Capitulo 32
O ultimo mês do ano chegou com todo o frenesi que lhe caracteriza e nas vidas de Elena e Joy não foi diferente. Para a fotógrafa, os trabalhos não paravam e eram todos realizados com talento e profissionalismo. Já acusava algum cansaço, ainda mais que muitas vezes fazia viagens com itinerários malucos para poder dar vazão à demanda. Ela sempre brincava que estava no início e que precisava tirar leite de pedra. A verdade era que estava feliz e muito realizada com suas escolhas.
Elena estava igualmente cansada, para não dizer exausta, e essa era a única semelhança ao percurso de Joy. Dezembro sempre tinha muitos lançamentos na editora e todos os anos era uma altura de dedicação quase absoluta ao trabalho. Mas, nada mais fazia sentido. A editora chefe que também era a dona da empresa, tinha perdido completamente o bom senso. Tinha descaracterizado a linda editorial da editora e exigia que profissionais sérios, seguissem caminhos bastante duvidosos. Elena sentia-se exaurida. A relação que sempre fora muito diplomática tornara-se quase ditatorial. Sentia que o seu trabalho já não fazia sentido, pelo menos não na EWO. Sabia que mais cedo ou mais tarde teria de traçar novos rumos para a sua vida profissional. Quem sabe o novo ano que se avizinhava não seria o estopim da mudança...
*****
--Vais a Londres? Quando?
--Ainda não tenho a data certa, mas passo o Natal com a mãe. Temos duas apresentações na Irlanda e depois vou para casa. Vou descansar alguns dias no interior. Quero sossego e amor.
--Sossego? Tu?
Gargalhadas.
--As pessoas às vezes mudam. O ano foi bem agitado, trabalhei muito e ainda bem. Agora é tempo de descansar e recarregar as energias. Madia não diz nada muito concreto, mas sei que alguma coisa não está muito bem...
--Como assim?
--Não sei porque ela não fala. Sabes como ela é...
--Sei. Mania de nos proteger de tudo...
--Eu ainda fico pasmo com essa tua nova compreensão de quem é verdadeiramente a nossa mãe. Gosto muito disso. Sei que já disse, mas preciso repetir.
Risos.
--Precisei viver a cultura dela para entender muita coisa. Mas isso só foi possível porque eu não era mais aquela Joy. Precisei quebrar correntes para então abrir a cabeça e alcançar as nuances da minha mãe...
--Eu amo-te incondicionalmente, mas confesso que a Joy de Nova York é mais acessível. A melhor irmã que eu poderia ter.
--Abusado!
Gargalhadas.
--Estou a brincar, sabes que eu sou um privilegiado por ter essa família. De certa forma acabo por entender o pai. Hoje em dia eu já consigo entender que nada é tão linear. Ele teve o azar de gerar filhos que não cumpriram com as suas expectativas. Tu ainda tentaste, já eu...
--Demorei a ter coragem para viver as minhas escolhas. Quando tive...
--É...mas ele sente a tua falta. E não me refiro apenas na gestão dos negócios, mas ele sente falta da filha, das conversas, do vosso elo inequívoco.
Joy teve vontade de chorar, mas disfarçou. Também sentia saudades do pai, mas as tentativas de uma conversa civilizada sempre se revelaram frustradas. Já não tinha mais paciência para insistir...
--O que vais fazer na quadra festiva?
--Não sei...trabalhar?
--Ah, Joyanne, tenha juízo.
--Ah e tu agora tens moral para me repreender?
Gargalhadas.
--Vamos para casa? Um natal em família parece aliciante depois desses longos meses longe de casa.
--Natal em família? Lembras que nunca aparecias nas celebrações lá de casa?
--Eu era rebelde. Saiba que eu e Melina sempre nos divertíamos sozinhos...
--E achas que eu não sei? Mas estava preocupada demais com o sucesso na gestão das empresas da família para ter tempo para ciúme.
--E tu lá sabes o que é ciúme?
Risos.
--Vamos?
--Para onde?
--Casa!
--Não sei...
--Não foste a Ohio?
--Sim, e o que isso tem a ver com as festas em casa?
--Se a grega já te levou para conhecer a mãe, agora é a tua vez de retribuir.
Joy riu muito. De repente experimentou uma espécie de nervosismo.
--A relação delas é muito bonita. Cabe qualquer coisa...
--O que queres dizer com isso? Nem o tirano te olharia atravessado por levares uma namorada para o jantar de Natal. As questões dele são outras...
--Eu não sei se ela iria. Deve ter planos com a família...
--Já estás a considerar essa hipótese? Essa grega criou mesmo alicerces fortes no coração gelado da minha irmã.
--Idiota!
Gargalhadas.
