CapÃtulo 6 - Férias: Parte I
Helena colocava a última bagagem no porta-malas, enquanto Otávio já se encontrava deitado no banco de trás e Isabel colocava o cinto.
“Vou sentir tanto a sua falta!” Paula abraça a namorada. “Queria tanto poder ir com você...”
“Ah, você não contava com o Dr. Góes aumentar as variáveis da pesquisa de vocês em última hora.” Helena passa a mão cabelo de Paula e beija sua testa. Isabel observa tudo pelo espelho retrovisor.
“Mas dia 20 já estarei no primeiro vôo!”
“Vôo? Não precisa pegar avião, você vai ter que viajar quase uma hora para a cidade mais próxima, depois ter que esperar um tempo, tem certeza?”
“Você não quer que eu vá?”
“Lógico que eu quero. Mas pergunto se não seria melhor para você pegar ônibus. São poucas horas.”
“Para quê? Eu queria aproveitar porque tem uns cosméticos e uns estojos de maquiagem maravilhosos no Duty Free do aeroporto de São Paulo...”
“Que você pode comprar pela internet...” Helena cruza os braços.
“Assim você tira toda a graça, bebê!” Paula revira os olhos, mas acaba dando risada. “Boa viagem, minha gostosa!” Ela puxa Helena pelo pescoço e lhe beija com vontade.
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“Assim você tira toda a graça, bebê!” Isabel imita a voz de Paula, enquanto Helena começa a dirigir.
“Não tem graça.” Helena resmunga.
“O casalzinho já vai começar a brigar? A gente ainda nem saiu da cidade!” Otávio comenta, enquanto se entretém em um joguinho de celular.
As garotas se entreolham, franzem a testa e Helena rapidamente desvia o olhar, voltando a prestar atenção no caminho.
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Poucas horas depois, Otávio dormia feito anjo. Isabel, com fones de ouvido, observava as árvores pela janela.
“Hey.” Helena cutuca rapidamente a passageira ao lado.
“Oi?” Isabel tira os fones.
“Você havia me dito que saiu com uma guria da moradia. Foi legal?”
“Na verdade foi um desastre.” Isabel ri. “Concluí que não dá para sair com alguém que seja muito parecido com a gente. Não teve graça, simplesmente.”
“E lá em São Paulo, algum encontro já marcado?”
“Nunca tive muita sorte com paulistanos ou paulistanas. Então, não. E pelo jeito você também não, pois parece estar levando a sério com a sua namorada.”
“Sim, estamos sérias.”
“Quase casadas.” A voz sonolenta de Otávio interrompe a conversa. “Já chegamos em Osasco? Meu avô mandou mensagem perguntando se estávamos perto.”
“Ainda não, Tavinho. Acho que em menos de duas horas chegaremos.”
“Você não mora em São Paulo, Otávio?” Isabel pergunta.
“Sim, meus pais são de lá. Mas eu vou primeiro na casa dos meus avôs, está todo mundo lá.” Otávio explica.
“Ah sim. Bem, quando chegarmos em São Paulo, se puder, é só me deixar em qualquer estação de metrô que dali eu vou para casa.” Isabel pede a Helena.
“Não, você está com uma mala pesada ali atrás, a gente vai pegar horário de pico, não vou deixar você passar esse sufoco.”
“É tranquilo para mim, Helena. Além do mais, moramos longe.”
“E daí? Eu disse que ia deixar você na sua casa e é isso que vou fazer.”
“Nem tente ir contra essa daí.” Otávio alerta. “Se ela colocou na cabeça que vai deixar você na porta de casa, é porque ela vai deixar você na porta de casa.”
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“Não querem descer? Meu avô provavelmente já começou o churrasco.”
“Não, não, muito obrigada, Otávio, ainda tem uns quilômetros para percorrermos.”
“Tudo bem. Então bom resto de viagem!” Otávio se despede com a bagagem em mãos.
“Você pode por seu endereço no GPS, por favor?” Helena entrega seu celular na mão de Isabel.
“Tem certeza? Já disse que não precisa, lá é perigoso, você vai perder seu tempo e..”
“Digita logo, Isabel.”
Vendo-se sem saída, a garota acaba digitando seu endereço.
