"Alguns infinitos são maiores que outros..."
O INFINITO
CAPÍTULO 120 – Notícias Diversas
TUMTUMTUMTUM.
--AHHa, quem é que esmurra a porta desse jeito? -- Najla olhou espantada para Marco
--Minha Nossa, deixa eu ver quem é! -- levantou-se da mesa para atender
--Eu hein! -- a ex fazendeira se levantou também e começou a recolher os pratos
--Ih, é Aisha! -- falou em voz alta quando viu a mulher pelo olho mágico -- E Janaína! -- enxergou a outra também
--Aisha e Janaína?! -- espantou-se -- Por que será que elas tão batendo na porta com esse desespero todo? -- largou a louça na pia e correu para a sala
--Gentem, segura o coração que eu tenho uma notícia bombástica!! Babado fortíssimo!! -- entrou como um foguete na casa de Marco
--Segura mesmo, porque é forte!! -- Janaína entrou atrás da mulher -- Notícia pra abestalhar!
--O que foi? -- Marco estava curioso. Najla tinha pontos de interrogação na cabeça
--Minha gentem, é uma notícia boa por demais da conta! -- gesticulava -- Bombástica, incrível, alucinante e muito louca!! -- olhava para os dois -- Noticia têúdêô: TU-DÔ! AHAHAHAH!! -- gritou empolgada
--E o que foi?? -- Najla queria saber -- Fala, menina! -- pediu angustiada
--Eu diria que a notícia é mais que bombástica! -- Janaína deu um soco no braço de Marco -- É fodástica! -- sorriu
--Mas que diabo! -- esfregou o braço dolorido -- Fala o que aconteceu! -- pediu contrariado
Reparou neles. -- Vocês tavam fazendo o que, hein? -- perguntou maliciosa -- Cara de satisfação... -- piscou para a mãe
--Karaahiyya, Aisha! (Que ódio, Aisha!) -- cruzou os braços de cara feia -- Estávamos almoçando! -- respondeu impaciente -- Fala logo o que aconteceu porque o coração tá em tempo de sair pela boca!! -- ordenou
Aisha e Janaína se entreolharam sorrindo. -- Fala, amor! -- pediu a esposa
--Então eu vou falar, mamii! -- sorria empolgada -- Jamila me ligou e disse que... -- fazia um suspense
--Oh, Aba, dah JaHiim! (Oh, Deus, é um inferno!) -- revirou os olhos e ergueu as mãos para o alto -- Ana mareed! (Estou passando mal!)
--Pelo amor de Deus, Aisha, fala logo! -- Marco pediu de cara feia -- Não tá vendo que vai matar sua mãe do coração??
--Fala amor! -- Janaína pediu animada -- Mostra tudo e faz o povo feliz!
--ZINARA LIGOU, MAMII!!!! -- pulou como criança
--CHOO?? (O QUE??) -- cobriu os lábios com as mãos e sentiu a emoção tomar conta de si
--Meu Deus!! -- o homem pôs a mão no peito e sorriu -- Minha dona... -- olhou para a namorada
--Ela ligou pra Jamila, mamii!! -- continuava pulando -- A ONG de Cedro divulgou fotos caipirescas na TV, Zinara viu e entrou em contato! -- contava -- Jamila conseguiu!! Nossa caipira vai voltar pra gente!!! -- comemorava
--OH, ABA!!! -- ajoelhou-se -- ALLAHU AKBAR!!! (DEUS É GRANDE!!!) -- curvou-se e encostou a testa no chão -- AKBAR!! AKBAR!! -- começou a chorar
--Graças a Deus!! -- Marco se emocionou -- Graças a Deus!!
--Diz se a notícia não é boa por demais da conta? -- Janaína socou o ombro do amigo -- Diz? Diz? -- continuava socando
--Já entendi, Janaína! -- ralhou com ela -- Praga! -- esfregou o ombro dolorido
--Ai, mamii, reza e agradece, porque eu já agradeci foi muito!! -- parou de pular -- Fiz questão de vir avisar pessoalmente pra gente ligar juntas pra tia Amina! -- olhou para Marco -- Pode?
--Claro! -- respondeu de pronto -- Deve!
