Brasília, Distrito Federal

 

Intrigado com os acontecimentos recentes, o agente que investigava a traição ao governo Montanauro avaliava as últimas informações que conseguiu coletar.

 

--O brigadeiro morre vítima de uma tentativa de assalto à residência e na mesma noite um assessor do Gabinete morre num acidente de carro... – pensava em voz alta – O laudo mostra que o assessor apresentava um ferimento como se tivesse sido golpeado nas costas. E havia um taco de golfe largado no quarto do brigadeiro... – mirou um ponto no infinito – É coerente aceitar a narrativa de que foi um mero acidente de direção? É coerente aceitar a narrativa da tentativa de assalto? – cruzou os braços – O assessor era um Justiceiro e ninguém sabia disso... e ele estava a par das minhas investigações. Será que desejava se vingar do brigadeiro? – especulou -- A assessora Maria Clara e o marido fogem do país no mesmo dia em que o deputado José Minho depôs na CPI da CONVIDE. Declaração de culpa ou medo de retaliações? – considerava – Se a tenente coronel for a traidora, ela foi ajudada pelo brigadeiro, que tinha muitos contatos capazes de protegê-la e de incriminar os Justiceiros no lugar dela. Maria Clara reagiu fugindo, o assessor reagiu querendo vingança. – buscava unir as peças do quebra-cabeças – A tenente coronel deve ter se envolvido com Castrodeza e a abandonou. Em retaliação, a mulher decidiu denunciá-la pela traição que praticava e enviou documentos evidenciando essa traição. O envio não se completou porque Castrodeza adoeceu e morreu. – debruçou-se sobre a mesa – A pergunta que fica é: porque uma militar de direita, com o histórico da tenente coronel, trairia o governo pra favorecer a esquerda? O que ela buscava? – pensava no caso – As militantes Jurema Pataxó e Yara Saraíba foram as maiores denunciadoras dos escândalos do governo. Claro que seriam as pessoas ideais pra receber as informações vazadas, mas ambas são lésbicas... Será que isso tem alguma coisa a ver? Será que...? – pegou o notebook e ligou – Vamos pesquisar a vida dessas mulheres! – decidiu

 

***

 

Elza estava reunida junto aos integrantes do Gabinete do Ministério da Defesa. Preparava-se para fazer o seu discurso de despedida.

 

--Eu gostaria de agradecer pelas homenagens prestadas ao brigadeiro Goulart durante seu enterro e também agradecer por todas as manifestações de pêsames que recebi. – olhava para os demais – Não reparem no meu aspecto abatido, mas ainda não consegui dormir desde que soube de tudo e nisso lá se vão seis dias... – pausou brevemente – Então eu pedi esta reunião com os senhores para tecer algumas considerações, mas saliento que não me demorarei muito.

 

--Esse Gabinete tá precisando de um descarrego! – um auxiliar falou em voz baixa para o assessor principal – Descobrimos uma traidora, um assessor morre num acidente, o brigadeiro que trabalhou como assistente da tenente coronel é assassinado em casa... o que mais falta?

 

--Não pergunte que a resposta pode vir! – o assessor respondeu em voz igualmente baixa

 

Enquanto isso, o agente se encaminhava para a sala onde o grupo se reunia portando consigo um relatório onde apresentava Elza como traidora. Trazia uma versão impressa e outra eletrônica salva em um pen drive.

 

--Os fatos recentes que aconteceram envolvendo pessoas deste grupo foram muito marcantes e tiveram reflexos sobre mim. – Elza dizia – Especialmente a morte do brigadeiro, o qual carinhosamente eu chamava de tio Goulart. – pausou brevemente -- Ele foi como um segundo pai para mim durante toda minha vida até então.

 

O agente entrou na sala e se encaminhou até o assessor principal. – Precisamos conversar agora urgentemente! – afirmou com discrição – Tenho aqui comigo...

 

--Depois que a tenente coronel terminar, por favor! – o homem interrompeu a fala do outro de cara feia

 

O agente não gostou da resposta mas se calou. “Quero só ver a reação dele depois que eu mostrar a fotografia que encontrei!” – pensou contrafeito – “A tenente coronel num assentamento indígena amazonense ao lado da militante comunista Yara Saraíba!” – olhou na direção de Elza – “Quero ver o que ela dirá pra se contrapor ao relatório que preparei!” – sorriu discretamente

 

--Quando me dispus a integrar esta equipe junto com os senhores, o que eu mais desejava era fazer o meu melhor pelo Brasil! – Elza afirmou com muita verdade – Porque na minha vida inteira só vi corrupção, coronelato, oportunismo e crueldade por parte dos sucessivos governos! Sim, porque é crueldade tirar de um povo onde temos tanta gente que sente falta do mínimo! Tanta gente que não tem acesso à água tratada, à serviços de saneamento básico, que não tem o que comer, que não tem onde morar! – desabafava – Tanta gente vai nascer e morrer sem saber o que é ter o mero direito de existir respeitado! – emocionou-se – Eu lhes dou minha palavra que fiz o que pude pra que mudanças positivas viessem em favor da população desse país! Eu lhes dou minha palavra que quando na minha formatura como oficial da Aeronáutica jurei defender o Brasil mesmo que com o sacrifício da própria vida, estava dizendo a verdade! Dediquei todo o melhor da minha força e inteligência para servir à pátria e isso não é uma coisa qualquer para mim! – respirou fundo para se recompor – Só que, depois de tudo... não consigo mais. Eu não tenho mais condições de trabalhar junto ao governo. – pausou brevemente – Informo aos senhores que hoje de manhã entreguei ao Comando meu pedido de desligamento deste Gabinete.

