Segundo
—Eu tentei vir mais cedo para conversarmos, mas essas chuvas estão deixando tudo congestionado. — Iori falou rapidamente tão logo ficaram a sós após a aula de dança, suas mãos buscando o rosto de Lana, que permanecia a olhá-la com atenção. — Eu perguntei para Laura o que vocês falaram, ela só me disse que explicou tudo, mas nunca me disse o que você achou de tudo. Disse que você pediu para não dizer, o que, devo te dizer, é um golpe muito sádico seu, me fazer esperar todo esse tempo.
—Estou fazendo uma anotação mental que você odeia esperar.
—É claro que odeio! Quem gosta de esperar?
—Pelas coisas que valem a pena? É bom esperar. Agora se acalme. Nós vamos conversar.
Lana a fez sentar enquanto bebia água, ambas secando o próprio suor. Ela ainda usou a pomada de massagem na perna acidentada, fazendo sutis círculos com os dedos, os olhos de Iori atentos na sua movimentação.
—Eu queria te escutar também, por isso pedi para Laura não te dizer nada. — Lana a olhou, ainda realizando a massagem. — Achei justo te dar o mesmo direito de me falar tudo da sua forma.
—Bem, admito que tem razão. — Iori afastou suas mãos e assumiu a posição para prosseguir a massagem em sua perna, estendida em seu colo agora. — Bem, como deve saber agora, Laura e eu estamos juntas há bastante tempo, e sim, sempre foi algo em comum entre nós que aceitássemos mais uma pessoa entre nós. A maioria das vezes foi somente diversão. Nunca deu certo quando tentamos algo sério. As garotas acabavam preferindo uma de nós ou não conseguiam se envolver conosco a longo prazo. Tínhamos desistido. Eu sou feliz com Laura, sei que podemos ter algo muito duradouro.
—Sim, eu pude perceber isso. Foi o que mais me deixou confusa com toda a sua aproximação.
—Eu sei, isso foi minha culpa. Eu devia ter ao menos falado sobre como é minha relação com Laura para que você não ficasse tão arredia. Mas eu fui egoísta.
—Egoísta? — Lana estreitou os olhos, confusa.
—Sim. Eu queria aproveitar esse pequeno momento que podia estar aqui e desfrutar de sua companhia. Mas sozinha. Eu sequer tinha pensado em levar isso adiante. Era só bom estar aqui e conversar com você. — Ela sorriu, Lana não hesitou em levar uma mão em seu rosto e acariciar. — E continua sendo.
—Então o que aconteceu semana passada?
—Por um lado você estava certa, eu estava com ciúmes. Mas não de Laura. Eu a conheço muito bem, bastou eu botar os olhos nela que eu soube que ela tinha se interessado em você também.
—E você não gostou disso?
—Gostei no sentido de que agora podia levar adiante a chance de ter você entre nós. Mas não esperava que fosse me incomodar tanto essa ideia de Laura também ter uma parte de você que eu sequer sabia se eu podia ter.
—E como está isso para você agora?
—Estou bem, tive tempo para formular todas as coisas que estava sentindo e me preparar para o que podia acontecer de agora em diante, você aceitando ou não.
—Então você ainda me quer entre vocês?
—Oh, meu amor. Eu estaria te mantendo ocupada de outras formas agora se você tivesse me dado uma resposta.
Lana riu com isso, aliviada que ela continuava a mesma. Aproximou-se lentamente, deslizando os dedos pela sua nuca, fazendo um caminho entre sua bochecha e sua têmpora com os lábios. Iori parou de respirar nesses segundos, sentia os pelos em seus braços eriçarem com o simples contato.
—Sim, eu aceito tentar isso com vocês duas.
Iori acabou rindo, movendo-se para abraçar Lana com mais força, as mãos movendo em suas costas com carinho. Lana afastou-se após um momento, voltando a segurar seu rosto, olhando em seus olhos e encontrando somente a confirmação que esperava, a alegria e a ternura que ela não podia esconder.
—Estou feliz que esteja me dando uma chance.
—Bem, eu também estou feliz que você tenha querido me incluir nessa relação. Digo... eu já me envolvi com outros casais, mas era somente por prazer. Então eu não faço ideia como agir entre vocês.
—Não se preocupe com isso, nós encontraremos um jeito até que todas estejam confortáveis.
—Então... jantar?
—Claro, jantar. Laura estava empolgada na cozinha quando eu sai. Pediu para perguntar se você era alérgica a alguma coisa.
—Frutos do mar e pimenta.
—Pimenta? Oh, isso a vai deixar louca.
—O que ela está fazendo?
—Ela é descendente de mexicanos, coloca pimenta em tudo. Deixe-me avisá-la antes que seja tarde demais.
