--Agora nós vamos conversar! – Yesmin falou assim que entraram no apartamento – Posso saber o que a senhora fazia na casa da sua avó com Jorel à tiracolo? – largou a mala no meio da sala e esperou resposta – Ele não é seu amiguinho, Stefany! – olhava para a filha – Assim como Zaida e a outra que você chamou de Leya também não são!

 

--Visitar minha vó agora é proibido? Qual é, Yes me, vai cancelar a gente? – respondeu atrevida com as mãos na cintura – E a letra no caso do Jorel já te foi passada! Não tem mais o que falar, tá ligada?

 

Riu por achar absurdo. – Qual é o plano, hein? – aproximou-se da filha e cruzou os braços – Por que você cismou e do nada aportou na casa da sua avó? – queria entender – A falta de assunto pra entreter os followers tava tão grande que você decidiu lembrar que ela existe? – provocou

 

Parou diante da mãe e respondeu olhando para ela: -- Seguinte, eu vou te mandar a real qual foi. – decidiu contar toda verdade – Falta de internet toda hora, eu ficava lendo todos os comments que geral me mandava. Também tava sem assunto pra causar, né? Tinha que ver o que dava pra fazer! – gesticulava -- Aí achei um comment falando que minha vó foi uma artista internacional e o caralh* a quatro. – lembrava – Aí na Páscoa meu pai foi pra casa do tio Rubens e eu meti o pé pra ver qual era a da minha vó. Era o jeito que eu tinha pra ver se dava pra fazer uns posts fodásticos. – justificou-se -- Tô de castigo, né, você me cortou a porr* toda! – falava como quem diz o óbvio – Mas a real é que a coroa, Zai e Leya são do caralh* e hoje em dia eu curto muito ir lá! -- admitiu

 

Surpreendeu-se com o relato. – E quem te mandou essa postagem falando da carreira da sua avó? – não fazia ideia

 

--Zai! – respondeu de pronto – E ela me passou a lista completa das músicas, dos filmes... – enumerava nos dedos – Tô até fazendo umas legendas iradas pra traduzir os filmes. Maior superprodução minha com o FalaGPiTaco! – afirmou orgulhosa

 

“Sempre Zaida!” – pensou contrariada – E daí, por causa de tudo isso, agora você morre de amores até pelas cuidadoras da maama? – perguntou ironicamente – Aliás eu vou ligar pra agência porque toda hora é uma cuidadora nova e eu nunca tinha visto aquela tal de Leya na minha vida!

 

--A Leya é a coringa que a coroa mais gostou quando uma cuidadora aí quase cantou pra subir. – contava a história – Aí como cê tava fora, eu liguei pra agência e mandei que minha vó queria a maluca e aí formou. Na tua ausência, a palavra é a minha, tá ligada?

 

--Como é??? – perguntou indignada – Como assim, na minha ausência a palavra é a sua?? – riu novamente do absurdo – Eu vou ter uma conversinha muito séria com essa agência! – andou em círculos pela sala – Como vou ter uma conversinha muito séria com dona Zaida, que tá se metendo demais na vida da nossa família!

 

--Família, que família?? – riu também – A gente não tem família! – falou em tom mais alto – Você nunca me deixou ter uma! – acusou

 

--O que?? – perguntou indignada ao parar de andar

 

--Cê nunca me deixou nem saber quem minha vó era! – acusou novamente – A última vez que me levou pra ver ela eu tinha dez anos, porr*! – repetiu o que ouvira de Adma – A gente é artista, é tudo a ver! – gesticulava -- E você caga muito pra cima das cuidadoras, mas elas gostam da minha avó! Elas curtem a coroa e o clima lá é super de boas! – gesticulava – Você, a CEO fodona, é cheia de lacaio, de seguidor, de bajulador, mas nenhum deles gosta de você, nenhum! – pausou brevemente – Sobra só o FalaGPiTaco! Vai que ele te curte? – falava com ironia

 

Yesmin ficou sem palavras.