 

--Oh, mas que pena! – o assessor principal lamentou

 

O agente olhou para o homem sem nada comentar. Pensava em tudo que ouvia.

 

--Eu me coloquei à disposição do Comando da Aeronáutica e viajo amanhã para São José dos Campos com meus familiares que vieram aqui para o enterro do brigadeiro Goulart. – a militar informou – Não sei se de fato serei transferida para lá, mas é o lugar onde preciso estar agora. – deu um sorriso triste – Obrigado por me ouvirem e obrigado por tudo! – encerrava sua fala

 

Os presentes aplaudiram a mulher e muitos foram cumprimentá-la.

 

--Pronto, agora o senhor pode me falar. – o assessor principal olhou para o agente – E, por favor, seja breve! -- pediu – Gostaria de me despedir da tenente coronel.

 

--O que eu queria lhe dizer é que... – olhou rapidamente na direção de Elza – O assessor Martins era um Justiceiro disfarçado e infiltrado no Gabinete. – contou parte da verdade – Era a segunda pessoa que nos traía junto com a assessora Maria Clara. – mentiu

 

--Meu Deus! – arregalou os olhos – Então... foi ele quem recebeu a primeira parte das denúncias vindas dos Estados Unidos! – concluiu erradamente

 

--Exato! – o agente continuava mentindo – A morte dele, na verdade, foi um alívio para nós! – pausou brevemente – Pode informar ao clã do governo que agora o Gabinete está limpo de traidores! Não há mais o que investigar. – olhava para o outro – Mais tarde envio meu relatório.

 

--Fico no aguardo. – balançou a cabeça – Agora com licença, pois desejo cumprimentar a tenente coronel. – fez um gesto de cabeça e se afastou

 

“Vou queimar esse relatório e deletar todos os arquivos que tenho.” – o agente pensou – “Ela não mentiu em nada!” – olhou novamente para Elza – “Fez o que deveria ter sido feito!” – considerou – “Farei um relatório que ponha um ponto final em definitivo nessa história!" -- decidiu

 

 

São Paulo, estado de São Paulo

 

Elza e Yara conversavam em um quarto de hotel na capital do estado. Haviam armado todo um esquema para se encontrar às escondidas. Dezembro de 2021 contava seus últimos dias.

 

--A polícia concluiu que foi uma tentativa de assalto à domicílio que terminou mal porque tio Goulart reagiu. – a militar contava para a amada -- Ele deve ter ouvido o barulho do ladrão entrando pela cozinha, arrumou as cobertas de um jeito que parecia haver alguém deitado e quando o ladrão entrou no quarto, deu uma cacetada nele com o taco de golfe. – narrava o que ouviu – Aí tentou sair de casa pra buscar ajuda mas foi detido pelo bandido que o esganou. – pausou brevemente – E pensar que conversamos naquela noite, me ofereci pra ir pra lá e ele não quis... – lamentou

 

--Foi melhor assim, minha linda! – beijou a cabeça da negra – Se você estivesse lá, podia ter sido estuprada e morta! – considerou – Seu tio te livrou do pior, mesmo sem saber!

 

--Por duas vezes salvando minha pele... – sorriu pensativa – Primeiro pra me tirar da mira dos espiões do governo e depois pra me livrar de uma tentativa de assalto tão brutal... – aconchegou-se nos braços da namorada

 

--E... – pensava em como perguntar – Você acredita nessa versão da invasão de domicílio ou...? – não completou a frase

 

--Acredito. – brincava com o pingente do cordão da indígena – Tio Goulart não trabalhava mais comigo desde que foi internado e tudo que fez pra me salvar teve ajuda dos contatos dele. – levantou a cabeça para olhar para Yara – Os Justiceiros não podiam saber que ele tava por trás de tudo, porque todo tempo trabalhou nos bastidores. E o vigilante da noite confessou que várias invasões já haviam acontecido ali. Até a administradora do condomínio assumiu isso e disse que mantinha o silêncio pra evitar o pânico entre os moradores.

 

--O caso virou notícia e apareceu na televisão. Umas autoridades da Aeronáutica se pronunciaram, o Gabinete onde vocês trabalharam emitiu uma nota de pesar, moradores do condomínio do seu tio fizeram um protesto... – Yara contou – Dona Kedima me chamou, fui correndo pra ver e fiquei pensando em como você deveria estar. – beijou-a – Fiquei agoniada, doida pra te acolher, pra te dar um colo... mas tinha que esperar o momento certo pra isso.

 

--E tudo que eu queria era me refugiar em você... – beijou-a – Mas, infelizmente, era pra esperar o momento certo, né? – abaixou o olhar – Fui informada oficiosamente por Luiza que o diretor do Instituto não conseguiu me puxar pra lá... – afirmou com tristeza – E pelo que parece, vão me transferir pro Amazonas. Só não sei pra qual cidade.

 

--O que?? – perguntou surpreendida – Mas por que isso? – não entendia – O que tem a ver você no Amazonas?

 

--Provavelmente alguma retaliação por eu ter deixado o Gabinete. – concluiu – O assessor principal me disse que o clã não gosta quando as pessoas deixam o governo porque muita gente já saiu e a oposição usa isso pra criticar.