Elas se levantaram e Iori alcançou o celular junto as suas coisas no banco, enquanto Lana saiu da sala para fechar as demais como sempre fazia. Laura demorou a atender, mas Iori notou que ela estava ocupada na cozinha ainda.
—Pare o que está fazendo. — Falou antes mesmo que ela pudesse falar.
—Oh não. O que você fez dessa vez? Vocês só tinham que conversar e você só tinha que trazê-la. O que deu errado?
—Ei, pare de me acusar. Nada deu errado, estamos bem.
—Então?
—Ela é alérgica a pimenta, querida, e eu tenho certeza que te vi cortar uma antes de sair.
—Iori, eu te pedi para perguntar isso quando você saiu de casa. Você me avisa agora?
—Eu sinto muito! Mas eu estava resolvendo a outra coisa primeiro.
—Oh, por Deus, você quase me deixa estragar nosso jantar.
—Então ainda dá para salvar?
—Mais ou menos. Eu vou substituir o prato, ainda deve dar tempo de fazer chilli. As tortilhas estão prontas. Você pode me ganhar algum tempo?
—Claro. Ainda está chovendo, devo pegar algum trânsito para sair daqui.
—Ótimo. — Ela suspirou no telefone. — Venha com cuidado, está bem? Odeio te deixar dirigir numa chuva dessa.
—Não se preocupe com isso. Posso não dirigir tão bem quanto você, mas ainda sei me virar na chuva.
—Não tenha pressa. É sério.
—Chegarei em casa, querida. Tem minha palavra que tomarei cuidado.
—Está bem. Estou te esperando.
—Até logo, querida.
Lana voltou logo em seguida, Iori sorriu em sua direção, prendendo os dedos em sua cintura com ar descontraído. Ela riu em resposta, mantendo os olhos nos seus.
—Você precisa fazer algo antes de irmos?
—Além de ficar arrumada? Não.
—Você está bem arrumada para mim.
—Você só me conhece assim, é diferente agora.
—Você provavelmente tem razão.
—É claro que eu tenho. Você quer usar o banheiro no vestiário também?
—Não, vou esperar chegar em casa.
—Está bem, espere por mim lá embaixo.
Iori esperou, observando a chuva cair do lado de fora enquanto Lana tomava banho e trocava de roupa. Quando Lana desceu as escadas, acabou sorrindo, deslizando os olhos pelo vestido preto que usava, com um decote discreto e com mangas longas e transparentes, as costas mostrando sua tatuagem. Os cabelos ainda estavam molhados e penteados para trás, e assim que chegou perto, sentiu seu perfume doce.
—Uau, acho que isso torna oficial. — Iori falou, segurando uma de suas mãos. — Você é irresistível de qualquer forma.
—Oh, você está tentando me deixar vermelha. — Lana se aproximou e beijou sua bochecha.
—Olhe quem está indo para um encontro. — Leon falou enquanto saía do corredor que levava para os fundos da academia. — E com uma aluna!
—Não havia nada no contrato que me proibisse. — Lana sorriu. — Você só está com inveja da minha sorte.
—Provavelmente só te lembrando que ela estava comprometida até semana passada. — Leon cerrou os olhos para Iori, que riu, envolvendo o braço da mulher ao lado.
—Oh, não se preocupe, estamos justamente indo encontrar com ela. — Respondeu com ânimo, inclinando a cabeça para Lana em seguida. — Podemos ir? Não quero que a comida esfrie.
—Claro. Laura ficaria no mínimo com raiva. — Ela acariciou seus dedos num sorriso bobo. — Eu já fechei tudo lá em cima Leon. Te vejo amanhã. Boa noite.
—Divirta-se! — Incentivou, vendo-a ir embora.
Seguiram para o estacionamento, para o único carro além de Leon. Iori abriu a porta para que Lana entrasse primeiro antes de contornar o veículo e assumir o volante, dando partida. A chuva envolveu o carro tão logo saíram do edifício, com clarões iluminando o céu antes de ouvirem o som de trovões.
—É lindo não acha? — Lana perguntou em tom mais baixo. — A chuva. O som. É como uma música com ritmo próprio.
—Você gosta? — Iori a olhou por um momento, surpresa.
—Eu gosto? Amo. Se tivesse mais tempo como antigamente passaria o outono ouvindo esse som. — Lana a olhou, mordendo o lábio. — Te faria dançar comigo debaixo da chuva.
—Debaixo de chuva? Não, não. Estou bem aqui. Seca e longe desses raios.
—Você está com medo não está?
—Do que? De dançar na chuva?
—Da chuva.
—Sim, você já notou? — Ela riu brevemente.
—Podemos sempre chamar um carro, você não precisa dirigir.
