--Dona Adma, o coelhinho de Páscoa lhe trouxe um presente! – Zaida anunciou antes de dar passagem à jovem

 

--E aí, tudo tranks? – cumprimentou ao entrar no quarto – Oi, vó! – deu tchauzinho

 

--Stefany?? – a idosa se surpreendeu – Meu Deus, há quanto tempo! – reparava na neta – A última vez que te vi você só tinha 10 anos!

 

“Gente!” – Zaida pensou ao arregalar os olhos

 

--Sei bem como é isso, dona Adma! – Wanderleya foi logo dizendo – Faz bem uns 20 anos que não vejo minha vó! E uns 40 que não vejo minha bisa!

 

“O tempo pra ela só passa de 20 em 20 anos!” – Zaida pensou achando graça – Wanderleya, vamos deixar as duas conversando à vontade? – perguntou à colega – Depois de tantos anos elas devem ter muito assunto pra colocar em dia!

 

--Pois vocês fiquem quietas aí! – a idosa ordenou – Além do mais eu precisa de intérprete pra entender o que essa menina diz.

 

--Oi? – não entendeu – “A coroa fala umas parada bizarra, aí!” – pensou desconfiada

 

“Elas não se abraçam, não se beijam, que família estranha!” – reparava – Então vamos fazer de outro jeito. – Zaida propôs – Stefany, entra aí no seu canal e começa a gravar. – olhou para a jovem – Seus seguidores vão amar ver o reencontro entre neta e avó, especialmente quando descobrirem que dona Adma foi uma grande cantora, dançarina, atriz e quase jogou Elizabeth Taylor pra escanteio pra fazer o papel de Cleópatra no cinema! – contava

 

--Jura?! – surpreendeu-se – Caralh*, muito foda!

 

--Olha palavreado em minha casa! – a idosa logo ralhou

 

--Sabe que eu também fui cantora, dançarina e atriz? – Wanderlya se meteu – Por 20 anos cantei, dancei e resfoleguei na TV Manchete! – exibia-se – Angélica só teve chance depois que eu pedi pra sair. – gesticulava – Até aquela pinta ela copiou de mim!

 

“Do que essa baranguda gigante tá falando?!” – pensou sem entender – Aí, pessoas, vamo pro que interessa! – pegou o celular – Bora gravar! – olhou para a avó – Vai ser do caralh*!

 

--OLHA PALAVREADO! – ralhou mais uma vez – AHHA! – fez cara feia

 

“Meu Deus, que isso não seja um desastre!” – Zaida pensou revirando os olhos – Vamos gravar! – aproximou-se da idosa -- De preferência, sem palavrão! – brincou sorridente

 

***

 

--Então...  -- a mulher se sentou ao lado da CEO na sala VIP do aeroporto LaGuardia – Sua temporada em Nova York se encerra junto com a minha. – sorria – Coincidência interessante, não acha? – bebeu um gole de café

 

“Essa Carmen parece estar em todos os lugares dessa cidade!” – Yesmin pensou surpreendida – Não sei até que ponto as coisas com você são coincidências ou não. – interrompeu o que fazia e fechou o notebook – Para onde está indo agora? – perguntou curiosa – “Não é possível que vá pra Londres no mesmo voo que eu!”

 

--Visitar os parentes no México. – cruzou as pernas – E que pena que você não está indo para lá também. – sorriu insinuante – Talvez os ares latinos a ajudassem a... – pensava em como dizer em português – se soltar um pouco mais. – mirava os olhos da outra – Embora a senhora tenha aprontado o suficiente nessa estadia por aqui. – piscou em cumplicidade

 

Ficou sem graça com o comentário. – Aprontado? – fingiu-se de desentendida – Eu trabalhei e muito! – afirmou enfaticamente – Aliás estava fazendo exatamente isso antes de você chegar! Por isso que estou aqui e meu staff ali. – indicou os funcionários – Eles sabem que gosto de me concentrar em paz. – tentava educadamente se livrar da outra – “Tomara que ela tenha captado a mensagem!” – pensou