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“Isabel, posso perguntar uma coisa para você?” Helena continua com os olhos fixos na rodovia, já na entrada de São Paulo, no início do congestionamento.
“Pois pergunte.”
“Apesar de às vezes haver certo atrito entre nós, somos amigas, certo?”
“Creio que sim. Por quê?”
“Então, a respeito desse certo atrito, por que você pega tanto no meu pé?”
“Como assim?”
“Não sei. Toda vez que eu falo alguma coisa, ou sei lá, toda vez que comento sobre a Paula ou os pais dela, você dá um jeito de desdenhar.”
“Eu não desdenho nada. Só aponto que, às vezes, algumas coisas que você fala parecem fúteis, só isso.”
“E o que é algo fútil para você?”
“Algo que não vejo propósito ou utilidade, oras.”
“Você não acha que, de certo modo, está tentando se sentir superior ao dizer que o resto do mundo é fútil?”
“Eu não disse que o resto do mundo é fútil.”
“Ah, então isso se resume a mim e às pessoas ao meu redor.”
“Não, Helena. Não é isso.” Isabel respira fundo. A fila de carros parece grande, ela sabe que não vai sair dali tão cedo. “Você e eu temos experiências de vida bem diferentes. Bem diferentes mesmo.”
“Mas isso não faz você ter o direito de invalidar minhas experiências.”
“Tudo bem, Helena. Não tenho mesmo o direito.”
“Você está concordando por ironia?”
“Helena, eu só não quero discutir...desculpa se você se sentiu ofendida por algo que eu disse. Não foi minha intenção lhe machucar. Eu gosto de você, acredite nisso. Você é um ser humano maravilhoso. Não estou dizendo isso só porque você me deu carona ou porque você é legal comigo. Tenho lhe observado ao longo do semestre. Você é extremamente bacana e gentil.”
Helena sorri, um pouco acanhada com o que acabara de ouvir. “Digo o mesmo de você.”
“Eu acho que a questão central que você queria saber é o motivo pelo qual não aconteceu nada entre a gente nesse semestre, não é?” Isabel finalmente toca no assunto que ambas rodeavam mas nunca chegavam.
“Oi?” Helena arregala os olhos, assustada, sem coragem alguma de olhar para sua companheira de viagem.
“Não se faça de inocente. Mas eu acho que foi melhor assim, Helena. Você está feliz com Paula, ela parece ser uma garota interessante. Peculiar, mas interessante.” Isabel ri. “E eu tenho meus problemas de adulto, não daria certo.”
Helena ri também, um pouco desajeitada. Ainda não havia absorvido o que Isabel disse.
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“É a terceira casa.” Isabel aponta, e Helena estaciona para pegar a bagagem. Elas saem do carro, e, quando Helena aperta o botão para abrir o porta-malas, ouve uma voz empolgada.
“Mamãe!” A criança corre em direção a Isabel e a abraça. O garotinho parecia ter uns cinco, seis anos. Na porta, uma senhora os observa, em pé.
Helena fica tão confusa que esquece o que tinha que fazer.
“Helena, esse aqui é o Rafael, meu filho.”
“Seu filho?” Helena tenta disfarçar a surpresa e a persistente confusão.
“Sim. Meu filho. Ele tem seis anos.”
“Como não tem foto dele nem nada nas suas redes sociais?”
“Eu não tenho nem foto minha na rede, você sabe que eu só uso para coisas da faculdade. E também tenho meus motivos para não colocar fotos dele.”
“Que motivos?”
“Algum outro dia lhe explico.” Isabel pega a mala.
A senhora que os observava cumprimenta Helena. “Obrigada por ter trazido a minha filha, Deus abençoe.”
“De nada. Quando precisar, é só me chamar.”
“Tia!” O garoto olha para a Helena e puxa a barra da blusa dela. “Você não vai ficar aqui com a mamãe?”
“Oi! Então, não vou não, eu só a trouxe aqui.”
“Que pena, tia! Você vai comer lanche com a gente?”
“Bem, agora não posso porque tenho que ir para casa, mas quem sabe outro dia?”
“Promete, tia?” Rafael tem um olhar meigo, idêntico ao de sua mãe.
“Prometo, um dia a gente sai para comer lanche.” Helena sorri, enquanto Isabel puxa o menino pela mão.