—E dizer para Laura que ela tinha razão? Não, não.
—Música te ajudaria a relaxar?
—Só continue falando. — Ela parou no farol vermelho, então olhou para o lado, mirando os olhos reconfortantes de Lana. — Eu gosto de te ouvir.
—Gosta? — Riu, disfarçando a surpresa. — Está bem. Sobre o que quer ouvir?
—Diga seus segredos mais escuros. — Ela voltou a olhar para frente.
—Claro. Estou saindo com uma aluna que estive mantendo meus olhos por algum tempo.
—Ei, isso não conta. — Ela acabou rindo. — A menos que eu tenha alguma concorrência.
—Laura conta?
—Oh, Laura? Aquela traidora. Sabia que ela tentaria tirar sua atenção de mim.
—Você não precisa se preocupar com isso agora. Você tem toda a minha atenção.
—Não me tente. Eu sempre posso parar o carro e amassar seu lindo vestido.
—Só o vestido?
—Você provoca porque sabe que não posso realmente colocar minhas mãos em você. Muito perspicaz de sua parte.
—Não é como se você não tivesse tirado pequenas provas nesse meio tempo.
—Não é como se você tivesse tentado me impedir.
—Nisso eu sou culpada até o inferno. Eu gostava da atenção que você me dava.
—Oh, isso sim é seu segredo escuro. Eu quase achava que você não percebia, ou se percebia não se importava a ponto de demonstrar se gostava ou não.
—Você era sutil. Mesmo com os flertes. E para mim você era comprometida. O que só me deixava confusa. Mas Laura nunca se mostrou importar, então por que eu ia te impedir? — Sorriu enquanto ouvia o riso dela. — Eu me pergunto o que você teria feito se eu realmente tivesse cedido as suas investidas.
—Oh, não me pergunte. Nem eu sei te dizer. Nunca comecei as investidas antes. Normalmente sempre começa com Laura. As mulheres caem por ela facilmente. Eu acabei me acostumando, eu já fui uma dessas. — Ela riu mais brevemente. — Estou surpresa que você não tenha também. Eu não te culparia. Eu conheço minha mulher. Ela sabe como manter sua atenção nela.
—Eu não sei sobre isso. Você manteve meus olhos em você por todo esse tempo mesmo Laura indo lá te buscar quase todas as vezes. — Lana tocou o pulso dela, pressionando os dedos sutilmente. — Não esquece isso. Você soube me manter na sua coreografia sem sequer pensar uma segunda vez. Não comece a pensar agora.
Iori voltou a parar o carro no próximo farol e olhou para Lana, pegando sua mão e beijando a palma, aproveitando a carícia que recebeu em seu rosto logo em seguida, incapaz de responder as suas palavras tão sinceras.
—Fale sobre Daphne. — Pediu num tom mais baixo, beijando seu pulso antes de se voltar ao caminho a frente, mas Lana não se incomodou, sabia que tinha conseguido acalmá-la. — Vocês sempre parecem próximas na Infinity.
—Isso é verdade. Eu criei aquela garota enquanto Kristin viajava a trabalho.
—Mãe dela?
—Sim.
—Então vocês tiveram uma filha juntas ou algo assim?
—Oh, seria mais fácil se fosse assim. — Lana riu, desviando o olhar para a rua a frente, deixando a mão deslizar entre os cabelos de Iori, acariciando seu couro. — Mas não, Kristin engravidou enquanto eu me recuperava do primeiro acidente. Nós somos amigas desde que posso me lembrar. E ela nunca levou jeito com Daphne.
—E você decidiu criar a filha de sua amiga por isso?
—Mais ou menos. Eu tinha uma perna com defeitos e sabia que não poderia ter uma carreira na dança mais. Ao menos não como eu imaginava. Mas Kristin podia. E eu tinha que esperar a recuperação da perna, então as coisas acabaram se encaixando. — Ela balançou os ombros, conformada. — Daphne sempre foi uma criança adorável. Não havia mais ninguém para cuidar.
—O pai?
—Kris nunca me disse quem era. Somente que foi embora.
—A família dela?
—Kristin é orgulhosa. Os pais dela a expulsaram de casa no começo e ela nunca mais foi atrás. No começo ficamos na casa de minha mãe até eu dizer que ajudaria com Daph. Então não teve mais jeito e Kristin voltou para a própria carreira ao menos para ter uma forma de cuidar de Daph num lugar decente.
—Quantos anos Daphne tem?
—Ela fez 12 no começo desse ano.
—Oh, querida. Você era jovem demais.
—Sim, eu tinha acabado de terminar os estudos e ia ingressar numa companhia de dança antes do acidente. Mas isso é passado. Eu amo Daphne como uma filha. Um dia Kristin vai sentir falta disso.