 

--Humpf! – a professora fez um bico – E por que será que as pessoas deixam esse governo ridículo, hein? – perguntou ironicamente – Bando de canalhas! – reclamou – Mas... – segurou o rosto da amante com as duas mãos -- Diz pra mim, linda, como você tá se sentindo agora depois de tudo isso? – queria saber

 

Deu um suspiro profundo. – Cansada, triste e desiludida. – desvencilhou-se gentilmente e se levantou – Fico até me perguntando... valeu a pena tudo isso? – caminhou até a janela e cruzou os braços olhando para fora

 

A indígena se levantou também. – Tudo isso o que, meu bem? – perguntou gentilmente – Diz pra mim tudo que tá te castigando?

 

--Dediquei a minha vida a servir a pátria. Primeiro através do esforço em prol do desenvolvimento tecnológico e depois decidida a desmascarar um governo que é o pior da história. – pausou brevemente – E aí me pergunto: pra que? – virou-se de frente para a amada – Olha a minha vida como está! – abriu os braços brevemente – Vou morar num estado onde conheço ninguém, trabalhando com coisas totalmente diferentes do que estudei por tantos anos... – balançou a cabeça contrariada – Longe da minha família... – lamentou – Sabe... só pude conhecer a filha da Fernandão quando voltei pra São José e ainda nem pude ver o filho da Alê... tudo porque a gente precisava manter o teatro de que estávamos brigadas! – riu brevemente – E nós, Yara? – riu mais uma vez – Até pra gente se encontrar é uma operação de guerra e eu ainda vou pra mais longe de você! – constatou – Quase caí numa síndrome do pânico quando começou aquela história de traição no Gabinete e “os senhores estão sendo investigados”, “vamos descobrir quem é”... – gesticulava – Depois me consumi em agonia ao saber que uma pessoa levou a culpa por mim! – pensava na assessora – E quando esse inferno termina, tio Goulart foi morto... – os olhos marejaram -- Eu queria tanto voltar no tempo e aterrissar em 1995 naquela chopada onde nos conhecemos! – desejou – Então ao invés de puxar briga com você, eu te pegaria pela mão, iria prum lugar mais reservado e pediria: me liberta? – derramou uma lágrima – Me faz ter coragem de ser quem eu sou em qualquer lugar e na frente de todos? Me faz ter orgulho de ser uma mulher negra e lésbica? – tentava controlar as emoções – E então te levaria pra minha casa e te apresentaria como minha namorada pra todo mundo, sem me importar com nada mais! – derramou mais lágrimas – Porque se eu tivesse feito isso, tudo seria muito diferente e a gente nunca iria ter terminado por causa da Castrodeza e certamente o tio Goulart ainda estaria vivo! – passou as mãos nos olhos – Mas eu fiz tudo errado e pra que? Achei que salvaria a pátria com esse plano de bancar a infiltrada mas pra que?? – questionava-se – Só consegui dor e sofrimento pra todo mundo!

 

Aproximou-se da outra e tocou o rosto dela com carinho. – Fizemos o que podíamos fazer no nosso tempo de amadurecimento. – olhava para ela – Na época daquela chopada, eu também não estaria pronta! – confessou – Não se arrependa pelo que fez, não se lamente, porque apesar do preço ter sido alto, você conseguiu grandes feitos! – tentava convencê-la – Desmascarou os podres desse governo que viviam trancados a sete chaves e com isso muita gente se desiludiu, se decepcionou e não vai mais votar em Montanauro no ano que vem! – sorriu – E graças a pressão de tudo isso, da pressão de vários segmentos da sociedade e da sua articulação interna, o governo teve que montar um esquema de vacinação! Veja quantos ganhos, meu amor!

 

--Eu não sei... – suspirou – Você também não se questiona, não se arrepende? – gesticulou -- Olha sua vida, Yara! Você mora num abrigo, nunca teve uma residência, trabalha como louca, é militante, já foi presa, baleada, sofreu atentado... isso vale a pena? – provocou – Eu preferiria uma vida normal! – derramou outra lágrima – E que nosso relacionamento pudesse acontecer tão naturalmente quanto o de Fernandão e Alana!

 

Suspirou também. – É claro que eu me questiono sobre as coisas. É claro que eu me canso e sofro... Por muitas vezes chorei sozinha ou no colo de dona Kedima me perguntando: “pra que tudo isso”? – admitiu – Eu nunca nem soube o que é ter uma vida normal! – riu de si mesma -- A cada vitória que conquistamos, sofremos mais de mil derrotas! E isso me dói, eu assumo! – olhava para a amada -- Porém, pensa por outro lado! – secou os olhos da outra com os dedos – Olha pra você: mulher, negra, filha de uma empregada doméstica, lésbica e apesar do sistema não ser democrático, você conseguiu ser engenheira da USP, doutora e tenente coronel da Aeronáutica! – afirmou enfática – Olha pra mim: mulher, indígena, sobrevivente de um genocídio, lésbica e professora universitária, doutora! – gesticulou – Não há espaço pra que todos conquistem isso e nós conseguimos! Agora me diga quantas mulheres tiveram que lutar no passado pra que hoje nós pudéssemos estar onde estamos? Quantas tiveram que morrer pra que nós tivéssemos o direito de estudar e de ocupar espaços tradicionalmente monopolizados por homens brancos e de classe média alta? – sorriu novamente – Entende isso, Elza? – questionou – Você vai trabalhar no Amazonas e vai fazer o melhor que puder pro bem daquela região! Eles te mandaram pra longe de casa como punição, mas você vai tratar como um desafio! – falava com convicção -- Renata contou que a mãe dela disse uma coisa bem interessante. – lembrava da fala da loura -- Há lutas que nós escolhemos e outras que nos escolhem! – olhava nos olhos – Eu não sei porque, mas essa luta nos escolheu e se chegamos até aqui, inteiras e juntas, vamos continuar pra além de hoje, inteiras e juntas!

