Capítulo 99

Era noite, Norma, Laura e Antoni estava na sala panejando como iriam contar tudo a dona Lúcia.  Decidiram deixar para o final do jantar, pois assim não correriam o risco de perderem o apetite, mesmo todos já estarem com um nó na garganta por medo da reação da senhora.

— Estavam me esperando? — dona Lúcia indagou, descendo as escadas.

Ao ouvir aquela voz, todos se levantaram do sofá e encararam a mulher que parecia estar tentando adivinhar o que acontecia com os mais jovens.

— Sim, mamãe – Norma tentou falar com naturalidade, pois o que não queria era a Mãe desconfiando de algo.

Todos foram para a sala de jantar. No momento em que esperavam serem servidos, um clima estranho começou a tomar conta do ambiente.

Dona Lúcia remexeu-se um pouco na cadeira. Odiava ficar muito tempo em silêncio, principalmente quando tinha várias dúvidas em sua cabeça.

Apertou os seus lábios, tentando, de alguma forma, segurar a sua língua.

Observou como a mesa estava organizada. Laura sentada na cabeceira, Norma ao lado e Antônio em uma cadeira que ficava à sua frente. Isso só poderia ser algo que ela ainda não havia planejado para sua filha.

Ficou um tempo em silêncio. Olhava a todo momento para a filha, a conhecia bem para saber que tinha algo sério para dizer.

— Quando você ia me dizer que estar com uma mulher, Norma? – indagou e recebeu vários olhares surpresos. – Vocês acham que não sei quando estão me escondendo algo – disse firme e viu que até a empregada estava com medo de suas próximas reações.

— Mamãe, eu...

— Ah, Norma, você sempre pensa o pior de mim. Eu sei... eu exagero, mas é que sempre quis que você realizasse os sonhos que eu não consegui. – Deu uma pausa. – Você achava que iria ter alguma atitude preconceituosa? – perguntou com certa mágoa.

Norma olhou para os lados e encontrou o olhar surpreso da sua amada. Ninguém estava acreditando no que Lúcia dizia. Achavam que a senhora teria outra reação.

Um silêncio começou a tomar conta do ambiente e Lúcia ficou incomodada.

— Não vão dizer nada?

— Mãe, a senhora sempre planejou casamentos para mim. Veio para a minha casa com Antoni. A senhora queria que eu pensasse o quê? – Norma começou a ficar nervosa.

— Você não me disse que era lésbica, Norma. Se você tivesse dito, seria diferente.

— A senhora iria aparecer aqui com mulheres? – Norma cruzou os braços, demonstrando estar impaciente.

— Acho melhor acalmarmos um pouco os ânimos. – Laura resolveu se meter na conversa entre mãe e filha. – Achávamos que a senhora não iria receber bem a notícia.

— Imagino que minha filha já tenha envenenado você contra mim. – Lúcia estreitou o seu olhar e Laura percebeu que aquela discussão já estava perdendo o sentido.

— Já chega! – Antoni gritou, fazendo todos olharem para ele. – Acho que vocês estão exagerando já. O problema Inicial era ter a possibilidade da dona Lúcia não aceitar. Agora já estão querendo discutir sobre o que Norma pode ou não ter dito a Laura. Vamos nos organizar, pois assim não vamos resolver nada.

— Vocês não são sinceros comigo — dona Lúcia reclamou.

— Mãe...

— Agora só falta Antoni dizer que é gay – disse e notou o enfermeiro inquieto. – Todos estavam me enganando. Parece que só pensam o pior de mim.

Norma levou a mão a face. Não tinha muita paciência para escutar os dramas da mãe.

— Você tem algo a dizer, Laura? Pois não quero mais surpresas. – A senhora encarou a médica.

Laura engoliu em seco e ficou um tempo em silêncio. Olhou brevemente para Norma e segurou uma das mãos da amada que estava sobre a mesa.

— Eu amo a sua filha. Ela foi e é a melhor coisa que aconteceu em minha vida. Sei que a senhora tinha outros planos. Queria que sua filha se casasse com um homem. — Deu uma pausa, pois sua voz começou a ficar trêmula. – Mas mesmo não sendo o que a senhora deseja, eu tenho certeza que posso fazer sua filha muito feliz. Eu irei me casar com sua filha, mesmo não sabendo qual é sua opinião, pois a pessoa mais importante aqui já aceitou, Norma.