 

Riu brevemente. – I got your point, my darling (Eu entendi o seu ponto, minha querida)! – bebeu um gole do café – Tanto quanto você entendeu o meu. – não deixava de jogar charme – Mas antes de ir vou te dar uns conselhos úteis. – passou a mão nos cabelos – Cuidado com esses rapazes que você devora nas viagens de trabalho! Você não sabe o que o celular deles está gravando e há pessoas que são muito boas no quesito chantagem. – bebeu o último gole do café – E... você precisa de alguém que te desafie, te olhe nos olhos, de igual pra igual! – deixou xícara e pires em cima da mesinha – No dia que quiser dar um upgrade amoroso, -- deslizou um cartão até perto das mãos da engenheira – me procure. – soprou um beijinho, levantou-se e foi embora

 

--Humpf! – não tocou no cartão – Pior que ela falou quase igual naquele meu pesadelo! – lembrou-se – Tem muita coisa estranha acontecendo ultimamente, sabe? – continuava falando sozinha – É melhor eu dar um tempo nas estripulias por que vai que? – considerou antes de voltar a trabalhar

 

***

 

--Eu fiz como a senhora pediu, madame... voltei aqui depois de uma semana, rezei do jeito que a senhora orientou, segui tudo à risca! – Ana dizia humildemente – Fiquei imensamente feliz quando transferiram minha filha pra outro presídio e lá ela ficou numa cela sozinha... – contava – Claro que o sonho seria ver ela em liberdade, mas o principal aconteceu: acabou aquela coisa dos estupros! – benzeu-se – Só que... – pensava em como se expressar – Algo se perdeu, entende? – os olhos marejaram – A Fernanda que eu vou visitar toda semana não é mais a Fernanda que eu criei e convivi por todos esses anos! – derramou uma lágrima de dor – É como se ela tivesse morrido e no lugar tivesse ficado uma mulher cheia de ódio, dor e revolta! – pausou brevemente – E eu não sei como lidar com isso... – começou a chorar

 

Vivinácia ouvia com muita atenção, ao mesmo tempo em que mentalmente orava pedindo orientação quanto ao que dizer ou fazer, mas nenhuma intuição animava seus pensamentos. – Eu nunca fui vítima de estupro e não sei como reagiria no lugar dela... – falava naturalmente, sem salamaleques – Sua filha sonhou alto e fez o que fez pra sair da pobreza. Eu entendo perfeitamente! – identificava-se – Mas no final todo mundo ficou bem e só ela saiu prejudicada por demais da conta. – Ana chorava um pouco mais – Depois de tudo isso, ainda aturar cinco mulheres abusando dela todo dia... – abaixou a cabeça brevemente – Não é de se estranhar que ela tenha mudado tanto, uai!

 

Ana gastou mais uns minutos chorando até que se recompôs e secou os olhos com um lenço de papel. – O que eu faço, madame? – pediu com muita tristeza – Por favor, me oriente, me ajude! – mirava a outra com olhos súplices

 

Suspirou e balançou a cabeça brevemente. – Tudo que eu podia fazer por sua filha, foi feito. – pausou brevemente -- A partir do momento que a senhora não quis que eu fizesse qualquer feitiço contra as pessoas que a prejudicaram...

 

--E não quero mesmo! – interrompeu a fala da outra – Nunca desejei o mal de ninguém!

 

--Infelizmente eu não tenho mais o que fazer! – admitiu – E o que lhe oriento é rezar sempre pra Deus amansar o coração dela. – aconselhou – Perdoe, mas... -- fez um gesto breve – é isso!

 

Ana balançou a cabeça em entendimento, novamente agradeceu e partiu de cabeça baixa.

 

Observando a partida daquela pobre mãe, Vivinácia subitamente teve uma intuição que a orientou a largar todo aquele engodo de cigana caipira para se dedicar verdadeiramente às coisas do espírito, mas não deu atenção. Tratou de se preparar para receber e impressionar a próxima cliente que a aguardava.