 

A militar lançou-se nos braços da outra e a apertou com força. – Fica comigo pra sempre? – pediu como criança – Pode ser?

 

Retribuiu o abraço com a mesma intensidade. – Enquanto Deus me permitir, estarei sempre com você! – prometeu – Unidas pelo pensamento e pelo coração, não importa onde estejamos!

 

--Eu te amo! – derramou uma lágrima

 

--Também te amo! – emocionou-se – Muito, muito, muito...

 

 

Goiânia, estado de Goiás

 

Jurema passava a véspera do réveillon sozinha na sede do Comuna. Organizava algumas coisas enquanto cantava a música que colocou para tocar em seu celular.

 

--“Isso não é uma disputa, eu não quero te provocar, descobri faz um ano e tô te procurando pra dizer: hoje a farsa vai acabar!” – gesticulava para ninguém

 

Renata subia as escadas ouvindo o canto da indígena. Conseguiu entrar sem ser notada por ela porque chegou exatamente na hora em que o vigia estava indo embora.

 

--"Hoje não tem hora de ir embora, hoje ela vai ficar,” – continuava cantando enquanto jogava uns papéis na lixeira – “no momento deve estar feliz e achando que ganhou; não perdi nada, acabei de me livrar!”

 

Renata se encostou no portal e cruzou os braços admirando.

 

--"Com certeza ela vai atrás, mas com outra intenção, tá sem casa, sem rumo e você é a única opção,” – não se dava conta de que era observada – “e agora será que aguenta a barra sozinha? Se sabia de tudo, se vira, a culpa não é minha!” – caminhou até a mesa e levou um susto – Ui, o que faz aqui? – olhou espantada para a loura

 

--Por enquanto tava só admirando. – respondeu sorridente – Cê canta bem! – elogiou

 

A indígena ficou sem graça. – Pensei que tava sozinha... – desviou o olhar

 

“O seu prêmio que não vale nada, estou te entregando,

Pus as malas lá fora e ele ainda saiu chorando...”

 

--Você cantava essa música pensando em alguém? – decidiu perguntar – Yara? -- arriscou

 

“Essa competição por amor só serviu pra me machucar,

Tá na sua mão, você agora vai cuidar,

De um traidor,

Me faça esse favor...”

 

--Yara e eu não tivemos mais que alguns beijos roubados por mim. – respondeu com a verdade – Não pensava em ninguém. Eu apenas gosto dessa cantora e lamento muito que ela tenha morrido.

 

“Iê, infiel,

Eu quero ver você morar num motel,

Estou te expulsando do meu coração,

Assuma as consequências dessa traição...”

 

--Também gostava. Especialmente porque ela não se rendeu à sedução do fascismo. – aproximou-se da outra – Mas você cantava com tanto sentimento, que... eu achei que alguma infiel havia te machucado o coração. – olhava nos olhos

 

“Iê, iê, iê, infiel,

Agora ela vai fazer o meu papel

Daqui um tempo você vai se acostumar

E aí vai ser a ela quem vai enganar

Você não vai mudar...”

 

--Não. – cruzou os braços – Meus relacionamentos não deram certo porque é difícil pras mulheres não militantes se envolverem com alguém assim.

 

--Então o que te faltava era exatamente isso: uma militante! – Renata afirmou com decisão

 

Jurema nada respondeu.

 

“O seu prêmio que não vale nada, estou te entregando

Pus as malas lá fora e ele ainda saiu chorando...”

 

--E por que você tá aqui em plena véspera do réveillon? – a ex deputada continuava perguntando – Não é atitude de alguém que não esteja triste. – concluiu

 

--Você faz perguntas demais, dona Renata. – reparava na outra – E também não deveria estar aqui em plena véspera de réveillon! – provocou

 

“Essa competição por amor só serviu pra me machucar,

Tá na sua mão, você agora vai cuidar

De um traidor, me faça esse favor...”

 

--Vim por sua causa! – confessou – Felizmente fiquei sabendo que te encontraria aqui e vim! – aproximou-se um pouco mais

 

Alternava o olhar entre olhos e lábios da loura. – Conheço a sua fama, Renata! E sei que você gosta de tentar seduzir as presidentes do Partido! – provocou – Não serei uma segunda Vilma na sua vida! – afirmou com decisão

 

“Iê, infiel,

Eu quero ver você morar num motel

Estou te expulsando do meu coração

Assuma as consequências dessa traição...”

 

--Aquela Renata interesseira e canalha aprendeu a lição! – dizia a verdade – Fui infiel, pior que o cara dessa música, mas esse tempo passou! – tocou o rosto de Jurema delicadamente – Antes eu queria todas as mulheres! Agora quero uma só! – beijou-a com paixão

 

--Acho bom! – interrompeu o beijo bruscamente – Porque eu aceito dividir tudo; menos mulher!

 

--Não vai ter que fazer isso! – segurou o rosto da indígena com as duas mãos e a beijou novamente

 

“Iê, iê, iê, infiel,

Agora ela vai fazer o meu papel,

Daqui um tempo você vai se acostumar,

E aí vai ser a ela quem vai enganar,

Você não vai mudar...”

 

Ao final do beijo, Jurema repentinamente arremessou Renata sobre a mesa mais próxima e pulou em cima dela.

 

--Minha nossa! – a loura arregalou os olhos – Você tem pegada! – sorriu excitada

 

--Você ainda não viu nada! – deitou-se sobre a loura e a beijou com desejo

 

“Iê, infiel,

Agora ela vai fazer o meu papel,

Daqui um tempo você vai se acostumar,

E aí vai ser a ela quem vai enganar,

Você não vai mudar,

Iê, infiel...”

