WANA AMIL EH? (FAZER O QUE)?
CAPÍTULO 128 – Em Modo de Espera
--Então quer dizer que Hassan é igualzinho a Khaled na idade dele? -- Clarice reparava no menino -- Ele é uma gracinha... E tem um olhar tão marcante... -- gastou uns segundos calada e mirou o rosto de Zinara -- Aliás, esse olhar poderoso é uma característica da família... -- falou mais baixo -- É um olhar que faz a gente dizer sim a qualquer pedido... -- sorriu -- seja ele qual for...
--Sahar, não provoca a caipira no avião... -- advertiu brincalhona -- Tem menino novo nesse trem e não pode ver certas coisas... -- fez cócegas rapidamente na cintura dela
--Pára, safada! -- fez um dengo
Zinara, Clarice, Georgina e Hassan viajavam de avião. Mãe e filho iam juntos em uma fileira e as duas namoradas na outra do lado oposto.
--Seu sobrinho não desgruda da janela! -- observou achando graça -- Devora a paisagem todo empolgado.
--Nem a mãe! Repara só, que ela fica espiando por cima do ombro dele o tempo todo... Parecem duas crianças... -- riu brevemente -- Na outra vez também foi desse jeito. -- lembrou -- Gosto de vê-los assim animadinhos! -- comentou satisfeita
--É legal, né? -- concordou -- Confesso que fiquei emocionada com seu reencontro com os dois. -- segurou uma das mãos da morena e olhou para ela -- Parece que tudo com você é mais intenso... -- entrelaçaram os dedos -- Tudo vivido com Zinara Raed é especial. -- sorriu apaixonada
--Não provoca, Sahar, que a viagem é longa... -- brincou novamente e se aproximou mais -- Quando a gente chegar e tiver a primeira noite livre, só pra nós... -- sussurrava no ouvido -- sahran ihawa yis-eena ilhana weyool Bihana... (o amor estará acordado a noite toda, brindando-nos com felicidade e nos dizendo como somos felizes...)
--Ai, Zinara, sossega! -- ralhou dengosa e se ajeitou no assento -- Fica me dizendo essas coisas no avião, eu hein! -- soltou a mão da outra -- Que coisa! -- passou a mão nos cabelos -- Ui.
--Você que começou! -- defendeu-se inocentemente
--A senhora voltou muito da safada, viu? -- deu-lhe um tapinha na perna
Achou graça e ficou uns segundos calada admirando o perfil da amada. -- Sempre fui intensa, como intenso é o povo de Cedro... Talvez, todo povo marcado pela guerra seja assim: vive como se cada oportunidade fosse única, às vezes de uma forma que quase beira o desespero... -- sorriu -- Só que depois de você, aprendi a viver de verdade. -- declarava-se -- Conheci o Amor, a Paz e encontrei todas as coisas pelas quais busquei pela vida toda... -- beijou o rosto de Clarice
--Ai, Zinara... -- respondeu melosa
--Mas... voltando ao que você dizia antes de tentar me seduzir no avião... -- piscou para ela -- também fiquei emocionada por demais da conta com esse reencontro! -- respondeu balançando a cabeça -- Hassan e Georgina vão viver junto de usritina (nossa família) e isso vai ser bom pra todo mundo! -- afirmou esperançosa -- E também tô feliz porque Georgina parece bem melhor de saúde. -- voltou a reparar na ex cunhada -- Ela disse que tem uma coisa pra me contar... -- olhou para Clarice novamente -- Será que é sobre a doença? Será que se curou também? -- sorriu que nem criança
--Aids é uma doença complicada, -- considerou -- mas a sua também era e você ficou livre. -- tocou o rosto da astrônoma -- Por que uma cura não pode ter acontecido com ela também?
--Seria um sonho... -- suspirou -- Aliás, acho que ainda não acordei desde que vi o dia amanhecer no cume do Monte Cedro. -- olhava fixamente para a paleoceanógrafa -- Parece que tudo é surreal demais...
--Já notei que você ainda tá meio em alfa... -- respondeu pensativa -- "Mas já era hora de dar um rumo na vida, né, Zinara?” -- pensou sem coragem de falar -- "Enquanto isso eu só espero...” -- suspirou
--Que foi, Sahar? -- perguntou preocupada -- Shoo sarlake? (O que acontece com você?) -- notou algo diferente na expressão da mulher
--Nada, querida. -- mentiu -- Tô com um pouco de sono. -- sorriu -- Acho que vou tirar um cochilo... -- soprou um beijinho para a morena -- Até logo. -- fechou os olhos
--Durma bem, habibi. -- beijou a cabeça dela e acomodou-se corretamente no assento
“Sahar está feliz, Kitaabii, eu sei. Ela me recebeu de volta com sua alma acolhedora, o mais belo sorriso no rosto, coração aberto e sem quaisquer reservas. Ela deu uma festa com o olhar assim que nossos olhos se encontraram e me abraçou cheia de esperanças de viver uma vida comigo. Foi algo tão forte, que quase pude sentir de modo palpável. Só que, passada a euforia do meu retorno, Sahar pensa que fujo de uma decisão sobre nós. Talvez eu fuja mesmo, Kitaabii, mas não por amá-la de menos.
Não sei o que fazer. Para dizer a verdade, não sei como fazer. Nossas vidas foram construídas em cidades distintas, não muito próximas. Não é simplesmente se mudar...
Sabe, às vezes fico me perguntando... será que sou realmente o tipo de mulher que ela deseja pelo resto da vida? Será que, agora que tenho um futuro mais viável pela frente, minha Sahar verá o que a bondade em seus olhos não lhe deixou ver este tempo todo? Será que ela não foi muito mais movida pela compaixão que por qualquer outra coisa?
Você me entende, Kitaabii? Entende meus receios e reticências bobas?”
***
--Mas e então, criatura? -- Raquel perguntava curiosa -- Você já voltou há dias e não me contou como foi tudo lá em Cidade Restinga. -- cobrava -- Que história foi aquela de namorado com pé grande? -- olhava para a irmã -- E qual foi o babado forte de Clarice? -- não se aguentava
--Menina, nem te conto! -- bateu uma palma -- Lembra daquelas senhorinhas que ficaram amigas de mamãe? Fui almoçar na casa delas com Clarice e a comunidade GLS, e quem me apareceu por lá? -- fez um suspense -- O sobrinho de dona Ritinha!
--E aí? -- continuava curiosa
--E aí que você tem que ver que tipão! -- gesticulava -- Alto, peludo, cabra macho de verdade! -- aproximou-se -- Quando vi o tamanho do pé fiquei doida! -- comentou toda assanhada -- Você sabe do que dizem sobre a relação entre o pé e o pau, né? -- deu-lhe um tapinha no braço e riu
--Tá, mas e aí? -- queria saber
--E aí que foi amor à primeira vista! -- levantou-se da poltrona -- A gente logo se entendeu e na hora do beijo, fui tateando as coisa e patolei! -- fingiu que segurava algo -- Menina, que coisa! -- deu um pulinho -- Na nossa primeira noite confirmei todas as suspeitas: sente a pressão! -- mostrou o tamanho com as mãos
--Gente! -- arregalou os olhos
--O nome dele é Adamastor, mas depois que eu vi o dito cujo, passei a chamar de Mastô. -- contava -- É porque me lembra a palavra mastro! -- indicou o tamanho de novo
--Tá, mas... e o resto? -- continuava buscando detalhes -- Ele é interessante, boa gente, trabalha, é solteiro?
--Tudo isso e mais um pouco! -- respondeu de imediato -- E as senhorinhas fizeram o maior gosto da gente se casar! -- sorriu
--Já?! -- surpreendeu-se
--Ah, minha filha, pra que enrolar? -- colocou as mãos na cintura -- Ele quer, eu quero, então... Formou!
--Mas... -- não entendia -- E vocês vão viver aonde? -- olhava estupefata para a irmã -- Ele vem pra morar aqui ou você...?
--Mastô tem um apartamentinho e eu posso muito bem arrumar uma transferência. -- afirmou tranquilamente -- Em pouco tempo estaremos casados. Só vai depender da velocidade do RH do meu trabalho.
--Caramba... -- estava pasma com a rapidez da irmã
--Agora, deixa eu te contar o babado fortíssimo de Clarice! -- sentou-se no sofá novamente -- Nossa irmã pura e casta soltou todas as frangas fez um ménage com a comunidade e uma mulherzinha desse tamanhico! -- indicou a altura de Akemi com uma das mãos -- E vou te contar: nunca se viu sex* mais animal na história desse país! -- gesticulou enfatizando
--O QUE????? -- arregalou os olhos -- Como que você sabe disso??
Raquel e Cecília conversavam na casa de Leda.
--Porque eu tava chegando no apartamento da comunidade quando ouvi os gemidos. Cada um mais escandaloso que o outro! -- contava exagerando -- Aí parei e fiquei com o ouvidinho colado na porta só acompanhando. -- rememorava -- Foi tanto grito, tanto fuzuê, e um tal de gem* daqui, gem* dali, mete de cá, enfia de lá... -- gesticulava -- Quando a nanica foi embora, Clarice tava rendida na cama!
--Rendida?! -- ficou pasma
--E a outra parecia que tinha sido atropelada por um caminhão! -- continuava fofocando -- Mas te digo uma: todo mundo com aquele sorrisinho de canto de boca no rosto!
--Meu Deus! -- não acreditava -- Clarice, hein? Quem diria... -- balançou a cabeça pensativa
--Se mamãe soubesse... -- revirou os olhos -- Meus biquínis, que ela acha tão escandalosos, são fichinha na frente dessa pouca vergonha lésbica!
--Clarice... -- continuava balançando a cabeça -- Quem diria... Bem que dizem que esse pessoal gay gosta de uma depravação...
--Mas você também não fica atrás, né, filha? -- deu-lhe um tapa na perna -- Arrumou um cigano dos peito cabeludo, deu o bico no marido e agora taí de periquita solta! -- piscou -- Só batendo as asinhas!
--Que é isso?! -- ficou sem graça e se levantou -- Você fala de um jeito... -- andou sem rumo pela sala
--Mas me diz: -- cruzou as pernas -- mamãe e o Di curtindo na roça, você aí toda separada, morando lá em casa... Aposto que tá vivendo nove semanas de amor com teu cigano! -- esperava a resposta
--Ah... -- passou a mão nos cabelos -- A gente tem se visto com certa frequência... -- sorriu encabulada
--E? -- queria saber do resto -- Ele é bom de cama?
--É... -- caminhou até a janela
--E Getúlio, que foi que se deu dele? -- perguntou curiosa
--Não sei onde tá morando. E também não quero saber! -- cruzou os braços
--Tudo bem, não tá mais aqui quem perguntou. -- fez um gesto despreocupado -- E você e o cigano? É namoro ou sacanagem? -- brincou
--Acho que... -- pausou brevemente -- ele pensa em ficar comigo pra valer...
Cecília ficou analisando a irmã até que respondeu: -- Fica esperta, Raquel! -- advertiu -- Se você largou teu marido só pra ficar desimpedida pro cigano é bom que tenha uma conversa direta sobre isso. -- aconselhou -- Senão você pode ficar toda vida esperando e no final ter uma decepção daquelas!
--Como assim? -- olhou para a outra
--Eu sempre vou direto ao assunto! Digo logo pro cara o que eu quero e é isso aí: se quer, fica, se não quer, sai! -- afirmou resoluta -- Claro que nem sempre dá certo, mas eu ponho moral na coisa!
--Ah, mas eu vou chegar e falar isso com ele sem mais nem menos? -- perguntou de cara feia
--Trata de dizer pro teu cigano o que você quer, senão, vai ficar só na sacanagem e compromisso que é bom, nada! -- argumentou -- Quem vive em modo de espera é computador! -- ouviu o telefone tocar -- Ih, deve ser Mastô. -- levantou-se para atender -- Alô? -- sorriu -- Oi, meu cabra da peste! -- respondeu melosa -- Não morre tão cedo, tava falando em você... -- piscou para a irmã
Raquel ficou pensando no conselho de Cecília e lembrou-se da conversa que teve com Leda sobre o amante.
***
Amina, Leda e Najla haviam acabado de preparar um grande almoço, enquanto que Raed montava a mesa no quintal com Ahmed João, Ahmed Marcos e Deodoro. Dentro de instantes, Nagibe, Cid e as respectivas famílias chegariam trazendo as bebidas e gelo.
--Intonci nóis faiz assim, ya Leda: -- Amina falava seus planos com animação -- dipois qui chegá nossas minina, meu netu e a mãe deli, nóis armoça e a sinhora vai pru clubi Cedro-Suriyyah mais Najla e meus ôtro fio e nora, modi ajudá a cuidá dus trem da festa! -- abriu a dispensa para pegar pratos -- Deixa o meninu da sinhora aqui juntu cum meus netu, num sabi? -- referia-se a Deodoro -- As criança fica tudu junta brincandu e distraindu nossas fia. -- colocou uma pilha de pratos sobre a mesa -- Inquantu issu, Raed mais eu vamu ajudá Georgina a si acomodá na casa nova! -- olhou para a idosa sorrindo
--Hum... -- resmungou desconfiada
--Ainda tem coisa pra fazer no clube, ya Leda. -- Najla comentou bem humorada -- Muita coisa, eu diria! -- acabou achando graça -- Ai, ai, vou morrer de trabalhar, mas vai valer a pena! Essa festa vai ser maravilhosa! -- colocou outra pilha de pratos sobre a mesa
Leda apenas ouvia e colocava os copos numa bandeja.