—E você sente falta de ter tido menos responsabilidades? Digo... Morar sozinha com uma criança deve ter sido assustador. Eu teria ficado apavorada.
—Talvez um pouco. Mas eu estava acostumada a ficar sozinha. A me virar sozinha. Minha mãe nunca me mimou por ser filha única. E entre escola e a dança eu sempre tive mais responsabilidades.
—Meu amor, admita que cuidar de uma criança é demais.
—Sim, era muita coisa, eu admito. Mas acabei pegando o jeito.
—Você é boa demais. Espero não encontrar Kristin tão cedo.
—Não pense que tenho uma boa relação com ela. Mas não é algo que você precise se preocupar. Estamos num encontro, ou indo para ele. Então vamos falar de coisas mais interessantes.
—É sobre você, claro que é interessante. — Iori finalmente parou o carro, dessa vez em frente a uma casa, o som do portão da garagem preencheu o ambiente por um instante até ela voltar a pressionar o pé no acelerador, estacionando mais a frente antes de desligar o motor e apertar o botão para fechar a porta. — Obrigada. Você me manteve entretida o tempo inteiro. Eu sequer ouvi os trovões lá fora.
—Então minha estratégia deu certo, afinal.
—E você tinha uma? — Iori a olhou, movendo a mão para soltar o cinto de segurança.
—Não. Mas funcionou perfeitamente. Consegui roubar toda a sua atenção para mim, então estamos quites.
—Você pode fazer isso sem qualquer esforço.
Lana voltou a acariciar atrás de sua cabeça, olhando em seus olhos finos e para o sorriso em seus lábios. Iori não hesitou em soltar o cinto dela e se inclinar em sua direção, os dedos fazendo o contorno do seu maxilar enquanto respiravam o mesmo ar.
—Agora minhas mãos estão livres. — Iori falou em tom baixo, quase a sussurrar.
—Sua boca também. Então... entrarei em conflitos com Laura se eu-
Iori não a deixou que continuasse, simplesmente avançou, colando os lábios nos dela, movendo lentamente, sentindo o gosto de sua saliva quente tão logo penetrou a língua. Lana envolveu a outra mão na cintura dela enquanto se inclinava mais, aprofundando o beijo, explorando a maneira lenta e sensual que suas línguas se moviam. Aproveitaram até o último instante, afastando-se para respirar, trocando caricias enquanto se olhavam, os lábios de Iori selando seu rosto com afeição.
—Estive querendo fazer isso desde a última semana. — Sussurrou, sentindo-se aliviada. — E não se preocupe com Laura. Ela vai acabar chegando até você.
—Vocês não têm mesmo ciúmes uma da outra? Mesmo que seja de comum acordo?
—É por ser de comum acordo que não sentimos ciúmes. Agora, se eu estivesse beijando você sem te conhecer, sem sentir nada por você e sem Laura comigo, então sim, haveria problemas.
—Então... se eu a beijar...
—Oh, já está pensando nisso? — Iori riu, voltando a beijar seus lábios. — Você não tem nada com o que se preocupar entre nós. A questão é... Você vai se preocupar sabendo que eu continuo tendo uma relação com Laura?
Ela abriu a boca para responder, mas Iori somente a beijou, impedindo que falasse qualquer coisa. Saíram do carro logo em seguida, Iori esperou que ela contornasse o veículo e então segurou sua mão, levando-a para dentro de casa. Lana observou o ambiente interior, as cores vibrantes dos móveis na sala, o tom de madeira das paredes. Iori a conduziu para a cozinha, ao lado da entrada da casa, onde Laura as esperava, sentada na banqueta, deixando o celular de lado quando as viu entrar.
—Estamos em casa. — Iori anunciou, avançando e abraçando seu pescoço. — Inteiras, como prometido.
—Feliz? — Laura questionou em tom mais baixo enquanto envolvia sua cintura, beijando seus lábios.
—Sim. — Sorriu, retribuindo ao beijo. — Demoramos?
—Minha culpa, disse para me ganhar tempo, acabei terminando antes. Mas o importante é que está pronto.
—Ótimo. Então vou tomar um banho e já volto. — Ela se afastou, gesticulando para Lana, que estava entretida em olhar ao redor. — Ela é toda sua.
Iori subiu as escadas enquanto Laura se aproximou da outra mulher, tendo sua atenção quando parou ao seu lado. Lana mirou seu corpo com um sorriso de lado, admirando os trajes que usava, a camisa escura de botão e a calça, ambos marcando suas curvas.
—Você está muito elegante, senhorita. — Lana falou, aproximando-se mais dela. — Alguma ocasião especial?