 

Perdendo-se em um gostoso amasso, Renata pensava extasiada: “Essa mulher era tudo que eu queria!” – beijavam-se e despiam-se com fúria – “Militante, honesta, forte, gostosa e um vulcão!”

 

“Iê, infiel...”

Marília Mendonça – Infiel [1]

 

 

São José dos Campos, estado de São Paulo

 

--E acabou que eles mandaram Elzinha pro Amazonas! – Fernandão conversava em voz baixa com Machado – Ao invés de deixar ela voltar pra cá, mandaram a coitada pra longe, numa cidade em que ela não tem ninguém! – falava de cara feia – Tudo bem, Manaus é uma capital, a base é da hora, mas, poxa, o lugar dela é aqui! Já não bastava a sacanagem da transferência pra Brasília? –reclamou

 

--Garbosa, apesar de ver meu empoderado rebento negro voando para cada vez mais longe do aeroporto paterno, respiro aliviado! – olhava para a mulher – Antes vê-la sobrevoando por novos ares, a ouvir que descobriram o que ela fez! Sabe Deus o desiderato que a aguardaria! – considerou – Basta a dor da perda do prestimoso em uma tentativa de assalto tão covarde!

 

--Isso é... – concordou – Às vezes me pego pensando se foi mesmo uma tentativa de assalto, mas não quero me consumir em especulações. – olhou rapidamente para a esposa e Malu – Pelo menos pudemos desfazer aquele teatro de estarmos brigadas. – falou em tom ainda mais baixo – Era a pior parte do plano pra mim!

 

--Posto as mãos aos Céus pelo findar de tal plano! – o sub desabafou – E cruzo todos os dedos deste corpo varonil militar para que Montanauro saia derrotado ao final do pleito eleitoral deste ano!

 

--Amém! – benzeu-se

 

--Ela é tão espertinha, né? – Malu olhava para criança em seu colo – Quando que você vai ver uma prótese pra perninha dela?

 

--Deixa ela crescer um pouco mais, tia. – Alana respondeu olhando para a filha – Por ora, o trabalho a ser feito com ela não requer uma prótese. – beijou a cabeça da menina

 

--Você viu que tá tendo uma variante nova da CONVIDE no Brasil? – Malu perguntou preocupada – Aumentou o número de casos de pessoas contaminadas e enquanto isso o presidente se pronuncia contra a vacinação das crianças! – fez um bico

 

--Tô doida pra outubro chegar e essa peste sair do poder! – Alana desejou – Pior que ainda faltam nove meses! – reclamou de cara feia – Haja coração!

 

--E estômago! – Malu complementou ao beijar a cabeça da menina

 

 

Goiânia, estado de Goiás

 

--Ela já se acomodou na cidade e tá morando num bairro bem massa onde fica a vila militar. – Yara contava à idosa – De lá pra base aérea de Manaus são só 15 minutos de carro. – repetia o que ouviu – Parece que aquela base tem uma função estratégica na defesa da Amazônia e abriga até atividades do Exército e da Polícia Federal. – contava – Eu falei pra ela que embora o trabalho seja bem diferente daquilo que ela fazia em São José, deve dar pra adaptar alguma coisa pra melhorar a proteção daquela região tão atacada, especialmente nesse governo! – gesticulou – Com certeza, vai ser muito melhor pra ela do que era no Gabinete!

 

--E ela há de saber o que fazer e vai ajudar a Aeronáutica a proteger nossa floresta e nossos índios! – Kedima considerou – Não sei, mas minha intuição me diz que ela vai ser feliz por lá. – olhava para a indígena – E você, que teve orientadora da Federal de Manaus metendo o bedelho na sua tese, bem que podia cavar uma transferência pra trabalhar lá. – aconselhou

 

“Bem que eu queria...” – pensou – Essas coisas não são assim, dona Kedima. E eu não posso deixar a senhora aqui, sem assistência certa. Nesse abrigo tem muita gente, mas quase ninguém com responsabilidade. Além do mais, nunca se sabe quem vai ficar e quem vai embora. – segurou a mão da idosa – E nesse ano a senhora vai fazer 100 anos! – sorriu – Não se deixa uma velhinha centenária solta por aí sem rumo! -- brincou

 

--Não se prenda mais por mim. – sorriu também – Eu não quero ser uma prisão na sua vida.

 

--Mas a senhora não é! – retrucou de pronto – Nunca foi! Eu fico aqui porque quero ficar! – dizia a verdade

 

--Eu sei, filha... – tocou o rosto da indígena – Mas agora que temos Renata e ela tá levando tudo aqui muito à sério, você pode começar a finalmente pensar na sua vida ao invés de se prender por mim. – falava com carinho – Eu não tenho mais muitos anos de vida pela frente. Não espere eu morrer pra poder cuidar do que é seu! – aconselhou

 

--Oxe, mas que conversa de morte! – bateu três vezes no móvel de madeira – Vamos falar em vida! – desejava mudar de assunto – Sua festa de aniversário! – sorriu

 

--Humpf! – fez um bico – Deixe de peitica e cuide da vida, viu? – deu um beijo na testa da outra e se levantou devagarinho – Vou no banheiro. – anunciou – E vou sozinha porque vem chumbo grosso por aí!