--Eu adoraria ter-te ao meu lado em Londres. A Paloma já está com muitos planos para as nossas curtas férias e teu nome está em todos. Vamos celebrar o sucesso dos Collins pelo mundo.
--Eu te amo, maluco!
--E eu não tenho outra opção.
Risos.
--Já me roubaste muitos minutos. Preciso sair agora.
--Trabalho ou lazer? Nem sei que horas são agora em Nova York...
--Passa das oito da noite...
--Lazer...grega...acertei?
--Vá cuidar da tua vida e me deixe em paz.
Gargalhadas.
--Ah, sabes quem tem falado muito comigo?
--Hmmm?
--William. Acho que ele se descobriu verdadeiramente apaixonado pela minha irmã. Sinto que tarde demais...
--Muito tarde. Falamos algumas vezes, nas primeiras com muito ressentimento da parte dele, e ultimamente de forma mais cordial. Mas, meu caminho é outro e estou muito certa disso.
--E o pior é que ele conhece a tua convicção.
--Pois...a vida segue o seu rumo.
--Será que um dia eu vou alcançar essa tua serenidade?
--Qual serenidade? Tu não tens noção, garoto. Não tens noção.
Gargalhadas.
--Será que agora posso sair dessa chamada? Já estou cansada de olhar para a tua cara. Estás carente?
Risos.
--Não! Essa conversa toda era para te convencer a ir para Londres. Madia ficará feliz...pense nisso.
--Vou pensar. Mas já sabes que preciso equacionar muitas coisas. Já não sou mais a executiva sénior...
--Graças aos céus.
Risos.
*****
--Adorei o convite. Precisava mesmo de um momento assim.
--É com muita pena que vos deixo agora. O dever clama por mim, mas fiz questão de fazer uma pausa para preparar nosso almoço. - Ethan sorriu para Milanka.
--Eu quase obriguei essa criatura a fazer essa iguaria. - Confessou Milanka.
--Ah Ethan, conheço essa peça há bastante tempo e sei o quão persuasiva ela é.
Gargalhadas.
--Mas nesse caso, agradeço, pois pude degustar de um almoço memorável.
--Ela nem liga para a companhia.
Gargalhadas.
--A verdade era que precisava desse escape para não enlouquecer.
--Meu bem, nós trabalhamos num hospício que vende a imagem de um sonho.
Risos.
--Não poderias descrever melhor...
--Quanto a isso, já sabes a minha opinião.
--Sei...obrigada. - Milanka piscou para o namorado que beijou-lhe uma das mãos.
--Preciso mesmo sair. Peço desculpas, Elena. Jantámos um dia desses num restaurante novo com excelente critica, assim que essa senhorita puder sair sem gem*r de dor a cada solavanco do carro.
--Exagerado!
Milanka sorriu enquanto era beijada pelo namorado. Ele saiu do ambiente onde tinham almoçado e ela continuou com o mesmo sorriso no rosto.
--Hmmm?
--Tens noção?
--De quê?
--Da mudança gigantesca na tua vida...para muito melhor.
--Eu sei. Ás vezes ainda me assusto, mas é tão bom...
--Sinceramente eu não acreditava que ainda pudesse existir homens assim...
--Troia, ainda é apenas uma ideia, mas acho que vou abrir mão do meu trabalho como freelancer da EWO.
--Eu não te censuro...- Disse desanimada.
--Ah, antes que eu me esqueça, enviaste por engano alguns ficheiros para mim...
--Sim?
--Material para trabalho de marketing. Deves ter agido no automático.
--Com certeza. Deve ter sido ontem à noite que trabalhei até tarde de casa.
--Isso mesmo! Recebi os ficheiros à noite.
--Estava cansada e troquei os emails. Se bem que eu sempre recorro a ti, és a melhor naquele departamento. Mas estás de licença e eu doida. Ah Milanka...
--As coisas pioraram...
--Completamente! Agora sou babá de uma influencer que a Brigitte quer catapultar para a fama como escritora bestseller. É cada uma...estou esgotada.
Milanka riu até doer-lhe as costelas.
--Há um tempo que ela segue por esse caminho...
--Milanka, não tenho nada contra esse nicho, mas não é o nosso.
--Claro que não, mas a Brigitte coloca seus interesses obscuros à frente de qualquer coisa. Aquela mulher é uma ninfomaníaca, completamente sem limites.
--E eu nunca vi nada disso? - Perguntou incrédula.
--Existe uma vertente séria na EWO e até bem pouco tempo as decisões eram tomadas pelo marido da doida.
--Não tenho mais tesão para chegar lá e querer conquistar o mundo, ser uma excelente editora, a preferida dos melhores escritores. Cansei!
--Sabes o que eu penso sobre isso...
