Raquel estava no carro com Norma e não cansava de se queixar, pois o seu cachorro havia ficado com o pai de Sófia.

 

— Ele é um completo desconhecido – disse chateada e apoiou a sua cabeça no encosto do banco.

— Você tem que entender que não tivemos outra solução— A ruiva disse calma enquanto dirigia o carro de sua amiga.

— Você não está do meu lado – Bufou, mas Norma nada mais disse.

Não demorou muito para chegar a clínica. Raquel mesmo reclamando muito, não estava se sentindo bem. Não queria admitir, mas não sabia quando ela havia comido direito.

— O doutor Hernandes está atendendo? – Norma foi até a recepção. Hernandes era um médico conhecido, então queria que sua amiga fosse atendida por ele, no entanto, não estava.

— Ele não está atendendo hoje, mas tem uma médica em seu lugar, a doutora Laura – A atendente que desde o começo havia sido muito simpática falou e Raquel que estava sentada em um dos bancos com a cara toda emburrada, levantou a sua cabeça para encarrar a sua amiga. Neste momento, se lembrou da Laura que havia conhecido dias antes, e da noite que havia passado na praia. Havia gostado do jeito da mulher, mas não se permitiu uma aproximação após esse encontro.

— Pode ser com essa mesmo – Norma disse após olhar para Raquel para ver se ela iria querer ser atendida por essa médica ou não, no entanto, ela nada disse.

Após dar os seus dados, Raquel se sentou ao lado de sua amiga no banco. Sentia-se desconfortável com aquela situação, pois Norma parecia lhe tratar como uma criança que havia aprontado.

— Desculpa, eu não queria te preocupar – Raquel cruzou as suas pernas e começou a encarar o chão. Sentia vergonha de olhar para a sua amiga.

Norma respirou fundo – Você não pode se deixar abalar dessa forma. Eu já lhe disse para conversar com a Sófia, não vale a pena continuar sofrendo assim sem saber o que aconteceu.

— Eu não quero falar com ela – Raquel disse alterando o seu tom de voz— Desculpa... eu não posso... eu tenho medo...

— Eu sei disso, mas as coisas não podem continuar como estão.

Uma moça jovem surgiu no pequeno corredor chamando a atenção das duas mulheres quando chamou por Raquel.

— É você, diga a médica tudo que está sentindo – Norma falou como se Raquel não soubesse cuidar de sua própria vida, mas realmente, ela nos últimos dias não parecia saber.

— Está bem! – Raquel acompanhou a moça.

Enquanto andavam pelo corredor da clínica, Raquel começou  a pensar em tudo que sua amiga havia dito. Será que evitar conversar com Sófia não estava fazendo mal a ela mesma? Mas se Sófia lhe desse uma boa explicação do que aconteceu, o que ela poderia fazer?

— Eles vão voltar a me rejeitar— Raquel pensou e um nó se formou em sua garganta. Talvez fosse por isso que não estava conseguindo comer nos últimos dias, pensara demais nas possíveis reações de sua família.

— Aqui está – A moça abriu a porta e quando Raquel passou por ela, se surpreendeu. Quem estava atrás da mesa era Laura, a mulher que havia conhecido na praia.

— Olá, Raquel, pensava que nunca mais voltaria a te ver – A mulher disse toda simpática ao se levantar de onde estava sentada – Como você está?

— Oi, estou bem– Raquel estava toda sem jeito, pois notou a mulher olhando as informações em sua ficha.

— Acho que não está tão bem assim – Sorriu de uma forma graciosa — Sente-se! Vamos ver como posso te ajudar.

Enquanto Laura olhava cada informação atentamente, Raquel se sentou na cadeira e sentiu um nervosismo tomando conta de seu ser.

Não era muito fã de hospitais, e naquele momento, se sentiu muito desconfortável com aquela bela mulher a sua frente.

Laura, naquele momento, usava uma roupa totalmente branca que era coberta por um jaleco. Diferente da noite que as duas haviam se conhecido, Laura usava óculos de grau. Isso Raquel considerou como sendo um charme a mais.

