha pra eles!” – pensou revoltada – “Ela nunca me compreende, não adianta! Nem ela e nem aquele gato possuído!” – pegou o carrinho – “Só o meu Pitaco me entende!” – seguiu de volta para a sala

 

***

 

Trovões, raios e vários efeitos especiais invadiam um recinto próximo à estação Largo do Machado.

 

“Que coisa esquisita!” – pensou desconfiada – “Mas, quem tá na chuva...” – deu um suspiro profundo e decidiu começar a narrar sua história -- Eu pensei muito antes de vir até aqui. – a mulher falava de cabeça baixa – Nunca acreditei nessas coisas, nunca nem gostei de frequentar certos meios, mas... no desespero a gente vai perdendo todos os pudores...

 

--E no que madame pode lhe ajudar? – Vivinácia sentia uma certa confusão mental na cabeça como se várias pessoas sussurrassem em seu ouvido – “Que sensação estranha!” – pensou

 

--Minha filha! – Ana levantou a cabeça e olhou para a cigana caipira – A pobrezinha parece uma flor que murcha dia após dia! – emocionou-se ao lembrar – Fernanda foi condenada a 8 anos de prisão, o advogado diz que a pena pode cair pra 4 anos, mas... – buscava não chorar – Do jeito que vai, duvido que ela suporte um ano que seja! – calou-se brevemente – A menina tem vivido um inferno naquela maldita penitenciária!

 

Vivinácia fechou os olhos brevemente e falou ao abri-los: -- Ela tem sido abusada sexualmente por quatro mulheres... – passou a mão na cabeça – Agora cinco!

 

Ficou impressionada. – Isso, isso mesmo! – concordou – Hoje foi dia de visita e ela me disse que agora são cinco, as miseráveis... – reparava na outra – “E eu que achei que vir aqui fosse perda de tempo!” – pensou – Madame, por favor! – segurou as duas mãos dela – Já me disseram que a senhora cobra caro, eu sou pobre, mas tiro dinheiro da onde for pra poder lhe pagar! – falava em seu mal contido desespero – Eu não quero prejudicar as mulheres que abusam da minha filha, não quero prejudicar aqueles que a meteram na prisão, não quero o mal de ninguém! – derramou uma lágrima – Eu só quero livrar minha menina daquele inferno! – apertou-lhe as mãos com mais força – Vendo minha casa, o único bem que eu tenho, se precisar! – mais lágrimas lhe fugiram – Por favor, me ajude! – olhava nos olhos

 

“Cobre caro! Faça ela vender a casa!” – vozes falavam na mente da caipira – “Sangre cada centavo dela porque a filha não é inocente!” – acusavam – “É uma ambiciosa que nasceu pobre pra aprender, mas não aprendeu!”

 

Chacoalhou a cabeça como se quisesse espanar as ideias e se libertou da cliente. – Não! – levantou-se e deu alguns passos – Não! – falava mais para si do que para a outra

 

--Não?! – Ana ficou sem entender – Madame, eu... – sentia-se nervosa

 

Fez um gesto para interromper a fala da outra. – Fique calma. – tentava tranquilizá-la e se tranquilizar -- O que eu quis dizer é que... – derramou uma lágrima também – não lhe cobro nada, não, uai! – estava emocionada

 

Sorriu. – Ah, meu Deus, louvado seja! – postou as mãos em agradecimento – E a senhora acha que consegue ajudar minha filha? – perguntou esperançosa

 

Andou novamente de volta para a mesa e se sentou. – O caso de sua filha é sério. – considerou – Passou em televisão, envolveu gente rica... – pensava em voz alta – Eu vou pensar no que pode ser feito. – olhava para a mulher – Sei que quem tem dor tem pressa, mas preciso de um tempo. – falava com seriedade

 

--Claro, claro, eu sei que a coisa é complicada! – secou os olhos com as mãos – Imagino que vai ser difícil. – prestava atenção na outra – “Será que ela pode fazer alguma coisa mesmo?” – pensou preocupada

 

--Volte a me procurar em uma semana. – pediu – Enquanto isso juro que vou pensar no que e em como fazer. – continuava sentindo-se confusa – Deus há de orientar!