--E tu também sabes que sou muito lenta para tomar decisões.
--Não se martirize, Troia. Saberás quando chegar o limite...
--Sabes o que é pior, Milanka? O desânimo no trabalho está a contaminar as restantes áreas da minha vida.
--Tu adoras o teu trabalho, vibras com a EWO. Faz todo o sentido...
--Mas a vida está um bocado sem sentido...
Elena prostrou-se no sofá e olhou para o vazio. Milanka queria ser mais discreta, mas não conseguia...
--Cansaste da Joy? Não queres mais?
Elena respirou fundo. Encarou a amiga com uma expressão muito séria:
-- Acho que nunca quis tanto. Já cheguei ao ponto de quase pedir que ela vá morar comigo. Essa mulher preenche cada átomo vazio da minha existência, meu sangue ferve, o coração acelera e dessa vibração toda, vem a melhor paz que já experimentei...e muita insegurança.
--Troia, que intensidade...
--Insano! Incoerência absoluta com quem eu sou...
--O desapego...
--Sim, eu sou desapegada. Sempre fui... e, no entanto...
--Hmmm?
--Se eu pudesse, faria planos com a Joy. - Admitiu com franqueza.
Milanka sorriu. Suspirou. Fez-se algum silêncio. Sabia-o necessário para Elena absorver as suas próprias palavras.
--A vida é tão engraçada e imprevisível...
Ainda em silêncio, Elena anuiu com um movimento da cabeça.
--Nossas certezas de meses atrás foram rasgadas em mil pedaços e incendiadas.
--Das minhas não sobraram nem cinzas...
--Nem cinzas!
--E isso não te assusta? - Perguntou apavorada.
--De certa forma, mas mesmo assim, eu arrisquei. Nós arriscamos, Troia.
--Pulei sem paraquedas...o voo...
--Tem sido lindo e com certeza o pouso será perfeito. Elena, estamos vivas. Temos vivido intensamente minha amiga.
--Sim...ai, Milanka. - Mordeu a boca e esfregou as mãos denotando nervosismo.
--Tu queres planos com a Joy e eu vou viajar com o Ethan no Natal. - Sorriu.
--O quê? Tu não gostas de Natal...
--Pois...vamos para a Africa do Sul.
Elena não queria acreditar e a sua boca escancarada era a prova do espanto.
--Ele não sabia das minhas neuras com a minha terra. Desconhecia meus medos e traumas...o convite foi tão perfeito que eu esqueci o medo. Quero sim ir para casa ao lado dele. - A emoção resvalou em lágrimas.
Elena pulou do seu canto e abraçou a amiga. Choraram juntas.
--Se a Gennelle estiver melhor e quiser ir, o convite é extensivo a ela. Em qual sonho eu encontraria alguém assim? Eu não sabia que queria exatamente isso, até acontecer o Ethan.
-Nem em sonhos imaginei uma Joy em minha vida. Eu tenho tanto medo de acordar...
--A tua insegurança é baseada em quê?
--Medo de fazer alguma asneira muito grande, medo de não ser o que ela precisa, medo absurdo que ela canse de mim. A Joy é tão livre, cosmopolita, atraente...
--E apaixonada por ti. Eu entendo tudo que acabaste de dizer, até porque essas inseguranças são minhas também. Mas Troia, aceita um conselho da doida...
--Claro, sempre!
--Não fiques presa aos medos. Eles podem paralisar-te ou pior ainda, os teus medos podem materializar-se.
--É muita confusão na minha cabeça. Mas a Joy aparece, o telefone toca e...- Sorriu.
--Tudo passa a fazer sentido, esqueces os medos e tornas-te na mulher maravilhosa por quem ela se apaixonou.
--Entendes que não é drama?
--Oh Troia...
Abraçaram-se mais uma vez. Milanka fez carinho na cabeça da amiga e suspirou profundamente.
--Estamos apaixonadas!
Riram juntas.
--Ou quem sabe...
--Para! Por hoje, chega. Vou voltar para a minha rotina maluca e a senhora fique sossegada e linda aqui nesse apartamento maravilhoso.
Gargalhadas.
*****
Depois de uma reunião com um escritor de excelente potencial, Elena respirou aliviada. Precisava de coisas aliciantes para não enlouquecer naquela nova versão da EWO. A semana começara muito mal, mas agora parecia que tudo voltava ao lugar. Brigitte estava ausente, talvez a bonança não durasse para sempre...
Absorta no trabalho, não notou que o telefone tocava.
--Ei grega, o teu telefone está a tocar há algum tempo. - Disse Claire que passava pelo corredor.
Elena levantou a cabeça ainda sem entender o que acontecia.
--Desculpa, estava distraída...