Não estava interessada pela médica, mas não conseguia deixar de reparar no quanto Laura era linda, ainda mais com aqueles cabelos cacheados longos e soltos.

— Quer dizer que não está se alimentando direito? – Laura fixou o seu olhar nos de Raquel que logo desviou – Acho que já até sei o motivo para isso – Sentou-se.

— Não foi por causa dela!

— Raquel, eu sei que sim – Disse de uma forma amável— Você está sofrendo. Só de olhar para você, eu noto isso...

— Vai me passar umas vitaminas? – Queria mudar de assunto e Laura sorriu com isso.

— Eu vou conversar contigo antes – Laura não sabia o porquê, mas começou a se preocupar demais com a mulher a sua frente. Desde que elas haviam conhecido é que não conseguia tirar Raquel da cabeça, no entanto, a morena não havia demonstrado nenhum interesse nela naquela noite na praia. A falta de ligação confirmava isso.

— Você é psicóloga também? – Raquel atacava a todos que queriam falar sobre Sófia.

— Não, mas posso ser uma amiga – Sorriu e se acomodou melhor em sua cadeira.

Raquel direcionou o seu olhar para a mulher a sua frente. O que Laura queria? Elas mal se conheciam.

— Eu não sei mais o que fazer diante de tudo... eu a amo... eu sei disso, mas eu não posso, Laura, ela é noiva de meu irmão— Colocou as mãos sobre o seu rosto, elas estavam trêmulas e seu coração parecia doer tanto, mas não era uma dor física. Sabia que o único remédio para essa dor era estar junto da mulher que amava, no entanto, sabia que não teria forças para lidar com as consequências se caso fizesse isso.

Mesmo sendo difícil, ela havia conseguido lidar com a rejeição de sua família uma vez, todavia, sabia que não conseguiria reviver aquilo

— E acha que vai resolver essa situação não se cuidando? – a médica indagou.

— Não, eu só estou sem vontade... se eu pudesse não faria mais nada.

— Raquel, deixa eu te fazer uma pergunta. Eu quero que você seja sincera comigo – Laura voltou a buscar o olhar da mulher a sua frente. Queria saber se Raquel seria sincera — Você, naquele dia na praia, disse que não havia escutado as explicações dessa moça – deu uma pausa – Depois daquele dia, vocês conversaram?

— Não... eu não quero ouvir o que ela tem para me dizer.

— Raquel, se vocês não conversarem, você nunca vai se livrar do que está sentindo. Mesmo que doa, você tem que conversar com ela para saber o que realmente aconteceu e ouvir suas explicações.

— Eu tenho medo – Foi sincera.

— Do quê?

— Dela realmente sentir o que dizia para mim e eu não ter uma desculpa para me manter distante – Abaixou o seu campo de visão e sentiu seus olhos marejarem.

Laura respirou fundo – Tá vendo que seu maior medo não é ela não gostar de você e ter te enganado?

— Não, não é— Se remexeu onde estava sentada. Sentia-se muito desconfortável com o rumo que a conversa estava tomando.

— Eu sei que há muitas pessoas envolvidas nessa história. Você disse que essa moça é noiva de seu irmão, certo? – Raquel confirmou com sua cabeça— É uma situação bem complicada, mas para começar a resolve-la, você vai ter que falar com essa moça, mesmo que não seja para ficarem juntas. Você está sofrendo com isso. E se continuar assim cabeça dura, vai ser muito pior.

— Prefiro sofrer, eu não quero... eu não posso – Virou o seu rosto em direção a parede.

Laura se deu conta de que Raquel era mais difícil do que imaginava —  Você não pode, pois tem medo de sua família.

Após a fala de Laura, Raquel nada mais disse, porque sabia que mesmo falando que não era a verdade, era realmente isso que estava lhe preocupando, o medo de sua família voltar a lhe rejeitar era maior do que tudo.

