Por Acácia:

Aquela terça-feira seria como um dia qualquer, não fosse o fato de ter que começar meu estágio do curso de enfermagem que fazia a noite e ainda ter que levar a  Yasmin comigo naquele dia; pois minha mãe teria que sair com meu pai, e não seria possível levá-la junto com eles, não quis deixá-la com alguma vizinha sem aviso prévio. Seriam apenas duas horas de estágio pela manhã, durante setenta dias totalizando cento e quarenta horas e no final três a quatro plantões no hospital público da cidade. Naquele dia meu estágio seria no CAE, na ala psiquiátrica,apenas uma dinâmica de grupo, aferir pressão, glicemia, isso depois de nos apresentarmos ao diretor responsável pela unidade.

Cheguei um pouco atrasada por causa da Yasmin, que demorou pra levantar. Assim que me juntei a turma, Yasmin pediu para ir ao banheiro, e uma funcionária se ofereceu para mostrar onde tinha outro, pois o dali estava ocupado. As colegas formaram uma roda de dança, e começamos a chamar pacientes e acompanhantes para participar da brincadeira. Estávamos girando, cantando, dançando;foi quando a vi,ela me olhava como se me analisasse; um olhar profundo. Sentir uma coisa no meu íntimo, quando aqueles olhos encontraram os meus; um leve tremor,um frio na barriga. A roda se desfez e voltamos ao trabalho.

Eu tinha avisado a Yasmin em casa,pra ela não ficar puxando conversa com as pessoas lá; pois sabia o quanto ela era tagarela,mas não adiantou. Quando olhei novamente para aquela mulher Yasmin estava conversando com ela, como se fossem melhores amigas. Fiquei um pouco envergonhada,mas tinha que chamar a atenção da minha filha. Me aproximei e falei num tom baixo,mas firme com ela. Yasmin nada disse,mas a mulher me respondeu de uma forma inesperada; sua voz era um pouco grossa e rouca. Olhou dentro dos meus olhos enquanto falava, seus olhos eram azuis claros ou quase cinza; cabelos castanhos escuros na altura dos ombros, com mechas meio bagunçadas,nariz pequeno, lábios carnudos e vermelhos faziam contraste com seu rosto meio quadrado,seguido pelo queixo onde tinha uma pequena cicatriz.

Aquela sensação anterior voltou forte, me fazendo desviar o olhar e responder olhando para Yasmin. As palavras daquela mulher e seus olhares me deixaram desconcertada; ela falava como se só eu e ela estivéssemos alí; eu não entendia as reações do meu corpo em relação aquilo, comecei a suar frio; sua voz,seus olhares me provocaram uma agonia, que minha reação foi afastar o mais rápido possível; mas o inesperado aconteceu, quando fiz menção de sair ela apresentou-se pra mim e estendeu a mão,que peguei meia sem jeito. Ela segurou minha mão tempo demais para um cumprimento formal. Senti como era macia e quente; em contraste com a minha que estava fria e úmida. Observei sua mão um pouco grande em relação a minha, dedos longos,unhas curtas e bem feitas; enquanto Yasmin falava algo sobre o significado dos nossos nomes; praticamente pendurada no outro braço dela.

Alguns minutos depois saímos dali; eu precisava ajeitar as coisas em casa antes de ir para o trabalho e Yasmin iria para a escola.

Eu trabalhava como atendente num laboratório de análises clinicas patológicas,mas por conta do estágio, minha chefe me liberou para trabalhar só as tardes das 13:00 às 18:00 horas. A noite eu ainda teria aulas, então tudo estava sendo corrido naqueles dias. E ainda tinha o aniversário da Yasmin para organizar naquela semana.

- Mãe,me espera um pouco? Esqueci uma coisa já volto! - Yasmin me tirou do devaneio mental ao qual me encontrava por causa da morena de olhos cinzentos ou seriam azuis,sei lá! Dito isso ela saiu correndo em direção a ala psiquiatrica onde estávamos; pensei em reclamar,mas ela logo voltou e seguimos.

Calada, pensando nos olhares daquela mulher; ninguém nunca tinha me olhado daquele jeito, não uma mulher, também nunca prestei atenção em olhares femininos, até aquele...

- Mãe,comprou minha boneca? Yasmin que me observava calada até então me trouxe a realidade.

- Filha, o que foi quê falei, você tinha que escolher a festinha ou a boneca, as duas coisas não seriam possíveis; você preferiu a festa,e eu falei que ia vê se dava pra comprar a boneca depois, mas infelizmente não vai dá. - Respondi e ela suspirou conformada.

- Tudo bem mãe,entendo. - Beijei sua cabeça, e lembrei imediatamente da Helane; ela tinha beijado a cabeça da Yasmin quando estávamos saíndo. Nos apresentou sua mãe como se fôssemos amigas.