 

Yara entendeu e achou graça. – Qualquer coisa, me chame! – acompanhou a idosa com o olhar – “Acho que tá mais que na hora de ter uma conversa com Renata!” -- decidiu

 

***

 

--Será que dá pra gente conversar um pouquinho? – Yara se encostou no portal do quarto em que a loura residia – Tô vendo que suas colegas não tão no quarto, mas seria melhor lá no quintal. – falava com seriedade

 

--Claro. – levantou-se da cama – Tava lendo as notícias pelo celular. – guardou o aparelho no bolso – Vamo lá. – fez um gesto de cabeça e começaram a andar

 

Enquanto desciam as escadas a loura comentou: -- Viu que tão rolando uns rumores que Giacomin vai se filiar a um partido de esquerda? – olhou rapidamente para a indígena – Eu acho que ele vai entrar como o vice do Luiz Horácio. – concluiu – Se for isso mesmo é ótimo, porque muita gente em São Paulo gosta do cara!

 

--Eu acho uma lástima que a opção da esquerda seja Luiz Horácio. – respondeu de pronto – Mais lástima ainda com Giacomin como vice. – chegaram na sala – Mas pra Montanauro sair, voto em qualquer um que possa tirar ele da presidência. – caminharam em direção à porta

 

Achou graça. – Você nunca desce da Sierra Maestra, né? – provocou – Enquanto a revolução não acontece, se é que um dia vai acontecer, a opção é trabalhar com a esquerda que a gente tem, Yara!

 

A indígena não respondeu e saiu da casa. – Vamos sentar ali? – apontou para o pequizeiro

 

--Vamo lá. – Renata concordou

 

***

 

--Eu tô a fim de ajudar nos preparativos da festa de 100 anos da dona Kedima! – Renata dizia empolgada – Tudo bem que ainda não terminamos de consertar o abrigo, mas ninguém vai morrer se a gente der uma moral caprichada pra ela, né? – gesticulou – Dona Kedima merece! Ela é muito da hora!

 

--E justamente sobre ela e o abrigo que temos que conversar! – a indígena olhava para a outra – Dona Kedima tá confiando em você. Tá levando a maior fé que você tá se dedicando ao abrigo. – prestava atenção nas reações – Não vai dar rata e nem vai saltar do barco sem mais nem menos! – advertiu – Sua vida aqui é difícil e você teve acesso a muita coisa boa. Então pensa bem e seja muito honesta pra ver até onde e quando você aguenta! – falava com seriedade

 

--Tu é encanada comigo, né, porr*? – perguntou chateada – Eu tô levando a sério e não tô pensando em pular fora! – dizia a verdade – Tu administrou isso aqui por todos esses anos junto com dona Kedima, eu sei, mas tô querendo ajudar! Tô querendo levar a proposta do Ibtisaama adiante, como um objetivo de vida! – garantiu – A menos que... teja rolando um ciúme, claro! – ironizou sorrindo

 

Riu brevemente. – Pense o que quiser! Meu ponto é que você se comporte com decência! – advertiu seriamente mais uma vez

 

--Relaxa! – respondeu de pronto – Eu tô séria!

 

--E outra coisa, a última advertência: -- continuava reparando na loura – tô sabendo que você e Jurema tão juntas e ela é como se fosse uma irmã pra mim. – pausou brevemente – Não sacaneia ela! – olhava nos olhos – Dona Kedima e Jurema são duas pessoas que eu não admito que ninguém prejudique, entendeu?

 

Deu um suspiro profundo. – Tô com a Jurema como nunca tive com mulher nenhuma! – garantiu – Eu não tô mais pra mulherada e sacanagem, Yara! Tô pra viver uma parada sólida agora!

 

--Que bom! – sorriu ao se levantar – Porque se você fizer mal a qualquer uma delas, vai conhecer uma Yara que ninguém conhece e você não tá preparada pra isso! – ameaçou – Pode levar fé! – piscou para a outra e se afastou

 

--Yara querendo meter banca comigo, é mole? – achou graça – Mas tá bom, ela vai ver. – acompanhou a indígena com o olhar – E ainda vai me pedir desculpas por ter me julgado tão mal! – sentiu o celular vibrar e o tirou do bolso – Ih, é a gata mandando mensagem! – sorriu e foi ler – Tava pensando em você, gostosa. – gravou um áudio – Vamos sair amanhã? – propôs e esperou resposta – Ela quer... – suspirou apaixonada

 

 

Manaus, estado do Amazonas

 

Elza e o comandante da base aérea conversavam na sala do homem.

 

--Eu fiz questão de ter esta conversa com a senhora porque estou a par dos vários predicados que enriquecem o seu currículo. – o coronel falava educadamente – Não pudemos conversar anteriormente pois meu tempo é bastante tomado. – justificou-se -- Porém, antes de mais nada, meus pêsames pelo brigadeiro Goulart.

 

--Obrigado, senhor. – agradeceu formalmente

 

--Também devo dizer que estranhei sua transferência pra cá. – olhava para a mulher – Na minha visão, seu lugar era de volta ao Instituto, mas devemos seguir o que a hierarquia nos ordena. – considerou – O que me importa, no entanto, é que a senhora não veja sua nova alocação como um castigo! Essa base é muito estratégica e meus subordinados são profissionais de primeira linha! – afirmou enfático

 

--Estou vendo como um desafio, já que nunca servi em outra Organização Militar diferente do Instituto e sou novata no que diz respeito a uma base aérea. – respondeu de pronto – Eu me coloco humildemente à disposição para aprender sobre a base e servir aqui da melhor maneira, senhor. – afirmou respeitosamente – E, se me permite, gostaria de um momento na sua agenda para apresentar minha proposta para melhorarmos ainda mais o trabalho que fazemos aqui em prol da região amazônica! Algumas inovações tecnológicas e novas abordagens podem nos ajudar.