—Eu tinha que estar à altura de minha convidada. — Laura moveu a mão em suas costas, pressionando os dedos em sua pele e a trazendo para perto, abraçando-a de maneira mais carinhosa. — Você está incrível. Mas isso não é uma surpresa.
—Oh. — Lana riu, aspirando seu perfume antes de se afastar, mirando os olhos castanhos dela. — Fico feliz que tenha gostado. Vocês só me conhecem na versão professora que está um desastre no fim da semana.
—Cansada? Sim. Um desastre? Não, não. Garanto que mantive minha atenção para a pessoa que está diante de mim, a mesma que sempre vejo. Um belo sorriso, com uma conversa fácil. E com ideias muito boas.
—Você gostou mesmo das minhas ideias, hum? — Sorriu, corando com os elogios.
—Não só gostei, como já falei com os médicos, com a equipe que trabalho mais frequentemente e com a diretoria. Eles aprovaram a ideia.
—Sério?
—Agora é só acertar os detalhes. Mas isso resolvemos outro dia, eu só queria que ficasse sabendo.
—Estou feliz em saber. Passe amanhã no horário do almoço e nós acertamos esses detalhes, porque os donos da Infinity também aprovaram a ideia e já estiveram pensando nesses detalhes.
—Oh! Não podia ter me dado noticia melhor. — Laura sorriu mais. — Eu definitivamente irei amanhã lá. Quem sabe não vá antes para ver seu trabalho com as crianças?
—Eu iria adorar. Você gosta mesmo de crianças, não é mesmo?
—Sim, sim. Eu cresci em meio a várias crianças, ajudei a cuidar de outras várias. Depois foi fácil criar um apego por cuidar de criança, elas são algo muito bom de se trabalhar. — Laura gesticulou para a cozinha. — Você quer beber algo?
—Talvez água? Eu ainda estou tomando remédios para a dor.
—Claro. Qualquer coisa que desejar. Eu deixei preparado uma bebida, mas deixarei o seu sem álcool. — Ela seguiu para a cozinha outra vez, indicando a banqueta para que a mulher sentasse, enquanto buscava por um copo nos armários.
—Então você está acostumada com crianças. — Lana comentou enquanto esperava. — Você e Sasaki pretendem ter uma?
—Sim, está nos planos, em alguns anos. — Laura pousou o copo no balcão e depositou água, apoiando-se no mármore para a olhar. — Você sabe que acho fofo como você continua chamando Iori pelo sobrenome?
—Oh. É força do hábito, eu preferia continuar mostrando respeito por ela. E ela nunca me corrigiu, talvez goste assim.
—Sim, é diferente.
—É um nome bonito.
—É algo que sempre achei curioso sobre você. Você sempre manteve o controle mesmo próxima a Iori, mas ela está apaixonada por você.
—Isso te incomoda?
—Pelo contrário. Me deixa curiosa. Estou feliz porque ela está feliz perto de você. Só me faz desejar te conhecer mais e saber o que está deixando minha mulher tão envolvida.
—Bem, estou bem aqui. Acho que o que você devia buscar saber é o que está começando a te envolver tão perto, senhorita.
—Gosto quando não está se segurando, professora. — Laura sorriu, deixando que ela segurasse sua mão sobre o balcão.
—Talvez eu não tenha mais motivos para te manter afastada agora.
—Pelo contrário. Posso te fornecer todos os motivos para querer ficar perto.
—Você pode começar. Soube que estava fazendo um jantar mexicano, senhorita. — Ela falou em espanhol. — O que você fez?
—Chilli com carne e tortilhas. Você já comeu alguma vez? — Laura sorriu, continuando a conversa em espanhol.
—Uma vez, num restaurante em Nova York. Mas foi uma péssima maneira de descobrir sobre as pimentas. Fiquei um dia no hospital e mais um vermelha como a própria pimenta.
—Deve ter sido horrível. Mas não se preocupe, nem tudo eu coloco pimenta. Há outros temperos que produzem o mesmo efeito.
—E você sempre cozinhou?
—Eu cresci com mi madre e mi abuela na cozinha. Aprendi vários pratos tradicionais. Então espero que você goste e não te faça nenhum mal.
—Eu confio nas suas mãos. E o cheiro está maravilhoso. Há algo que precise ser feito ainda?
—Apenas arrumar a mesa. Quer me ajudar?
—Claro. Por que não? Só me dizer o que devo fazer.
Laura se afastou e abriu uma das portas do armário, pegando três pratos e colocando no balcão, Lana não se demorou para os levar a mesa de madeira, dispondo-os lado a lado na ponta da mesa. Laura trouxe os talheres e ambas se revezaram em trazer os copos com as bebidas.
—Seu espanhol é bom. Só tem o sotaque. — Laura comentou enquanto colocava a panela sobre o aquecedor no centro da mesa. — Mas é adorável. Onde aprendeu?
