Recomeço – Capítulo 93

Após buscarem os peludos no apartamento das amigas, Norma e Laura retornaram para a casa.

Quando chegaram, a primeira coisa que fizeram foi soltar os dois naquele jardim com a grama verdinha.

Ao estarem livres, Nino e Nina correram para todos os lados, causando uma crise de risos nas duas mulheres.

— Acho que eles estavam precisando disso – Laura comentou ao segurar uma das mãos de Norma. As duas passaram a caminhar pelo jardim, indo em direção ao fundo da casa.

— As meninas precisa resolver logo isso, pois esses dois em um apartamento deve ser muito complicado.

Norma sentiu-se muito bem tendo o contato da mão de Laura. Nos últimos dias, as duas mulheres estavam se conhecendo e se amando ainda mais. Estavam convictas de que haviam feito a escolha certa ao morarem juntas. Algo ainda faltava para a felicidade ficar completa, contudo, Laura já estava arquitetando como iria resolver isso.

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Havia passado do horário do almoço quando Rita chamou Raquel para conversar no escritório.

Toda a família teve um almoço maravilhoso juntos. Estavam conseguindo resolver suas diferenças, no entanto, quando relembravam o passado o clima tenso sempre se apossava do ambiente.

Era difícil esquecer o passado, mesmo sabendo que o presente estava sendo melhor.

— Eu agradeço muito por ter vindo. Isso me deixou muito feliz, Sófia e você aqui em nossa casa. – Rita sentou em um sofá que se encontrava ali e chamou Raquel para fazer o mesmo.

Raquel ficou um tempo de pé sem saber como agir, mas depois fez o que foi pedido.

— Agradeço também pelo convite ao seu casamento – Rita continuou a falar.

— Não precisa agradecer por isso. Fiz o que meu coração pediu, o que achei certo no momento. – Raquel abaixou o seu campo de visão e um silêncio começou a tomar conta daquele local. — Mãe, a senhora esqueceu mesmo o que houve entre a gente no passado? – Prolongou o seu olhar na senhora.

— Não. – Rita balançou a sua cabeça algumas vezes.

— Então ainda carrega aquele ódio por mim? – perguntou sentida e decepcionada.

Rita respirou fundo.

— Não é isso, minha filha.

— É o que então?

— Eu não esqueço o que houve, mas não estou dizendo que ainda carrego alguma mágoa de você. – Segurou uma das mãos de sua filha. – Raquel, acho que a maior culpada aqui sou eu. Envergonho-me por ter te feito tanto mal. Por não ter sido a mãe que você precisava, quando eu sabia que o mundo poderia ficar contra ti por você ser lésbica. Errei tanto que acho que não tem como eu consertar isso – disse com a voz embriagada pelo choro. – Eu não peço a você que ignore o que fiz, pois sei que isso é impossível. Mas gostaria de uma nova chance, mesmo sabendo que já tive muitas.

— Eu não sei o que dizer. Gostaria muito de falar que tá tudo bem que nada me magoa mais, no entanto, estaria mentido se dissesse que já não lembro do que fez comigo e Sófia para proteger os interesses de meu irmão.

— Eu não quero que esqueça. Nunca te pediria isso. – Forçou um sorriso. – Só quero que me permita te conhecer, estar perto. Isso me alegraria muito, Raquel. Quero poder te mostrar que estou mudando.  Estou tentando me tornar uma pessoa melhor. Eu sei que é muito fácil dizer isso depois de tudo que fiz, mas estou tentando de verdade.

Raquel pensou por alguns instantes. Ainda era estranho ter a sua mãe ao seu lado daquela maneira, tentando ser uma mãe melhor, mais presente.

— Tudo bem! – disse e sentiu o corpo de Rita se jogando em seus braços. No começo, assustou-se com aquele gesto, entretanto, com o tempo, sentiu uma sensação diferente começar a tomar conta de seu corpo. Era algo bom, talvez aquela fosse uma das poucas vezes que sentiu a sensação de estar recebendo um abraço materno.

— Muito obrigada! – Rita falou de uma forma amável ao beijar a testa da filha.

_*_

O sol estava quase se pondo. Os peludos corriam pela grama sem parar. Pareciam estar gastando a energia de uma semana toda de caminhada.

— Nino, venha aqui – Laura, que estava sentada em uma espreguiçadeira, chamou o peludo que logo a atendeu. – Como sei que você é esperto. Eu quero que você faça uma coisa para mim – disse e sorriu ao perceber que Nino lhe olhava atentamente.