Antes de dona Lúcia dizer algo, Norma resolveu falar:

— Mãe, Laura surgiu recentemente em minha vida. Eu nunca havia me envolvido antes com uma mulher. Sobre esta questão da senhora me aceitar ou não, não é algo que pode influenciar o futuro de minha relação. Eu irei me casar com Laura.

— Tudo bem! – a senhora disse calmamente, fazendo os presentes estranharem a sua reação.

— Não vai dizer nada? – Norma indagou, pois achava que a mãe iria fazer muito drama, já que não poderia mais com o seu plano de casar a filha com Antoni.

— Você quer que eu diga o quê? Que é um erro? Sendo que eu sei que não posso mudar o que você sente por Laura. Eu não sou tão ruim assim, minha filha. – Deu uma pausa. – Eu sei, coloco meus interesses acima do seu. Queria que você tivesse uma vida lá no interior, mas não posso colocar meus interesses acima de sua felicidade que no caso é estar com Laura.

— Mãe, eu estou surpresa com tudo que a senhora está me dizendo.

Dona Lúcia sorriu fraco.

— Sei que sim. Mas, a partir de agora, eu quero mudar a imagem que vocês têm de mim. Quero saber mais da vida de vocês... Quero saber como vocês se conheceram. Ah... – Olhou para Antoni que estava um pouco sem jeito. – Quero que me fale mais sobre isto se ser gay. Por que nunca me falou? Nunca fui preconceituosa. – A senhora começou a ficar com uma face tranquila, pois reconhecia que havia errado com sua filha e Antoni. Nunca deveria ter deixado seus interesses ficarem acima dos de Norma e Antoni.

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Era domingo de manhã. Raquel tocou delicadamente a face de Sófia olhando com intensidade para os olhou azuis. Sentia-se muito feliz. À tarde estariam oficialmente casadas. Não havia mais dúvidas ou receios. Estar com Sófia até o restante de seus dias era a maior certeza que tinha.

— Um beijo pelos seus pensamentos – Sófia moveu o corpo na cama e ficou sobre Raquel.

— Não está achando um beijo muito pouco não? – Acariciou com a pontas dos dedos a face tranquila à sua frente.

— Dois beijos? – Mordeu levemente os lábios demonstrando estar ansiosa para ouvir o que a sua amada tinha para dizer.

Raquel riu alto. Aproximou os seus lábios nos de Sófia, mas não os encostou.

— Muito pouco ainda.

— Hum... então vários beijos até o fim de nossas vidas – comentou toda sorridente.

— Bom... agora está melhor!

— Vai me contar o que está pensando? Acho melhor dizer logo, pois as meninas disseram que vão nos separar hoje.

— Ah... tem isso mesmo! – Raquel lembrou-se das meninas: Norma, Laura e Amanda. Elas haviam dito que iriam separar o casal para não haver a possibilidade de ver a outra antes do casamento. Raquel e Sófia não gostaram da ideia de ficarem longe da outra, mas acharam melhor concordar com as amigas.

— Então... vai me dizer o que estava pensando? – Sófia morde novamente o seu lábio inferior.

Raquel sorriu e começou a reparar em cada detalhe da face de Sófia com atenção.

— Que é maravilhoso estar contigo. Que a maior certeza que tenho nesta vida é que quero dividir o restante de meus dias com você.

— Bom... então posso ir tranquila para o altar, pois não há nenhuma possibilidade de você fugir com Nino? – Sófia quis brincar e a engenheira gargalhou alto.

— Impossível eu fugir com Nino. Do jeito que ele está apegado a Nina, é capaz dele deixar eu ir sozinha. – Deu uma pausa. – Eu nunca fugiria, meu amor, porque o lugar onde quero estar é ao seu lado.

— Eu digo o mesmo, amor. É com você que quero ficar. – Encostou a sua testa na de Raquel e ficou reparando em como as respirações mudavam o ritmo.

Sentindo os seus cabelos sendo acariciados, Sófia foi beijada devagar por Raquel.

As duas se beijaram sem pressa, curtindo o momento.

Não pretendiam ir além, pois a qualquer momento as amigas chegariam. Porém não deixaram de aproveitar o quanto pôde a companhia da outra.

Às oito horas, Sófia e Raquel saíram do quarto. Foram abraçadas pelos peludos logo que chegaram à sala.

— Estão animados? – Raquel perguntou enquanto enchia Nino de beijos e carinho. O peludo estava todo contente por ser acariciado daquela forma.

Nina latiu, fazendo as duas mulheres sorrirem.