- Mãe! Mãe! - Yasmin gritou me assustando, quando entravamos em casa. - Ai que susto! - Falei olhando pra ela que me olhava confusa.

- A senhora está muito distraída,por isso gritei. Perguntei se a Helane é bonita. - Falou me olhando nos olhos.

- Não sei, não prestei atenção. - Disfarcei, olhando para o outro lado e me encaminhando para a cozinha.

- Como não mãe,se vocês ficaram frente a frente; enquanto a senhora chegou falando que eu não incomodasse; e ficou prestando atenção ao que ela respondeu?

- Yasmin, vá tomar banho e se arrumar pra escola, não tenho tempo pra conversa! - Mudei de assunto abruptamente; aquela pergunta me deixou nervosa.

- Sim senhora dona Acácia,mas a dona Helane é linda viu! - Yasmin gritou enquanto corria para o quarto, fazer o que falei. - Fiquei na cozinha rindo feito boba. Criança tem cada idéia! Pensei e fui aquecer o almoço. Claro que achei a Helane bonita, mas não sei porque tive que negar pra Yasmin, não consegui dizer isso em palavras.

O restante da semana foi corrido; estágio, trabalho,as aulas do curso de enfermagem,e a organização da festa. Yasmin escolheu Branca de Neve como tema; minha mãe,meu pai, e duas amigas me ajudaram a deixar tudo pronto.

Meu pai ficou encarregado do carrinho de cachorro quente, logo próximo a entrada da festa, minha mãe organizou os potinhos de salgados sobre as mesas,as minhas amigas cuidaram dos doces e ajudaram na ornamentação,os avós paternos da Yasmin ficaram responsáveis pela mesa das bebidas e tomariam conta da mesa do bolo para que ninguém se aproximasse antes da hora.

Tudo foi organizado no quintal da casa dos meus pais; que era uma área verde, coberta por um gramado que circulava toda a casa depois de um calçamento de pedras.

A festa teria início às 17:00 horas, onde seriam servidos os cachorros quentes com refrigerante ou suco, vários tipos de salgados e finalmente cantariamos os parabéns e distribuiriamos os doces com uma fatia de bolo e as lembrancinhas; dando assim o término da festa.

Estava tudo devidamente arrumado, minha filha estava linda vestida de Branca de Neve; alguns coleguinhas já tinha chegado, assim como as crianças da vizinhança,e se divertiam com as brincadeiras dos palhaços vestidos de anões. De repente eu vi que a Yasmin estava sentada próximo ao carrinho de cachorro quente, com a cara meia triste, enquanto meu pai se abaixava ao seu lado e dizia algo que a fez abrir um pequeno sorriso. Resolvi me aproximar pra saber o que estava acontecendo.

- Que foi filha, está sentindo alguma coisa? - Perguntei preocupada. - Não mãe, é que ainda não chegaram algumas colegas e já tem tempo que começou. Será que não vai vir mais gente? - Falou fazendo uma carinha triste. - Oh meu amor, calma,as vezes as pessoas se atrasam; olha quanta gente já chegou; vai lá brincar, já, já os outros chegam. - Ela se foi e eu fiquei um pouco com meu pai ajudando a servi alguns meninos. Foi quando ouvi uma voz atrás de mim que me fez tremer.

- Olá Acácia, espero que não estejamos muito atrasadas para ganharmos cachorro quente. - Virei-me tão rápido que quase perdi o equilíbrio.

- Você! O que faz aqui? - Perguntei me refazendo do susto.

- Bom, se não errei o endereço, aqui está acontecendo uma festa para a qual fomos convidadas. -

A resposta de Helane acompanhada de um sorriso discreto;me deixou totalmente sem graça, olhei pra baixo e só então vi a Pérola, coleguinha de escola da Yasmin.

Lembrava perfeitamente dela porque uma vez,fui buscar a Yasmin na escola pra de lá irmos ao shopping,e acabamos pegando uma carona com a mãe da Pérola que morava para aqueles lados; nos acompanharam pelo shopping, lancharam conosco e depois nos deixaram em casa.

A Yasmin era nova naquela escola, então a Pérola tornou-se sua melhor amiga alí.

- Me desculpe, não sabia! - Murmurei. Ela simplesmente sorriu, enquanto a Pérola me olhava curiosa.

- Pérola! Tia Lane! Vocês chegaram juntas! -

Yasmin se aproximou gritando toda eufórica. Abraçou com a Pérola, depois que recebeu o presente, abraçou a Helane que se abaixou pra ficar na sua altura, lhe deu vários beijos na cabeça, e logo lhe entregou uma sacola com um embrulho um pouco grande, que deduzir ser uma boneca.