--O teu telefone. Atenda, pode ser algo maravilhoso. - Claire sorriu e seguiu o seu destino.
Elena alongou os braços e ouviu o estalar de alguns ossos. Riu da situação. Precisava ter mais noção na hora de abraçar um trabalho.
--Ah, mas eu não recebo nada interessantes há tanto tempo...ah o telefone. - Riu.
Joy! Claro que as prioridades foram imediatamente redefinidas. Sorriu olhando para a tela do telefone. A sensação de ter um sol ardente no peito já não a assustava...
Estava com saudades...tantas. Joy estava numa semana agitada, mais agitada que o normal. Viagens, ainda que curtas, mas suficientes para quebrar a melhor rotina que já vivera.
--Eu agora gosto de rotina...se bem que é uma rotina sui generis.
Retornou a chamada com o coração leve:
--Meu bem!
--Ah, já estava quase morrendo de ansiedade...
--Exagerada!
Risos.
--Tens compromisso para o jantar?
--Estás aqui? - Perguntou ansiosa.
--Sim!
--Mas...
--Voltei mais cedo. Tinha pressa para voltar. Sabes há quantos dias não tenho o prazer de voltar para casa?
Elena sorriu e mordeu a boca.
--Se falas da minha....
--Claro que sim.
--Três longos dias. Eu e Zayco temos ficado murchos sem a tua vivacidade.
Risos.
--Com certeza até o razinza do Myk sente a minha falta. Mas voltemos ao foco porque sei que a senhora é ocupada.
Risos.
--Jantas comigo?
--Preciso ver minha agenda...- Elena controlou uma gargalhada.
--Por favor, prometo compensar-te de todas as formas.
--Hmmm...caso para pensar...
--Elena...- Suplicou.
--Oh sua maluca, claro que janto contigo.
Joy suspirou aliviada.
--Noto uma certa excitação na voz...
--Tu já me conheces. Estou muito feliz e preciso compartilhar contigo. Já escolhi um restaurante incrível, e estarei lá à tua espera pelo tempo que for necessário.
A alegria no seu tom de voz deixava Elena com as emoções ao rubro.
--Saio o mais tardar às sete. Não queres adiantar alguma coisa? - Sabia que era em vão. Joy adorava surpresas.
--Claro que não. Quero ver o brilho dos teus olhos, tua cara de felicidade e quero erguer um brinde. Quero outras coisas, mas essas eu prometo contar depois, não quero atrapalhar a tua concentração.
Gargalhadas.
--Estás vermelha?
--Completamente e com o coração em alvoroço. Vou concluir tudo aqui e correr para o nosso jantar.
--Deixo-te trabalhar agora para ter-te mais cedo. Beijos e até já.
--Beijos minha inglesa favorita.
--Tens outra?
Gargalhadas.
--Idiota!
*****
Elena olhava para Joy completamente embevecida. Era apaixonante a forma como ela falava da profissão, das conquistas...poderia ouvi-la por horas sem perder interesse...dias...
--Elena, tens noção da dimensão do que eu acabei de relatar? Eu ainda estou em transe.
--Ainda que eu não tivesse a mínima noção, o teu entusiasmo teria esclarecido tudo. - Sorriu.
--Dois trabalhos meus vão participar de um prémio de grande dimensão. Numa das categorias concorro com um trabalho meu para uma revista especializada, e na outra a equipa de fotografia de um curta metragem da qual fiz parte, foi indicada. Eu já repeti essa frase dezenas de vezes para poder assimilar...
Elena beijou a mão de Joy que estava entrelaçada na sua. Experimentava um misto de emoções que provocavam uma sensação de levitação. Transbordava felicidade.
--E sabes a melhor parte? Tu me ajudaste na escolha das fotos.
--Eu?
--Sim. Isso foi há algum tempo, numa noite lá no meu estúdio. Pedi a tua opinião e de forma bem despretensiosa, elegeste as tuas favoritas. Adoro o teu olhar...segui o teu feeling e agora fui indicada a um prémio.
O coração de Elena batia na garganta.
--Meu bem, às vezes parece que estou a viver um sonho. Desde que cheguei nessa cidade, as coisas acontecem numa sequência perfeita. Meu voo é livre, parece que posso fazer qualquer coisa...
--E eu sinto que estás apenas no inicio de uma trajetória brilhante. Tu trabalhas com amor, o talento pulsa em cada cena que captas...é vibrante ver a tua satisfação...- Elena engasgou-se na emoção.
--Meu bem...porque choras?
--Felicidade! A quem devo agradecer de joelhos pela tua existência?
Joy sorriu experimentando algo novo. Bom, muito bom.
--Tu me trazes coisas boas...as melhores sensações. Na alma...no corpo...
--Joy, ás vezes eu queria ainda ter medo, ou receio...