—A companhia de dança que eu ia fazer a prova era na Espanha, então tive que aprender espanhol naquela época. E Daph sempre pede ajuda nas lições de espanhol, então ainda lembro algumas coisas.
—Mas é muito bom.
—Você fala perfeitamente bem. As duas línguas.
—Ouvi falar que sou boa com línguas.
—Oh. — Lana riu, apoiando-se contra uma cadeira. — Aposto que tem muita habilidade com ela. Iori deve estar contente com isso.
—Ela estava muito contente com a sua até agora pouco. — Laura parou a sua frente, movendo uma mão até seu rosto.
—Por que você não prova e descobrimos se também te satisfaz? — Lana envolveu sua cintura, inclinando a cabeça em sua direção.
—E estragar a sobremesa? — Ela acariciou seu rosto, mantendo-se perto.
Lana estreitou os olhos, mas sua atenção foi atraída para o estalar de saltos que veio da escada, e ela sorriu ao ver Iori num terninho social, com o colete roxo e a camisa branca, a calça jeans preta e um salto alto. Os cabelos escuros estavam soltos sobre os ombros, ela se aproximou com um pequeno sorriso.
—Oh, não parem por minha causa. — Falou quando chegou perto. — Sequer faço ideia do que estavam falando.
—Você está maravilhosa. — Lana falou primeiro, aproximando-se e segurando uma de suas mãos, fazendo-a girar no lugar. — Isso realmente combina com você.
—Que bom que gostou. — Iori se inclinou e selou seus lábios. — Tinha que colocar algo para estar no mesmo patamar que vocês duas.
—Você sempre está.
—Nisso tenho que concordar. — Laura se aproximou, levando uma mão em seu rosto para acariciar. — Você sempre está linda, querida, mas devo acrescentar que hoje está ainda mais.
—Parem com isso, vocês duas, ou a comida vai esfriar. — Iori riu mais acanhada, gesticulando a mesa. — Vamos comer.
—As suas ordens, patroa. — Laura bateu continência, fazendo ambas rirem. — Primeiro, nossa convidada. — Ela caminhou até a cadeira na ponta da mesa e a puxou, olhando para Lana. — Sente-se, por favor.
Ela sorriu e obedeceu, sentando-se e deixando que a cadeira fosse posicionada mais à frente. Laura repetiu o gesto com Iori antes de começar a servi-las, colocando uma porção generosa em cada prato, esperando que comessem antes de se servir.
—Fica diferente sem a pimenta. — Iori comentou, olhando-a do outro lado da mesa. — Você deixou ainda mais saboroso, querida.
—Consigo sentir o gosto de tudo, e está maravilhoso. — Lana falou em seguida. — Totalmente diferente do que comi da primeira vez.
—Tente assim agora. — Laura pegou uma tortilha e depositou o chilli por cima, levando até a boca dela e deixando que mordesse. — Que tal?
—Oh, faz a diferença. Você as fez também?
—Eu sempre faço. Fica com um frescor a mais que as compradas.
—Está perfeito.
Laura repetiu o gesto com Iori, que sorriu antes de comer, acariciando seu braço em agradecimento.
—A bebida está no ponto certo. — Iori lhe disse, então olhou para Lana. — Você devia experimentar.
—Oh, não aceite. O dela está cheio de saquê. — Laura avisou, recebendo um tapa de Iori, que ria.
—Ei! Não revele o ingrediente secreto.
—Eu adoro saquê, mas não cairia bem com os remédios. — Lana sorria com o clima descontraído entre ambas.
—Com a dose que Iori está acostumada você ficaria bêbada em alguns minutos. — Laura continuou o tom de provocação. — Eu fico.
—Mentiras! Pare de inventar essas coisas ou ela vai acabar me indicando para o AA. — Ainda assim ela deu um longo gole de sua bebida colorida.
—Não importa o que ela diga, não aceite bebidas que ela te ofereça.
—Oh, agora estou com medo de tomar a minha. — Lana indicou a própria bebida colorida, segurando em uma mão. — Você disse que fez as bebidas.
—Ela queria acertar meu ponto fraco, quem sabe o que ela colocou no seu? — Iori provocou, estendendo a mão para pegar o copo da mão dela e beber um gole. — É ainda mais doce. Vamos esperar cinco minutos, se nada acontecer, você estará segura.
—Oh, eu não estava querendo dizer isso. — Lana riu mais por constrangimento, virando-se para Laura. — Eu sequer pensei nisso.