--Quandu fô pur vorta di umas seti da noiti, nóis vai tudu pru clubi incontrá ocês -- continuou falando -- e aí a festança cumeça! -- pegava os talheres -- Zinara e Hassan nem vão discunfiá qui vai tê festa pur causu delis! -- sorriu -- Ave Maria! -- colocou os talheres sobre a mesa -- Simbora levá us pratu lá pra fora, muié. -- falou para Najla
--E vocês não acham que Zinara e Clarice vão achar isso muito estranho, gente? -- argumentou -- Todo mundo aqui pra almoçar com elas e de repente o povo some? -- cruzou os braços -- Dá muita bandeira isso aí! -- não sentia firmeza no plano da outra
--Talvez não, ya Leda. -- colocou vários talheres sobre uma pilha de pratos -- Aisha me disse que ela e Janaína só conseguem chegar de tarde, quando a gente já estiver no clube. -- a ex fazendeira comentou -- Elas vão ficar aqui pra ajudar a distrair as duas, junto com as crianças. -- pegou o conjunto de pratos -- E elas sabem que vai ter festa! -- sorriu e foi andando para o quintal
--E todu mundu já sabi as discurpa qui vai dá modi cumê e sumi. -- Amina olhava para Leda -- Najla vai dizê umas coisa qui nóis cumbinamu e dipois vai chamá a sinhora pra í mais ela pra cidadi. -- pegou a outra pilha de pratos e foi carregando
--Sei... -- continuava cismada -- Deixa eu levar isso aqui. -- pegou a bandeja cheia de copos e foi carregando
--Ya Leda, pur favô, dêxi qui eu levu essis trem! -- Raed viu a idosa com peso nas mãos e correu para ajudá-la -- Si a sinhora quisé, traiz us taié e us guardanapu, num sabi? -- segurou a bandeja
--Giddu, nóis faiz o quê agora? -- Ahmed João perguntou. Ahmed Marcos e Deodoro também aguardavam novas ordens
--Ocês vão arrumandu us pratu e us copu na mesa. -- respondeu de pronto -- Du jeitu qui tua tia Najla dissé qui si faiz. -- olhou para os meninos -- Simbora, criança! -- ordenou
Najla ficou orientando os garotos na arrumação da mesa, enquanto Amina e Leda voltaram para a cozinha.
--Amina... -- a idosa virou-se de frente para a outra -- me responde com toda pureza d’alma... -- cruzou os braços espremeu e os olhinhos -- esse teu plano mirabolante não faria parte de um esquema bandido pra me deixar por horas a fio em contato com aquele Rafi das perna fraca, né, não? -- perguntou desconfiada -- Eu não quero ser pega na falseta com aquele bicho do pinto murcho!
--Oxi! -- arregalou os olhos -- Qui farseta o que, ya Leda? -- retrucou de pronto -- Raed e eu num podemu í pru clubi mais cedu pur causu di Georgina e meu netu! -- justificou-se -- Quem podi ajudá na mudança dus trem delis é só nóis, uai!
--Isso é... -- respondeu pensativa
--Najla num dá conta di vê tudu sozinha e meus fio e nora num tem muitu jeitu pra arrumá festa, num sabi? -- dizia a verdade -- Cunfiu na sinhora modi ajudá minha cunhada.
--Sendo assim, tudo bem! -- concordou -- Mas se aquele Rafi quiser vir se aproveitar da situação teremos cenas de guerra naquele clube! -- ameaçou gesticulando -- Dar-ulharb vai parecer brincadeira na minha frente! Ele que não me venha!
--Anêim! -- tentava tranquilizar a outra -- Num si amufini, não, purque ya Rafi contô pra Raed qui tem uns trem importanti pra cuidá hoji, intonci só vai pru clubi di noiti, num sabi? -- comentou -- Nem qui eli quisessi pur dimais da conta num pudia í mais cedu!
--Graças a Deus! -- olhou para cima -- Sabendo disso agora eu ajudo com gosto! -- sorriu
--É bão... -- respondeu feliz -- Ave Maria, qui quandu a genti qué o tempu num passa! -- queria rever a filha e o neto -- Simbora terminá di arrumá os trem! -- pegou mais talheres e guardanapos -- Ô, ispera danada...
--Simbora! -- foi ajudar a amiga
***
--Vamu pru armoçu, homi! -- Catiúcia insistia angustiada -- Cumé qui eu vô chegá sozinha na casa di meus sogru sem ocê? -- olhava para o marido -- E tem qui buscá Ahmed Lucas! -- argumentava -- Eu num tenhu coragi di í na casa deli modi panhá o meninu, num sabi? -- gesticulava -- Sem contá qui é longi e também tem nossu fio... Eu vô levandu o meninu nu colu, né?-- reclamou
--Já dissi qui vô buscá Ahmed Lucas, num dissi? -- terminava de se arrumar -- Ocê só vai tê qui levá eli e Ahmed Mateus pra casa di baba, só issu! -- respondeu chateado
--Vamu mais eu! -- insistia -- Ocê num qué vê tua irmã? A madrinha di nossu fio? Sangui du teu sangui? -- apelava -- Cadê tua prova di gratidão a Deus pur ela tê vortadu viva?
--Eu vô na festa nu clubi e lá veju ela! -- retrucou de cara feia -- Mais na casa di baba e maama eu num ponhu us pé! Elis qui fiqui mi isperandu! -- abriu a porta da sala -- Inté. -- saiu apressado
--Ô, bichu custuso, sô! -- resmungou sozinha
CAPÍTULO 129 – Meu País, Meu Lugar
Uma carroça acabava de parar diante da casa de Amina e Raed.
--Oba!!! -- Hassan pulou de alegria -- Finalmente, mãínha!!!! -- não se aguentava de felicidade -- Chegamos!!
--Ai... -- Georgina desceu da carroça -- Ave Maria, qui pareci inté mintira, num sabi? -- olhou para as bagagens -- Pega os trem aqui, mininu! -- ordenou para o filho, que obedeceu
“A velha casa parecia me saudar, Kitaabii. As roseiras de maama estavam repletas de flores, o pequizeiro frondoso protegia a entrada com sua sombra bem vinda, passarinhos voavam cantando em algazarra e um caminho de caliandras vermelhas conduzia até a entrada de meu amado refúgio na roça. Parecia que as pequenas flores cantavam “you you you you!!!”, como fazem as mulheres de minha terra nos momentos felizes.”
--E então, Zinara? -- Clarice perguntou sorridente -- Vai ficar sentada aí? -- olhou para ela e cruzou os braços -- Quero ver raça, viu, fi? -- imitou a namorada
--Ave Maria, Sahar, que tá me dando até câimbra na boca! -- a astrônoma sentia-se abestalhada -- Tô tão feliz, tão emocionada que fiquei lesa tal qual pomba sem fé! -- desceu da carroça
--Pomba sem fé... -- achou graça -- Você e essas expressões malucas... -- pegou uma bolsa
Após se despedirem do carroceiro, começaram a andar em direção a casa. Georgina e o filho sentiam-se nas nuvens.
--Tem até um caminho de florzinha, espia só, tia! -- Hassan mostrou as caliandras para Clarice
--Tá lindo, né? -- beijou a cabeça do menino
--Será qui nossus trem já chegaru, Zinara? -- perguntou curiosa -- Num era muita coisa, mais sei lá, né? -- riu nervosamente -- Ave Maria, chega tô trocandu as perna, num sabi? -- Georgina olhou para as outras mulheres
--Se os cabra que Aisha e Janaína arrumaram são da gota, os trem já chegaram, pode confiar! -- respondeu brincalhona -- Agora é só alegria, muié! Fica mansa! -- tentava disfarçar o próprio nervosismo
--Tá tudo quieto, camma! -- Hassan olhou desconfiado para a tia -- Será que usritina (nossa família) tá escondida pra dá susto em nós tudo? -- perguntou animado
--Aywah (Sim), deve ser. -- respondeu sorrindo -- Por que você não vai na frente e descobre? -- piscou para ele -- Leva só tua mochila, que a bolsa eu carrego.
O menino olhou rapidamente para a mãe e saiu correndo cheio de energia. Georgina achou graça de tanta disposição depois de uma viagem longa e cansativa.
Zinara acompanhou o sobrinho com o olhar e de repente interrompeu sua caminhada. --Espera? -- pediu e as mulheres pararam de andar -- Eu vou ficar aqui. -- decidiu -- Preciso ver, preciso sentir esse momento! -- gesticulou -- Coisa minha, não estranhem! -- sorriu -- Ana mabsoutah! (Estou feliz!) -- olhou para Clarice -- Macleech, ya habibi! (Não se preocupe, minha querida!)
--Tudo bem. -- respondeu compreensiva -- Tome seu tempo. -- concordou -- Vamos? -- olhou para Georgina, que seguiu com ela
“Eu queria guardar aquela imagem em mim eternamente, Kitaabii. A casa plantada no Coração do País, de portas abertas para dois novos membros de usritii (minha família), que chegavam com um sorriso no rosto e o brilho da esperança estampado nos olhos. Junto deles, minha Sahar caminhava serena, irradiando sua luz involuntariamente. Aquela luz que é só dela, e faz o dia raiar a qualquer hora, em qualquer lugar...
Hassan corria empolgado, mas ao mesmo tempo parecia querer que aquele instante nunca terminasse. Ele se sentia livre, seguro, pertencendo... Talvez, estávamos sentindo a mesma coisa, de formas distintas, Kitaabii. Ou então, estávamos simplesmente sendo felizes... Por que não?
Minha terra... Cedro é meu solo bendito, ao qual sempre serei grata por ter me abrigado no começo da vida, mesmo com todas as dores. Terra de Santa Cruz, no entanto, é minha verdadeira terra, meu lugar por excelência. E agora, que me sinto renascida e cheia de esperanças, meu cerrado maravilhoso parecia me dizer que aqui é o meu país...”
“Aqui é o meu país,
Nos seios da minha amada,
Nos olhos da perdiz,
Na lua na invernada,
Nas trilhas, estradas e veias que vão,
Do céu ao coração...”
--Gidda!! -- o menino parou diante da porta -- Giddu! -- pulava como pipoca -- Ói a gente aqui! -- olhava para todos os lados -- Cadê todo mundo?
--You you you you you!!! -- Amina e Najla surgiram cantando e batendo palmas -- You you you you!!! -- sorriam cheias de felicidade
--AHAHAH!!!!!!! -- Ahmed João e Ahmed Marcos vieram correndo com os braços abertos -- Surpresa!!!
--Corri, Cidmara! -- Khadija vinha de mãos dadas com a prima -- Vem, Di! Corri Ahmed Lucas! -- chamava os meninos mais novos
--Smallah! -- Raed também apareceu sorridente -- Chegaru, Ave Maria! -- benzeu-se agradecendo a Deus e a Virgem -- Uai, cadê minha fia? -- estranhou não vê-la junto das outras mulheres e olhou ao redor -- Vem, minina! -- reconheceu a morena parada perto da porteira e fez sinal para ela -- Vem!
As crianças fizeram uma roda em torno de Hassan e começaram a pular.
--Vixi! -- ficou emocionado -- Que massa! -- pulava junto -- Há! -- sentia o coração batendo acelerado -- AHAH!!! -- gritou de alegria
“Aqui é o meu país,
De botas, cavalos, estórias,
De yaras e sacis,
Violas cantando glórias,
Vitórias, ponteios e fachos de luz,
Meu peito é Santa Cruz...”
--Graças a Deus, chegaram! -- Leda veio abraçar a filha -- Graças a Deus! -- beijou a testa dela e olhou para Georgina -- Você que é a mãe do menino? -- sorriu -- Prazer!
--Incantada, sinhora! -- respondeu respeitosa
--Vem cá, mãínha!! -- Hassan chamava -- Venha! -- sorria para ela
--Cadê Zinara? -- Leda perguntou intrigada
--Ela já vem, mamãe. -- respondeu tranquilamente -- Zinara tá vivendo essa chegada do jeito dela. -- olhou na direção da morena
“Aqui é o meu país,
Dos sonhos sem cabimento...”
--Vem, moça! -- Ahmed João e Ahmed Marcos vieram buscar Georgina -- Vem!
--Uai... -- a mulher seguiu meio sem jeito com eles e juntou-se ao filho na roda
“Aqui sou um Passarim,
Que as penas estão por dentro...”
--Pur que Zinara num vem? -- Penha não entendia
--Essa famia di nossus maridu é meiu istranha, num sabi? -- Dora respondeu cochichando -- Num vê qui Catiúcia veio sozinha?
-- Nagibe, Cid! -- Amina chamou -- Vão buscá a irmã docês!
--Traiz ela pra cá agora! -- Raed ordenou também
--Cid, simbora! -- Nagibe convocou o irmão
--Simbora! -- seguiram na direção da morena
“Me diz, me diz,
Como ser feliz,
Em outro lugar?”
“Nagibe e Cid corriam em minha direção, Kitaabii, igual quando eram crianças. Vinham sorrindo, olhando nos meus olhos, dizendo “ghafwan! (seja bem vinda!)” sem articular uma palavra.
Existem olhares que falam...”
“Me diz, me diz,
Como ser feliz,
Em outro lugar?”
--Vem cá, mininu! -- Raed abriu os braços para o neto -- Ocê agora vai morá mais nóis! -- sorria
--E nunca mais vai dexá di sê nossu mininu! -- Amina abriu os braços também
--Vai lá, fio! -- Georgina sussurrou para ele
--Vem, meu bem? -- Najla também chamou
“Lindo, Kitaabii, lindo! Ver maama, baba e camma Najla abraçarem Hassan como se o pusessem dentro de seus corações.
Eu sabia, podia sentir, que dentro da mente eles abraçavam Khaled também.”
“Me diz, me diz,
Como ser feliz,
Em outro lugar?”
--Agora ocê vem mais nóis! -- Nagibe se aproximou da astrônoma
--E num adianta fugi mais não, num sabi? -- Cid complementou
--Fugir pra onde, gente? -- respondeu emocionada -- E eu lá sou mulher de fuga? -- brincou
--Vai nu trêis, homi! -- Cid parou do lado da astrônoma -- Um, dois...
--Trêis! -- os dois pegaram Zinara no colo
--Uai! -- achou graça -- AHAH!! -- gritou empolgada -- Me derruba, não, viu?
--Issu nunca! -- Nagibe respondeu enquanto vinham carregando ela
“Me diz, me diz,
Como ser feliz,
Em outro lugar?”