--Não entendi...
--Queria ter receio de entrar em mundos desconhecidos. Queria ser mais cautelosa, mas quem é que te resiste?
--Eu espero sinceramente que tu não me resistas, mas se tentares, saiba que eu sou persistente e jamais desisto do que eu quero.
Elena sorriu e mais uma vez beijou-lhe a mão. Demorou-se no carinho.
--Eu sempre vou ter pressa para voltar para isso...- Disse Joy com a voz quente.
Encontraram-se no olhar. Sorriram. Riram. Os olhares eram de ternura, admiração. Olhares que se cruzavam sem qualquer ressalva, que se buscavam e se preenchiam do melhor sentimento.
*****
-- Philip, já te envio o ficheiro correto. Mais uma vez desculpa-me...
--Sem stress. Se enviares o correto agora, na segunda tudo estará pronto para a apresentação.
--Obrigada pela compreensão. A minha mesa está uma loucura e meu computador não está em melhor estado.
Elena desligou o telefone interno e bufou. Já era o segundo erro do dia e quando não havia margem para tamanho descuido. Antes de se distrair com qualquer outra coisa, certificou-se de enviar os ficheiros corretos ao colega.
Sentia o poder da tensão corroer a sua nuca. Além da correria usual da editora por aquela altura do ano, os inúmeros lançamentos e outras atividades, que sempre exigiam mais de todos, ainda havia o evento de Joy. Precisava evitar sobressaltos, pois tinha que sair da editora, correr para casa e vestir-se à altura do evento. Precisava evitar sobressaltos e já tinha cometido duas falhas quase primárias.
Havia um leve prenuncio de aflição que não fazia muito sentido...
Ouviu um sinal de mensagem no telefone e sua atenção voltou-se para o pequeno aparelho. Por instantes as nuvens desapareceram. Todas. Abriu um enorme sorriso e pasmou na tela.
"Estou ansiosa e muito feliz. Escolhi o vestido preto que sugeriste. Teu gosto é melhor que o meu. Por favor, não se atrase. Estou nervosa..."
--Nem que eu vá correndo descalça pelas ruas. - Afirmou olhando fixamente para a tela.
"Eu tenho bom gosto e tu ficas linda com qualquer coisa. Vou estar lá e à altura da fotógrafa mais linda do evento. O dia está tenso, mas a noite promete."
Aquela singela troca de mensagens a meio do dia foi o combustível perfeito para Elena resolver todas as suas tarefas com perfeição.
*****
--Aqui o teu lembrete que já é hora de voltares para o Astoria.
Elena riu com o tom da amiga.
--Obrigada por me lembrares, mas saiba que hoje nada me desvia do meu propósito.
--Essa inglesa é poderosa mesmo. Venceu o apego à EWO.
Gargalhadas.
--Digamos que há outros encantos nessa vida.
--Mas disso não tenho dúvidas.
Risos.
--Sai logo dessa editora e corra para casa. Eu já sei que hoje a grega vai esmerar-se no figurino. Como eu queria ir...
--Mas tens um namorado com mais juízo e vais ficar quietinha em casa.
--Que remédio? Ainda bem que fico em excelente companhia. Começando a me habituar aos mimos desse homem.
Gargalhadas.
--Estás viciada e nem percebeste...
--Admito que já fui mais cética em relação às incursões amorosas. Mas, não estou sozinha nessa nova trilha...
Risos.
--Milanka, estou um pouco nervosa, apreensiva...não sei explicar...
--Mas é normal, o evento é enorme. É uma premiação importante e a tua estrela vai estar nos holofotes. Troia, agora és namorada de uma estrela.
--Ah Milanka, pelo amor de Deus, para. Eu queria tanto que estivesses ao meu lado.
--Sabes que por mim, iria. A tua estrela ajudou a reforçar a minha interdição.
--Isso é bem típico dela. Pessoas com mais juízo do que nós duas juntas.
Risos.
--Por isso que nos apaixonámos perdidamente.
--Tu estás mais doida do que o normal. Mas já entendi tudo.
--Hmmm?
--Queres me distrair, me acalmar. Obrigada meu amor, conseguiste aliviar um pouco essa tensão na minha nuca.
--Vá para casa, Troia. Já falaste demais. A Joy precisa de ti. Quero todos os detalhes e com fotos para ilustrar.
Risos.
--Sim senhora. Preciso desligar, o telefone interno está a tocar.
--Ah não. Deixe essa porcaria tocar. Já não estás aí.
--É a Brigitte!
--Mande essa mulher á merd*.
--Vontade não me falta. Vou ver o que ela quer.
--Desligue o computador e feche a porta.
Risos.
--Não te preocupes. Em 5 minutos estou no uber. Tchau, meu bem.