 

--Agora dá licença que eu vou tomar banho e usar o celular porque daqui a pouco fico na pista! – lembrava ironicamente – É o meu castigo! – deu as costas para a mãe e saiu da sala

 

Lágrimas brotaram nos olhos da CEO, mas ela não se permitiu chorar. “Essa maldita Zaida tá jogando minha família contra mim!” – concluiu – “Primeiro foi maama e agora minha própria filha!” – voltou para junto da mala – “Mas eu vou dar uma basta nisso! Ah, se vou!” – seguiu para seu quarto

 

***

 

--E aí agora Stefany e a avó se tornaram as melhores amiguinhas, assim, do nada! Best friends forever and ever! – Yesmin falava enquanto andava de um lado para o outro no quarto – Zaida provocou um reencontro entre as duas e deve ter convencido nossa filha de que ela é artista, porque agora ela acredita nisso! – contava – Sabia que quando cheguei na casa da maama tava todo mundo na maior farra? – olhou rapidamente para o marido – Até Jorel tava lá no meio delas, dançando feito um odalisco desconjuntado com uma cuidadora gigante! – lembrava-se da cena – Eu vou colocar o Jordão pra ser a sombra de Stefany de agora em diante, porque ele não é nada simpático! – decidiu – Olha, Stefany chegou a ponto de até mesmo tomar decisões junto à agência de home care na minha ausência! – afirmou com o dedo em riste – E ainda foi embora se despedindo toda fofinha: -- preparou-se para imitar a filha – “Zai, Leya, fui!” – fez um bico – Palhaçada!

 

Rogério se ajeitou na cama e começou a falar com tranquilidade: – Vamos avaliar essa situação com a devida atenção, meu bem. – reparava nas atitudes da esposa – Você saiu de casa nas vésperas da Páscoa e voltou em pleno feriado de Corpus Christi; são simplesmente dois meses inteiros fora. Dá tempo de acontecer muita coisa! – cruzou as pernas – Stefany deve mesmo se identificar mais com dona Adma do que com você, porque afinal de contas minha sogra foi uma grande estrela e, como tal, deve ter feito loucuras. – concluiu – Certamente sua trajetória de engenheira prodígio e CEO de sucesso é bem menos interessante pra ela.

 

--Humpf! – continuava andando em círculos pelo quarto

 

--E uma vez de castigo, ela não teve programas interessantes pra fazer. Praia toda hora também cansa e acaba perdendo a graça. – continuava seu raciocínio -- Ir na casa da avó pra descobrir novidades da vida de uma estrela do passado é bem mais bacana pra postar pros seguidores acompanharem. Creio até que renda muitos likes. – gesticulou – Você acabou criando as circunstâncias ideais pra essa aproximação, no que a tal Zaida soube aproveitar com maestria. – balançou a cabeça positivamente – Aliás, essa mulher é muito inteligente! – elogiou – Ela sabe lidar com pessoas e conquistar a confiança delas. – reconheceu – Em pouco tempo conseguiu com sua mãe e filha o que você não conseguiu em anos.

 

--Ah! – exclamou indignada – Não me diga que até você caiu nos encantos dessa maldita cuidadora?? – cruzou os braços e parou de frente para o marido

 

Achou graça e se levantou da cama. – Eu nem a conheço, querida. – parou diante da mulher – E o que eu disse não é um sinal de paixão. – olhava atentamente para a CEO – Mas é nítido que toda a sua implicância com ela advém de um imenso desconforto causado por um sentimento sub-reptício de baixa auto autoestima! – afirmou tacitamente – Ela pode ser pobre, sem graça, tosca ou seja lá o adjetivo que você dê, mas parece capaz de conquistar coisas que você não consegue. – examinava a esposa – E o que é pior: sem se curvar ou demonstrar qualquer medo de você!

 

--Ora, Rogério, me poupe, viu? – fez um gesto de desprezo e continuou a andar em círculos – Zaida me irrita porque se mete demais na vida da gente! – justificou-se

 

Discordava daquela interpretação. – Acho que você é a primeira mulher que conheço que se desagrada em ver a filha sendo amiga da própria avó. – encaminhou-se para o banheiro da suíte – Como seu marido não é adequado tê-la como minha paciente, mas posso indicar um colega. – abriu uma gaveta e tirou um aparelho de barbear – Você precisa urgentemente saber lidar com certas questões que o passado deixou como marcas na sua psique.