Ivan Lins – Meu País [a]
--Tô muito feliz por Zinara, mamãe! -- Clarice observava os irmãos -- E por Georgina, Hassan, dona Amina, seu Raed, dona Najla... -- sorria embevecida -- A família merece viver isso! -- abraçou a idosa pelos ombros
--Queria muito que suas irmãs vivessem essa felicidade... Uma coisa simples, mas verdadeira. -- desejou -- Mas elas só fazem bobagem, nunca vi... -- suspirou -- Sabe Deus a quem puxaram!
--É só o tempo, mamãe... Com ele as coisas vão se resolver... -- pensava na promessa que Zinara lhe fez -- Se Deus quiser...
“Quando Nagibe e Cid se aproximaram de casa me trazendo no colo, as crianças vieram para perto e foi aquela farra. Nunca vou esquecer daqueles momentos de felicidade simples, Kitaabii...
Não sei descrever o que senti quando olhei nos olhos de maama e baba. Eles me receberam como se eu fosse um bebê há muito esperado. Como se eu fosse o awlaad (bebê/criança) que sempre quiseram ter e finalmente Allah lhes havia presenteado. Como explicar este sentimento, Kitaabii? Nunca saberei dizer... Tampouco saberia expressar o que senti quando camma Najla me sorriu de um jeito como nunca havia feito. Era aceitação, Kitaabii! O que desejei que me dessem a vida inteira! Tudo aquilo que implorei sem palavras, agora me era dado espontaneamente... E eu que nunca pensei...
Assim que os três me abraçaram, olhei para Clarice e sorri. Vi que ela estava chorando emocionada e só então percebi que eu também chorava.
Como a vida pode ser tão imprevisível, Kitaabii, tão cheia de surpresas? Pouco tempo atrás e eu me sentia a mais miserável das criaturas sob os olhos de Allah. Hoje, estou curada, feliz e vivendo sensações que nunca imaginei que conheceria. Tenho um amor de verdade, a mulher mais encantadora e ainda por cima vivo no país mais belo do mundo!
Por que demorei tanto tempo acreditando que a felicidade não seria possível? Acreditamos em bobagens demais...”
CAPÍTULO 130 – Pertencer
--Pega ela, pega!!! -- Hassan gritava
--Oh, Aba, tô frita... -- Zinara jogou-se no chão fingindo ter caído
--Peguei! -- Ahmed Marcos deitou-se por cima da tia
--AHAH!! -- Ahmed João jogou-se no chão também
--camma Zinaaaa!!! -- Khadija pulou em cima da mulher
--Eita, que eles querem matar a camma! -- achava graça
As crianças todas deitaram-se no chão ao redor da morena. Todos estavam rindo.
--Vamo pegar ela, Cidmara! -- Hassan vinha com a prima no colo
--Zinara faiz uma bagunça cum essis mininu, né, mêis? -- Catiúcia comentou divertida -- Haja dispusição! -- achava graça
--Ela adora criança! -- Clarice concordou -- Mas confesso que depois de uma viagem cansativa como a de hoje, não sei como tem tanto pique! -- prestava atenção na brincadeira deles -- Não demora muito, você vai tá lá naquela bagunça, né, bebê? -- deu um beijinho na cabeça de Ahmed Mateus, que estava em seu colo
--Ocê também gosta di criança, num é? -- olhou para a professora
--Adoro! -- acariciava a mãozinha do menino
--Num pensa em tê seus fio, não? -- perguntou curiosa
--Penso. -- olhou para a outra -- Mas antes eu tenho que resolver algumas coisas... -- pensava em sua situação com Zinara
--Ó! -- Ahmed Lucas apontou para a porteira
--Olha, tia, vem chegando alguém! -- Deodoro mostrou para a astrônoma
--Quem vem lá? -- sentou-se com dificuldade -- Ih, meu Pai! -- reconheceu as pessoas e riu brevemente -- Vão lá pegar elas, criançada! -- ordenou bem humorada -- Simbora, meu povo!
Todos se levantaram e foram correndo na direção das duas visitantes. Apenas Cidmara ficou sentada no colo de Zinara.
--Vai pegar elas, não, habibi? -- beijou a cabeça da menina -- Linda da camma! -- sorriu
--Ói lá quem vem chegandu! -- Catiúcia indicou com a cabeça -- E as criança vão tudu pegá elas! -- achou graça
--Aisha e Janaína! -- Clarice sorriu -- Ai, que bom, tava faltando elas!
--Pois é... -- respondeu sem saber o que dizer
A professora pausou por uns instantes até que resolveu perguntar: -- Falando em quem tá faltando... -- olhou novamente para Catiúcia -- Cadê seu marido?
--Ah... -- abaixou a cabeça constrangida -- Dêxi quietu pur que im peitica di famia eu num gostu di metê o bedelhu, num sabi?
Clarice ficou desconfiada.
--Gente, que pelotão mirim é esse? -- Aisha vinha cercada de crianças -- Foi você que mandou eles virem pegar a gente pra salvar tua pele, caipira foragida? -- brincou com Zinara -- Esse pelotão não é fácil, mas você não me escapa, viu, fi? -- riu
--Não adianta que essa turma miúda não vai te livrar da gente, cumadre! -- Janaína carregava Khadija e Deodoro, um em cada ombro. Eles riam
--Tava estranhando que vocês não vinham! -- levantou-se para recebê-las -- Cadê o Marco? -- sentia falta do homem -- Vocês vêm sempre juntos!
--Criança, a casa tá pronta! -- Raed apareceu no quintal anunciando orgulhoso -- Simbora vê ondi o primu e a tia docês vão morá! -- convidou
--Oba!!! -- Hassan gritou e correu pulando em direção ao seu novo lar. Os filhos de Ahmed correram atrás dele
--Eu queru í vê, tia! -- Khadija pediu
--E eu! -- Deodoro pediu também
--Vão lá! -- Janaína colocou os dois no chão e eles saíram correndo de mãos dadas
--Vai ver também, Cidmara? -- Zinara achou graça quando viu a sobrinha correndo no passinho dela -- Ai, ai...
--Ai, eu vô vê comu ficô, num sabi? -- Catiúcia se levantou -- Elis vêm labutandu nessa casa faiz tempu! -- olhou para Clarice -- Possu levá eli? -- pediu o filho
--Claro! -- levantou-se e entregou o menino para a mãe -- Pode ir lá ver. -- sorriu -- Primeiro eu vou cumprimentar as duas. -- indicou Aisha e Janaína
--Vem cá, sua cachorrona, me dá um abraço! -- Aisha puxou a prima para um abraço apertado -- Ai, que saudade, que susto que você deu na gente, hum!! -- beijou o rosto da astrônoma repetidas vezes -- Tinha que te dar uns tapas, sabia?
--Ei, não exageremos nessa beijação aí! -- Janaína retrucou enciumada -- Também me preocupei, mas não é pra tanto!
--Calma, Janaína, que essa mulher me ama, não tem jeito! -- beijou a testa da prima -- Nosso amor vem de longa data! -- brincou
--Oi, meninas, como vão? -- Clarice chegou saudando -- Cadê o Marco? -- estranhou
--Eu perguntei, mas ninguém falou nada... -- a morena aguardava uma resposta
--É uma longa história, nem te conto... -- Aisha olhava para as professoras -- Babado fortíssimo! -- foi cumprimentar Clarice -- Oi, querida! -- sorria -- Poderosa como sempre! -- abraçaram-se
“Muita coisa mudou durante minha ausência!” -- Zinara pensou -- "Usritii (Minha família) tá bem mais amorosa, Georgina parece que tá com saúde, Aisha recuperou a fazenda, Ahmed não apareceu e ninguém falou nada, Marco não veio...” -- considerou -- "Tanta coisa...”
--Vê se não apronta mais das tuas, nêga! -- Janaína advertiu à morena -- Já tá na hora de criar juízo! -- deu-lhe um tapão no braço -- É ou não é? -- e tome de tapa
“Só a mão pesada de Janaína é que não muda...” -- pensou contrariada
***
--Pois é, minha genti, nóis tentemu fazê uma surpresa, mais num cunsiguimu, num sabi? É difícir pur dimais da conta di inrolá minha fia! Meu netu também num fica atráis, aí danô-si! -- as pessoas riram -- Mais o qui importa é qui nóis tudu tá aqui reunidu modi comemorá duas coisa: -- Raed fazia um discurso diante de todos -- a chegada di meu netu Hassan e da mãe deli, Georgina, qui viéru pra morá mais nóis -- apontou para os dois -- e a cura di minha fia Zinara. -- olhou para ela -- E pur causo dissu eu queria qui ocês mi ôvissi um tiquinhu. -- falou com seriedade -- Vô mi demorá, não.
--Eu nunca vi abuuya (meu pai) falando em público desse jeito. -- comentou com Clarice -- Ele é sempre tão seco, tão objetivo... -- estranhava
--As pessoas mudam, minha querida. -- fez um carinho rápido no braço dela -- Seu pai não é imune aos ensinamentos do tempo.
--Nem eu, nem minha muié e nem ninguém sabia qui meu fio Khaled tinha tidu mininu. -- revelou -- Pur causo di um dotô marditu, o miserentu qui tratava deli, -- emocionou-se -- nem nóis sabia di nada, nem Georgina sabia qui nóis quiria essi netu. O tar dotô inganô pra ela qui nóis num quiria nem sabê di Hassan! -- muitas pessoas se indignaram -- É issu mêis! O diachu só veiu pra fazê trem ruim! -- pausou brevemente para conter a emoção -- Mais Zinara incontrô Hassan e trôxi eli e a mãe, modi vivê mais nóis e daqui pra frente, eu, Raed Raja, prometo sob Allah e sob o nomi di meus ancestrar qui nada e nem ninguém vai separá essa famia di novu! -- bateu no peito
--Inshallah! (Se Deus quiser!) -- Amina, Zinara, Najla e todos os filhos de Cedro responderam em voz alta
--Ghafwan, Georgina! (Seja bem vinda, Georgina!) -- Rafi anunciou em voz alta -- Rahimaka Allah, Hassan! (Deus te abençoe, Hassan!) -- os demais aplaudiram
Georgina e o filho se abraçaram emocionados.
--Lá im Cedro, quandu era mininu, -- Raed continuava a discursar -- nóis ôvia us ancião contá o causu di ya Abdullah: um homi qui passô a vida intêra procurandu pelas jóia da famia e só dispois di muita consumição, quandu eli já tava véiu e cansadu, é qui veiu a discubri qui o tisôru tava interradu nu quintar. -- olhava para todos -- Aí nu finar, us ancião insanava pra nóis, qui era criança, qui às veiz us tisôru tá du nossu ladu o tempu intêru e nóis só si dá conta quandu é tardi dimais. -- respirou fundo -- Quandu Amina ingravidô pela primêra veiz, eu quiria um fio homi. -- assumiu -- Mais Deus mi mandô Zinara e eu num mi atinei, eu num tinha intendimentu pra vê qui Eli mi mandava um tisôru. -- olhou para a filha -- Dus maió tisôru qui um homi pódi recebê. -- respirou fundo e pediu com humildade: -- Mi perdoa, fia! Já ti pidí issu, mas nunca é dimais tentá cunsertá us erru du passadu. Teu pai ama ocê e si arrependi pur dimais da conta di tanta ignorança!
“Eu não esperava por aquilo, Kitaabii. Era inacreditável... Baba se redimindo em público e fazendo coisas que esperei uma vida para ver acontecer.”
--Que lindo, Zinara! -- segurou uma das mãos da astrônoma -- Seu pai tá fazendo uma declaração de amor pra você! -- olhava para ela
--Acho que eu não tava preparada pra isso, Sahar... -- sorriu com os olhos marejados
--Isso, akhuuya (meu irmão)! -- Najla falava baixinho -- Tá mais que na hora de se redimir!
--E eu passei a vida intêra cum essi tisôru bem pertinhu di mim, mas só quandu veiu um cânci marditu e ameaçô levá minha fia pra longi é qui eu aprindi a dá valô! -- derramou uma lágrima -- Eu prometi a Deus e a Virgi qui si Zinara curassi, tudu na minha vida ia sê diferenti! E ela curô! -- pausou brevemente -- Intonci vai sê diferenti!
Amina estava orgulhosa do marido. -- Ya Leda, nunca ôvi essi homi falá uns trem bunitu dessi! -- olhou para a amiga -- Tô inté cum vontadi di chorá, num sabi?
--Fico muito feliz por vocês, minha filha! -- fez um carinho nas costas dela -- Muito feliz mesmo!
--O maió orguio na vida di um homi é a famia, são us fio. E eu tenhu é mutivu pra mi orguiá! -- olhou para cada filho -- Eu amu meus fio, amu minha muié e di hoji im dianti essa famia vai sê du jeitu qui baba mi insinô qui tem qui sê: unida, num importa o qui acunticê! -- abriu os braços -- Vem todu mundo aqui! Minha muié, meus fio, meus netu, purquê eu num cunsigu falá mais nada, não! -- estava bastante emocionado
--Vem, Cidmara! -- Cid pegou a filha no colo -- Vamu abraçá teu avô! -- estava comovido
--Coisa bunita, num sabi? Eu nunca qui oví baba falandu dessi jeitu! -- Nagibe tinha os olhos marejados -- Vem, minha fia! -- foi levando Khadija
--Vai, amor? -- Clarice sussurrou baixinho -- Dá um abraço e um beijo no seu pai. -- incentivou -- Agora, mais que nunca, vocês são uma família! -- sorriu -- Agora vocês se pertencem!
Zinara olhou para sua amada completamente sem palavras. Sabia o que ela queria dizer e apenas sorriu. Respirou fundo, secou os olhos e seguiu para o palco.
--Vamo, mãínha! -- Hassan estava todo prosa -- Giddu quer abraçar a gente!
--Vá, meu fio. -- Georgina respondeu comovida -- Eli qué abraçá ocê!
--Vamu, baba! -- Ahmed João segurou a mão do pai -- Vamu lá subí nu parcu e abraçá o giddu!