Naquele momento, Norma estava na cozinha preparando algo para as duas comerem à noite. As empregadas continuavam trabalhando na casa, mas aos finais de semana, a ruiva fazia questão de cozinhar, já que amava muito fazer isso.

— Eu quero muito que você entregue isso a Norma. – Tirou uma caixinha do bolso do short e colocou uma fita onde Nino poderia segurar. – É bom que assim você vai poder treinar para o casamento das meninas. – Nino olhou desconfiado e depois latiu.

— O que é que Nino está latindo? – Norma indagou ao chegar no fundo da casa com uma bandeja e uma jarra de suco.

Laura rapidamente escondeu a sua surpresa.

— Estava conversando uns assuntos sérios com ele.

— Ué, desde quando você fala assuntos sérios com cachorros? – Norma virou-se de costas para a amada para poder colocar a bandeja na mesa.

— Ah... desde hoje. – Fez com que Nino segurasse a corda com a caixinha do anel e levasse até a ruiva. – Olha! – chamou e ficou reparando na reação da amada.

No começo, Norma não entendeu o que estava acontecendo, mas depois olhou para a boca de Nino e reparou que havia uma caixinha presa a fita vermelha que Nino segurava.

Norma sentiu o seu coração bater mais forte. Não conseguia acreditar no que estava prestes a acontecer.

— Você não está querendo fazer o que estou pensando, né? – perguntou ao olhar para a médica que continuava sentada.

— O quê? – Laura sorriu um pouco de lado. – Pegue!

Norma balançou sua cabeça negativamente e pegou a caixinha. Antes de se levantar, fez um carinho em Nino que ficou todo bobo. Nina logo apareceu para saber o que estava acontecendo.

Sentindo suas mãos trêmulas, Norma abriu a caixinha e se deparou com dois lindos anéis.

— Eu sei que já conversamos muito sobre este assunto. – Laura se levantou. – Você sempre comenta do seu medo por conta de estarmos indo muito rápidas, mas acho que como eu, você está percebendo que, nos últimos dias, esta vontade andou surgindo em nós. E que não dá para negar que fomos feitas para a outra. – Respirou fundo. – Acho que você também deseja oficializar isso.

Norma deu um sorriso contido, pois sua amada tinha razão. Nos últimos dias, morando juntas, as duas estavam se conhecendo. Descobrindo os defeitos ocultos, e, mesmo assim, amando ainda mais a outra.

A convivência estava unindo-as.

Faziam poucos meses que estavam juntas. Talvez já tivessem pulado diversas etapas. Por que não pular mais uma?

A advogada pulou nos braços de Laura e a abraçou forte. Parecendo que a última que queria fazer era soltar aquela mulher.

— Então? – Laura deslizou uma de suas mãos pelas costas da ruiva e sorriu totalmente encantada com o sorriso que recebeu.

— O que mais quero é ser oficialmente sua esposa. Quero ter uma família ao seu lado, Laura – Norma disse com o olhar preso ao da médica.

Laura sorriu e tocou a face de Norma com a ponta de seus dedos. Era maravilhoso reparar nos belos contornos daquela face.

Deslizou as suas mãos pelos braços da advogada até que sua mão encontrou a caixinha com os anéis que estava em uma das mãos da amada.

As duas mulheres se afastaram um pouco. Laura se ajoelhou no chão com a caixinha aberta.

— Você aceita se casar comigo? – perguntou olhando diretamente nos olhos emocionados de Norma.

— Claro que aceito. – Puxou Laura para que se levantasse.

Voltaram a se abraçar e as duas iniciaram um beijo lento cheio de amor. Norma segurou a face de Laura com suas duas mãos e foi aprofundando o beijo, fazendo com que sua língua invadisse aa outra boca.

Querendo que aquele contato aprofundasse, Laura encostou o corpo de Norma na mesa e começou a descer com seus beijos. Quando chegou a beijar por cima do tecido um dos seios de Norma, ela ouviu um latido alto.

Olhou para o lado e se deparou com Nino tapando os olhos de Nina. A feição do peludo estava sério.

As duas mulheres começaram a gargalhar.

— Acho que estamos nos esquecendo que ficamos de babá hoje. – Norma comentou e deu um selinho nos lábios da amada.

— É – Laura balançou sua cabeça negativamente, pois ela queria continuar tocando o corpo de sua amada. – Bom... o jeito é deixar para mais tarde.