 

***

 

--Sabe que eu pensei que seria um desastre, mas não foi? – Zaida contava para a esposa enquanto lavava roupa – Stefany não faz mais falta na casa da dona Adma e tá toda empolgada! – pensava na jovem – Já conseguiu traduzir todas as músicas usando o FalaGPiTaco e agora tá trabalhando pra fazer as legendas dos filmes. – achava graça – Confesso que fiquei surpreendida, sabe? Ela mal sabe falar sem xingar uma dúzia de palavrão, mas manja horrores de FalaGPiTaco! – olhou rapidamente para a esposa – A prova de que essa juventude, quando quer, sabe fazer muita coisa bacana!

 

--Humpf! – fez um bico – Eu fico só vendo você! – respondeu de cara feia enquanto faxinava a cozinha – Toda cheia de gracinha com essa garota fútil mesmo sabendo que por causa dela a outra lá tá toda ferrada na prisão! – falava com revolta – Bão bisurdo, isso aí!

 

--Vivi? – interrompeu o que fazia e olhou novamente para a companheira – Não tô entendendo esse seu tom comigo! – reclamou de cara feia – O que você queria que eu fizesse? Que mal Stefany chegasse na casa da avó, eu trouxesse o assunto, chamasse ela à responsabilidade e desse alguma lição de moral? – gesticulava – Eu não tô aqui pra passar a mão na cabeça dela, mas em primeiro lugar é preciso conquistar a confiança! Até aconselhei dona Adma a fazer o mesmo porque senão a gente ia espantar a garota!

 

--E por que essa coisa toda, hein, Zaida? – interrompeu o que fazia também – Por que você tá se esmerando tanto pra aproximar aquela garota da avó? – continuava de cara feia

 

--Porque é a vó dela, oras! – respondeu como quem diz o óbvio – E isso tem feito muito bem a dona Adma! – não entendia a reação da esposa – Como também acho que tem feito bem à Stefany! No fundo ela não passa de uma jovem imatura e carente que vive de tentar chamar a atenção pra si.

 

--Ah, coitadinha, sô! – respondeu com deboche – Eu hein, Zaida, desde quando você virou puxa saco de gente rica? – repreendeu – Sei que você se dedica aos seus pacientes, mas nunca te vi tão obcecada como te vejo por essa dona Adma! – gesticulou – Ou pela filha dela, né? – acusou – Lembro muito bem que quando você conheceu Yesmin ficou encantada com a beleza e fineza dela!

 

--Hã? – continuava estranhando – Você tá com ciúmes? – custava a acreditar – Ciúmes de mim com aquela nojenta? – referia-se à CEO – Ah, Vivinácia, me poupe, tá? – voltou a lavar roupa – E vê se termina essa faxina porque ainda tem um monte de coisa pra gente fazer! – advertiu – A laje tá toda quebrada e dona Dira me disse que é porque os traficantes têm andado por aí procurando lugar pra esconder arma! – repetiu o que ouviu – Parece que têm feito isso na laje da casa dela e da casa do seu João também! – contava – Se chover, vai cair água aqui dentro! – alertou

 

--Cair água?? A merd* maior é que ainda corre o risco da polícia chegar, encontrar algum fuzil lá em cima e ainda levar a gente presa! – deu um chute na vassoura – Eu odeio ser pobre, odeio!

 

Ficou triste com aquela situação toda e buscou se acalmar antes de responder: -- Eu também não queria que fosse assim, mas é a vida que a gente pode ter. – pausou brevemente – Pelo menos por enquanto. – continuava lavando roupa

 

A diarista pegou a vassoura e recomeçou seu serviço. – Eu vou passar na casa do Luiz e pedir pra ele dar uma olhada na laje. – afirmou um pouco mais calma – E depois vou lá no dono da boca reclamar disso porque não tá certo!