 

--Muito bom saber disso! E esse momento para nos reunirmos certamente virá. – concordou – Prepare uma apresentação sucinta e vamos discutir com os demais oficiais aviadores. – ordenou – Conforme for, vamos ao Comando.

 

Elza concordou e assentiu com um gesto de cabeça.

 

***

 

--Gente, eu tô adorando ter vocês aqui! – Elza afirmava sorridente – Ainda mais com essas duas fofurinhas pra eu curtir muito! – divertia-se com Juliana e Emmanuel em seu colo – Coisa linda, meu Deus! – beijava os dois

 

--Até que você leva jeito com criança, dona tenente coronel! – Alessandra afirmou bem humorada – Tudo bem que sentada no sofá é mole segurar dois, mas reconheço que tá fazendo bonito! – brincou

 

--Eles são muito lindos! – continuava embevecida com os pequenos – Olha só, vocês precisam se acomodar, viu? – voltou a prestar atenção nos adultos – Eu deixei tudo arrumado, então papai e Malu ficam no meu quarto, Fernandão, Alana e Juju pegam o quarto do lado e Alê, Jonas e Emmanuel ficam com aquele quarto ali! – indicou com o rosto

 

--Não vos lobrigueis, empoderado rebento! – Machado respondeu – Porém, pergunto-vos: onde pousará vosso corpo feminil? – os demais também queriam saber

 

--Fico aqui na sala, nesse sofá cama. – respondeu simplesmente

 

--De forma alguma! – o pai objetou – Como provedor originário dos cromossomos que animam tal corpo negro de mulher, eu mesmo deitar-me-ei neste sofá e vós podereis dividir o quarto com vossa madrasta! – Malu concordou

 

--Se quiser eu durmo aqui na sala, Elzinha! – Fernandão se ofereceu – Não era ideia te deixar desalojada!

 

--Com certeza não! – Alana comentou

 

--Ou pode dividir comigo, amiga! – Alessandra ofereceu – Ficamos você, eu e Emmanuel! Jonas que se lasque! – riu brevemente

 

--Por mim, durmo na sala de boas! – o homem concordava com a esposa

 

--Não, gente, por favor! – Elza objetou sorridente – Eu já havia preparado tudo e vocês ficam bonitinhos nos respectivos quartos! – olhava para os demais – Sem problema algum pra mim! – dizia a verdade – Vocês são minhas visitas e eu não sou uma anfitriã meia boca! – brincou

 

Juliana olhou para Fernandão e sorriu balançando os bracinhos.

 

--Querendo colo de mãe, bebê? – a sargento se aproximou para segurar a criança – Posso, Elzinha? – perguntou gentilmente

 

--Claro, você é mãe! – beijou a cabeça da menina antes de entregá-la – Fico aqui com Emmanuel, né, garotão? Né? – beijou a mãozinha dele

 

--Aliás, ele tá super à vontade contigo! – Jonas reparou – Não é comum que ele fique tanto tempo em outro colo que não seja o da Alê ou o meu! – olhou para esposa

 

--Eu não disse, amor, que tínhamos feito a escolha perfeita? – a mulher respondeu sorrindo

 

--Escolha de que? – a militar não entendeu

 

Alessandra e Jonas se entreolharam antes de responder.

 

--Meu cunhado vai ser o padrinho dele. – a engenheira afirmou – E você a madrinha!

 

Elza paralisou.

 

--A gente esperou pra batizar ele quando fosse perto do aniversário de um aninho... – Jonas continuava explicando – Daqui pra agosto dá tempo de você se esquematizar pros dois: aniversário e batizado. -- sorriu

 

--E nem ouse recusar, porque senão minha vingança será maligna! – Alessandra gesticulou – E ainda vou xingar muito! – ameaçou brincalhona

 

--Ouviu isso, pai? – Elza olhou para o homem emocionada – Eu vou ser madrinha! – os olhos marejaram – Eu vou ser madrinha dele! – novamente mirou o rosto do menino

 

--Partilho-vos a emoção, minha herdeira abençoada! – o militar respondeu orgulhoso – Quando a garbosa e sua esposa Alana convidaram minha Beleza Negra e eu para apadrinhar a doce Juju, minha reação varonil foi a emoção abundante!

 

--E abundou tanto que ficou desmaiado por mais de uma hora... – Alana cochichou para a esposa

 

--Fica quieta, garota! – advertiu com vontade de rir

 

 

Manaus, estado do Amazonas / São José dos Campos, estado de São Paulo

 

Elza e Luiza conversavam por chamada telefônica via aplicativo QQOV?.

 

--E as coisas por aí, como vão? – Luiza queria saber – Tá estranhando a cidade, o trabalho na base? Tem se sentido muito só?

 

--No começo estranhei sim, especialmente o clima. Só que a cidade é boa, a vila militar é bem localizada, tem casas grandes e a base é bem interessante e as pessoas são ótimas, graças a Deus! – dizia a verdade – No carnaval recebi a visita da minha família e da minha melhor amiga com o marido e o filhinho deles. Foi muito divertido e espantou a sensação de solidão. – Elza contava as novidades – Eles gostaram da cidade, da vila onde tô morando... quando foram embora é que deu um vazio... – pausou brevemente – Eu vou ser madrinha do filho dessa minha amiga, olha que responsabilidade!