 

--Pois sim! – retrucou de imediato – O que eu preciso urgentemente fazer é ter uma conversinha com aquela cuidadora metida a santa! – resmungou para si mesma – E vai ser no próximo plantão dela! – decidiu – Sapatãozinha nojenta!

 

***

 

--My people, galera de responsa, vocês que tão acompanhando o meu canal, vivendo comigo essa minha fase de reconectar com as raízes, tão segurando a ansiedade até agora pra ver o que eu prometi, mas hoje vão ter uma surpresa do caralh*! – Stefany gravava um vídeo dentro de seu quarto – Liberadaço, sem cortes, com direito a legenda e o caralh* a quatro, o filme: -- preparou-se para pronunciar -- Wakr Al Ashrar! Curtiram meu árabe? Ainda vou aprender essa porr*! – riu brevemente – É nesse filme que rola a cena mais fodástica interpretada pela minha vó Adma, numa dança do ventre que não é pras fracas! – destacou – Foi daí que rolaram vários prêmios e um convite pra fazer bonito em Hollywood. – olhava para a câmera do celular – Conforme eu for fazendo as legendas dos filmes com meu compa FalaGPiTaco, vou soltando pra vocês assistirem, valeu? – piscou – Curtam o filme e até mais! Kisses! – despediu-se

 

--Eu não tô levando fé nessa conversa de Stefany cult, querendo se reconectar com as raízes, esse amor todo pela vó artista! – Luiza falava sozinha após assistir a postagem – E agora ela acha que é artista, fala sério! Artista da putaria, só se for! – riu brevemente – Aquela maldita deve tá é de castigo por causa da merd* que arrumou com a hacker baranguda! – concluiu – Aí, na falta do que postar, me inventou essa!

 

Luiza se encontrava em Londres, fazendo intercâmbio conforme sugerira sua mãe.

 

--Depois daquela porr* toda, geral foi se afastando. – resmungava sozinha – Até a Tati foi pro Chile e nunca mais falou comigo. – examinava o Fuçagram de Stefany – E essa vadia aqui nem se lembra mais que eu existo! – falava com mágoa – Cachorra!

***

 

Nazira e Malika estavam na cozinha. Preparavam as coisas para fazer uma sopa no jantar.

 

--Os joguinhos que vêm de graça no celular são muito limitados, sabe? – Nazira falava enquanto descascava legumes – Hoje em dia os bons jogos vêm tudo assim, como uma assinatura, sabe? E com um bom celular nem precisa de vídeo game, basta ele e uma televisão. – olhou de relance para a idosa – A pessoa paga um valor simbólico a cada mês e...

 

--Nem adianta vir com essa conversa fiada pra cima de mim! – a mulher mais velha interrompeu a fala da outra – Eu nunca banquei esses troços de vídeo game nem pra minha filha quando era criança, faz ideia pra uma cavalona de quase trinta que nem você! – separava uma panela – Quem tem seus vícios de jogo que sustente! – abriu a geladeira – Inventou de ser jogadora? Então banque!

 

“Que dureza!” – suspirou entristecida – “Como eu vou ter papo com o nerd se só consigo jogar coisinha sem graça?” – pensava

 

Lembrar de Zaida fez com que Malika sentisse um súbito mal-estar. Encaminhou-se para perto da mesa com o coração acelerado. – Nazira... – falou em voz mais baixa – Eu tô me sentindo estranha... – tentou puxar a cadeira para se sentar, mas não conseguiu

 

--Não é vício, dona Malika, é que uns joguinhos distraem a mente, né? – não ouviu o que a idosa havia acabado de falar – De repente até a senhora pode gostar! – insistia – Tem uns que são bem legais e...