--Vai cum seus irmão qui dispois eu vô! -- não sabia o que fazer -- Vai!
Os três filhos de Ahmed foram sozinhos.
--Toma, homi. -- Catiúcia deu Ahmed Mateus no colo do pai -- Vá lá e abraci teu pai! -- falou com decisão -- Chega dessa bestagi, num sabi?
--Mais... -- estava na dúvida
--Filho? -- Najla se aproximou Ahmed -- Vai lá? -- pediu com carinho -- Chega de tristeza nessa família. É hora de fazer diferente! -- sorriu -- É hora de ser feliz!
--Vem, mininu! -- Amina estendeu a mão para o filho -- Vem mais eu.
Ahmed não resistiu e abraçou a mãe com cuidado, por estar segurando o filho.
--E o qui acunticeu naqueli dia, num há mais di acunticê. -- olhava para o jovem -- Nunca mais!
--Eu mi sintí muitu humiadu, maama... -- falou como criança
--Ocê mereceu, mais nóis também erremu cum ocê. -- reconheceu -- Agora vamu lá praqueli parcu e mostrá pressi povu todu qui nóis semu uma famia di verdade! -- os dois seguiram de braços dados
--Najla, Aisha, minhas nora, vem tudu! -- Raed continuou convocando -- Queru uma fotu pra botá nu murar du clubi! -- anunciou orgulhoso -- Minha famia toda reunida!
--Gente, mas que coisa forte esse negócio aí, viu? -- Aisha comentou emocionada -- Vem, Janaína, sobe no palco do meu lado! -- segurou a mão dela
--Eu?! -- arregalou os olhos -- Vai dar bode isso, hein, Aisha! -- estava receosa
--Deixe de coisa e vem, criatura! -- insistiu e ela foi
--Oxi, qui inté a muié machu tá indu! -- Penha comentou desaforada -- Num sô eu qui vô ficá di fora!
--Nem eu! -- Dora concordou -- E ocê vem juntu! -- puxou Georgina pelo braço
--Eita! -- achou graça e foi indo com Dora
--Eu quero ir! -- Deodoro reclamou -- Quero tirar a foto do lado de Khadija! -- olhou para a avó -- Deixa eu ir? -- pediu
--Ai, mamãe, olha que coisa linda! -- Clarice comentou secando os olhos -- Eu queria ir lá no palco também! -- lamentou
Leda teve pena da filha e do neto mas não soube o que dizer. Apenas olhou na direção do palco e suspirou. Amina percebeu a frustração da professora e do menino, da mesma forma que notou que Zinara desejava ardentemente ter Clarice do seu lado.
--Ispéra um pôcu aí! -- impediu que fotografassem -- Ya Leda, Clarice e o meninu delas são comu si fossi da famia! -- olhou para os três -- Tem qui ví pra cá modi tirá fotu mais nóis! -- decidiu
“Grande maama!” -- Zinara pensou satisfeita -- Vem, que eu ajudo vocês a subir! -- ofereceu ao se aproximar da beira do palco -- "Sahar vai ficar do meu lado na foto!” -- decidiu
--Oba!! -- Clarice e Deodoro exclamaram ao mesmo tempo
--Ispera aí qui tem mais gente pra fotu! -- Raed concordou com a esposa -- Vem, ya Leda! Traiz a famia da sinhora!
--Qué que ajude a senhora, minha dama? -- Rafi se ofereceu cavalheiresco -- Os degrau são arto e eu lhi ajudo a trepá, num sabe? -- sorriu sedutor e estendeu a mão
--Eu, hein, conversa é essa de trepar, bicho besta! -- deu-lhe um tapa na mão -- Vai fazer proposta indecente pro diabo que te carregue! -- afastou-se de cara feia -- Num aguenta nem uma gata pelo rabo e vem me falar de trepar! -- resmungou
--Mais o que foi que eu disse di errado? -- Rafi se perguntava intrigado
--E eu, será que também poderia? -- uma voz masculina chamou atenção
--Marco?! -- Najla pôs as mãos sobre o coração -- Oh, Aba, meu Deus... -- sentiu as pernas fraquejarem -- "E ele veio tão bonitinho de roupa chique...” -- pensou
“É, você é um negão de tirar o chapéu, não posso dar mole senão você, créu, me ganha na manha e babau, leva meu coração...” -- ouviu a música dentro da mente
--Não pude mais aguentar, minha Dona! -- aproximou-se do palco -- Longe de você, a vida perdeu a graça... -- declarou-se -- "Como sempre, linda...” -- pensou embevecido
“Um olhar me atira à cama, um beijo me faz amar, não levanto, não me escondo, porque sei que és minha... Dona!!!” -- a música ecoava dentro de si
--Ih... camma Najla tá namorandu! Tá namorandu, tá namorandu! -- Ahmed cantava brincalhão
--Tá namorandu, tá namorandu!! -- Zinara, Nagibe e Cid brincaram também
--Dêxi di tantu resfulengu e vem logo, créu! -- Raed chamou impaciente -- AHHa! Num mi faiz mi arrependê! -- ameaçou
--Foi ocê qui chamô eli, homi? -- Amina perguntou impressionada
--Arguéim tinha qui fazê arguma coisa! Num aguentava mais vê minha irmã du jeitu comu tava, num sabi? -- justificou-se -- Mais issu num qué dizê qui eu gosti dessi homi créu! -- esclareceu
--Tô orguiosa docê! -- beijou o rosto do marido, que ficou todo prosa
--Essa fotu vai ficá boa pur dimais da conta! -- Catiúcia estava gostando -- Tá vindu um monti di genti!
--A família tá completa, seu moço! -- a astrônoma sentia-se nas nuvens ao lado da namorada -- Pode tirar a foto! -- pediu
--Cada um com seu cada qual, acho que já pode e deve tirar essa foto, SIM! -- Aisha piscou para Zinara -- Né, mamii? -- beliscou levemente o braço da mãe
--Farta mais ninguém, não, sô! -- Nagibe falou sorridente -- Tira a foto, homi! -- pediu para o fotógrafo
--Podi tirá! -- Amina concordou
Rafi olhava para Leda com olhos pidões. -- E você fica aí! -- a idosa falou para ele -- "Sai pra lá encosto!”
***
--Amor, que festa maravilhosa! -- Clarice comentou satisfeita -- Momentos emocionantes, boa companhia, boa comida, boa música... -- sorria para a morena -- E que decoração incrível que sua tia Najla preparou! -- olhou para o céu -- Olha só que noite linda! Acredita que eu vi até uma estrela cadente?
--E fez um pedido? -- abraçou a amada fortemente pela cintura -- Dizem que dá sorte! -- sorria também -- Confesse os desejos de seu coração para as estrelas... -- aproximou os lábios do ouvido dela -- witrouk el baqi a’alateh... (e deixe o resto comigo...) -- sussurrou
--Ai, Zinara, o que é isso? -- reclamou dengosa e se desvencilhou -- Estamos no clube, esqueceu? -- passou a mão pelos cabelos -- Eu hein, parece até que tá bêbada sem ter bebido! -- ajeitou-se toda
--Ana sakraneh... (Estou bêbada...) -- aproximou-se novamente -- Embreagada de amor por você, Sahar! -- afirmou com voz gutural -- Ana cawza! (Eu quero!) -- puxou-a para si mais uma vez
--Ui! -- ficou toda arrepiada -- Criatura, você... -- lábios famintos tomaram-lhe o pescoço de assalto -- não tem medo que alguém chegue aqui? -- sentia as mãos da outra percorrendo seu corpo -- Não pensa nisso? -- fechou os olhos -- Ai... -- gem*u
--We att sharad wayah Il afkar... (Meu cérebro é incapaz de se concentrar...) -- mordeu a orelha da outra -- Não penso em outra coisa senão... -- olhou nos olhos e deslizou uma das mãos até a nuca da amante -- bousa ala shafayef... (beijo nos lábios...) -- afirmou com decisão
“Gente, quê que é isso?” -- pensou abestalhada
--Alaan! (Agora!) -- beijou-a com paixão
"Ai, meu Pai, é aí que a bousa pira...”-- Clarice pensou cheia de fogo -- Ah... -- soltou um gemido abafado pelo beijo
“Que diacho que Clarice e Zinara foram fazer lá em cima que nunca descem?” -- Leda pensava intrigada -- "Não me diga que foram acasalar?” -- fez um bico -- "Só me faltava essa!”
De repente, a idosa observou que Rafi se preparava para subir as escadas.
--Ei, pra onde você vai? -- correu até ele -- A festa é só aqui embaixo!
--Vô subi pra tirá uma foto do povo todo, uai. -- respondeu estranhando -- De lá de cima dá pra vê tudo bão mesmo!
--Ah... -- não sabia o que dizer -- deixe esse negócio de foto pra lá! -- puxou o homem pelo braço -- Quero você aqui embaixo! -- foi arrastando ele para longe da escada
--Mas por que, uai? -- não entendia
--Por que? -- ficou pensando -- Porque... -- olhou para ele -- a música tá boa e eu quero dançar. É isso aí! -- afirmou decidida
--Oxi?! -- espantou-se -- Já passô das meia noite, tá cansada, não? -- perguntou em choque -- As perninha já tão doendo pra ficar no arrasta pé, num sabi? -- reclamou
“Ô, mas que homem das perna fraca, que praga!” -- protestou mentalmente -- Então fica aqui embaixo e... -- pensava em outra coisa -- conversa comigo.
“Hum, ela tá querendo namoração!” -- pensou cheio de fogo -- Ah, mas se é assim, nóis proseia, uai! -- sorriu empolgado e deu o braço a Leda -- Vamos proseando, proseando até que... quem sabe, né? -- fez um olhar sedutor
“O que uma velha mãe não é capaz de fazer por uma filha fogueteira...” -- pensou desgostosa -- "Ah, mas que Clarice vai levar chinelada no rabo, isso vai!”
--Amor, pára... -- a paleoceanógrafa pedia melosa -- A gente... não pode fazer... amor aqui... no clube -- falava entre beijos -- Alguém pode... chegar e... ver... -- foi imprensada contra a parede -- Meu Deus, Zinara, você... -- a morena beijava e mordia seu pescoço -- que fogo é esse? -- mãos ansiosas apalpavam todas as partes de seu corpo -- Ai... -- sorriu
--Vamos fugir, Sahar! -- segurou o rosto dela com as duas mãos -- A festa acaba daqui a pouco e ninguém vai ficar procurando por nós. -- sorria
--Fugir como, criatura? -- achava graça -- E é claro que vão dar nossa falta! -- discordou
--Qualquer coisa, maama e ya Leda despistam os curiosos. -- argumentou -- Não fica pensando muito, faz o que o coração manda. -- segurou uma das mãos dela -- Vem comigo, Sahar! -- beijou-a -- Tacaalii, ya gamil? (Vem, minha linda?) -- puxou-a pela mão com delicadeza
“E tem como dizer não?” -- pensou -- Vou pra onde você quiser, meu amor. -- respondeu melosa
Zinara e Clarice desceram as escadas correndo. Tentaram ser rápidas para que ninguém as notasse.
--Uai?! -- Raed viu as duas saindo pela porta dos fundos -- Pra ondi qui elas tão indu? -- perguntou-se intrigado -- Uma hora dessa... -- coçou a cabeça -- Devi di sê coisa di muié. -- concluiu -- Hum. -- bebeu um gole de vinho
As namoradas tiveram que pular um pequeno muro na saída e quando ganharam a rua ficaram rindo como duas adolescentes.
--Ai, ai, Zinara Raed, olha só o que você faz comigo! -- deu um tapinha no braço da morena -- Uma professora universitária, pesquisadora de nível 1, -- andava gesticulando -- com doutorado na cara e pulando muro de clube alheio! -- riu -- E tudo isso por causa de outra professora universitária, pesquisadora de NÍVEL 2 -- frisou as duas últimas palavras -- e cheia dos títulos! -- abraçou o braço da morena -- Olha só que coisa feia! -- brincou
--O mundo tá perdido, aHHa! -- fingiu-se desgostosa -- Pior ainda é o que as professoras, pesquisadoras não sei das quantas vão fazer agora! -- anunciou -- Bão bisurdo! -- brincou
--E o que é que elas vão fazer? -- perguntou bem humorada
Zinara conduziu a amada para perto de uma bicicleta encostada em um poste. -- Vão pegar emprestado al ‘agala (a bicicleta) de Ahmed e fugir por aí! -- anunciou -- Ih, olha, ele botou até uma almofadinha aqui atrás pro carona se sentar. -- mostrou
Arregalou os olhos. -- A gente vai roubar a bicicleta dele? -- desvencilhou-se da outra -- Que é isso, menina? -- acabou rindo -- Zinara! -- colocou as mãos na cintura
--Não é roubo, é empréstimo! -- pegou a bicicleta -- Ahmed cansou de fazer isso com HuSunina (nossos cavalos)! -- preparou-se para pedalar -- Quantas vezes Khaled ou eu ficamos a pé por causa dele? -- riu brevemente -- Acho que hoje ele recebe o troco. -- piscou para a outra -- Senta aí na almofadinha, Sahar, e confia na sua caipira. -- pediu sorridente
--E você vai ter força pra sair pedalando por aí depois de tudo? -- sentou-se -- Não parou o dia todo, brincou com as crianças, dançou e ainda nem descansou da viagem!