--Tchau. A noite vai sei memorável.
*****
Elena entrou na sala de Brigitte e ela falava ao telefone. A chefe fez sinal para que ela se sentasse, mas pela pressa, preferiu ficar de pé. Cinco minutos se passaram sem que Brigitte se dignasse a terminar a ligação. Elena já apertava as mãos para conter o nervosismo. Já começava a ficar com pouco tempo...
--Elena, ainda bem que posso sempre contar com a minha melhor editora. - Disse ao desligar o telefone e com uma leve pitada de ironia na voz.
--Precisas de alguma informação? - Elena estava impaciente.
--Vou transformar a tua sexta feira num acontecimento. - Gabou-se.
Elena engoliu em seco.
--Vais acompanhar um evento da Madison Skyler com seus produtores. Esse material vai entrar no livro que será nosso próximo bestseller. Deveria ter avisado mais cedo, mas minha cabeça está um turbilhão. Não estava na tua escala, mas sabes como é que as coisas acontecem e temos que estar à altura.
--E esse acompanhamento seria para quando? -Elena fez-se de idiota para tentar controlar a raiva que já lhe rasgava a garganta.
--Agora! Mas vá para casa e coloque uma roupa condizente, já sabes como é o mundo desse pessoal da internet. Vais ter um fim de semana eletrizante.
--Fim de semana?
--Elena, não estás aqui? Sabes que não gosto de repetir as coisas. Sim, vais acompanhá-la até domingo à noite.
--Brigitte, eu sou editora! - Disse com a voz calma.
--Sim, e a melhor. Por isso mesmo que tens de ser tu a fazer esse trabalho. Já mandas cortar o que não serve, direcionas as coisas para que possam ser mais comerciais. Tu sabes o que fazer.
--Eu sou editora de livros. Esse trabalho não tem nada a ver, ainda mais que nem sei o que queres vender com esse livro.
--Sucesso! É isso que quero vender. Essa mulher tem milhões de seguidores, é um nicho interessante e ela quer o livro e nos escolheu. Tu farás uma espécie de triagem. Quero-te muito amiga da Madison, quero que ela não faça nada sem ti.
--Não posso! - Mais uma vez usou um tom calmo.
Brigitte sorriu de forma sarcástica e encarou Elena com olhar desafiador.
--Não consigo imaginar nada mais instigante para o teu final de noite...
--Já tenho um compromisso.
--Tu não tens vida social, até outro dia estavas sempre disponível.
--Pois é, mas as coisas mudam e hoje eu não posso. Indique outra pessoa...
--Eu quero que sejas tu. - Disse alterada.
--Brigitte, estou atrasada para um compromisso pessoal e por hoje, já cumpri minha escala de tarefas.
--Elena, não estou a pedir que vás assessorar a Madison, faz parte das tuas tarefas e não creio que seja necessário refrescar-te a memória.
--Acredito que estás levemente equivocada. Meus deveres aqui são outros...
--Elena, tens uma hora para estar no hotel...
--Eu não vou! - Gritou. - Minha namorada tem um evento importante e ela precisa de mim.
--Namorada? Tu tens uma namorada? Desde quando?
Elena riu nervosa.
--Minha vida pessoal não está em pauta. Preciso sair, agora.
--Elena, a EWO precisa de ti. A Madison...
--Vai lá. Sabes fazer esse trabalho como ninguém. Já estou atrasada. Bom fim de semana.
--Estás ciente das consequências...
--Estou ciente de tudo. Demita-me se quiseres, mas tenha o trabalho de arranjar um motivo plausível.
--Abusada! Saia daqui, corra para o teu evento inadiável.
--Sim senhora, minha vida pessoal me espera.
--Esteja aqui na segunda a horas. Já estarás cumprindo as tuas tarefas. - Ironizou.
Elena nem ouviu a ultima frase. Tinha pressa para viver acontecimentos que agregavam sentido à sua vida.
*****
Numa correria alucinada, Elena conseguiu chegar ao hotel onde decorria a premiação. Aos atropelos, alcançou a ala onde Joy e outras dezenas de pessoas confraternizavam antes do inicio da cerimónia. Na sala de espera, levou alguns minutos até reagir e conseguir falar com Joy. Pasmou na figura daquela mulher que simplesmente acendia um farol no seu coração. Ela conversava com algumas pessoas e sorria. Milanka tinha razão, Joy era uma estrela. Naqueles breves instantes, um filme passou pela cabeça de Elena. Um filme que resumia os melhores meses da sua existência. Joy viera atropelando tudo, mas no lugar de deixar destroços, deixara campos coloridos. De forma suave, ela preenchia tudo, todos os cantos vazios de repente enchiam-se de cores e sentido.