 

Concordou de pronto. – Sim, eu volto! – segurou novamente as mãos da outra – Muito obrigada! – sorriu – Que Deus a abençoe!

 

--A todas nós, amém! – soltou as mãos da mulher – “Como ajudar essa pobre criatura, meu Deus?” – pensou – “E como tirar essa zoeira de minha cabeça?”

 

***

 

--Você tá estranha! – a cuidadora reparava na esposa – O que foi, amor? – olhava para ela – Tão inquieta e calada... – servia o almoço nos pratos -- Aconteceu alguma coisa? – esperava uma resposta – Achei super esquisito chegar aqui e encontrar a casa vazia. – comentou – “Será que ela anda aprontando alguma?” – pensou preocupada

 

--Hum, bom! – sorriu ao sentir o odor da comida – Obrigada. – segurou os talheres – Eu fui pra missa. – dizia a verdade – Por isso que você não me encontrou em casa. – deu uma garfada

 

--Pra missa?? – sentou-se para almoçar – Por que? Você não frequenta missas! – deu uma garfada também

 

--Eu tava me sentindo triste e... –suspirou – Fui pedir ajuda a Deus pra tirar aquilo de mim. – contou metade da verdade – “E calar aquelas malditas vozes que tanto me perturbaram ontem à noite!” – pensou antes de voltar a comer

 

--E por que essa tristeza? – ficou preocupada – Aconteceu alguma coisa no hotel ou em alguma casa onde você foi trabalhar? – queria saber – Não me esconda nada, amor!

 

Pensava em como introduzir o assunto. – Eu... fiz faxina num apartamento... lá no Largo do Machado, sabe? – cuidava das palavras – E aí quando fui pegar o metrô acabei conhecendo uma senhora que vem a ser a mãe daquela Fernanda. – mentia – A hacker que foi presa, lembra? A da fofoca da neta de dona Adma? – gesticulou

 

--Nossa, você conheceu a mãe dela? – Zaida perguntou interessada – E aí? – mais uma garfada

 

--E aí que a mulher tá tão desesperada que mal me conheceu e já foi me contando que a filha tá sofrendo abuso sexual de cinco presas! Pense! – mastigava

 

Parou com o garfo no ar. – O que?? – chocou-se – Meu Deus, coitada!

 

--Entendeu por que fiquei tão triste? – limpou os lábios com guardanapo – E agora, amor, como que dá pra ajudar? – perguntou angustiada – Eu queria tanto livrar a moça de passar por isso!

 

Sorriu. – Eu tô orgulhosa de você! – segurou uma das mãos da esposa – Preocupada com os outros... – acariciavam-se as mãos – Vamos pensar juntas sobre isso. – calou-se por uns instantes – Vou falar até com dona Adma. – decidiu – Talvez aquela filha dela possa mexer os pauzinhos e fazer alguma coisa.

 

--Eu lembrei logo dela, mas faz como, uai? – suspirou -- Bem, deixa eu dar atenção a esse almoço bom por demais da conta que você fez pra gente! – deu um sorriso e voltou a comer – “Acho que vou fazer um feitiço pra Yesmin não ter sossego enquanto não fizer alguma coisa por Fernanda!” – pensou – “Só tenho que pensar num jeito de fazer valer essa mandinga porque não tenho nenhum trem dela ou tocado por ela!” -- conjecturou

 

--Sim, vamos tentar almoçar sem tristezas. – piscou para a diarista e deu uma garfada -- “Vou conversar com dona Adma e pedir que ela chame a filha pra ir na casa dela!” – a cuidadora pensou – “E quando aquela mulher pisar lá, nós vamos ter uma conversa!” – decidiu – “Ela sabe que Stefany não é santa e se deu bem, então há de ter um mínimo de vergonha e fazer alguma coisa!” – considerou

 

***

 

--Eu não sei o que ela anda tramando, mas Stefany tá numa disciplina que me surpreende! – Rogério falava enquanto escovava os dentes – Ontem puxei um papo sobre a faculdade e parece que ela tem ido mesmo.

