Um sorriso que salva
A chuva começou a cair enquanto bebíamos o primeiro gole da bebida colorida e com gosto adocicado. Estávamos no pequeno bar do hotel, quase vazio porque não tinha muitos hóspedes. Leonora estava leve e divertida, falando da própria vida com facilidade, inocente do cano da minha arma, quente nas minhas costas.
Eu tinha que matá-la, caso contrário não receberia a outra parcela do dinheiro. E eu precisava receber, porque caso contrário, era eu quem morreria em algumas semanas. Meu contratante estava me pagando um absurdo pela cabeça de Leonora, e era justamente o que eu precisava para operar da bola de ping pong na minha cabeça. Era a cabeça dela pela minha. Mas ela não sofreria como eu para morrer, bastaria uma única bala, e ela estaria morta antes do dia nascer.
―O que você faria se hoje fosse o seu último dia de vida? ― Ela me questionou de repente, eu a encarei, confusa com o assunto repentino, suas bochechas corando sutilmente. ― Fale a primeira coisa que vier a sua mente.
―Eu correria nua na chuva.
Ela começou a gargalhar, um riso alegre e descontraído.
―Você seria presa!
―Mas eu morreria de todo jeito, não é? Eu correria até morrer, sem qualquer roupa.
―Você está mentindo, você nunca faria isso.
―Não mesmo. ― Sorrio. ― O que você faria?
―Eu assistiria a vários filmes de terror, ou documentários bem macabros.
―Por que?
―Porque eu não precisaria me preocupar em dormir a noite. ― Ela riu, mais contida, olhando pensativa para o copo que segurava. ― Eu iria preferir morrer de dia. A noite é muito solitária e silenciosa.
―Você morrerá do mesmo jeito, que diferença iria fazer o horário?
―Não sei, eu estou acostumada com o movimento do dia. Acho que me confortaria morrer sabendo que não estou sozinha, mesmo que fosse no meio de várias pessoas desconhecidas.
―Você acha que morrerá cedo?
―Não. Eu ainda me vejo ficando velha com os meus gatos. Com alguém do meu lado, talvez. Eu odiaria envelhecer sem ninguém, talvez eu seja romântica. Ou talvez só tenha medo de ficar sozinha.
―É assustador ficar sozinha, não é? Podemos morrer a qualquer momento, e estaremos sozinhas do mesmo jeito.
―Não seja tão mórbida. Temos várias coisas para fazer, como correr peladas por aí.
Eu acabei rindo junto a ela, demorando-me naqueles lábios. O que eu estava fazendo ali? Por que meus olhos sempre acabavam na armadilha daquele sorriso?
Ela acabou tendo que atender uma ligação, voltando sua atenção para algum problema, em vista que tinha um vinco em sua testa que marcava sua preocupação.
―Droga, eu tenho que voltar para o meu apartamento. ― Ela me disse assim que desligou o celular. ― A luz acabou e a máquina que dá ração para os meus gatos está desligada há horas.
―Eles devem estar famintos. ― Comento, voltando a realidade de que deveria terminar com aquilo antes que fosse tarde demais. ― Posso te acompanhar até seu prédio? Não é bom andar sozinha essas horas. Ainda mais sem luz.
―E você será minha segurança agora? ― Ela sorriu.
―Algo assim. Melhor que ir sozinha.
―Está bem, eu moro aqui perto.
Nós dividimos a conta e fomos para a entrada do hotel, onde a chuva continuava caindo. Não tinha ninguém ali, nem câmeras, nem um gato passando fome. Eu tinha que terminar o serviço ali mesmo.
―Não vamos correr nuas, mas ainda está chovendo. ― Ela segurou minha mão e me puxou para frente, a chuva atingindo a nós duas. ― Está tão gelada!
―Você queria ficar molhada, agora é a sua chance.
Ela me olhou com um amplo sorriso, e ao invés de começarmos a andar em direção ao seu apartamento, ela se aproximou de mim. Eu estava perdida naquele sorriso, naqueles lábios, na sensação do seu corpo perto e no aperto de sua mão. Ela se inclinou e me beijou, ali mesmo. E eu não a impedi de continuar. Uma de nós morreria, que mal faria aproveitar aquele momento? Então prendi a mão no colarinho da sua jaqueta e a puxei para perto, sentindo sua língua quente movendo na minha com intensidade, com um desejo absurdo de não parar mais.
Seus dedos subiram pela minha nuca e deslizaram por baixo da minha touca, tirando-a enquanto pressionava em meu crânio, puxando-me para perto. Envolvi sua cintura e meus dedos tatearam curiosos a pele quente de suas costas, nossos corpos próximos, próximos demais. Eu queria mais, queria sentir toda a sua pele. Mas ela se afastou, quando a olhei havia aquele sorriso nos lábios, minha perdição, como se ela tivesse ganhado tudo de mim. Nós duas estávamos molhadas naquela altura, eu só não diria que era só por causa da chuva agora.
―Vem, meu apartamento é na próxima rua. ― Ela segurou minha mão de novo, avançando um passo, mas eu fiquei parada no lugar, nossos dedos ainda enlaçados. ― O que foi?
―Eu não posso.
―Precisa pegar algo em seu quarto?
―Não, eu tenho tudo o que preciso aqui.
Deslizei a outra mão por baixo da minha jaqueta moletom, então senti o cano da arma com as pontas dos dedos. Respirei fundo e a tirei debaixo da blusa, segurando-a ao lado do corpo sem tirar os olhos de Leonora. Seus olhos arregalaram com a visão do revólver, eu me afastei um passo e lentamente nossas mãos se separaram.
―Eu tenho que te matar, e você deveria correr.
―E por que não me matou antes? ― Antes do beijo, imaginei. ― Por que me avisar? Por que tem que me matar? O que eu te fiz?
―Nada, você não fez nada. Eu só preciso do dinheiro.
―Você pode ter mais que dinheiro, Alice.
―Não... posso.
―Você pode, e sei que quer. Ou não teria me avisado. ― Ela se aproximou e segurou meu rosto com cautela, erguendo-o para nos olharmos. ― Vamos para outro lugar. ― Ela sorriu, maldito sorriso que me fazia perder a razão. ― Deixa eu te provar que me quer viva.
Fim do capítulo
Olha eu aqui de novo :D
Fico feliz que tenham gostado da primeira parte, espero que gostem da continuação :)
Confesso que estou me divertido criando essa história hahahah não era meu plano ter continuação, mas vamos até o fim ;p
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Rosa Maria
Em: 21/06/2021
Alex...
Definitivamente ficou claro que um sorriso que salva ao menos por enquanto...que bom ter continuado
Beijo
Rosa
Resposta do autor:
Rosa!
Vamos ver até onde esse sorriso salva ahahaha
A continuação está a caminho :D
Beijos!
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kasvattaja Forty-Nine
Em: 20/06/2021
Olá! Tudo bem?
Como assim, ''não era meu plano ter continuação''? Está ótimo, o seu enredo. Faça as duas felizes.
É isso!
Post Scriptum:
''Aqueles que têm um grande autocontrole ou que estão totalmente absortos no trabalho falam pouco. Palavra e ação juntas não andam bem. Repare na natureza: trabalha continuamente, mas em silêncio. ''
Mohandas Karamchand 'Mahatma ' Gandhi,
Advogado.
Resposta do autor:
Olá!
Que bom que gostou :D
É que meu planejamento foi parar no primeiro conto e em cada semana desenvolver uma coisa ahahahah mas como péssima planejadora que sou, não deu certo e agora tenho história para as 4 semanas hehe
Gostei da citação :D
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