— Acho que Nino está tão empolgado com esses carinhos que nem quis te responder – Sófia disse com um lindo sorriso no rosto. A verdade é que as duas estavam muito sorridentes.

— Meninas, preparamos um café-da-manhã especial para vocês duas. – Geraldo surgiu na porta da cozinha de mãos dadas com a esposa. – Não é todo dia nos casamos. Então tem que ser um dia muito especial desde o início – disse amoroso.

— E não precisam se preocupar com os filhotes. Nino e Nina já comeram bastante. Até além do que devia. Este avô aqui é muito babão. Fico imaginado como será quando vocês tiverem o primeiro filho – Margarida comentou e Geraldo sorriu sem graça, pois sabia que a esposa tinha razão.

— Espero que não demore muito para isso ocorrer. – Sófia olhou para Raquel e percebeu que a engenheira concordava com suas palavras.

— Então já estão pensando em ter filhos? – Geraldo perguntou já com os olhos brilhando.

— Sim, meu sogro. Queremos para logo – Raquel respondeu ouvindo o som da campainha tomando conta do ambiente. Com certeza eram as meninas.

— Vou atender – Sófia disse ao caminhar até a porta. Ao abrir, recebeu três abraços calorosos.

Norma, Laura e Amanda surgiram com um sorriso radiante em seus rostos. Pareciam estar mais animadas do que as noivas.

— Preparadas? – Norma perguntou após cumprimentar todos naquela sala.

— Sim, mas ainda não tomamos o nosso café. Querem tomar conosco? – Sófia indagou enquanto se aproximava de Amanda que já estava com uma barriga enorme.

— Eu quero, esta menina aqui. – alisou a barriga. – sempre me faz sentir muita fome – comentou e as pessoas na sala começaram a rir.

— Então venham, eu preparei algo especial hoje – Margarida disse ao chamar todos para ir à cozinha.

Quando chegaram, todos ficaram surpresos com o tanto de bolos, pães e frutas.

— Acho que alguém aqui quer engordar vocês para não caberem no vestido – Norma comentou toda divertida e o casal ficou um pouco preocupado, pois a ruiva tinha razão.

— Comendo um pouquinho de cada não tem problema. – Laura já foi se sentando à mesa. – Vamos meninas, acho que hoje só é permitido atraso das noivas. Temos muito o que fazer ainda. Ficarei responsável pelos dois peludos adoráveis – comunicou.

— Sério isso? – Raquel se sentou totalmente surpresa com a novidade e um pouco preocupada, pois nem ela dava conta sozinha de Nino e Nina. Achava que a médica iria sofrer muito.

— Sim. Sei que a tarefa é difícil. É barra pesada mesmo – comentou e as outras pessoas que já estavam tomando o café riram. – Mas foi a tarefa que sobrou para mim.

— Iremos te ajudar, Laura – Geraldo disse ao olhar para sua esposa.

— Bom... a conversa está muito boa, mas queremos saber o mais importante – Amanda chamou a atenção de todos para si. – Vocês estão ansiosas? Nervosas? Com medo? Alguém quer fugir? – Todos riram da última parte.

— Não queremos fugir, né, amor? – Sófia segurou a mão de Raquel, que estava sentada ao seu lado. – Acho que não há espaço mais para incertezas. Sabemos o que queremos... queremos estar com a outra para sempre. Construir uma família linda... ter um lar maior para nossos peludos correrem e envelhecer juntinhas, mesmo uma não aguentando as reclamações da outra.

— Acho difícil eu achar algo ruim em você, amor. Nunca que acharei ruim as suas reclamações. Eu te amo muito! – Raquel deu um selinho um pouco demorado em Sófia.

— Hum... Nosso exemplo de casal está aqui. – Norma começou a bater palmas e os outros a acompanharam. – Eu estou muito feliz por vocês. Acho que todos aqui estão. Sei o quanto uma ama a outra e o tanto que lutaram para estarem juntas hoje. Vocês merecem esta felicidade que estão vivenciando. Desejo que esta alegria de vocês seja eterna.

— Muito obrigada, Norma. Preciso te agradecer por não ter deixado eu desistir deste amor e por ter me apoiado tantas vezes. A verdade é que preciso agradecer a todos vocês por tudo que fizeram por mim. Com vocês, eu não me sinto sozinha. Para vocês, eu posso voltar após uma tempestade, pois sei que sempre poderei contar com vocês. – Raquel começou a se emocionar e as outras pessoas também.  – Vocês são a minha família. Nunca esqueçam disso!

Fim do capítulo