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Helena colocou seu próprio endereço no GPS e, enquanto dirigia, não conseguia parar de pensar na história de Isabel. Pela idade da criança, Isabel provavelmente o teve no final do Ensino Médio. Deve ter sido difícil encarar uma gravidez nessa idade. As coisas começaram a fazer sentido, toda dificuldade, toda experiência que Isabel dizia ter vivenciado e que era diferente da realidade de Helena.
‘Chegou bem?’ Isabel envia a mensagem para Helena, que já estava em casa.
‘Cheguei sim, obrigada. Mas não entendi o motivo de você não postar fotos do seu filho e nem o fato de você não ter dito a ninguém a respeito disso.’ Helena responde.
‘ Primeiro, eu contei sim, muita gente da moradia já sabia. Segundo, não acho seguro postar fotos do meu filho, uma criança, na internet. Terceiro, tem a ver com o pai dele. Mas prefiro não entrar em detalhes.’
‘Eu pensei que fôssemos amigas, você contou para conhecidos seus na moradia e não me contou?’
‘Somos amigas sim, oras. Só achei que você não fosse entender, Helena. Desculpe.’
‘Entendo. Mais uma vez você achando que não tenho maturidade ou experiência para lidar com questões alheias.’
‘Helena, vou dormir. Boa noite, e mais uma vez, obrigada pela carona.’ Isabel não queria discutir.
‘Okay. Boa noite, e manda um beijo para o Rafael. Apesar de acabar de descobrir a existência dele, já me apaixonei pela meiguice dessa criança.’
‘Ele também lhe adorou, ficou perguntando quando a tia iria voltar, hahahaha. Beijos.’
“Dona Helena, vai querer que eu lhe prepare um lanche antes de dormir?” A empregada da família de Helena, entra no quarto da garota.
“Acho que vou querer sim, dona Alvina. Sabe que horas os meus pais chegam?”
“Seu pai e sua mãe ainda devem estar no jantar de negócios com aquele senhor asiático que nunca lembro o nome. Esses jantares sempre duram uma eternidade.”
“Tudo bem. Obrigada, dona Alvina.” Helena, deitada em sua cama, observa o teto. O mesmo teto que ela observou a vida toda agora parecia estranho. Não parecia ser mais seu teto, seu lar.
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Helena adormeceu e acabou acordando apenas no dia seguinte, com a bandeja de lanche ao seu lado, na pequêna cômoda de madeira. Levantou, tomou banho, e desceu as escadas, chegando na cozinha.
“Bom dia, minha flor.” O pai de Helena deixa a caneca de café na mesa e abraça a filha.
“Que horas vocês chegaram ontem?” Helena pergunta. “E cadê a mamãe?”
“Sua mãe teve que sair bem cedo. Eu estava esperando você levantar para poder ir para a empresa, já estou atrasado.”
“Pai, você é seu próprio chefe, ninguém vai lhe dar bronca se chegar atrasado.”
“Tenho que manter o exemplo, Helena. Mas diga-me, como foi a viagem?”
“Deu tudo certo, foi bem tranquila.” Helena abre a geladeira e pega a caixa de suco de uva.
“E a namorada, como vai?”
“Vai bem. Ela vem nos visitar lá pelo dia 20.”
“Ela que é filha do obstetra lá da cidade que você está morando, não é?”
“Ela é filha de um dos obstetras lá da cidade sim. Calma pai, a cidade não é tão pequena a ponto de só ter um especialista.” Helena brinca.
“Bem, o dia que ela vier, não esqueça de pedir para a dona Alvina arrumar o quarto de visitas.”
“Por quê?” Ela pega alguns biscoitos de uma jarra e os come despretensiosamente.
O sr. Tavares a olha por cima dos óculos.
“Já entendi, pai.” Ela acaba rindo.
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Helena resolveu reencontrar alguns amigos em uma hamburgueria próxima a sua casa.
“Cadê o Otávio?” Marina, uma das amigas do grupo, perguntou, enquanto esperavam pelos seus hambúrgueres artesanais.
“Está na casa dos avós.” Helena responde, enquanto bebe a cerveja recém servida.
“E a aliança, sapatão, cadê? Otávio me contou tudo sobre a Paula...” Victor, outro integrante do grupo, e ex de Otávio, provoca.