--Nunca menospreze as caipiras, Sahar! -- fingia seriedade -- E nós ainda... -- virou-se para falar mais perto dela -- não terminamos o que começou lá em cima. -- ajeitou-se novamente
--Gente... -- sentiu até um calor
--Yaalah! (Vamos!) -- começou a pedalar -- Eita! -- não viu uma pedra solta e bambeou na direção
--Ai, cuidado! -- desequilibrou-se por uns instantes e riu -- Não me derruba, tá? -- pediu bem humorada
--Tem medo, não, que se a gente cair do chão não passa! -- brincou
--Eu já sabia que você era safada, caipira terrível, mas não imaginava que fosse tanto! -- segurava na base do selim
--É que você me conheceu na versão derregada, mas agora eu tô com raça! -- respondeu bem humorada
Achou graça. -- E a gente vai pra onde, hein? -- estava adorando a situação
--Pra um lugar especial. -- fazia um suspense -- Vamos ver o dia amanhecer juntinhas! -- acelerou as pedaladas -- Enquanto isso, a luz da Cynthia nos ilumina. -- falou em voz mais alta -- Ya bajat al-rouh... (Prazer da minha alma...) -- sabia que se aproximava de um declive e acelerou ainda mais -- Ya-illi enti agmal hikaya! (Você é minha história mais bonita!) -- aproximou-se da ladeira -- You you you you!!! -- começou a cantar quando a bicicleta ganhou velocidade -- AHAH!! -- parou de pedalar
--AHAHAHA!!!!!! -- Clarice gritou feliz e emocionada -- UHUU!!! -- sentia-se livre
--Behebbik ya, Sahar!!! (Eu te amo, Sahar!!!) -- gritou com um sorriso no rosto
--Behebbik ya, Yatamanna!!! (Eu te amo, Esperança!!) -- gritou em resposta
“As coisas simples, Kitaabii, os pequenos grandes prazeres da vida... A bicicleta descia a ladeira rapidamente, percorrendo o solo plano e firme ladeado por grandes árvores. Pequenas flores caíam sobre nós, como se os ipês brancos, amarelos e lilases nos abençoassem a loucura de uma adolescência tardia. A velocidade fazia com que o vento bagunçasse nossos cabelos e transformava nossos gritos de felicidade em sons que se perdiam pelo caminho. A luz da Cynthia, que teimava por encontrar todas frestas entre a copa das árvores, prateava o cenário diante de nós. Singelos momentos de felicidade, Kitaabii. Era a vida dizendo, como sempre faz, o quanto ela vale a pena, e nós estávamos ouvindo...
Depois de alguns minutos chegamos ao lugar no qual eu havia pensado. Não pretendia fazer amor com Sahar naquele relento, apesar de ter insinuado isso quando pegamos a bicicleta. Sabia que teríamos privacidade, mas meu desejo era apenas ficar a sós com ela, deitada na grama, esperando o sol nascer. E quando ele veio, nos encontrou abraçadinhas, perdidas em juras de amor que não precisavam de palavras para serem feitas.
Oh, Kitaabii, eu amo Sahar! E amo plenamente, com tudo de mim! Eu pertenço a ela e ela me pertence, mas não por sermos meras possessões de um ciúme recíproco, mas porque fazemos parte uma da outra. Nosso amor se traduz em um frase, eternamente tatuada em meu coração: Ana fy knt, wknt fy ly wallh fyna… (Eu em você, você em mim e Deus em nós...)”
CAPÍTULO 131 – E Como Vai a Vida dos Outros...
Jamila dançava totalmente à vontade em uma festa LGBT. Ao som de versões remixadas de sucessos do pop rock nacional, divertia-se com pique total. Uma jovem, que prestava atenção nela desde que chegou, resolveu se aproximar e veio dançando no mesmo embalo da advogada. Em poucos minutos dançavam juntas e assim permaneceram por um bom tempo.
--Vamos parar pra tomar alguma coisa? -- a jovem propôs -- Agora cansei. -- sorriu
--Também preciso molhar a garganta. -- respondeu sorridente -- Vamos lá. -- procuraram uma mesa e sentaram-se juntas
--Deixa eu me apresentar, Jamila. -- estendeu a mão -- Ana Paula, é um prazer! -- fez um charme
--Walaw! -- apertou a mão da outra -- O prazer é meu! -- repetiu a mesma coisa na língua local -- Como sabe meu nome? -- soltaram as mãos
--Difícil não saber quem é Jamila Haddad quando se é advogada também. -- cruzou as pernas sensualmente -- Recém formada, confesso, mas um dia eu chego lá, visse? -- piscou
--Com certeza chega. -- concordou -- O que vamos beber? -- pegou o cardápio
--Hoje eu tô pra uma boa Vodka e você? -- debruçou-se sobre a mesa
--Amanhã é dia de trabalho... -- sorriu -- Vou pedir uma soda. -- acenou para o garçom
--Soda?! -- achou graça -- Não imaginei que alguém ousada e destemida feito você evitasse um pouco de álcool por causa de trabalho no dia seguinte. -- provocou -- Não tô te entendendo, Jamila... -- brincou
--Nem tudo é como parece. -- passou a mão pelos cabelos -- Mas eu não menosprezaria minha ousadia se fosse você... -- jogou um charme também -- "Você anda solteira há tempo demais, Jamila...” -- pensava -- "Talvez essa garota seja uma companhia interessante pra um algo mais essa noite...” -- considerou
--Com certeza você não é mulher pra se menosprezar. -- flertava com a outra
Após pedirem as bebidas, as mulheres continuaram conversando.
--Você é de Paulicéia? -- perguntou interessada -- Trabalha aqui em Cidade Restinga ou na sua cidade?
Ana Paula ficou um pouco sem graça. -- Ah, tu notasse? -- perguntou meio constrangida -- É que vivo em Maurítia há tantos anos que meu sotaque ficou meio perdido... -- pausou brevemente -- Trabalho lá, aliás. Tô aqui por conta de uma audiência.
“Por que será que ela ficou sem graça com a pergunta?” -- pensou sem entender -- Percebi o sotaque de Paulicéia quando você falou a palavra ‘entendendo’. -- cruzou as pernas -- E você não fala exatamente como as pessoas daqui. -- reparava na outra -- Gosto de prestar atenção nos detalhes... mulheres interessantes me despertam. -- queria acabar com o clima de constrangimento
--Uma mulher observadora... -- sorriu sensualmente -- Gosto disso! -- pôs uma das mãos sobre a coxa da geógrafa
O garçom chegou com as bebidas e as serviu.
--E onde você trabalha em Maurítia? -- bebeu um gole sem tirar os olhos da jovem
--No escritório do meu pai, você não deve conhecer. -- recolheu a mão -- Chama-se Greenhall Associados. -- bebeu um gole também
--Laa (Não), eu não conheço. -- decidiu não falar em trabalho -- Sabe... você dança bem. -- elogiou -- Me deixou empolgada. -- sorriu -- "Oxi, que eu tô perdendo a prática da sedução... Leonor tava certa quando disse que enferruja...” -- pensou
--Tomara que eu te empolgue de outras formas também... -- respondeu insinuante -- Se você tem tanta disposição pra outras coisas como tem pra dançar e fazer o país tremer... -- aproximou-se mais -- Ai... -- suspirou -- Fiquei pensando...
“Ela já tá a fim...” -- bateu com o copo levemente no copo da outra -- Na hora certa você vai saber... -- fez um charme
Após uns segundos calada, Ana Paula perguntou: -- Você veio pra cá sozinha?
Sem saber ao certo porque, Jamila mentiu: -- Aywah. (Sim.) -- balançou a cabeça positivamente -- "Por que será que ela perguntou isso?” -- ficou intrigada -- "Calma, Jamila, você tá ficando paranóica demais!” -- repreendeu-se
O DJ da festa era o novo namorado de Leonor, que estava lá também. Os três haviam chegado juntos, mas a advogada deixou o casal e foi curtir sozinha. Sua irmã estava no palco, dançando perto dele.
Pareceu não ter acreditado. -- Eu fiquei sabendo dessa festa por acaso. Simplesmente ouvi no rádio do táxi e me empolguei. -- comentou -- Depois de um dia estressante como hoje, tinha que sair pra aliviar... -- bebeu mais um gole -- Só que jamais imaginava que justamente Jamila Haddad ia cruzar meu caminho... -- caprichou no olhar
--Quando que você volta pra Maurítia? -- perguntou interessada
--Amanhã à noite. -- respondeu de pronto -- Nosso momento é esse... -- deslizou um dedo sobre os lábios da advogada
Jamila entendeu o que ela queria dizer. -- "É tão estranho... Parte de mim deseja sair daqui agora mesmo e ir pra cama com ela, mas ao mesmo tempo... não dá vontade...” -- estava na dúvida
--Já que você veio sozinha e eu também... -- sorria -- por que a gente não sai daqui pra algum lugar ainda mais à vontade? -- propôs
--Estamos numa festa LGBT, habibi. -- respondeu delicadamente -- Dá pra se conhecer melhor antes de ter que sair. -- acariciou uma das mãos dela
Ana Paula transpareceu um pouco de contrariedade, mas dissimulou. -- Então... quer voltar pra pista? -- ofereceu sensualmente
--Yaalah. (Vamos.) -- concordou e deixou o copo sobre a mesa -- Vem? -- estendeu a mão
A jovem bebeu o último gole de Vodka e passou a mão sobre os lábios. Segurou a mão que Jamila oferecia e sem que ela esperasse beijou-a com desejo, invadindo-lhe a boca com a língua ansiosa. Apesar de estar disposta, a geógrafa sentiu um certo desconforto e um sabor estranho no beijo.
--Espera. -- desvencilhou-se com jeito -- Tá um pouco rápido... -- olhava para a outra -- "Oxi, Jamila, nem parece você falando! Que fuleiragem da porr*!” -- repreendeu-se mentalmente
--Hum, que é isso, você não é uma garotinha inexperiente... -- envolveu o pescoço dela com os braços -- Se solta, vai, mulher? -- beijou-a novamente
“Esse gosto...” -- sentia-se confusa -- Eu... -- desvencilhou-se mais uma vez -- Eu vou no hammaam (banheiro). -- afastou-se -- Me espera. -- pediu -- Espera aí. -- foi andando para o banheiro -- Que coisa estranha, eu não tô entendendo nada! -- resmungava -- Que gosto... -- passou perto do balcão e pegou um guardanapo -- Oxi! -- passou o guardanapo na língua e percebeu que o papel ficou manchado -- Xara! (Merda!) -- ficou ainda mais desconfiada -- Leonor, cadê você? -- mudou de direção e decidiu ir atrás da irmã -- Xara! -- limpou a língua novamente
Ana Paula percebeu que Jamila não havia ido ao banheiro mas perdeu a mulher de vista no meio das outras pessoas. -- Puta que pariu! -- resmungou sozinha
--Leonor! -- segurou a irmã pelo braço
--Ai, que susto! -- arregalou os olhos -- Oxi, você tá esquisita! -- reparou no semblante da irmã -- Quê que foi? -- falava alto
--Eu tava conversando com uma garota e acho que ela tentou me drogar... -- falava alto também por causa da música -- Não sei qual é a dela, mas fiquei com medo. -- estava séria -- Pode ser coisa da parte dessa gente que eu incomodo! -- concluiu -- Na certa a garota é o chamariz que arrumaram pra me pegar!
--Que é isso, mulher, você tá delirando! -- não queria aceitar -- É mais que normal uma garota que curte droga querer dividir isso com você!
--Eu tô com um mau pressentimento! -- insistiu -- E tô me sentindo estranha também. Vou embora! -- decidiu
Leonor não gostou da ideia, mas não achou prudente deixá-la ir sozinha. -- Vou contigo, deixa só eu falar com o Gui. -- afastou-se para avisar ao namorado e depois seguiu com a irmã -- Por ali! -- apontou uma porta escondida debaixo do palco -- Passagem secreta. -- brincou para aliviar
Após entrarem no corredor estreito o volume da música reduziu substancialmente.
--Você sabe pra onde a gente tá indo? -- perguntou surpreendida
--Meu namorado vira e mexe trabalha aqui, meu bem. -- andavam -- Já conheço cada canto desse lugar. -- mostrava a direção a tomar -- Vamos sair direto na rua, aí a gente pega um táxi.
--Jayed jedan! (Muito bom!) -- apressou o passo -- Nossa, minha cabeça tá doendo... -- reclamou
--Claro, você fica num estresse! -- reparou que a irmã suava muito
Ao chegarem na rua pegaram o primeiro táxi que encontraram. -- Boa noite, moço. -- Leonor cumprimentou -- Leva a gente pra Argasidae?
--Leva a gente pro hospital mais próximo, min fadlak (por favor)! -- corrigiu -- Eu tô mal.
O motorista reparou em Jamila e ligou o carro preocupado. -- Vamo mesmo! -- entrou em movimento
--Quê que você tá sentindo? -- pôs a mão no rosto da outra -- Oxi, você tá suando frio!
--Chama a polícia, Leonor. -- entregou o celular para ela -- Liga pro delegado Maciel. -- pediu
--Mas... -- não sabia o que fazer -- Eu digo o que?
--Oxi, tá cego, cabra da porr*? -- o motorista gritou para o carro do lado -- É de noite e esses vidro preto tudo fechado! -- reclamou
Jamila reparou no carro e sentiu o coração disparar. -- Ele tá seguindo a gente! -- afirmou desesperada -- Corre! -- a cabeça girava
--Que nada, mulher, você já tá... -- olhou para o carro -- Ai, ele vai bater na gente!! AH!! -- gritou
--Eita! -- o táxi balançou quando o outro carro bateu na lateral -- Ô, pessoal, vocês são bandida, é? -- estava com medo
--Corre, moço, pelo amor de Deus!! -- Leonor se desesperou -- Esse pessoal é assassino, eles não vão perdoar ninguém!! -- estava quase chorando -- Eles querem matar, estuprar e cortar a cabeça de todo mundo aqui!
--Ave Maria! -- acelerou como louco
Jamila não conseguia entender mais nada.
***
--Então foi isso, delegado Maciel. -- Leonor narrava os fatos -- A sorte é que o taxista sabia que tinha acabado de acontecer um acidente na Joaquim Macedo e foi correndo pra lá. -- olhava para o homem -- Quando o carro preto se jogou contra a lateral do táxi, a gente já tava perto do local do acidente e o motorista fez uma loucura e passou por cima do canteiro da Silva Pinheiro. -- contava - Acho que os assassinos não esperavam por isso.