 

--Vivi, pelo amor de Deus! – virou-se novamente de frente para a esposa – Eu não quero você de conversa com bandido, olha lá! – advertiu

 

--Isso não tá certo! – repetiu – Já não basta aturar tiroteio, toque de recolher e tudo mais que eles inventam? – reclamava – Já não basta pagar imposto de cem reais todo mês pros traficante? – os olhos marejaram de raiva – Eu não quero correr o risco da gente ser presa e esculachada pela polícia! Porque se eles encontrar fuzil na nossa laje, vai ser no modo atira primeiro e pergunta depois!

 

--Eu sei... eu sei que nossa vida é dura. – parou e trabalhar e ficou olhando para fora – Mas brigar com você é pior ainda. – falou com tristeza – Não tem por que ficar com ciúmes de mim... – abaixou a cabeça – Eu nunca fiz o que faço por dona Adma pensando na filha dela! – pausou brevemente – Eu só queria que a vida dela fosse melhor... só isso.

 

--E por que você não quer que a NOSSA vida seja melhor? – perguntou à queima roupa

 

--Por que você diz isso? – olhou imediatamente para a esposa – Porque nunca aprovei suas trapaças como madame Vivi? – examinava a outra com o olhar – Eu quero que a nossa vida melhore com trabalho honesto! E só!

 

Vivinácia nada respondeu e continuou faxinando. “Eu tô com um bom dinheirinho juntado.” – pensou – “Quando tiver condição de comprar um canto pra gente bem longe dessas pistinga de tráfico vou comprar e quero ver se ela não vai querer vir comigo!” – considerou – “Quero só ver!”

 

***

 

Zaida estava na condução indo para a casa de Adma. Mantinha o olhar em lugar algum, absolutamente ignorando o mundo exterior, enquanto a mente vagava pensando em seus problemas. Não conseguira dormir na noite anterior devido a um intenso tiroteio ocorrido entre facções rivais que lutavam pelo domínio da comunidade onde vivia. Ao sair de casa cruzou com vários homens ostentando fuzis e manteve-se de cabeça baixa para ser o mais discreta possível.

 

Uma lágrima sorrateira escapou-lhe dos olhos, levando um gosto levemente salgado a seus lábios semi abertos. Sofria por sentir-se acuada diante da violência que a cercava. Sofria por ser refém das limitações da pobreza material, que não a permitia mudar de realidade. Sofria, talvez mais que tudo, pelo desentendimento ocorrido entre ela e a esposa. O dia amanheceu sem que tivessem trocado uma só palavra.

 

“Vivi odeia a vida que temos, nossa realidade dura...” – pensava – “Ela nunca lidou bem com o fato de sermos pobres...” – suspirou – “Eu gostaria de ter uma vida mais confortável, mas temos o que podemos ter por ora. Podia ser até pior...” – considerou

 

Subitamente lembrou-se da mãe e da época em que viviam juntas. Não eram ricas, mas havia mais conforto e segurança. Principalmente, tinham uma a outra, coisa que um dia Zaida acreditou que seria para sempre.

 

“Nada é para sempre, Zaida!” – dizia mentalmente para si mesma – “A vida se tornou dura desde baba se foi e me assumi lésbica...” – constatava – “Talvez se eu tivesse ficado no armário, tudo fosse muito diferente e hoje eu tivesse mais conforto... no entanto, certamente eu seria muito infeliz se não tivesse me dado o direito de ser eu mesma...” – mais lágrimas escaparam de seus olhos – “Senhor, eu Lhe imploro, me ajude a sempre ter forças pra arcar com as consequências do que escolhi pra mim!” – orava em pensamento – “E que eu desempenhe mais um dia de trabalho levando alegria, mesmo sofrendo tanto por dentro!” – secou o rosto com as duas mãos

 

***

 

--Definitivamente eu sou muito contra essa coisa de inteligência artificial, GPiTaco e troços do tipo! – um idoso dizia na cantina da igreja – Vocês viram a última? – gesticulava indignado – Agora que essas coisas tão gerando imagem, fizeram uma montagem até com o Santo Papa vestindo roupa de funkeiro! – contava a fofoca – Meu neto me mostrou e fiquei danado da vida!