 

--Zaida... – Malika perdeu os sentidos e se agarrou na toalha da mesa antes de desmaiar fazendo barulho

 

--Meu Deus! – Nazira percebeu o que aconteceu e correu para perto da outra – Dona Malika, o que aconteceu? – ajoelhou-se junto a ela – Ai, meu Deus, e agora? – percebeu que a mulher estava desacordada – Eu preciso de ajuda! – levantou-se apavorada – Socorro! – correu para a porta da sala e a abriu – SOCORRO, SOCORRO! – começou a gritar desesperada – DONA MALIKA DESMAIOU, SOCORRO!!! – não sabia o que fazer – SOCORROOOO!!! – berrou ensandecida no corredor do prédio – SOCORROOOO!!!

 

De repente, um homem desce as escadas correndo e se aproxima dela. – O que foi? – perguntou preocupado – Quem desmaiou, o que tá acontecendo?

 

“Ai, meu Pai, é o nerd!” – congelou – Eu, eu... – estava nervosa – Dona Malika, a idosa dona dessa casa! – tremia – Ela desmaiou e eu...

 

--Vamos chamar uma ambulância e levá-la pro hospital! – sacou o celular – Cadê ela? – discou um número

 

--Na cozinha! – tentava se controlar

 

--Então vamos agir! – correu para a cozinha – Alô? Por favor, precisamos de uma ambulância agora!

 

--Gente, que homem! – Nazira suspirou embevecida – Meu herói! – sorria como boba

 

--Ô, moça, vem aqui? – Nazário chamava de dentro de casa – A gente precisa pegar os documentos dela pra levar pro hospital!

 

--Claro, claro! – endireitou os seios por baixo da roupa – Lá vou eu! – entrou em casa pulando como coelha

 

***

 

Zaida surpreendeu-se ao acordar e ver que sua esposa já estava toda pronta para sair de casa. – O que aconteceu? – estranhou – Pra onde você vai tão cedo? – levantou-se da cama

 

--Hoje tenho uma ruma de limpeza pra fazer! – mentia – O dia vai ser cheio e eu já tô atrasada! – mexia na bolsa tiracolo

 

--Ah... – abriu o armário e foi pegando suas coisas – E acabou que até hoje a gente não teve tempo de conversar sobre aquela discussão daquele dia. – comentou – Eu não gosto quando a gente briga... me faz muito mal!

 

--Já passou. – aproximou-se da esposa e a beijou brevemente nos lábios – Te amo! – declarou-se – Até mais! – despediu-se e seguiu para a sala

 

--Até... – suspirou

 

Zaida cuidou da higiene e tomou seu café da manhã. Terminou de arrumar suas coisas e estava prestes a sair quando ouve um barulho incomum nos fundos da casa. – Mas o que...? – sentiu medo e seguiu para a cozinha – Meu Deus! – percebeu uma estranha movimentação do lado de fora

 

Sem que esperasse, quatro homens armados invadem a casa após arrombar a porta da cozinha.

 

--Tava de saída, moça? – um deles perguntou debochado

 

--Pois tu fica! – outro apontou o fuzil na direção dela – E fica quietinha senão te mando pra vala! – ameaçou

 

Sentiu o coração disparar. – Eu não vou pra lugar nenhum. – respondeu humildemente – Só me deixem avisar no meu trabalho, por favor! – pediu de cabeça baixa

 

--Procura um canto pra esconder as arma! – um dos homens ordenou aos outros três – E tu trabalha em que? – reparava em Zaida

 

--Eu sou cuidadora reserva de uma clínica de neurorreabilitação. – mentiu – O senhor deixa eu passar uma mensagem pra dizer que não vou poder ir hoje?

 

Não entendeu que trabalho seria aquele e pensou antes de responder. – Tá, passa e me dá o celular. – ordenou – Vai ser tua última do dia! – encarava a mulher

 

--Tudo bem. – pegou o celular e começou a digitar rapidamente – “Meu Senhor, por favor, fazei com que esses homens não me façam nenhum mal e nem destruam nossa casa.” – terminou de digitar e entregou o telefone ao traficante – “E proteja minha Vivi, eu Lhe imploro!” – orava mentalmente

 

Alheia ao que se passava, Vivinácia seguia rapidamente em direção ao ponto de ônibus. “Madame Vivi tá com a agenda cheia hoje!” – pensava satisfeita – “Mas entre uma coisa e outra, tenho que fazer uma visita!” – planejava – “De hoje não passa!”