--Com certeza não. -- concordou com ela e olhou para Jamila -- Você realmente foi drogada, os exames indicaram traços de um alucinógeno poderoso na sua saliva. -- balançou os papéis que segurava -- Os efeitos do seu dossiê e o escândalo do caso Scowben-Hamatsu já não recebem atenção da mídia. -- falava com seriedade -- Acho que seu período de sossego acabou, minha cara. -- informou solenemente
--Ana a’arfa... (Eu sei...) -- concordou pensativa
--Vai embora daqui, minha irmã! -- aconselhou aflita -- Esse pessoal não vai desistir de te pegar!
--Por coincidência, -- o delegado continuou -- encontrei com um amigo da Federal da Capital e ele me disse que Hamatsu teve que sair do país. -- a advogada se surpreendeu -- Parece que sofreu uma nova tentativa de assassinato.
--Vai pra Godwetrust, Jamila! -- Leonor continuava insistindo -- Aceita o convite da ONG e vai embora! -- pediu -- Que sorte que nossos pais tão viajando! -- falou mais para si do que para os outros -- Era capaz até de mamãe ter um treco!
--Talvez esteja mesmo na hora de você ir. -- Maciel balançava a cabeça -- Não brinca com fogo, você já causou estrago demais na vida de muita gente poderosa!
Jamila nada respondeu. Respirou fundo e ficou pensando em como as coisas são injustas. Se fosse mau caráter, certamente não estaria passando por tal situação ameaçadora. Fechou os olhos e o primeiro rosto que lhe veio a mente foi o de dona Jandira. De todas as pessoas, ela era a mais frágil e certamente a que mais sentiria sua falta.
“Proteja minha velhinha, Meretíssima, humildemente venho lhe requerer. Ela não vai entender se eu partir e pode ficar deprimida de novo.” -- sentia muita pena da idosa -- “Proteja usritii (minha família), por piedade! Que se faça justiça ao menos uma vez nesse país!”
***
Fagundes estava parado na rua conversando no celular.
--Eu sei, meu bem, mas ontem fiquei preso numa operação aí e foi foda! Quase dez da noite e eu ainda no batente! -- justificava-se -- Mas hoje não vai ter problema, não! -- sorriu -- Me espera cheirosa e peladinha que eu não vou te decepcionar! -- falou com voz de cafajeste
Getúlio estava só na espreita. -- É um babaca, puto, traíra! -- resmungava -- Quê que ela viu nesse mané? -- perguntava-se -- Só por que tem os peito cabeludo? -- fazia cara feia
--Chego lá pelas sete, pode confiar. -- sorria -- Beijo, meu docinho! Tchau. -- desligou
--AHAHAH!!! -- Getúlio avançou no pescoço do policial e tentou imobilizá-lo com uma gravata
--Que porr* é essa? -- foi pego de surpresa, mas com movimentos rápidos derrubou o outro no chão -- Qual é a tua, vagabundo? -- deu-lhe um chute nas pernas -- Perdeu a noção do perigo, mermão? -- perguntou com violência -- Perdeu a noção? -- segurou-o pelo rosto
--Tu que não tem noção das parada, tá ligado? -- respondeu com dificuldade -- Fura olho! Detonadô de família alheia! -- acusou -- Vacilão!
Fagundes soltou o rosto dele e se afastou um pouco. Deduziu de quem se tratava. “Ele tá diferente da foto que Raquel me mostrou...” -- pensou -- "Tá parecendo até um mendigo!” -- reparou
--Tu distruiu meu casamento, malandragi! -- afirmou com lágrimas nos olhos -- Pegô minha mulé e tirô ela de mim! -- levantou-se sentindo dor -- A gente tem um moleque, seu babaca, tu num pensa nisso, não? -- falava alto
--O quê que tá acontecendo aqui? -- Serra se aproximava de cara feia -- Qual é a do elemento aí?
--Nada de mais, eu já tinha resolvido a situação. -- Fagundes minimizou o problema -- Vambora, que eu tenho mais o que fazer. -- deu um tapa no braço do amigo e seguiu em direção ao carro
Serra encarou com Getúlio mas nada falou. Foi atrás do amigo.
--Vai pa puta qui te pariu, seu babaca, fura olho, X9 fudido! -- Getúlio gritava enquanto seguia os dois homens -- Raquel né mulé soltera, não, cumpadi, ela tem homi, -- bateu no peito -- a gente tem um muleque! -- gritava
--Cara, é o marido da tua mulher? -- Serra se surpreendeu -- Que merd*! -- reclamou
--É um idiota, isso que é. -- destravou o alarme e abriu a porta do carro -- Nem dou ideia! -- entrou no carro
--Eu não tenho paciência pra essas porr*, não! -- Serra entrou no carro também
--Fura olho, babaca, puto, filho de uma puta! -- Getúlio gritava do lado fora -- Viadooo!!!!
Fagundes arrancou com o carro.
--Cara, esse maluco vai ficar te marcando daqui pra frente. -- advertiu -- Essas porr* não termina bem, escuta o que eu tô falando!
--Aquele maluco é um corno totalmente inofensivo. -- respondeu sem se abalar -- Raquel já me contou umas historinhas dele... -- riu brevemente -- Sinceramente nem sei como que ela pôde aturar a figura por tanto tempo...
--Sei lá, eu não menosprezo ninguém. Já vi cada coisa acontecer... -- ajeitou-se no assento -- Te falei que você devia deixar essa mulher e passar pra próxima, não falei? -- olhou rapidamente para o colega -- Mas você insiste com isso, então... -- fez um bico -- Falo nada!
--Fala mesmo, não. -- respondeu com ar despreocupado -- Deixa que dos meus rolos cuido eu. -- mantinha os olhos fixos no trânsito
***
--Professora, você aqui? -- Vanessa abordou a loura no shopping -- Tudo bom? -- sorriu para ela
“Ô, meu Pai, olha a roupa da bandida...” -- pensou ao reparar na outra -- Oi, Vanessa, tudo bem? -- tentava disfarçar o olhar perscrutador -- Surpresa, né? -- sorriu
A mestranda usava um vestido justo, curto e decotado. As sandálias de salto alto deixavam-na ainda mais atraente.
--Graças a Deus, tudo bom. -- respondeu educadamente -- Olhe, -- pensava em como abordar a outra -- eu tava mesmo querendo lhe falar mas a gente tem desencontrado tanto no departamento... -- estava meio sem graça
--Diga. -- ficou olhando para a jovem -- "Olha o decote da criatura, minha nossa!” -- pensava -- "Um negócio desse tinha que ser proibido!” -- reparava nos seios dela -- "A gente sorri sem ter motivo...” -- mantinha um sorriso abestalhado nos lábios -- Diga...
--Então... você quer comer? -- perguntou de súbito
--Ah, se quero! E como quero! -- respondeu sem pensar -- "Cátia, pelo amor de Deus, se controla!” -- repreendeu-se mentalmente -- "Você tava indo tão bem...”
--Já que você tá com fome, então almoça comigo? -- perguntou envergonhada -- Aí a gente podia conversar um pouco... -- pausou brevemente -- Quer dizer, se não for lhe atrapalhar, é claro. -- olhou timidamente para Cátia
--Tá, a gente almoça. -- concordou -- Eu não sei especificamente sobre o que quer conversar, mas tá tudo bem. Hoje eu tô de bobeira. -- passou a mão nos cabelos -- Afinal de contas é domingo, né?
--Ai, que bom! -- animou-se -- Tem um restaurante muito massa aqui que eu adoro! Não sei se você gosta, mas é o Grill Sabor. -- sorria
--Eu não conheço, mas não tem problema. Me diz onde é que eu te sigo. -- brincou
--É por aqui, professora, vem comigo! -- virou-se de costas para a geofísica e começou a andar
“Meu Pai do céu, quê que é isso?” -- reparava nas nádegas da aluna -- "Tanta gente passando fome no mundo e essa mulher esbanjando bunda desse jeito! Dava pra servir como entrada, prato principal e sobremesa...” -- suspirou -- "E a bicha já começa a piscar o olhinho e mastigar a calcinha, ô, que tentação!” -- tentava se conter -- "Segura a onda, Cátia, prende a periquita!” -- aconselhava-se
--Professora! -- parou brevemente para esperar a geofísica e voltou a andar -- Lá nesse restaurante eles fazem uma maminha, ó! -- lambeu os lábios -- Você gosta de maminha?
--Gostar é pouco! -- gesticulou -- Maminha, mamona, é comigo mesmo! -- respondeu sem pensar -- "Cátia, controla tua sanha assassina, criatura!” -- repreendeu-se mais uma vez -- É que eu tô com fome, sabe? -- tentava disfarçar
--Então, você vai gostar do restaurante! -- deu o braço à loura -- E duvido que não vá ficar saciada. Eu chega fico toda molinha quando almoço lá. -- comentou -- Dá uma vontade de ir pra cama... -- riu brevemente
“A gente quer evoluir na vida e a poposuda só futica a pantera!” -- pensou contrariada -- "Tudo que ela fala tem duplo sentido! Depois a tarada aqui sou eu!” -- concluía errado
***
Cátia e Vanessa haviam acabado de almoçar e permaneceram ocupando a mesa para conversar.
--Então... -- Vanessa falava -- Você me colocou em contato com a professora Barbara Treasure e nós temos trocado muitos e-mails. -- contava -- Há pouco tempo ela me disse que a equipe vai fazer uma expedição pra mais estudos sobre as movimentações da crosta na região de Aethiops e... -- sorriu -- me convidou pra ir junto! -- anunciou toda prosa
--Uau, que notícia maravilhosa! -- ficou feliz -- E olha que eu nem interferi, apenas apresentei as duas virtualmente. -- debruçou-se sobre a mesa -- Essa equipe da Saxônia é muito boa, garota, e Barbara é exigente ao extremo! -- olhava para a aluna -- Se ela te convidou foi porque sentiu firmeza em você!
Cruzou as pernas. --Ela disse que eu pareço ser muito boa! -- afirmou orgulhosa
--Toda boa, Deus que me defenda... -- reparava nas coxas grossas -- "Concentra, Cátia, concentra!” -- ajeitou-se na cadeira -- É uma profissional muito boa. -- afirmou com mais seriedade
Ficou envergonhada. -- Claro que o peso do nome da minha orientadora também conta, né? -- desviou o olhar -- E eu me lembro que você disse que ia pedir a ela pra me incluir em alguma expedição pra setembro ou outubro. -- recordou
--Pois é... -- sentiu-se constrangida -- Mas acabou que não fiz isso. -- confessou -- O programa ficou sem verba e não tinha como provisionar sua estadia fora... Não lembra que te contei? -- pausou brevemente -- Eu ia dar um jeito, porque esse recurso não foi provisionado no ano passado, mas acabou que... -- balançou a cabeça negativamente -- Esse ano tá sendo uma loucura! -- reclamou
--Eu lembro que você me disse, mas... -- pausou brevemente -- É por isso que eu queria tanto lhe falar... -- mordeu o lábio inferior -- A professora Bárbara falou que um membro da equipe dela não vai poder ir por motivos pessoais. E ele é jovem, iniciante... segundo ela, temos mais ou menos o mesmo perfil profissional. -- explicava a situação -- Ela pediu o meu currículo e com base nele fez esse julgamento. -- debruçou-se sobre a mesa -- O que você acha?
--Ah, mas eu duvido que ele tenha tanto peito quanto você! -- meteu os olhos no decote -- Digo... -- pigarreou -- Tanto peito, tanta coragem de enfrentar o novo, o desconhecido e encarar os desafios da profissão! -- disfarçava -- Mas se Barbara acha que vocês são profissionais equivalentes, -- virou-se de lado na cadeira -- ela deve saber o que tá dizendo! -- ajeitou-se toda -- "Não olha pra esse decote que o negócio desanda!” -- aconselhou-se
--Ela também disse que basta que nosso Departamento pague as passagens aéreas e o seguro saúde que o resto fica por conta deles lá. -- olhou receosa para Cátia -- A sondagem vai durar três meses. -- informou -- Eu sei que já estamos em agosto mas...
Cátia sorriu animada. -- Ah, mas essa notícia muda tudo! -- interrompeu-a -- É pouco dinheiro, eu posso conseguir esse recurso na verba não consumida no projeto do Átila! -- bateu na mesa e virou-se de frente para a moça -- Prepara as malas que você vai pro Continente Negro no mês que vem! -- anunciou
--Ai, que massa! -- bateu palminhas -- Eu chega sonhei em ver a fenda aberta de Aethiops! -- exclamou empolgada -- Você não tem vontade, não?
--Ah, minha filha, se você soubesse o poder que uma fenda aberta exerce na minha vida... -- resmungou pensativa
--Professora, você é o máximo! -- segurou o rosto dela e beijou com gosto -- Juro que não vou decepcionar nem você nem a professora Barbara! -- prometeu
--Ah, tá. -- não sabia o que dizer -- "E além de tudo é cheirosa...” -- pensou -- "Coração num guenta, não... A periquita tampouco!”
--E essa expedição veio na hora certa, sabe? -- resolveu desabafar -- Terminei o noivado e ficar um tempo fora vai ser bom pra eu espairecer! -- ajeitou os cabelos -- Muito trabalho, um país desconhecido, um fenômeno interessante pra pesquisar... com a cabeça ocupada não penso em besteira!
--Terminou, é, menina? -- perguntou interessada -- Como foi isso, quê que houve? -- arrependeu-se pela empolgação -- Quer dizer, se você quiser me contar, é claro. -- disfarçou
--Foi o de sempre, professora! -- respondeu de pronto -- A gente conhece um homem, acha que ele é legal, se envolve, se apaixona, fica noiva... Aí, lá pelas tantas, o safado arruma outra e fica naquele joguinho duplo, porque eu não tava dando atenção pra ele! -- falou com deboche -- Acabou que peguei os dois no flagra! -- fez cara feia
--Não diga? -- debruçou-se sobre a mesa -- E o que você fez?
--Ah, professora, nem queira saber! -- balançou a cabeça negativamente -- Foi uma baixaria total! -- cobriu o rosto com uma das mãos -- Mostrei minha faceta mais barraqueira, Ave Maria! -- olhou para a outra -- Pense!