 

--Pois o senhor não sabe da missa a metade! – uma idosa falava também – Fizeram uma montagem onde um Jesus gay tá no centro de uma ceia onde se vê de tudo: bandido, travesti, piranha, sapatão... – enumerava – Mais falta de respeito que essa não há!

 

--Minha neta tem 10 anos e vive pendurada no tal do GPiTaco! – outra senhora dava queixa – Toda hora é mostrando: “Vovó, olha aqui a foto que eu fiz! Vovó, olha aqui esse filminho! Vovó, ouve só essa musiquinha!” – imitava a criança – E só besteira, eu fico até sem graça! Mas pergunta se ela sabe a tabuada, escrever redação ou ao menos fritar um ovo? – olhava para os demais – Infelizmente a pobrezinha vive aí a mercê de Fuçagram, LivrodasFuça, FuceX e nesses troços só tem o que não presta, né? – gesticulava – Mas fazer o que? Minha filha deixa a educação da menina a cargo de internet e ainda paga assinatura de GPiTaco; aí dá nisso!

 

--Então quer dizer que isso é pago?? – Malika se assustou – E eu que achei que fosse de graça! – chocou-se – “Não acredito que Nazira gaste dinheiro com isso!” – pensou revoltada – “Aí depois reclama que não tem dinheiro pra fazer curso! Pois sim!”

 

--Tem pago e tem de graça. É que no pago dá pra fazer mais coisa. – um homem explicou – Mas a verdade nua e crua é que esse negócio de IA taí e chegou pra dar um tapa na cara da gente!

 

--Na minha já deu! – Malika afirmou convicta – “Se Nazira já ostentava toda uma burrice natural, depois dessa tal de inteligência artificial é que a coisa aflorou de vez!” – revirou os olhos

 

***

 

--Olha aqui, seu Pedro, vê só que legal! – Nazira mostrava imagens na tela de seu celular – Pessoal tá fazendo cada coisa incrível com o FalaGPiTaco! – escolheu um vídeo – Olha só essa montagem que fizeram do Elvis! -- clicou

 

--Caramba, olha só! – sorriu animado – E ainda com a camisa do meu Vascão! – assistia atento – Eu sou fã desse negócio de tecnologia, sabe? Pena que eu não entendo usar.

 

Recolheu o celular ao final do vídeo. – Ah, mas o senhor aprende fácil. – olhava para o homem – No começo eu me embananei um pouco, mas hoje em dia o FalaGPiTaco e eu somos amigos íntimos! – confessou – Eu até chamo ele de Pitaco!

 

--Poxa! -- surpreendeu-se

 

Nisso, um homem entra quase corrido no prédio, não cumprimenta e sobe rapidamente pelas escadas.

 

--Eita, sujeitinho estranho esse! – o porteiro comentou reparando – Sabe que desde que veio morar aqui, nunca vi esse fulano recebendo uma visita sequer? -- fofocou

 

--É mesmo? – interessou-se – “Sinal de que o nerd é realmente solteiro!” – pensou animada -- Ele também é tímido, né?

 

--Sei lá qual é a dele! – fez um gesto de desprezo – Mas dia desses ouvi um pedaço de uma conversa tensa que ele tava tendo no celular. – fofocou mais uma vez – Do que entendi, ele trabalha fazendo jogo de vídeo game e acha que tá ganhando pouco! – olhava para Nazira – Achei até que ele pediu demissão por causa disso!

 

--Então ele é gamer?? – gostou de saber – “Vou correndo perguntar pro Pitaco uma deixa que ele possa me dar pra eu me aproximar do nerd!” – pensou – “E é melhor eu começar a jogar alguma coisa pelo celular pra ir me enturmando melhor!” – decidiu – “Nazira Faruk e Nazário Farias... NF com NF tem que dar match!”