—Não se preocupe, Iori gosta de colocar ideias malucas depois que sente o cheiro do saquê. — Ela se inclinou e pegou o copo que Iori ainda tinha em mãos, oferecendo a própria bebida para Lana. — É a mesma coisa, minha mulher não tem a noção de não pegar a bebida de nossos convidados. Mas tente, talvez ache menos doce. Tem uma dose mais fraca de rum, de resto são só frutas vermelhas.
Lana ofereceu uma caricia em sua mão antes de beber um gole, produzindo um som conforme engolia, surpresa com a combinação ter resultado em algo agradável em seu paladar.
—É realmente bom. Você tem talento para cozinhar coisas deliciosas, Laura. — Lana sorriu em sua direção, recebendo um sutil aperto em sua mão antes de se virar para Iori. — Você deve se aproveitar disso.
—O tempo inteiro. — Iori concordou, rindo com o fato.
—Mas quando está com tempo ela faz comida oriental. — Laura acrescentou. — A família dela tem restaurantes tradicionais, acho que está no sangue dela da mesma forma que está no meu.
—É uma grande mistura, devo admitir. — Lana olhou entre ambas. — Suas culturas são bem diferentes, e vocês parecem herdar alguns costumes. Mas pelo que vi vocês mantiveram algum equilíbrio. Mesmo na casa. — Ela olhou ao redor por um momento. — É impressionante.
—Tenho que concordar. No começo fomos um desastre. — Iori relembrou, um sorriso de lado quando olhou para Laura. — Discutíamos o tempo inteiro e nunca concordávamos em nada.
—Apenas na cama. — Laura riu.
—Nisso continuamos concordando. Mas nos separamos algumas vezes desde a faculdade.
—Oh, então se conheceram na faculdade. — Lana continuou olhando entre ambas, aproveitando a comida enquanto as ouvia.
—Sim, numa festa. Tínhamos amigos em comum, acabamos nos esbarrando no meio de uma festa e eu não consegui mais tirar os olhos dela. — Laura relembrou com ânimo.
—Ela faz isso parecer romântico, mas a verdade é que ela me levou para o quarto em dez minutos. — Iori pontuou, fazendo ambas rirem. — Mas a culpa é minha, eu cai na lábia dela muito fácil. Laura era conhecida pela lábia.
—Ah, era? — Lana olhou para ela. — Agora está domesticada?
—Agora uso em quem Iori quer que eu use. — Laura piscou em sua direção.
—Então é você quem dá as ordens aqui, eu devia ter imaginado. — Lana riu, batendo a perna na de Iori por baixo da mesa.
—Eu mantenho as coisas em ordem, Laura adora isso.
—Isso é verdade. — Laura ergueu o próprio copo, em brinde ao fato, até beber um longo gole.
—Então vocês estão juntas desde essa época? — Lana voltou a questionar, curiosa com a história.
—Mais ou menos. Nos separamos depois da formatura.
—Mas nos encontramos no ano seguinte. — Iori prosseguiu. — Eu levei meu primo para o hospital. Ele tem síndrome de down, normalmente era a mãe dele que levava para acompanhamento na época. Então acabamos nos encontrando, ela fazia parte da equipe. Resolvemos sentar e conversar.
—Fomos colocando no papel o que gostávamos ou não, o que queríamos, e começamos a ceder algumas coisas.
—Fomos morar juntas em alguns meses. Ainda colocamos algumas coisas no papel, mas acho que aprendemos uma boa fórmula de ficarmos juntas.
—Fico feliz em saber. Vocês sempre pareceram bem unidas, estáveis. — Lana bebeu da própria bebida. — É bom ver que realmente são assim.
—E você? — Laura a olhou. — Você disse que era de Nova York. Teve algum relacionamento sério?
—Sim, eu estava casada há alguns anos.
—Casada? — Iori não escondeu a surpresa. — No papel e tudo?
—Sim, no papel e tudo.
—Achei que por ter criado Daph e ainda trabalhar quase todos os dias te atrapalharia nesse quesito.
—Ah, sim, atrapalha agora. Mas acho que ajudou o fato de que minha esposa também é minha chefe. — Lana deu alguns goles na bebida enquanto observava o casal absorver a notícia, ambas se entreolhando, buscando por palavras para formular a primeira pergunta. — Sei o que podem estar pensando. Mas não, não há chances de uma recaída. Eu me mudei para Chicago para poder respirar em paz. Já faz um ano.
—Você não precisa se justificar dessa forma. — Iori segurou sua mão sobre a mesa. — Foi só uma surpresa. Você nunca me pareceu o tipo que se casa.
—Foi uma boa experiência, eu não tenho do que reclamar.
—E o que deu errado? — Laura perguntou lentamente, voltando a comer, sem se importar para o olhar de alerta que recebeu de sua companheira.
—Várias coisas. Mas acho que estourou nosso limite quando ela decidiu ter um filho e eu não concordei.