“E como eu penso em ver essa faceta...” -- balançava a cabeça também
--Depois de muita briga e discussão, terminei com ele e joguei a aliança no primeiro bueiro que encontrei! -- suspirou -- Acabou! Aquele homem, pra mim, morreu! -- gesticulou -- Chega! -- suspirou -- E eu que cheguei a acreditar nessa relação...
--É assim mesmo, a gente se apaixona por alguém, acredita, investe... Nem sempre dá certo, mas a vida segue. -- acariciou o braço dela -- Sei que é difícil, mas não fique curtindo tristeza! -- aconselhou -- Você é uma menina bonita, interessante, logo encontra outro rapaz que lhe desperte.
--Sei não... -- ficou mexendo no guardanapo -- Às vezes eu penso em experimentar uma coisa diferente...
--É mesmo, é? -- perguntou cheia de fogo -- Tipo assim o que? -- reparava na moça -- "Eita, Cátia, disfarça!” -- ajeitou-se na cadeira -- Como assim?
--Sei lá... Nem sei! -- balançou a cabeça negativamente e se levantou -- Vamos lá? Já tomei muito do seu tempo. -- pegou a comanda -- Hora de pagar a conta. -- sorriu
--É, vamos... -- levantou-se também
Vanessa foi andando para a fila e Cátia seguiu atrás para repará-la sem ser notada.
“O que será a coisa diferente que ela quer provar?” -- questionava-se intrigada -- "Eu sempre achei que essa garota futica a pantera com segundas intenções...” -- pensava maliciosamente
--E você, professora? -- Vanessa perguntou quando a loura parou atrás dela na fila -- Vai passar um ano fora estudando, fazendo pós doc... -- olhava para ela -- Você é casada, tem compromisso com alguém? -- perguntou curiosa -- Não sou fuxiqueira, não, é só porque a gente falava de relacionamentos e... -- envergonhou-se pela pergunta -- Se não quiser responder, fique à vontade. Aluna folgada ninguém merece, né?
Lembrou-se de Lídia e ficou envergonhada. -- Não, eu não tenho... -- respondeu arrependida pelos pensamentos que cultivou -- Existe alguém, mas... é uma pessoa boa demais pra mim...
***
Najla e Marco passeavam de mãos dadas pela roça.
--Eu fiquei tão feliz que você voltou! Já não aguentava mais de tristeza e saudade. -- sorria para o amado -- Sabe que cheguei a acreditar que nunca mais o teria na minha vida de novo?
--Também sofri por demais da conta, minha dona, e pensei muito sobre o que aconteceu... -- confessou -- Mas você também não foi me procurar. -- falou com um pouco de mágoa -- Achei que tinha me esquecido...
--E eu ia te procurar pra dizer mais o que, habibi? -- parou de andar e ficou de frente para ele -- Eu já havia dito o que aconteceu, confessei meu erro, deixei claro que me arrependi... -- pausou brevemente -- Cabia a você decidir se me perdoava ou não!
Marco balançou a cabeça pensativamente. -- A verdade é que eu fiquei muito magoado com a falta de confiança que você demonstrou em mim... e pensei muito mesmo em tudo que vivemos... -- riu brevemente -- Achei inacreditável que meu amor não tenha te convencido que não quero saber de dinheiro, fazenda... -- gesticulou -- Eu nunca liguei pra nada disso!
--Eu sei, amor. -- segurou o rosto dele com as duas mãos -- Por favor, me perdoe! Deixe isso no passado! -- pediu
--Eu voltei, Najla! -- abraçou-a com força pela cintura -- Já está no passado! -- afirmou com decisão
“Diz se não é um negão dos bons? Pra esse eu tiro o chapéu...” -- pensou embevecida -- Ai... -- beijou-o
--Minha vida é do seu lado, minha dona. Não tem jeito... -- beijou-a carinhosamente
--Espia Najla e o créu nas indecença lá nu matu! -- Raed reclamou ao olhar pela janela
--Num foi ocê qui chamô eli pra vortá, homi? -- Amina ralhou -- Dêxi di peitica, aHHa! -- reclamou também
--E afinal de contas, que motivo bendito te convenceu a voltar pra mim? -- perguntou sorridente -- Por que me deu uma segunda chance?
--Eu pensava e você dia e noite. -- confessou -- E Janaína falou comigo, Aisha, Raed...
--Raed?! -- arregalou os olhos -- Ele falou com você?! -- estava pasma
--Ele foi me procurar lá em casa. Acho que tinha alguma coisa pra fazer em Gyn e aproveitou pra falar comigo. -- contava -- Na certa, pediu o endereço pra Aisha e ela deu.
--Eu lembro que ele foi pra Gyn ver não sei o que... -- rememorava
--Então a gente conversou e ele me contou como você andava triste, falou do seu ex marido, que ele detesta... -- acabaram rindo brevemente -- Tivemos uma conversa de homem pra homem e foi muito esclarecedor pra mim.
--E a conversa de homem pra homem teve ameaças e coisas do gênero? -- perguntou desconfiada
--Com direito à mania obsessiva que seu irmão tem de querer cortar meus ‘trem de homi’ fora. -- fez aspas com os dedos -- Mas eu sobrevivi. -- brincou
--Ah! -- acabou rindo -- Esse Raed... -- balançou a cabeça negativamente -- Depois eu falo com ele. Acho que dessa vez pra agradecer. -- deram-se as mãos e voltaram a andar -- Ele chegou a te falar da fazenda? Ou Aisha te contou alguma coisa?
--Não. -- estranhou a pergunta -- O que tem pra eu saber?
--Ametista devolveu a propriedade com as dívidas quitadas, graças a Deus, mas a gente vai precisar gastar uma fábula pra resolver algumas questões burocráticas. -- explicou a situação -- Antes disso, a fazenda não é nem nossa, nem dele. -- revirou os olhos -- Vai ficar sob fiança...
--Como assim, sob fiança? -- não entendeu
--Ele ainda não resolveu as questões trabalhistas, mas não repassou o dissídio pra gente. -- explicava -- Fizeram uma manobra lá e o problema com os ex funcionários passou pra uma das empresas dele. -- olhou para Marco -- Só que a fazenda ficou sob fiança dessa dívida enquanto a gente não resolve as questões burocráticas. Depois que resolver, sei lá o que vai ficar sob fiança. -- pausou brevemente -- Mas, como talvez a gente nunca pague o que tem de pagar, essa fiança tá garantida por muito tempo... -- lamentou -- Ai, ai...
--Mas por que você diz isso, minha dona? -- não entendia -- Quanto é que tem que pagar? -- perguntou preocupado -- De repente eu posso ajudar vocês e...
--Quinhentos mil reales! -- interrompeu-o desesperançosa
Marco paralisou. -- Eu não posso ajudar vocês... -- respondeu sem graça
CAPÍTULO 132 – Decisão
--Foi emoção por demais da conta, Sahar! -- Zinara contava -- Quando mãe Agda confirmou pra Georgina e pra mim que estávamos curadas, eu... -- não sabia como dizer -- Foi como se eu tivesse ganhado uma irmã, sabe? -- olhava para Clarice -- Eu pensei tanto nela quando acreditei que fosse morrer no cume do Monte Cedro! -- lembrou-se emocionada -- Pedi que Allah levasse pra ela minhas últimas forças, desejando ardentemente que se curasse... -- pausou brevemente -- Saber que ela tá bem foi como se fosse mais um renascimento pra mim!
--Desde a hora que mãe Agda chamou vocês pro centro da roda, a gente ficou lá em oração e não dava pra ouvir nada. Mas notei que as duas ficaram bem comovidas. -- segurou uma das mãos dela -- Fico muito, mas muito feliz que depois de tantos percalços na vida você esteja recebendo esses presentes maravilhosos de Deus. -- sorria -- Você merece o melhor que a vida possa te oferecer, querida!
--O melhor é você, Sahar! -- olhava nos olhos -- Walhanaih Ana beek, walhanaih! (Eu sou fascinada em você, fascinada!) -- falava com voz gutural
--Mas você tá impossível, hein? -- deu um tapinha no braço da morena -- Já é a segunda vez que tenta me seduzir no clube Cedro-Suriyyah! -- ralhou toda dengosa
--Gente, vocês têm que ver o painel que fizeram com nossa árvore genealógica! Tá simplesmente têúdêô: TU-DÔ! -- Aisha se aproximava e gesticulava espalhafatosamente -- Atualizaram o estado civil de Ahmed e o nome do Mateus já aparece pra completar a prole! -- olhava para as mulheres -- Hassan e Georgina também já têm o nome lá, juntinho com o de Khaled! Coisa linda, gente! -- bateu uma palma -- E a caligrafia tá bárbara!
--Onde é que tá isso que eu ainda não vi? -- perguntou curiosa -- Vamos ver, Sahar?
--Só meu nome é que não aparece! -- Janaína chegou resmungando -- Aisha pousando de solteira nos trem do clube... -- fez cara feia
--Tia, meu nome não tá na árvore da Khadija! -- Deodoro veio reclamando
--Ah, meu lindo! -- colocou ele no colo -- Fica triste, não. É que a árvore é só da família dela. -- explicava delicadamente
--Fica assim, não, Di. -- Khadija consolava o amiguinho -- Dipois qui nóis casá teu nomi apareci. Num tem pricisão di si amufiná, não.
--Legal! -- respondeu animado
--É mole? Eu posso com essas crianças? -- Zinara riu e se aproximou da namorada -- Essa família Verrier enfeitiça o meu clã, vou te contar! -- sussurrou -- Até Khadija foi seduzida na tenra infância!
--Boba! -- respondeu melosa
--Clarice, me dá um dinheiro aí que eu vou comprar um monte de coisa na feira desse clube. -- Leda já veio de mão aberta -- A gente vai embora amanhã, então o momento é esse!
--Nossa! -- achou graça -- Espera um pouco, amor. -- colocou o sobrinho no chão -- Deixa eu ver quanto eu tenho, mamãe.
Zinara pensou em ajudar mas lembrou que não tinha um centavo. “Tenho que voltar a trabalhar urgentemente!” -- balançou a cabeça pensativa
--Aqui, mamãe. -- estendeu duas notas de cinquenta -- É tudo que eu tenho. -- sacou o cartão -- Será que eles aceitam?
--Me dá os dois que eu testo! -- pegou tudo -- Pode deixar que sei negociar e Amina já tá preparando terreno pra minha atividade pechincheira! -- foi andando na direção da feira -- Di, Khadija, venham comigo! -- chamou -- Fui!
--Fomos! -- Deodoro deu tchauzinho e seguiu de mãos dadas com Khadija
--Inté! -- a menina falou
--Eu não posso com essa criançada... -- a astrônoma achava graça
--Vão lá ver a árvore, gente! -- Aisha aconselhou -- Eu vou na onda das pechincheiras! -- apontou na direção de Leda -- E tô na feira pra infernizar e comprar a bons preços! -- deu tchauzinho também -- Fui!
--Ô, meu Pai... -- Janaína revirou os olhos e seguiu a mulher
--Já pensou se daqui a alguns anos, o povo vence o preconceito e aparece o nome de Sahar do ladinho do meu? -- perguntou sonhadora
--E você quer ficar comigo até daqui a alguns anos? -- perguntou fazendo um charme
--Choo? (O que?) Eu quero pra vida inteira! -- respondeu convicta -- E eu nem acredito que Allah me deu saúde e a chance de voltar pra vida! -- aproximou-se mais -- Foi tanta coisa que me aconteceu, que desde então parece que eu vivo sonhando... -- sorria
--Já é hora de acordar e dar um rumo na vida, Zinara. -- respondeu diretamente
Gastou uns segundos calada até que perguntou: -- Você tá falando da gente, né? -- ficou meio constrangida
--É. -- suspirou -- Tô falando de nós...
--Me dá um tempo, Sahar, min fadlik (por favor)! -- pediu humildemente -- Ainda não me enquadrei na minha rotina de novo... Preciso voltar pra Cidade Restinga, voltar a trabalhar, arrumar as coisas... -- explicava-se -- Eu preciso dar um jeito na vida... Não posso te trazer pra mim no meio da bagunça que estão as minhas coisas.
--Não quero ficar eternamente esperando por uma decisão! -- retrucou de pronto
--Não será eternamente! -- garantiu -- Wallahi! (Eu juro!) -- prometeu -- Só te peço pra esperar mais um pouco, habibi! Só mais um pouco! -- segurou-a pelos ombros -- Não tô fugindo, não tô te enrolando!
A paleoceanógrafa deu um suspiro profundo e nada respondeu.
--Moramos em cidades distantes, precisamos discutir como administrar isso!
--Não vinha sendo um problema até aqui! -- protestou -- Fala como se tivesse descoberto isso agora! -- afastou-se
--Eu achava que ia morrer! -- pausou brevemente -- Não havia futuro pra mim, Sahar! Meu horizonte, quando muito, se limitava a um mês de vida e olhe lá. -- aproximou-se novamente -- E sempre me surpreendia, porque continuava viva apesar de tudo. -- segurou uma das mãos dela -- Confia em mim? -- pediu
--Eu confio, Zinara. -- desvencilhou-se delicadamente -- E te amo muito! Como nunca mais vou amar ninguém, com toda certeza! -- olhava nos olhos -- Mas quero deixar claro que não vou te esperar eternamente!
“Eita!” -- pensou abestalhada
--Clarice, qual é a senha do cartão mesmo? -- Leda perguntou de longe -- Vem aqui digitar, menina! -- chamou -- Não posso perder essa pechincha!
--Já vou! -- respondeu mantendo o olhar sobre a morena -- Lembra disso, tá, Zinara? -- foi ajudar a mãe
“Eu entendi o recado, Kitaabii, e ela estava certa. Uma mulher como Sahar não é para se deixar esperando...
Há dias eu vinha pensando em como resolver minha situação com ela, só que não ainda sabia como. Sei lá, às vezes me sinto uma idiota... Sempre consegui solucionar problemas tão complexos, mas na hora de me acertar com a mulher da minha vida, parecia que tudo mudava de figura.