--Oh, Aba... -- a ex fazendeira não se aguentava de felicidade -- Mas... -- ergueu o corpo -- Ela tá bem, tá passando necessidade? -- olhou para a filha -- Fala, menina, eu chega tô doida! -- sorriu com o rosto molhado por lágrimas
--Tá bem e mais caipira do que nunca! -- ajoelhou-se ao lado da mãe -- Mamii, ela disse até que aconteceu um milagre! -- segurou as mãos da outra -- Eu sei lá o que foi, mas vai que ela curou? -- desejou esperançosa
--Seria um sonho... -- respondeu emocionada -- Mas vamos ligar pra Amina! Ela e akhuuya (meu irmão) precisam saber disso já!
--Telefona, meu povo! -- Janaína socou o braço de Marco novamente -- Telefona que a hora é essa! Dá aquele telefonema! -- socou ainda com mais força
--Se você continuar me batendo desse jeito, -- fez um olhar ameaçador -- eu vou te dar um telefone... -- falava entre dentes -- nos ouvidos!
Afastou-se desconfiada. -- Criatura bruta, eu, hein? -- retrucou criticando o outro
--Vamos telefonar e depois eu vou contar com detalhes a parte 2 da maré de notícia boa! -- Aisha se levantou -- Depois de tanta enrolação a sentença do processo contra o Ametista vai sair na semana que vem! -- olhava para a mãe -- Prepara o modelito que a gente precisa ouvir essa sentença em grande estilo! -- gesticulava -- Jamila disse que com certeza a resposta é sim, mamii!! -- deu pulinhos novamente -- A fazenda vai voltar pra gente!!! -- anunciou
Marco ficou espantado. -- Nossa! -- olhou para a namorada, que se levantou em silêncio -- Que coisa maravilhosa, querida! -- sorriu para ela -- Duas notícias incríveis!!
Najla sorriu encabulada. -- Nem sei o que dizer... -- não conseguia olhar para o homem -- "Aisha não devia ter falado da fazenda na frente de Marco...” -- pensou preocupada
“Ela parece que ficou tão sem graça com a notícia da fazenda...” -- ficou intrigado -- "Por que será?”
--Bora telefonar! -- Aisha correu para o telefone -- Nossa família tem que saber de Zinara! -- pegou o aparelho e começou a discar -- Depois eu conto da fazenda.
Najla foi para junto de sua filha. -- Fala você, porque eu não vou conseguir... -- secava os olhos úmidos -- Não paro de chorar... -- sorriu emocionada
Janaína percebeu que o amigo se intrigou de repente e imaginou que tivesse algo a ver com a notícia da fazenda. “Já vi que vai ficar com a cabeça cheia de caraminhola...” -- concluiu revirando os olhos
***
--Maama, eu num criditu!!! -- Nagibe comemorava satisfeito -- Zinara vai vortá!! -- pulava que nem criança -- Vai vortá!
--Eu num dissi? -- Khadija afirmou vitoriosa -- Vi nas carta... -- cruzou os bracinhos e balançou a cabeça afirmativamente
--Zinara vai vortá! -- Cid também comemorava -- Dança, Cidmara, tua tia vai vortá! -- brincava com a filha no colo
--Vai vortá!! -- repetiu as palavras do pai
--Eu e Raed já agradicemu tantu a Deus e a Virgi, mas tantu pur dimais da conta qui os joeiu tão inté ardido, num sabi? -- olhava satisfeita para os filhos -- E as fuça ficaru inté vermeia! -- apontou para a própria fronte
--Nóis vai dá uma festa! -- Raed anunciou animado -- Já falei com ya Rafi e vai tê festança nu clubi Cedro-Suriyyah! -- sorria satisfeito -- E festança comu nunca si viu na história dessa roça! -- gesticulou -- É só a minina chegá, num sabi?
--Ai, graças a Deus! -- Dora comentou aliviada -- Já num aguentava mais essas angústia!
--Nem eu! -- Penha concordou -- Zinara aprontô uma di mestra! -- resmungou baixinho
--Quandu qui camma Zinara vai chegá, gidda? -- Ahmed João perguntou curioso -- Ela vai gostá di sabê qui eu já falu um monti di trem na língua de Cedro!
--Eu num sei quandu inda, não. -- Amina respondeu sorridente -- Mais Aisha ficô di avisá! -- olhou para o marido -- E nóis tudu tem qui í lá na Mãe Agda módi agradicê também, homi!
--E nóis vai! -- concordou de pronto -- Nóis vai cum gostu! Nóis tudu aqui! -- determinou
--Aqueli centru tem pudê! -- Catiúcia comentou com o filho no colo -- Trôxi minha cunhada di vorta e botô juízu na cabeça di Ahmed! -- sorriu
“O centro e a sova qui tomô du pai!” -- Amina pensou -- "Si Ahmed não vortassi pra casa num ia tê ondi vivê!” -- concluiu
“O qui ela quis dizê cum issu di botô juízu?” -- Nagibe pensou intrigado -- E falandu im Ahmed, cadê eli? -- perguntou curioso -- Também tô sintindu farta di Ahmed Marcos e Ahmed Lucas, num sabi?