Elena teve que usar de muita razão para reagir. Poderia admirá-la em silêncio e á distância pelo resto da noite...
Joy virou o rosto e correu em sua direção.
--Grega, eu já estava quase tendo um ataque de nervos. Nunca mais chegavas...
Abraçou Elena, derretendo-se no colo dela. Elena enlaçou-a pela cintura e aspirou seu cheiro delicioso.
--Estás linda, Joy. Lindíssima...- Sussurrou-lhe no ouvido.
--Olha o que fazes - Mostrou a pele arrepiada - O vestido é lindo. - Sorriu.
--Atrasei-me um pouco, mas cheguei a tempo.
--Estou feliz demais que tenhas conseguido vir.
--Nunca foi cogitada outra possibilidade...
--Estás tão linda, Elena. Vamos celebrar depois do evento. Ganhando algum prémio, ou não, iremos celebrar.
--Hmmm...
--Vamos celebrar nosso encontro. Eu quero erguer um brinde ao melhor presente que Nova York me deu. Não desististe de mim...tu és tão especial...
--Meu bem, controle essa emoção. Não queres borrar o rímel...- Elena tentava controlar a própria emoção.
--Meu irmão pediu que filmasses algumas coisas dessa noite. Ele e a namorada estavam a caminho de Londres...
--A deusa das imagens és tu, mas posso fazer o meu melhor.
Sorriram.
--Podes ficar com o meu telefone? Só trouxe isso na mão para poder falar contigo e com o doido do Thomas. Ah, estou sem as chaves do meu apartamento, vou precisar de um lugar para dormir...
--Safada! - Pegou o telefone -Garanto um lugar na minha cama, se vais dormir, já não consigo garantir.
Riram muito e Elena ficou vermelha.
--Estou tao feliz. Eu ainda acho que estou a viver um sonho...
Elena beijou-lhe a mão e em seguida a testa.
--Mereces viver esse sonho...
--E mereço beijar-te até não termos mais fôlego...meu Deus, como é linda essa mulher...
--Sossega!
Riram juntas com os rostos quase colados.
--Acho que já vai começar. Precisas ir para o outro ambiente e eu encontrar o meu lugar.
--Só mais uma coisa...
--Hmmm...
--Estou feliz e sou muito feliz pela nossa conexão.
--Vá logo, estás atrasada.
Joy correu e Elena permitiu que lágrimas de felicidade deslizassem pela sua face. O sonho não era apenas de Joy...
*****
Admirada com a insistência de Thomas tentar falar com Joy, Elena resolveu aproveitar um breve intervalo no evento e saiu para uma área discreta para esperar que ele ligasse mais uma vez. Estava em dúvida se devia atender, mas a insistência já incomodava. Em menos de um minuto, o telefone de Joy vibrou. Era Thomas.
--Olá Thomas, é a Elena. Estou com o telefone da tua irmã porque ela está ocupada. Não te preocupes, já filmei tudo. -Disse animada.
--Elena, ainda bem que atendeste...ainda bem que foste tu...
Além de sobressaltada, a voz dele carregava aflição.
Elena ouviu o que Thomas tinha a dizer. Demorou alguns minutos até conseguir digerir a informação. Não sabia como reagir, mas precisava pensar depressa.
*****
Joy irradiava felicidade. Seu trabalho individual tinha recebido as melhores críticas e a direção de fotografia do filme ganhara um prémio muito importante. Com olhos expectantes procurava Elena pelo ambiente. Lá estava ela num canto, afastada da multidão. Pareceu-lhe tão perdida que andou a passos largos ao seu encontro.
--Meu bem...-Joy alcançou-a.
Elena abraçou-a com tamanha urgência que quase fez Joy cambalear. Entre soluços, deu-lhe os parabéns.
--Conseguiste filmar? Elena, o que aconteceu? Porque estás a tremer? - As perguntas vieram de enxurrada.
--Parabéns...
--Sim, meu bem. Obrigada. Estás emocionada? Elena...
--Eu não tenho esse direito. - Revirou os olhos buscando ar.
--Meu amor, o que aconteceu? Eu já percebi que as tuas lágrimas não são de...
--Estou muito feliz pelo teu sucesso. Muito! - Apertou-lhe as mãos entre as suas.
--Eu sei, mas sei também que aconteceu alguma coisa. Eu já te conheço, estás a tremer e não consegues me encarar...Elena, o que aconteceu?
Elena desabou num choro convulsivo. Uma sensação avassaladora de perda corroeu toda a sua alma.
Afastaram-se ainda mais da multidão. Elena finalmente pôde encarar Joy. Seus olhos estavam vermelhos. Seu olhar tinha dor, desalento e muito afeto. Uma mistura que deixou Joy confusa e ansiosa
--O teu irmão ligou...várias vezes...