 

***

 

--E ele tinha um bafo horrível, mas era o grande galã do Oriente daqueles tempos! – Adma contava gesticulando – Diretor queria cena de beijo, ele queria cena e eu morrendo de medo de ter que beijar uma boca tão fedida! – olhava para os demais – No final de tudo, na hora do beijo ensaiei um desmaio e fingi que perdeu sentidos. – lembrava-se do ocorrido – E diretor acreditou e gostou tanto que decidiu mudar tudo: -- fez um suspense – trocou beijo por desmaio e ficou como se a minha personagem fosse tão apaixonada, mas tão apaixonada, que a contato com homem amado fez ela desmaiar! – riu brevemente

 

--Que irado, vó! – Stefany ouvia atentamente – Lacrou! – bateu palmas – Foda, cara!

 

--Olha palavreado, menina! – ralhou

 

Zaida riu e ficou reparando a alegria da paciente. “Nunca vi dona Adma contando uma história tão animada como tá fazendo agora!” – pensou satisfeita

 

--Ei, eu vivi uma coisa do tipo, tá ligada? – Wanderlya foi logo dizendo – Por 20 anos fui atriz de novela, cinema e teatro, -- gesticulava – e fiz papel de mocinha! – olhava para todos – Teve um galã que tinha um bafo tão de onça, uma catinga tão fedida e um chulé tão parmezão que eu desmaiei de verdade e fiquei 20 dias num CTI! – gesticulou – Pior que o diretor se amarrou e a cena rodou até a minha entrada no hospital!

 

--E que filme foi esse, criatura? – Jorel perguntou achando graça – Nunca te vi na TV!

 

--Aí, maluca, tu é muito figura! – a jovem comentou rindo

 

--Olha, eu já fiz as contas e só de serviço você tem quase 200 anos, Wanderleya! – Zaida comentou divertida

 

--É mesmo?! – a cuidadora perguntou espantada – Meu Deus, o tempo passa que a gente nem sente! – todos riram

 

--Daqui a pouco Wanderleya diz que também fala árabe por 20 anos! – Adma brincou

 

--Isso eu não sei! – admitiu – Mas presto uma atenção que é uma beleza!

 

--Dona Adma, por que a senhora não ensina árabe pra Stefany? – Zaida propôs – Aí a gente aproveita e tira uma casquinha pra aprender também! – olhou para a jovem – Já pensou você falando e escrevendo em árabe? Vai tirar a maior onda com todo mundo! – incentivava – E quantos influencers falam árabe, hein? Na facul duvido que alguém saiba!

 

--Pô, aí, é uma, tá ligado? – gostou da ideia – Me ensina, vó? – pediu – Ó, eu tô fazendo umas legendas super iradas pros seus filmes e vou postar tudo no meu canal! Vai hitar!

 

--Dona Adma podia ensinar a gente a dançar uma dancinha do ventre! – Wanderleya propôs ao se levantar – Eu levo o maior jeito! – começou a dançar desengonçada

 

--Ah! – a idosa riu – A dança eu não sei, mas o ventre você já tem de sobra! – provocou

 

--Dança comigo, Jorel, quero ver! – provocou – Cadê teu molejo?

 

--Olha que eu danço! – entrou na brincadeira e começou a se requebrar de qualquer jeito

 

--Puta que pariu! – Stefany ria dos dançarinos

 

--Olha palavreado! – Adma ralhou de novo – E vocês dança sem música? Eu vou cantar!

 

--Isso, dona Adma, canta! – Zaida se empolgou – E aí até eu danço! – levantou-se – E você, Stefany, não vem? – provocou – Nesse feriadão de Corpus Christi tá valendo tudo! -- brincou

 

--Demorou! – levantou-se também – Canta aí, vó! – pediu

 

Respirou fundo e começou a cantarolar: -- Sawti huwa al-naghma al-wahīda allatī tuharriku qalbaka lil-raqs (Minha voz é a única melodia que faz seu coração dançar)...