--Eu também tô sintindu farta di meus irmão! -- Ahmed João concordou -- Cadê elis?
--Uai... -- Catiúcia abaixou a cabeça envergonhada -- Eli num vem... -- respondeu sem graça -- E comu é eli qui busca os mininu... num vêm também...
“Ahmed andô aprontandu arguma coisa...” -- Cid concluiu pensativo
--Pur que eli num vem??? -- Raed perguntou revoltado -- Nóis mandemu nossus fio e as famia tudu aparicê aqui hoji! -- gesticulou -- Tava pensandu qui Ahmed tinha idu buscá meus netu!
--Eli num vem?! Comu podi?? -- Amina perguntou chocada -- Tem basi um trem dessi? -- gesticulou também -- Si nóis mandô vim, tinha qui vim, uai!
Todos aguardavam uma resposta de Catiúcia.
--O qui andô acunticendu? -- Penha perguntou aos cochichos -- Ahmed brigô cum us dois?
--Sei não... -- Cid nem imaginava -- Tem uns bão dia qui num veju eli...
--Qui diachu qui teu irmão feiz dessa veiz? -- Dora também cochichou -- Num atendê um chamadu dus pais... Eu hein! -- criticou
--Eu num tô sabendu é di nada! -- Nagibe respondeu intrigado
--Uai... -- Catiúca sentia o rosto arder de vergonha -- Eli dissi qui... -- não tinha coragem de repetir o que o marido falou -- É mió falá diretu cum eli, num sabi? -- olhou para os sogros -- Eu num gostu di mi metê im pendega di famia...
Amina e Raed não fizeram comentários. Nagibe e Cid se entreolharam desconfiados por causa disso.
--Mais vamu rezá pra Zinara vortá o mais rápidu! -- Amina continuou com o assunto anterior -- Dumingu vai todu mundu pru centru, modi pidí pra tudu terminá bem! Queru minha minina aqui!
--Vamo sim porque essi centru devi de tê pudê meis! -- Dora concordou balançando a cabeça -- Eu queru í também modi pidí mais dinhêru purquê num tá dandu não... -- falou para Penha em voz mais baixa
--Ah, intão vô pidí também purque seu Raed nunca mais sortô uma graminha pra Cid, num sabi? -- Penha cochichou com Dora -- Tá difícir pur dimais da conta!
--E nem pra Nagibe! -- olhou para a outra -- E eu achu qui issu é curpa di Ahmed!
--Devi di sê! -- concordou -- Os pais cansaru das patifaria deli e aí sobrô pra todu mundu! -- concluiu
--Dêxa eu sigurá eli, camma? -- Khadija pediu o bebê para Catiúcia -- Adoru Ahmed Mateus! -- sorria
O pedido da menina deixou a mulher um pouco menos constrangida. -- Tomi aqui. -- entregou o filho com todo cuidado -- Sigura direitinhu, tá? -- recomendou
--Podi dexá! -- segurou o primo com delicadeza -- Meu mininu... -- beijou a mãozinha dele, fazendo-o sorrir
--Eu também queru siguá! -- Cidmara pediu enciumada
--Num podi! -- Khadija respondeu de pronto -- Ocê é criança! -- argumentou
--Oxi! -- a garotinha retrucou de cara feia
-- E ocê é o quê? -- Catiúcia perguntou divertida
--Muiézinha, uai! -- respondeu convicta. Os adultos riram
--Homi, -- Amina aproveitou o momento de Khadija para cochichar com o marido --nóis temu qui tê um prosiadu sériu cum Ahmed! Num pódi issu deli num atendê quandu nóis chama! Issu é cuspí nas tradição di respeitu dus ancestrar!