—Por que?
—Querida, não seja rude. — Iori ainda tinha os olhos estreitos em sua direção, mas abriu um pequeno sorriso quando Lana a olhou. — Sem assuntos complicados no primeiro encontro. Lembra?
—Eu diria sem falar das ex’s no primeiro encontro. — Lana falou em tom descontraído, olhando entre ambas. — Traz má sorte, nunca ouviram falar?
—Eu te disse que estamos enferrujadas. — Laura sorriu por um momento. — Não somos o melhor exemplo de bons encontros.
—Não diga isso, eu estava me divertindo. É normal estar curiosa. — Ela respirou fundo e recostou na cadeira. — O fato era que meu relacionamento com ela já estava desgastado. Eu estava cansada e ela estava empolgada em ter uma família. Mas para mim não havia mistério nenhum ter um filho, e eu sabia que isso não iria melhorar nada. Seria somente mais uma criança que eu seria responsável.
—E você já tem Daphne. — Iori relembrou, e ela balançou a cabeça para concordar. — Então não está nos seus planos ter mais crianças?
—Eu não tenho como responder isso. Depende de muita coisa. Mas principalmente eu teria mais cuidado para não repetir os erros de Kristin. Eu teria mais uma criança, sim, mas quando estivesse melhor estabilizada e num lugar melhor. Meu apartamento é pequeno e provisório.
—Então você pretende se mudar? — Laura indagou.
—Ainda dentro da cidade, não se preocupe. Você não vai sentir minha ausência.
—Assim espero, eu sentiria sua falta. — Iori falou com tom mais baixo, mostrando que era verdade.
—Eu sei, mas eu gostei da cidade e gostei da Infinity daqui. Não pretendo sair agora. Eu já teria me mudado para uma casa se não tivesse sofrido esse acidente, agora tenho que esperar a cirurgia. Mas estou feliz mesmo assim. — Ela buscou pela mão de Laura, olhando para ambas. — Eu pude conhecer vocês duas, o que é uma surpresa, mas é algo bom.
—Sim, é realmente bom ter conhecido você. — Iori apertou sua mão.
—Eu posso concordar com isso. — Laura imitou o gesto. — Está pronta para a sobremesa?
—Claro. Mas podem me dizer onde fica o banheiro primeiro?
—Siga reto, é a primeira porta a direita.
—Obrigada. Volto num instante.
Lana foi em direção ao banheiro, buscando relaxar e absorver os últimos acontecimentos. ---
Enquanto Lana ainda estava no banheiro, o casal levou a louça para a pia, jogando fora os restos e depositando tudo na lava-louça. Iori não se demorou em dar um tapa no braço da companheira tão logo teve as mãos livres, fazendo-a parar antes de pegar a sobremesa na geladeira, confusa com a expressão irritada da outra.
—O que foi?
—Pare de insistir nesses assuntos pesados. Por que está agindo como se suspeitasse dela? — Iori perguntou quase em um sussurro, certificando-se de que Lana não estivesse voltando.
—Meu amor, só estou tentando te proteger. Você caiu depressa por ela. E está tudo bem. Mas quero ter certeza de que ela não vai acabar te machucando.
—Se você não percebeu, eu sou adulta. Se tiver que me machucar vai acontecer de qualquer forma, eu sei lidar com isso.
—Eu odiaria ver isso acontecer. Pode me culpar por tentar evitar?
—Está tentando evitar isso ou está arranjando motivos para não se aproximar dela?
—Do que está falando?
—Eu te conheço. Desde quando você hesita? Eu já perdi as contas de quantas vezes ela te deu uma abertura para você se aproximar dela, para beijar ela, ou pelo menos para te ver aceitando algum elogio, mas você está sendo fria com ela. Por que?
—Iori... — Laura suspirou, mas não respondeu nada.
—Aconteceu alguma coisa? Você não está confortável em termos alguém aqui?
—Não é nada disso, não se preocupe. — Laura segurou seu rosto e se inclinou para beijar seus lábios. — Eu vou chegar até ela.
—Você não precisa se não tiver gostado dela. Não é porque eu gostei que você deve se sentir na obrigação de fazer isso.
—Eu sei disso. Só me dê algum tempo.
—Só... pare o interrogatório com os assuntos mais delicados. Ela não é idiota, deve ter pensado que você está desconfiada. Então tente ser mais você e não se preocupe comigo.
—Está bem, eu posso fazer isso.
Iori sorriu e envolveu seu pescoço, colando seus lábios enquanto sentia seus corpos se colarem um ao outro quando Laura aprofundou o beijo.
Fim do capítulo
Primeira parte do encontro, pausa para a sobremesa!
OBS: Nova capa para a história :D
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