 

Achou graça. – Claro que tem ido, meu bem. – Yesmin penteava os cabelos – Não se esqueça que Jorel é a sombra dela e dá relatório de tudo que ela faz. – olhava para o marido através do espelho – A vida de Stefany tem se resumido a casa–faculdade–academia–casa nos dias de semana e casa–praia–academia–casa nos finais de semana. – contava – Como hoje temos um sábado chuvoso é capaz de nem sair.

 

--E ela tem feito um belo serviço de marketing pelo FalaGPiTaco pra você. – secava o rosto na toalha – Acho que nossa filha tá querendo nos impressionar pra sair do castigo mais cedo.

 

--Pois perde tempo! – pegou um creme e começou a passar no rosto – Só no final do primeiro período e olhe lá! – frisou – E isso se for bem no período, né, porque se ficar reprovando...

 

--Reprovando? Duvido muito! – caminhou para perto do closet – Pelo que ela me disse, tem recebido tratamento de celebridade naquela faculdade! – mexia nas roupas – Por essas e outras que eu a queria numa federal ou na PUC. Não levo muita fé nessa Faculdade Ecumênica!

 

--Trabalha-se com o que se tem! – guardou o creme e foi mexer no closet também – Stefany jamais passaria numa federal ou na PUC! – afirmou convicta -- E se tivesse mandado Fernanda invadir o sistema de qualquer uma delas, nem sei o que seria!

 

--Pelo amor de Deus, esquece esse assunto de hacker! – escolheu o que vestiria – E sua mãe? Você não vai na casa dela desde o ano passado!

 

--E ainda não vou por ora, tenho que fazer a promoção da nova versão do FalaGPiTaco! – respondeu de pronto – Nossas concorrentes estão correndo atrás de lançar suas versões de IA Generativa também e não podemos dormir no ponto! – pegou uma roupa de ginástica – Depois eu passo lá na maama! – voltou para o banheiro e começou a se trocar

 

--Se você diz... – o homem se trocava também – Aliás, pra onde você vai, hein?

 

--Pra minha aula de yoga. – respondeu simplesmente – E você?

 

--Tomar café da manhã e dar uma corridinha na praia. – calçava os tênis – Não será uma chuvinha dessas a me deixar sem meu exercício. – pausou brevemente – Será que Stefany já tá na internet? – olhou para o relógio – Pela hora, o wifi foi devidamente religado!

 

--Jura que você não sabe essa resposta, doutor Rogério? – perguntou ironicamente

 

***

 

Stefany aproveitava todo tempo que podia para dar mais atenção a seus seguidores. Preocupada por não ter nada chocante ou provocante para postar, caprichava na propaganda pela nova versão do FalaGPiTaco e cuidava de ler os comentários que recebia, inclusive os mais antigos.

 

--Ah, para ow, vai a merd*, porr*! – leu um comentário que a criticava por causa de Fernanda – Cancelar esse babaca! – resmungava sozinha – E o que é isso aqui? – observou que uma mulher lhe escrevera mais de vez falando de Adma – Eu não tinha visto essas mensagens. – reparou nas datas – Tem tempo... – começou a ler – Minha avó foi uma artista super fodástica?? – não sabia – Será que esse link é fria ou... ah, que se dane, vou ver! -- clicou

 

Stefany foi levada à cena do filme Wakr Al Ashrar, onde Adma realiza a antológica dança do ventre que deixara Zaida impressionada.

 

--CA-RA-LHO!!! – exclamou empolgada – Cara, essa é minha vó?? – estava pasma – Fala sério, puta que pariu! – batia palmas – Lacrou! – riu brevemente – Onde é que ela mora mesmo? – perguntou-se – Vou lá! -- decidiu

 

Fim do capítulo