 

--É mesmo! Ser madrinha é coisa muito séria... – concordou – Mas você tira de letra! – sorriu – Fico feliz que a visita do pessoal tenha te animado. Sei bem como é isso de chegar numa cidade sozinha, sem família, amigos nem nada! – gesticulou -- Quanto ao que diz respeito a trabalho, talvez você não fique muito tempo aí. Até foi por isso que te liguei. – pausou brevemente – O Paz vai à brigadeiro esse ano e ele tá cotado pra assumir a direção do Instituto, já que o diretor atual vai pra reserva daqui a pouco. – contava a novidade – Paz falou que se assumir mesmo essa posição, vai fazer de tudo pra te puxar de volta pra cá! – informou animada

 

--Jura? – perguntou empolgada – Nossa, seria um sonho poder voltar!

 

--E ao que tudo indica, ele vai ser o novo diretor! – Luiza reiterou – Vamos aguardar com os dedos cruzados!

 

--Se Deus quiser! – benzeu-se – Mas e você, major Luiza? Como vai? E as novidades? – perguntou interessada – Preocupada com essa guerra na Ucrânia?

 

--Preocupada a gente sempre fica, né, mas não quero ficar pensando nisso! – gesticulou – No mais, tô super feliz! – sorriu mais uma vez – Tô namorando uma capitão do Exército chamada Laura e você não vai adivinhar! Ela é a melhor amiga do Paz! Por isso que eu tô tão por dentro de tudo! – riu brevemente

 

Surpreendeu-se. – Nossa! – arregalou os olhos – Então... quer dizer que você se assumiu?

 

--Não coloquei a notícia no jornal mas não tô mais escondendo nada. – Luiza respondeu de pronto – E vou te contar: foi bem menos pior do que eu imaginava, apesar de algumas reações inconvenientes de quando em vez!

 

Elza ficou calada pensando na própria situação.

 

 

Santa Elena de Uairén, estado de Bolívar, Venezuela

 

--Aniversário de 22 anos em grande estilo! – a indígena falava olhando para a amada – Depois de tanto perrengue e consumição, eis que estamos aqui, em pleno platô do Monte Roraima, tomando banho numa piscininha natural repleta de cristais! – sorria

 

--Um verdadeiro banho de energia pra revigorar! – concordou sorrindo – Amor, essa sua ideia foi ótima! – destacou – E com a verdadeira aversão que o governo Montanauro tem pela Venezuela, com certeza aqui tem ninguém pra nos vigiar e dedurar!

 

--Aqui é só alegria! – brincou -- Um pacote só pra nós duas foi caro, mas tá valendo muito, muito a pena. – mergulhou rapidamente – E como sempre, a Natureza é gentil com a gente e em pleno mês de julho, tradicionalmente chuvoso por aqui, até agora não caiu nem uma gotinha sobre nós! – aproximou-se da namorada

 

--Eu amei a ideia e fazer esse tremendo trekking de seis dias tá me deixando super... – puxou a amada para junto de si e envolveu a cintura dela com as pernas -- Animada! – beijou-a

 

--É mesmo, linda? – beijou-a também – E animada pra que? – beijou-a mais uma vez ao abraçá-la – O que você quer fazer? – beijava e mordia o pescoço da negra

 

--Quando a caminhada acabar – puxou a indígena pelos cabelos da nuca -- e a gente voltar pra Boa Vista, – deslizava um dedo pelos lábios da outra -- cê vai ver que... mesmo 22 anos depois, eu ainda sei fazer você babar com tanta aleluia pra louvar! – falava sensualmente

 

--Ô, glória! – exclamou excitada

 

Riu brevemente. – Não disse? – beijou-a rapidamente, afastou-se e deu um mergulho – Agora vamos, amor! – levantou-se e caminhou para sair da piscina – A caminhada continua e o guia nos espera!

 

--Ela me atiça e depois faz isso... – suspirou – Ô, meu chicotinho de fogo, golpeia esse lombo curtido pelas sapecadas dessa vida! – falava consigo mesma

 

--Yara? – colocou as mãos na cintura sorridente – Vem? – chamou – Tem que se enxugar, trocar de roupa...

 

--Vou! – levantou-se também – Simbora se enxugar e caminhar!

 

--E a gente também tem muito o que conversar! – a militar afirmou enquanto se enxugava – Tenho alguns planos que quero dividir com você! – olhou rapidamente para a outra – Começa com uma forma de me permitir dar um beijinho em dona Kedima no aniversário dela e termina nos rumos que a gente vai dar à nossa relação! – enrolou-se na toalha e tirou a roupa de banho – Refleti muito sobre uma série de coisas e depois da notícia do assassinato daquele indigenista e do repórter russo num território indígena onde a pesca ilegal e o tráfico de drogas imperam, acho que firmei ainda mais as decisões que desejo tomar com você!

 

--Ah, é? – surpreendeu-se – Tá bom, a gente conversa. – concordou – “No que será que ela tá pensando?” – perguntou-se intrigada – Não sei, tenente coronel Elza Machado, -- enxugava-se -- mas acho que o bichinho da luta mordeu você! – brincou

 

--O bichinho não sei. – vestia a roupa de caminhada – Mas a bichinha da luta, uma índia safada que eu conheço, me mordeu e fez de tudo e mais um pouco comigo! – piscou para ela

 

--E tá doida pra fazer de novo! – aproximou-se ao se enrolar na toalha

 

--O guia pode ver! – limitou a proximidade entre elas colocando a mão direita no ombro da professora – Aqui não! – afastou-se e terminou de se vestir – Depois... – respondeu cheia de charme – Agora vai se arrumar, vai?

 

--Ô, glória... – suspirou conformada

 

 

Fim do capítulo