--A mania das filmagens. Ele já chegou em Londres?
--Já...tive que atender porque ele insistiu muito...
--Ok...meu bem, o que aconteceu? Estou nervosa...
Elena abraçou-a com força. Joy retribuiu. Os corações batiam descontroladamente.
--Eu não queria...eu não acho justo...eu...- Elena atrapalhava-se nas palavras.
Joy encarou Elena com olhos suplicantes.
--Meu bem, o teu pai faleceu há mais ou menos uma hora.
Fim do capítulo
Olá :)
Boa leitura e uma excelente semana para todos nós.
Nadine
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rhina
Em: 19/01/2022
Boa tarde.
Imagine este cenário?!
Joy vencendo na sua própria escolha. Tempos sem falar com o pai.
Última conversa desastrosa e fria. Um império pra comandar.
Suportará Joy, suas próprias escolhas?
O bicho da culpa não a dominará até às entranhas? E mais.....
Tem muito mais que as palavras são são capazes de transmitir o furor de todas as emoções e sentimentos despertados neste cenário.
Rhina
Mille
Em: 25/05/2021
Dessa vez não teve sucesso em mandar a Elena como tampa buraco, e esse não foi como aplauso nosso. E com essa notícia ela com certeza vai acompanhar a Joy para o velório do pai.
Só espero que as duas não se afastem, mesmo com essa perda.
Bjus e até o próximo
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Joanna
Em: 24/05/2021
"A Joy é livre, cosmopolita, atraente..."
Medo de não satisfazer os anseios do outro, mas creio que tenha que ser recíproco, o outro lado também tem seus medos.
São escolhas que ratificam ou não estes medos. Aguardando pelas escolhas, lembrando que concessões não podem ser de apenas um lado, daí os relacionamentos fracassados.
Abr
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kasvattaja Forty-Nine
Em: 24/05/2021
Olá! Tudo bem?
Gostando muito do desenrolar da história que promete, sem dúvidas, muitas emoções. Beautiful!
É isso!
Post Scriptum:
''Em nossas vidas, a mudança é inevitável. A perda é inevitável. A felicidade reside na nossa adaptabilidade em sobreviver a tudo de ruim. ''
Sidarta 'Buda' Gautama
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brunafinzicontini
Em: 23/05/2021
Ah, meu Deus! Quantas emoções!
Sensacional a reação de Elena à imposição de Brigitte! Por um instante, tive receio de que ela não fosse corajosa o bastante para recusar a ordem recebida de forma tão abrupta. Felizmente, ela soube se impor da melhor maneira possível. Resta saber qual será a consequência disso na próxima semana – mas, seja qual for, a grega já se mostra preparada para procurar uma situação de trabalho mais justa.
Joy, como sempre, maravilhosa – fez questão da presença de sua amada no evento tão importante da entrega de prêmios a que concorria. E foi chocante, em meio a tanta alegria, a maneira pela qual Elena precisou intervir na história familiar da inglesa – receber a notícia da morte do pai e dar a ela a triste informação... ai, que dureza. Thomas havia sugerido que Joy levasse Elena consigo para as comemorações do Natal; agora, espero que a grega possa acompanhar Joy na triste cerimônia de despedida do pai. Toda essa provação com certeza deverá unir ainda mais fortemente essas duas almas que tanto já se identificaram
Obrigada por nos trazer a alegria de sua presença sempre tão rica e criativa ao nosso domingo, querida autora. Que você tenha uma bela semana e que a tendinite faça a gentileza de dar-lhe uma trégua!
Beijos,
Bruna
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LuBraga
Em: 23/05/2021
Não tenho palavras para descrever tanta sintonia nas linhas que tu constrói com tanta sensibilidade parapelo a realidade do nosso cotidiano, esse carrossel de emoções são tão reais que nem parecem ficção.
Acredito que tu saibas do leque que tens diante desse talento pela escrita que humildemente compartilhas aqui conosco, nos fazendo cativas da tua criatividade.
O que me levas a te perguntar: Sabia que teus contos dariam um roteiro para belos filmes? Imagino os cenários, a escolha dos elencos, os diálogos adaptados para um filme de 1h e meia ou mais...sem falar das publicações desses livors (contos) em sites que poderiam monetizar.
Tens um nicho nas mãos Dona moça, ou melhor na ponta dos dedos e de preferencia sem tendinites! rs
Desejo que estejas bem melhor.
Ótima semana.
P.S.: Tomara que a Elena não surte diante dessa triste notícia...
Bjs
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preguicella
Em: 23/05/2021
Eu lá vem a tempestade! Que essas duas consigam passar por ela sem muitas marcas!
Bjão
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