Norma riu com o comentário da amada.

— Melhor, pois se eles aprontarem, vamos levar uma bronca das meninas. – Acariciou a face da médica. – Eu te amo!

— Também te amo, meu amor. – Laura pegou um dos anéis e colocou em um dos dedos de Norma. – Oficialmente minha noiva. – Beijou no local que estava o fino metal.

— Oficialmente sua noiva. – Norma olhou para Laura totalmente encantada. Estava feliz, muito feliz. Uma felicidade incapaz de ser medida.

_*_

Sófia estava prestes a ir embora com Raquel da casa de seus sogros quando decidiu ir ao banheiro.

Aquele dia havia sido maravilhoso. Todos puderam conversar e começar uma nova fase na relação entre eles.

Rita se esforçara muito para ser uma mãe melhor. Se estava tendo êxito nisso, somente Raquel poderia dizer, mas pelo visto, a engenheira estava muito bem.

Não havia esquecido suas mágoas, mas parecia estar disposta a dar uma nova chance a Rita.

Todos estava se entendendo, contudo Sófia se lembrou de alguém, Paola.

A morena ficava o tempo todo lhe olhando. Sófia até cogitou a possibilidade de Paola estar armando algo pelo tanto que lhe olhou naquele dia.

Ao sair do banheiro, deu de cara com a mulher que lhe deixou com tantas dúvidas.

— Podemos conversar? – Paola perguntou em tom sério ao encarar a loira.

— Ah... – Sófia olhou em direção a sala, pois Raquel estava a esperando.

— Será rápido. – Começou a andar pelo imenso corredor e Sófia a acompanhou silenciosa. – Faz um tempo que eu estava desejando ter esta conversa com você. – Parou no final do corredor e olhou pela janela que havia ali.

— Quando decidi vir, eu pensei muito sobre a gente. O nosso último encontro não foi dos melhores – disse com um tom baixo. Temia o que poderia ouvir daquela mulher.

Paola forçou um sorriso.

— Eu estou com Ricardo, Sófia. Não irei e nem pretendo atrapalhar seu relacionamento com Raquel. Sei que meu passado pode te deixar insegura, mas estou sendo sincera. – Deu uma pausa. – Perdi tudo no passado por conta de meu lado inconsequente. Não quero perder tudo de novo.

— Por que você se envolveu com Raquel naquele tempo? – Sófia perguntou e sentiu um nó surgir em sua garganta.

— Curiosidade que me trouxe algumas certezas. – Forçou um sorriso. – Raquel era um doce de mulher. E eu amava seduzir as pessoas. Conquistar, usar o meu charme para persuadir as pessoas. E ela era muito manipulável na época, falsas juras de amor a convenciam de que ficaria com ela a vida toda.

Sófia não se sentiu bem por ouvir essas palavras. A outra mulher havia usado a sua amada por conta de caprichos.

— Antes que você se irrite comigo, eu não sou mais assim – Paola se defendeu. – Eu aprendi com meus erros. E sei que esses erros também afetaram muito a vida de Raquel.

— Que certezas foram essas que essa “curiosidade” lhe trouxe? – Sófia indagou ignorando totalmente as justificativas da outra mulher.

— Eu sou bissexual, Sófia. Me sinto atraída por homens e mulheres. Ficar com Raquel me fez ter uma direção quanto a isso. Mas eu gostar dos dois não quer dizer que eu vou trair Ricardo novamente para ficar com uma mulher. Me sinto atraída por mais de um gênero, mas só uma pessoa que me importa no momento, e é ele.

— Fico feliz por você estar entendendo sobre sua sexualidade agora, contudo, isso não lhe tira as responsabilidades dos acontecimentos passados. Muitas pessoas sofreram e ainda estão se recuperando.

— Eu sei que sim. – Abaixou o seu campo de visão. – Mas não queria mais mal-entendidos entre nós, pois a última coisa que quero é perder a confiança de Ricardo novamente.

Sófia pensou por alguns instantes. Ainda não estava pronta para confiar naquela mulher, mas suas palavras pareciam bem sinceras.

— Não vai haver. Durante o almoço, eu vi como Ricardo e você estão bem. Acho que temos que deixar as nossas diferenças de lado.

— Não quero forçar uma amizade com vocês, mas por estarmos fazendo parte da mesma família, acho que a gente precisa dar uma trégua. Parar de vivermos sempre na defensiva. – Paola falou e Sófia concordou.

Fim do capítulo