Allah já havia me dado presentes e oportunidades demais; certamente isso não aconteceu para eu ficar perdendo tempo com dúvidas pueris. O que fazer, Kitaabii? O que fazer? Diga-me, heek la a’ref (porque eu não sei)...”
***
Clarice, Leda e Deodoro voavam retornando para São Sebastião. O menino dormia e a professora perdia-se em pensamentos olhando para lugar nenhum.
--Que foi, menina? -- a idosa perguntou mansamente -- O que anda te preocupando dessa vez? -- a filha olhou para ela -- E não me enrola que é pior! -- advertiu
Achou graça. -- É impossível enrolar a senhora, mamãe... -- sorriu
--O que aconteceu que você já anda toda nos suspiros? -- queria saber -- Não dá tempo de ser por causa de saudade da caipira, até porque, o que mais vocês fizeram dessa vez foi acasalar! -- concluiu -- Zinara voltou com a curnicha em brasa! -- gesticulou -- Teve resfulengo tanto naquela barraca de camping, quanto no clube!
--Mamãe!! -- arregalou os olhos -- Fala baixo! -- olhou para todos os lados -- E a gente não fez isso no clube, não, viu? -- negou envergonhada -- A senhora me vem com cada uma!
--Ah, tá bom! -- cruzou os braços -- Só eu sei do sacrifício que tive que fazer aturando o Rafi das perna fraca pra te poupar de ser surpreendida com a mão naquilo e aquilo na mão!
--Mamãe, fala isso baixo, por favor!! -- ralhou de novo -- A senhora já brigou comigo por causa disso e eu falei que não teve nada de acasalamento no clube! -- olhou para o sobrinho e confirmou que ainda dormia -- Não quero que o pessoal do avião ouça isso! -- comentou preocupada -- Muito menos o Di!
--Humpf! -- fez um bico -- Faz estripulia e depois fica com vergonha... -- resmungou -- Mas desembucha aí! -- insistiu -- O que te perturba dessa vez?
Gastou uns segundos calada antes de responder. -- É Zinara mesmo... -- ficou olhando para as próprias mãos -- Ela parece que não tá muito interessada em construir um futuro pra gente... -- pausou brevemente -- embora eu saiba que ela me ame e seja fiel, séria... Eu acho que ela não tá acostumada a tanta felicidade e... -- suspirou -- Ai, eu não sei como me explicar... -- balançou a cabeça negativamente
--Você acha que Zinara tá deslumbrada porque ressuscitou com a corda toda, porque a família dela finalmente tá se entendendo, porque Najla recuperou a fazenda... -- enumerava -- Enfim, depois de passar anos a fio comendo o Diabo que amassou o pão com os pés sujos de titica, Zinara finalmente experimenta uma vida boa e normal, -- concluía -- daí você acha que ela vai ficar só nessa de ver estrelinha, falar coisa bonita e acasalar pelos cantos.
Ficou sem graça e não soube o que dizer.
--Mas talvez ela esteja só voltando pra vida e ainda não tenha dado tempo de se assentar. -- considerou -- Ou então, no fundo, ela tenha medo de viver uma vida com você por não se achar a sua altura. -- olhava para a filha -- Zinara vivia sem perspectiva de futuro, menina. -- afirmou mansamente -- Agora que ela vê que isso mudou, não sabe como construir alguma coisa com você.
--Pode ser... mas eu deixei muito claro que não vou esperar eternamente por uma decisão dela.
--Fez bem. -- concordou -- Mas não fique aí pensando bobagens. -- aconselhou -- Vocês moram longe, têm uma carreira bem estabelecida, têm casa, uma vida arrumada... Não é fácil unir essas coisas todas numa vida em comum! -- fez um gesto -- Aquela caipira baba por você que nem bode cheirando mijo de cabra!
--Eu hein! -- acabou rindo -- Bode cheirando mijo de cabra... Da onde a senhora me saca essas coisas?
--Sua vida tá no rumo, menina. É só uma questão de tempo pra tudo ficar do jeito como quer. -- tranquilizou-a -- Suas irmãs é que me preocupam... -- suspirou -- Uma se pegou com o sobrinho de Ritinha e sei lá o que vai me arrumar e a outra se enrabichou com o cigano dos peito cabeludo e fez tudo errado! -- balançou a cabeça negativamente -- Nunca pensei que um dia fosse dizer isso, mas cheguei a ter pena do ogro, sabia?
--Eu também. -- concordou -- Raquel foi cruel com ele.
--Desde que você me disse que Cecília endoidou lá em Cidade Restinga fiquei com medo. Será que ela já tá de mala pronta pra se mudar? -- perguntou preocupada
--Talvez não porque ela precisa que o emprego aceite a transferência, né? Isso não é tão imediato.
--Ah, sei lá. Sua irmã é capaz de pedir demissão! -- gesticulou
--Que é isso? -- respondeu com descrença -- Aí também não!
--Ah, minha filha! Por um pinto garantido sua irmã faz qualquer coisa!
--Mamãe! -- ralhou de novo -- Fala baixo!
--E Raquel... -- fez um bico -- Fez papel de besta por tantos anos na mão do ogro, agora vai penar em mão de cigano! Aquele bisco não quer compromisso...
--Também tô desconfiada disso...
--Mas, vamos ver. -- ajeitou-se no assento -- Quando a gente chegar em casa vai ver as novidades...
***
--Vocês têm titica na cabeça ou que, seus cabra fuleiro? -- Werneck protestava furioso -- Ninguém vai desativar a linha de pesquisa dos observatórios virtuais!
--E quem vai levar isso pra frente, homem? -- Raul argumentava -- Não dá mais! Bernadete não pode ficar de professora convidada pela vida toda!
--Pois ela faz um pós doc! -- Werneck retrucou de pronto
--E quem vai orientar? -- Paulo também insistia -- Tá todo mundo aqui lotado, não dá pra assumir mais essa!
--Vocês são tudo cego, Ave Maria! -- andou em círculos pela sala -- O projeto dos observatórios virtuais deu relevo pro departamento, trouxe verba, visibilidade! -- gesticulava -- E vocês querem dar um fim em tudo isso? -- passou a mão na cabeça calva -- Se Zinara tivesse aqui...
--Zinara já era, Werneck! -- Raul respondeu de cara feia -- Cai na real, homem! -- fez um gesto de desprezo -- Se bobear já bateu até as botas!
--Ela não vai mais voltar! -- Paulo concordava com o outro -- Nunca mais!
--Nunca e sempre, representam tempo demais, habibi. -- a morena apareceu na porta da sala -- SabaaH il-kheer (Bom dia), à propósito. -- cumprimentou sorrindo irônica
--Zinara?! -- Paulo e Raul pareciam ter visto um fantasma
--Oxi, que você chegou na hora certa! -- Werneck sorriu e bateu uma palma
--Ao contrário de vocês, que são professores limitados, eu não tenho medo de orientar ninguém. -- entrou na sala -- Se o problema pro pós doc de Bernadete acontecer era falta de orientação, acabou-se o tumulto. -- olhava para os colegas -- Eu oriento ela! -- afirmou resoluta -- E ninguém vai desativar linha de pesquisa nenhuma! -- gesticulou -- Muito menos o projeto dos observatórios virtuais!
--Porreta! -- Werneck deu um soco no ar
--Mas... -- Raul não sabia o que dizer -- Tua licença terminou?
--Oficialmente, em outubro eu tô de volta. -- passou a mão nos cabelos -- Mas já começo a frequentar o departamento desde hoje!
--Ah... -- Paulo se sentia sem chão -- Mas você não pode simplesmente chegar e...
--Tanto posso que já cheguei! -- debruçou-se na mesa diante do homem -- E quero meus móveis de volta! -- olhou para os dois -- Por bem ou por mal!
--Se precisar de ajuda no modo ‘por mal’, conta comigo! -- Werneck se ofereceu
--Acabou-se a farra do boi aqui dentro! -- deu um tapa na mesa -- Você não tá mais sem força, não, meu amigo. -- olhou para Werneck -- Eu voltei!
--Ah, Virgem Maria, que notícia boa! -- correu até a astrônoma e a abraçou com força -- Mulher, como que você fez falta aqui dentro!
--Vai com calma, criatura! -- pediu achando graça -- Assim os ossinho num guenta! -- brincou
Paulo e Raul se entreolharam desanimados.
Ela voltou, fazer o que?
Fim do capítulo
Músicas do Capítulo:
[a] Meu País. Intérprete: Ivan Lins. Compositores: Ivan Lins / Vitor Martins. In: Awa Yiô. Intérprete: Ivan Lins. Velas, 1990. 1 disco vinil, lado A, faixa 3 (4min30)
Najla Suspira com:
Meu Ébano. Intérprete: Alcione. Compositores: Nenéo / Paulinho Rezende
Marco Suspira com:
Dona. Intérprete: Roupa Nova. Compositores: Sá & Guarabira
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Samirao
Em: 11/10/2023
Clarice... Aff saquinho!
Solitudine
Em: 11/11/2023
Autora da história
Olha a implicância, ai, ai. ai!
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Femines666
Em: 18/03/2023
Graças à força da Deusa ela voltou! Que capítulo MARA!!! Clarice sobre precisa acordar pra vida. Às vezes parece até adolescente. Esqueci de comentar que dou muitas risadas com a história da bousa! kkkkk
Solitudine
Em: 19/03/2023
Autora da história
Eu não disse para confiar na caipira rs
Essa bousa deu o que falar! kkkk
Beijos,
Sol
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Seyyed
Em: 24/09/2022
Clarice e Zi tão mal de comunicação e Clarice não pensa que a situação delas não se resolve assim... porra Mas esquecendo isso e a tensão com a Jamila o capítulo foi de um romantismo único. Chorei com a chegada na roça, viajei na garupa da bike... muito foda demais! E Leda segurando as pontas hahaha Tô devorando. Vou trampar hoje e quero sair lida
Resposta do autor:
Calma, menina, tenha paciência com Clarice. Ela é uma pessoa boa, mas muito insegura e ansiosa. rs
Esse capítulo foi mesmo muito romântico. Caipiras são assim... rs
Ya Leda é maravilhosa, não?
Bom trabalho sempre!
Beijos,
Sol
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Gabi2020
Em: 28/02/2021
Olá minha querida como vai?
Saudades de você caipira!
Estamos todos bem e você?
Aparece no gmail pra gente prosear, manda sinal de fumaça ou um oi...
Sim, volte a escrever, sua escrita é impecável!
Beijoss e se cuida tá?
Resposta do autor:
Gmail e Outlook dançaram, Gabinha...
Mas está tudo bem aqui, na medida do possível. Espero que com vocês também.
Beijos,
Sol
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Gabi2020
Em: 25/05/2020
Olá Solzinha tudo bem?
E mais um semana se inicia, que ela seja abençoada para todos.
Você comentou da sua velhinha, que bom que ela está bem, sendo cuidada e tendo atenção, às vezes é só isso que precisam um pouco de atenção e alguém para conversar. Muito legal de sua parte proporcionar isso pra ela.
Ao que lindinhas Zinara e Clarice no avião, trocando juras de amor, clima leve, descontraído, sedução... Só faltou falar da bousa... Kkkkkk...
Só que tem um mas... É um relacionamento lindo e tem tudo para se fortalecer a cada dia, porém falta comunicação, Clarice não diz tudo o que pensa, Zinara tem suas dúvidas e incertezas .... Clarice tem suas inseguranças e Zinara acaba sem querer deixando-a mais insegura ainda, quando não fala em firamr um compromisso. Relacionamento à distância não é fácil, é preciso ter equilíbrio, confiança, diálogo, paciência... Se conseguir dosar dá pra levar numa boa.
Cecília contando para Raquel as aventuras de Clarice com a massagista, foi uma mistura de telefone sem fio, fofoca e invencionice da cabeça dela ... Kkkkkkk.... Brincadeiras à parte, comentário mais que desnecessário da Raquel, preconceito puro!
O jeito que o pessoal da roça fala, lembra muito alguns parentes meu que moram longeeeee....
“A velha casa parecia me saudar, Kitaabii. As roseiras de maama estavam repletas de flores, o pequizeiro frondoso protegia a entrada com sua sombra bem vinda, passarinhos voavam cantando em algazarra e um caminho de caliandras vermelhas conduzia até a entrada de meu amado refúgio na roça. Parecia que as pequenas flores cantavam “you you you you!!!”, como fazem as mulheres de minha terra nos momentos felizes.” Melhor descrição não há!!
Difícil descrever a chegada de Zinara, os abraços , os sorriso... Acho que ficou claro (ao menos pra mim), que a astrônoma sentiu-se pela primeira vez pertencendo à família... Pertencimento...,
Clarice pira na bousa... Kkkkkkkk.... Essa foi boa!
Só dona Leda mesmo, aguentar o homem das pernas fracas para proteger a filha e a nora... Isso que é amor de mãe!
Imaginei as duas na bicicleta percorrendo as ruas, sob a luz da lua... Coisa linda!!
Jamila... Tenso demais!!!
Eita que Clarice deu um ultimado em Zinara!
Dona Leda é sábia em suas palavras, ela tem o dom ou de acalmar ou de por mais fogo no parquinho... Kkkkkk.... Mas quando de se trata de Clarice e Zinara, ela consegue acalmar a filha.
E Zinara voltou!!!
“O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...”
Beijos querida!
Resposta do autor:
Olá Gabinha!
Que demora minha em responder, não é? Também perdi aquele email no Outlook que criei. Longa história...
Estou terminando um ciclo aqui e por isso releio o Tao e vou voltar a escrever para concluir este conto que me é tão caro.
Fico sensibilizada em perceber como a história toca você e como você capta as emoções. Isso é um incentivo extra.
Zinara está como eu: se encontrando numa nova fase. É às vezes um processo confuso, embora seja bom.
Espero que estejam todos bem aí em sua família, assim como com a querida Ju. Cuide-se muito!
Amo vocês!
Solitudine
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Solitudine Em: 11/11/2023 Autora da história
Mas ela teve tantas...