Yasmin não tinha feito questão de abri os outros presentes,mas aqueles ela quis vê logo. Da Pérola ela ganhou um par de patins, e da Helane a boneca que ela tanto queria. Ela gostou muito dos patins, pois não os tinha, porque eu tinha muito medo dela se machucar, e esperava ela ficar mais grandinha para lhe dar; mas quando viu a boneca seus olhos encheram de lágrimas e ela chorou emocionada. Confesso que também tive que me segurar.

- Ei, não trouxemos os presentes pra lhe fazer chorar;se continuar assim levo de volta! - A Helane brincou abraçando-a novamente.

Após as surpresas,e de saber que a Helane era a tia Lane da Pérola, as duas meninas foram se juntar as demais crianças e eu tive que dá atenção a ilustre convidada, que passou a caminhar comigo entre as mesas de alguns convidados adultos da vizinhança que mamãe chamara. Tive que apresentá-la a minha mãe, já que meu pai lhe foi apresentado na chegada,as minhas amigas que ajudaram e lógico que os avós da Yasmin por parte do pai também quiseram saber quem era aquela moça elegante; que eles nunca tinham visto, quando visitavam a neta.

Me sentir deslocada, pois a gente se conheceu na terça feira, e não sei por que, mas a Yasmin gostou tanto dela que a convidou para seu aniversário. E imagino que ela viria de qualquer jeito, pois tinha que acompanhar a sobrinha, mas talvez só a deixasse lá, voltando pra buscar mais tarde, como alguns pais fizeram.

Eu me sentia toda atrapalhada,mas ela agiu naturalmente,o que fez com que eu relaxasse um pouco. Só que eu sabia que assim que nos sentassemos perto das minhas amigas, alguém iria querer saber como e de onde a gente se conhecia,de onde era ela,e o que fazia da vida.

Passados alguns minutos minutos ouvir minha amiga Rebeca perguntar:

- Então, Helane como conheceu a Acácia? Estou curiosa, porque ela nunca falou de você. - A Helane olhou para mim e respondeu:

- No CAE. - Ficou notório naquela resposta curta, que ela não estava interessada em falar sobre isso; mas Rebeca insistiu:

- Hum! E o que fazia lá? - Helane olhou pra minha amiga e disse:

- Acompanhava minha mãe num especialista. - Rebeca suspirou insatisfeita.

- E... - Já chega  Beca, a Helane não veio à um programa de entrevistas! - Minha amiga Rute, irmã da Beca interveio.

- Oxe, sou estou querendo conhecer a moça! - Reclamou fazendo bico. Todas rimos da cara dela; inclusive a Helane, que ria pra mim.

Em seguida minha mãe chamou a todos para cantar os parabéns; os doces e o bolo foram distribuídos aos convidados juntamente com as lembrancinhas, eles começaram a ir embora; assim fomos arrumando e guardando as coisas; quando dei por mim,vi a Helane ajudando meu pai a guardar mesas e cadeiras na garagem.

- Ei, você é convidada, não veio trabalhar! E o senhor seu Agenor, se aproveitando da moça. - Meu pai riu. - Foi ela que se ofereceu Cá, e olha que tem braços fortes viu? - Olhei para os braços morenos da Helane, ela vestia blusa branca de mangas compridas,que estavam arregaçadas até a altura dos cotovelos, calça jeans escura e sapatos de couro marrom,tipo mocassim com solado de borracha.

- Não gosto de ver as pessoas trabalhando e eu ficar só olhando, se posso ajudar, por que não? - Fiquei presa naquele olhar, alguns segundos sem conseguir formular uma palavra.

- Pronto, terminamos! - Meu pai falou perto de mim.

- Eu vou chamar a Pérola pra gente ir. Minha irmã está lá em casa com a mamãe,mas tem que ir pra casa dela. - Helane falou.

- E o seu pai? - Perguntei.

- Mora lá também,mas depois que minha mãe adoeceu, ele não tem paciência com ela e sempre os dois discutem, então evitamos que fiquem muito tempo sozinhos. Vivem na mesma casa,mas cada um no seu quarto na hora de dormir. Ela falou isso demonstrando certo pesar.

- Tia Lane, já está na hora da gente ir? - Pérola acompanhada da Yasmin apareceu correndo perto da gente.

- Sim meu bem temos que ir,pois a Andréa precisa ir pra casa. - Helane respondeu abraçando a sobrinha.

- Ah tia,deixa a Pérola conhecer meu quarto, depois vocês vão! Eu posso levar a Pérola lá para dentro mãe? - Yasmin pediu receiosa, Helane olhou para mim, esperando que me manifestasse, então respondi: - Filha, já está um pouco tarde,mas se a Helane concordar em  ficar mais um pouco,pode subir até lá. - Helane suspirou e disse fitando a Pérola: - Você tem vinte minutos mocinha,corre! - E elas saíram mesmo correndo em direção a escada que dava acesso a minha casa.

Fim do capítulo