***

Já se passava das 19:00 horas quando Sófia chegou no prédio em que morava.

Sentia-se muito cansada e com dor de cabeça. Seu dia havia sido difícil, parecia que Ricardo queria lhe prender na construtora.

Ao entrar no elevador, ela colocou as pontas de seus dedos em suas têmporas e massageou. Neste instante, se lembrou de Eleonora.

— Ela já sabe – A forma como a mulher havia se comportado demonstrava isso, mas será que sabia até que ponto? E quem a fez desconfiar disso?

Lembrou-se que nos últimos dias havia sido muito inconsequente. Frequentara a sala de Raquel todos os dias. Isso deu margens para desconfianças.

Sófia poderia começar a se preocupar com isso de Eleonora saber o que estava se passando, todavia, sentia-se tranquila, pois a senhora não demonstrava querer espalhar aquela história.

Ao sair do elevador, os seus passos passaram a ser apressados. Ansiava por banho e sua cama. Se pudesse, nem tentaria fazer algo para comer, mas precisava, o seu pai estava em casa, queria agrada-lo de alguma forma.

Abriu a porta de seu apartamento com cautela. Sabia que Nina estava a sua espera e que correria ao seu encontro quando ela passasse pela porta. Estava certa, Nina veio correndo e pulo em suas pernas a abraçando. Contudo, algo estava diferente. Um outro cachorro surgiu chamando sua atenção.

— Nino? – Ao se dar conta disso o seu coração se aqueceu. Olhou para os lados procurando a sua amada, mas não a encontrou.

— Já viu a sua nova visita? – Seu pai apareceu na sala com um sorriso contagiante.

— O que ele está fazendo aqui? – Abaixou-se para ficar da altura dos cachorros. Começou a acaricia-los.

— Bom... Fui passear com a Nina no parque e o encontrei com a Raquel.

— Ela deixou o senhor trazê-lo? – estranhou tudo isso, pois do jeito que Raquel era, nunca deixaria Nino com um desconhecido.

— Bem... – Não sabia como dizer a filha que sua amada não estava bem – Ela passou mal, filha, teve que ir ao hospital.

— Como assim? – Levantou-se num impulso. Não era possível isso. Levou as suas mãos até a sua cabeça. Começou a ficar muito preocupada. Queria saber como Raquel estava, mas como faria isso?

— Eu não sei lhe explicar, mas para te ajudar. Eu me ofereci para ficar com Nino.

Sofia não entendeu muito bem o plano de seu pai.

— Pai, como ficar com Nino pode me ajudar?

— É uma desculpa para você aparecer na casa dela. Ela não terá como não te atender.

Neste momento, um sorriso se formou nos lábios de Sófia e quando olhou para baixo notou que os cachorros pareciam estar radiantes com a ideia de Geraldo.

— Vocês realmente entendem das coisas – Sófia voltou a se abaixar e passou as suas mãos sobre a cabeça de Nino e Nina. Mesmo preocupada, estava muito feliz com a possibilidade de ver Raquel – Estou sentindo tanto a sua falta – Pensou.

Geraldo ao ver a filha contente, se alegrou também. Sentia-se culpado por sua filha ter ficado com Ricardo por achar que devesse algo, já que tinha salvo sua vida. Agora estava decidido a ajudar Sófia a recuperar a confiança da moça que amava.

Ele não se importava com o fato de Sófia estar amando uma mulher, pois para ele o mais importante era a felicidade de sua filha.

— Acho que preciso me arrumar – Sófia até se esqueceu que momentos antes estava com dor de cabeça.

— Faça isso, filha, se arrume para seu amor.

Antes de Sófia ir para seu quarto, ela deu um abraço bem apertado em seu pai. Estava muito feliz por ter o apoio da pessoa que mais amava no mundo.

— Muito obrigada, pai!

—  Não precisa agradecer. Sou o seu pai, o meu maior desejo é sua felicidade – Abraçou a filha de volta.

Fim do capítulo