 

***

 

--Você deve de tá estranhando de me ver aqui, afinal de contas a gente não se conhece. – Vivinácia dizia – Mas conheço a senhora sua mãe. – olhava para a outra – Ela deve ter te falado de mim. – pausou brevemente – Madame Vivi. – apresentou-se

 

--A cigana caipira que conseguiu que eu fosse transferida pra cá. – Fernanda reparava na diarista – O que foi? Quer que eu te agradeça? – perguntou debochada – Sinto muito, mas não acredito em nada disso! – afirmou com desprezo – Você deve conhecer pessoas e o que conseguiu foi a minha transferência e olhe lá!

 

As duas mulheres conversavam no pátio do presídio. Era dia e horário de visita às detentas.

 

--Não tão simples assim, uai! – respondeu com tranquilidade – Mas tudo bem. Não te culpo por desacreditar. – pausou brevemente – Eu não vim buscando nada. Só queria te conhecer porquê... – pensava em como falar – Quando soube do seu caso pela imprensa, não quis dar atenção, -- gesticulou brevemente – mas quando sua mãe me procurou... tão humilde, tão sofrida... aquilo me tocou profundamente... – dizia a verdade – E eu nunca pedi um centavo a ela, teje certa disso! – garantiu – Juro que fiz tudo que pude pra te ajudar...—olhava para a hacker – Mas é um tanto de trem muito acima de mim e do que eu possa fazer... – balançou a cabeça brevemente – Se eu pudesse, te tirava daqui! Mas não posso...

 

Fernanda não deu uma palavra.

 

--Eu queria que você soubesse que não tá esquecido! – garantiu – E se acontecer alguma coisa que me permita te ajudar, eu vou ajudar! – calou-se por uns instantes – Daqui a pouco dona Ana vem te ver. – viu as horas pelo celular – Deixe eu ir pra não atrapalhar a visita dela, não sabe? – levantou-se – Você não tá sozinha! – afirmou com ênfase – Inté! – despediu-se e se preparou para sair

 

--Por quê? – a hacker perguntou sem entender

 

--Porque eu me identifico com você! – respondeu de pronto – Você fez o que fez pelo mesmo motivo que eu sou madame Vivi! – olhava nos olhos – Você fez o que fez porque não aguentava mais ser pobre, não aguentava mais ralar que nem uma condenada trabalhando pruma gente que olha pra nós com desprezo, pra ganhar uma ninharia em troca! – falava com certa emoção – Você usou dos conhecimento com computador pra mudar de vida! E eu uso de outros conhecimento pra acertar a minha!

 

Fernanda derramou uma lágrima sofrida. – Então se prepare, madame! – respondeu mal contendo a mágoa – Porque um dia é você que vai tá num lugar como esse!

 

Vivinácia estranhou o que ouviu, nada respondeu e partiu.

 

***

 

--Relax, vó, vai dar tudo certo, tá ligada? – Stefany tentava tranquilizar a idosa – Suave, suave!

 

--Suave o que, menina? – Adma protestou nervosamente – Zaida só deu notícia de manhã cedo e até agora nada! – estava preocupada – Eu não sei, o povo de agência só disse que ela escreveu: “Não poderei trabalhar hoje, situação de perigo!” – repetiu o que ouviu – Eu acho que tem a ver com traficante!

 

--Pode ser mesmo! – a cuidadora coringa se manifestou – Tá a maior guerra lá pelas bandas onde ela mora! – contava – E quando os home cisma de invadir uma casa... só Jesus na causa! – suspirou – Há cinco anos atrás, quando eu morava em Vila Kennedy, eles se apropriaram da minha casa e eu tive que sair com uma mão na frente e outra atrás!

 

Stefany ficou pasma ao ouvir.

 

--Vamos pensar positivo! – Wanderleya pediu – Se for isso mesmo, que Deus toque o coração deles e eles vão embora da casa dela sem fazer nenhum mal a nossa amiga! – desejou – Daqui a pouco ela entra em contato pra dizer que tá tudo bem!