“Nem comecei a namorar direito, Victor, sossega a periquita aí.” Helena ri. “Hey, Daiane.” Ela se vira para uma outra integrante da mesa. “Uma vez você namorou uma menina que tinha uma filha, né?”
“Namorei sim, faz uns dois anos, por quê? Sua namorada tem também?”
“Não tem não, é que eu tenho uma dúvida, você se sentia menos adulta pelo fato de ela ser mãe?”
“Não, pelo contrário, eu me sentia até mais adulta por lidar com uma situação assim. Sempre tínhamos que nos programar pensando na criança, isso me fez aprender a ser menos egoísta, amadureci bastante naquela época.” Daiane explica enquanto Helena fica pensativa, distraindo-se. Seu alheamento é interrompido por uma ligação de Paula.
“Está tudo bem? Faz umas horas que você não manda mensagem.”
“Está sim, eu estou aqui comendo e bebendo com uns amigos das antigas.”
“Ah sim...”
“E aí? Como está o projeto?”
“Estamos adiantados, daí vou aproveitar e sair com umas meninas do meu curso daqui a pouco...”
“Isso é ótimo! Divirta-se e manda mensagem para eu saber se chegou bem.” Helena se despede rapidamente.
“Sua amorinha estava marcando marcando território?” Victor pergunta, em tom sarcástico.
“O quê?”
“Marcando território, ligando para saber onde você está...”
“Não foi isso, nada a ver, somos tranquilas nesse aspecto.”
“Por acaso ela perguntou se estava tudo bem como quem não quer nada?”
“Sim, mas é porque fazia tempo que eu não a respondia.”
“Ela por acaso tenta lhe fazer ciúmes quando você sai com outros amigos?”
“Victor, por que, quando bebe, você adora provocar e se intrometer?” Helena não gostou nem um pouco da provocação.
“Vai ver só, logo ele vai entrar na fase chorona da bebedeira e vai reclamar de saudades do Otávio...” Marina brinca, enquanto todos da mesa riem e concordam com o padrão de ações embriagadas do amigo.
Fim do capítulo
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rhina
Em: 21/08/2020
Isabel tirou o curativo de uma vez só.......
Foi direto ao ponto.
Até a mim espantou pois não pensei que a Autora usasse desta fala por agora. Mas Helena não entente..... Não entente a situação presente......
Isabel é mãe.
O pai certamente é um fora da lei. E aposto que não sabe sobre o filho. E é o tipo capaz de querer tirar o menino da mãe.
Pela experiência de vida dura.....ardua e conquistada a ferro e fogo de Isabel,a mesma ache que outras vidas não seja válida e que Helena principalmente não estaria a altura de compreende-lá.
Digo que este filho a mim também surpreendeu. Sabia que a história de Isabel tinha muitos altos e baixos mas por essa não esperava.
Mas amei.
Também tenho um.
Rhina
Resposta do autor:
Espero não ter assustado com esse elemento surpresa! Senti que foi importante ao longo da história desenvolver Isabel nesse sentido.
fico feliz q tenha gostado! Beijão!!
rhina
Em: 21/08/2020
"E o que é algo fútil para você"?
Me parece que futilidades é relativo Isabel.
Porque dentro de um contexto sua percepção, a minha percepção e a percepção da Autora de valores certamente difere logo o que é fútil vai variar.
Paula e Helena experenciam uma vivência
Você., Isabel e eu acredito termos uma vivência muito semelhante logo eu também acharei fútil algumas escolhas,gostos e atitudes da Paula e da Helena.
Como não estou interessada na Helena isso não vai me afetar tanto como afeta vc que tem interesse nela mas sabe que um mundo de diferenças as afastam ou não.
Rhina
Resposta do autor:
Bom, prometo que vai haver evolução na personagem ao longo dos capítulos, a maneira que ela começou é realmente bem diferente da maneira que ela passa a ver o mundo em capítulos posteriores!
Beijão!
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SaraSouza
Em: 27/01/2019
Eu nao confia nessa Paula
Conhecemos um pouco +da Isa, e prefiro ela com Helena
Resposta do autor:
De pouco em pouco vamos conhecendo os motivos que corroboraram para a construção da personalidade de Isabel...se não fosse complicado não teria graça hahahahahaha obrigada pelo feedback, minha querida! Beijos!
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