 

Nesse momento Yesmin abriu a porta da sala de Adma, que estava sem o trinco. Havia acabado de chegar de viagem e decidiu ir direto do aeroporto para a casa da mãe. Sentia-se estranhamente confusa e não quis ir para seu apartamento por imaginar que o encontraria vazio.

 

“Mas que barulheira é essa aqui?” – pensou estranhando – “É maama quem está cantando?” – chocou-se

 

-- Indamā yaṣmut sawtī, taghdu ʿuyūnuka malīʾa bil-ḥuzn (Quando minha voz silencia, seus olhos se enchem de tristeza)... – a idosa se empolgava lentamente

 

A CEO parou na porta do quarto da mãe e mais se chocou com o que viu: Adma sentada, cantando e se requebrando com os olhos fechados, Jorel e Wanderleya dançando em dupla e Stefany e Zaida tentando fazer a mesma coreografia de uma dança do ventre.

 

Jorel deu um rodopio de efeito e se assustou ao dar de cara com a chefa. – Dona Yesmin?! – quase prestou continência – Oi!

 

--Você não deveria estar aqui, não é, Jorel? – olhava para o homem de cara feia

 

Todos silenciaram ao mesmo tempo, assim como as danças foram interrompidas.

 

--Eu convida ele pro casa meu! Foi por isso que ele veio! – Adma esclareceu de imediato

 

--E você não deveria estar na faculdade a essa hora, Stefany? – olhou para a filha – “Mas o que diabos ela faz aqui?” – não entendia

 

--Hoje sextou no embalo do feriadão, Yes me! – respondeu desafiadora – Facul enforcou, tá ligada?

 

--Eu... – Jorel não sabia o que fazer – Espero lá embaixo! – saiu quase corrido

 

--E eu vou preparar o lanchinho da dona Adma! – Wanderleya decidiu – Vamo nessa, colega? – chamou Zaida com um gesto de cabeça e seguiu para a cozinha

 

“Mais uma cuidadora nova!” – a engenheira reparava na outra – “Da onde me tiraram essa mulher imensa?” -- pensava

 

--Vamos. –  Zaida concordou – “Ela chega e o clima muda, é incrível!” – pensou contrariada ao seguir a colega

 

--Você voltou de viagem direto pra cá? Por quê? – Adma perguntou olhando para Yesmin

 

Ficou triste por se sentir rejeitada, mas não transpareceu. – A senhora nunca tá satisfeita, não é, maama? – cruzou os braços – Se eu não viesse reclamava!

 

--Quase nunca você lembra que tem maama! – acusou -- Não me diga que veio pra cá pra demitir Zaida?? – lembrava-se do ocorrido na última visita da filha

 

--Demitir a Zai?? – Stefany se revoltou – No way! Nem fudendo!

 

--Olha palavreado, menina! – a idosa novamente ralhou

 

“Zai??” – não gostou daquela intimidade – Eu vim ver a senhora, mas já que não sou bem-vinda vou embora! – olhou para a filha – E você vem comigo! – ordenou

 

A jovem revirou os olhos, mas não retrucou. – Té mais, vó! – foi até a idosa e se abaixou para beijar a testa dela – Fui!

 

--Rahimaka Allah! (Deus te abençoe!) – beijou a cabeça da jovem

 

Yesmin assistiu à cena estupefata. “Stefany nunca me trata com esse carinho!” – pensou enciumada – “Nem maama é amorosa assim comigo...” – passou a mão nos cabelos – Outro dia eu volto com mais calma. – limitou-se a soprar um beijinho para a mãe – Até mais!

 

--Até. – Adma respondeu simplesmente

 

Stefany saiu do quarto da avó e a mãe seguiu atrás dela.

 

--Zai, Leya, fui! – a jovem se despediu falando alto ao abrir a porta da sala

 

A CEO apenas observou sem entender o que havia acontecido durante sua ausência.

Fim do capítulo