 

--Eu tô nervosa! – Adma não conseguia se acalmar – Quero remédio de ansiedade! – pediu

 

--Vou pegar! – Wanderleya se prontificou

 

--É muito surreal umas parada dessa! – a jovem pensava em voz alta – A pessoa é pobre, rala trampando e ainda pode perder tudo na mão de traficante, cara! – não se conformava – É foda, puta merd*!

 

--Olha palavreado! – Adma ralhou

 

As horas se passaram e o plantão de Wanderleya chegou ao fim sem que recebessem notícias de Zaida. Stefany foi embora pouco antes das 20h e partiu preocupada com a cuidadora. Patrícia chegou e ficou apreensiva com a situação, mas evitou transparecer para não deixar a paciente mais tensa do que já estava. Adma passara o dia todo se sentindo mal por conta de seu estado de tensão. Yesmin chegou na casa da mãe e se surpreendeu ao vê-la deitada na cama enquanto Patrícia aferia sua pressão.

 

--Boa noite. – cumprimentou desconfiada – Mais uma cuidadora diferente abriu a porta pra mim e pediu licença pra fazer um chazinho de erva-doce. – olhava para as mulheres – O que foi, maama? – estranhava tudo – Zaida não veio trabalhar? O que houve?

 

--Nós desconfia que traficantes invadiram a casa dela! – a idosa foi logo dizendo – Essa falta de notícia deixa eu nervosa! – reclamou

 

--Adalgiza é a coringa que a agência mandou pra cobrir a Zaida, dona Yesmin. – Patrícia falou preocupada – A pressão da dona Adma não tá baixando! – advertiu – Tá em 18 por 10 desde cedo, segundo Wanderleya me passou!

 

--E vocês tão esperando o que pra levar ela prum hospital, hein? – a CEO perguntou revoltada – Francamente, vocês parecem que não raciocinam! – falava de cara feia – Tratem de prepará-la porque vamos buscar atendimento agora! – ordenou

 

--Eu não quero ir pra hospital! – Adma protestou – Eu quero notícia de Zaida! – pirraçou que nem criança

 

Deu um suspiro profundo. – Cuide da senhora primeiro! Zaida vem depois! – olhou para Patrícia – Chame sua colega e prepare maama agora! – ordenou mais uma vez – Vamos prum hospital e isso não está sob discussão!

 

--Giza! – Patrícia chamou – Esquece o chá de erva-doce e vem me ajudar aqui, por favor! – pediu

 

Yesmin sacou o celular e ligou para o cardiologista da família. “Vou pedir pro doutor Evaristo receber maama no hospital!” – pensou enquanto aguardava ser atendida – “É, Zaida, parece que não será hoje que teremos aquela conversa!” – constatou contrariada

 

***

 

Eram quatro horas da manhã quando os traficantes deixaram a casa de Zaida. Após viver um dia inteiro de tensão, a cuidadora pode respirar aliviada quando o chefe do grupo recebeu uma mensagem pelo celular e chamou para irem embora. Os homens levaram vários pertences do casal e, para alívio de Zaida, também partiram com suas armas. Por alguma razão desistiram de deixá-las escondidas por lá. O celular da cuidadora fora esquecido no chão da sala; talvez por ser de um modelo bem mais simples que os aparelhos que os bandidos ostentavam.

 

Sentada na poltrona, a cuidadora pensava em tudo que havia acontecido e agradecia a Deus por ter escapado ilesa. Mas também não lhe passava despercebido que Vivinácia não dormira em casa e até aquela hora não havia voltado.

 

“Das duas uma: ou ela tem outra ou vem me enganando esse tempo todo e ganhando dinheiro como madame Vivi!” – pensava – “Algo me diz que é a segunda opção!” – deu um suspiro profundo – Vou ficar aqui até você chegar, Vivinácia Soares Silva! – falava sozinha – E aí a gente vai esclarecer essa situação de uma vez por todas!

 

 

 

Fim do capítulo