--Pois eu num queru prosiadu ninhum cum eli! -- cruzou os braços contrariado -- Fio num fica cum raiva di pai, num sabi? Inda mais fio qui tá nu erru! Si eli num qué mais vim aqui, podi ficá nu cantu deli pra lá! -- fez cara feia
Amina ficou pensando na situação e na resposta do marido. “Zinara já ficô zangada cum nóis e sumiu também e nóis nunca qui procuremu pur ela quandu issu acunticia...” -- lembrava -- "E tava na razão dela... Naquela época nóis erremu...” -- considerou -- "Ahmed num tem razão pra si aburricê, intonci Raed tá certu.” -- balançava a cabeça pensativa -- “Eli qui venha atrás di nóis!” -- decidiu também não procurar pelo filho
***
--Meu Deus, menina, que coisa! -- Leda reclamava com a filha no colo -- Primeiro você chorava noite e dia porque Zinara foi embora, agora chora porque ela vai voltar! -- não entendia
--Não é isso, mamãe... -- respondeu chorando -- Zinara ainda ama a outra, ela não esqueceu... -- soluçava
--Mas que diabo, da onde você tirou isso?? -- continuava sem entender -- Você nem falou com ela!
--E foi exatamente por isso... -- continuava chorando -- Ela some, deixa todo mundo doido e quando resolve telefonar... -- soluçava -- é pra Jamila...
--Claro, né, menina? Não foi essa aí que arrumou da tal ONG procurar por ela? -- lembrou -- É claro que ela ia ligar pra mulher! Tinha que agradecer, né? -- raciocinava a sua maneira -- E se ligação interurbana custa uma fortuna, imagina uma internacional!
--Não tem nada a ver com isso, mamãe! -- sentou-se e passou a mão sobre os olhos -- Por que Zinara não ligou pra mim e depois pra Jamila? -- não se conformava
--Ela não ligou nem pra Amina, criatura! -- retrucou -- Não deve ter sido fácil pra ela fazer o telefonema, então decidiu por Jamila!
--E por que por ela? -- perguntou contrariada
--Porque foi graças a mulher que Zinara foi encontrada, já não disse? -- respondeu impaciente -- Você fica procurando chifre em cabeça de égua! -- ralhou
--Ela ligou pra Jamila porque nunca esqueceu daquela mulher, essa é a verdade! -- levantou-se agoniada -- Na hora de pensar em alguém pra se comunicar veio o nome da ex em primeiro lugar...
--Mas você delira, vou te contar! -- Leda balançou a cabeça contrariada -- Não sei a quem puxou! -- cruzou os braços
--Eu deliro?? -- perguntou indignada -- A senhora não queira saber o que senti quando ouvi Jamila me dizer que Zinara ligou pra ela! -- passou a mão nos cabelos -- Um misto de alegria e tristeza que me deixou fora de mim! Desconectada!
--Você complica demais! -- levantou-se -- Você e suas irmãs! -- gesticulou -- Eu não sei onde foi que errei! E olha que me esforcei tanto... -- balançou a cabeça contrariada
--Eu sou realista, mamãe!
--Realista... -- discordou fazendo um bico
Respirou fundo e fechou os olhos. -- Eu não deixei de amar aquela caipira e acho que nunca deixarei... -- abriu os olhos -- Mas vou pedir a Deus que me ajude a aceitar os fatos. Se ela ama Jamila, que sejam felizes nestes dias de vida que lhe restam! -- desejou com sinceridade -- Queria muito que ela se curasse e que pudesse viver ainda por muitos anos, mas aconteça o que for, que fique bem ao lado da mulher que sempre possuiu seu coração!
--Mas que drama! -- a idosa reclamou contrariada
--Pedi pra que Jamila me deixasse saber quando Zinara voltará e ela disse que vai me manter a par de tudo. -- comentou -- Imagino que em tempos de guerra não deva haver internet sem fio à disposição em qualquer parte de Cedro...
--Nem telefone, né, menina? -- respondeu como quem diz o óbvio
--E quando tem é só pra Jamila que ela telefona... -- abaixou a cabeça
--Ela só ligou uma vez! Uma vez! -- argumentou -- E você fala como se fosse todo dia!
--Ainda bem que viajo a serviço daqui a dois dias! -- afirmou como se não tivesse ouvido as palavras da mãe -- Vou me matar de trabalhar e fingir que Zinara não liga porque não estou em casa!
--Minha Nossa Senhora, que agonia! -- reclamou mais uma vez -- Depois fica com raiva quando eu digo que parece até La Enviadita! -- gesticulava revoltada -- O drama que faz é digno das melhores novelas do gênero!
--Mamãe, eu tô sofrendo muito!! -- Cecília entra em casa esbaforida -- Serra tá fugindo de mim e não quer sair comigo!!! -- correu até a idosa e a abraçou -- Ai, mamãe, a dor da rejeição dói demais... -- reclamou chorosa -- Dói demais...
--Serra?! -- não sabia de quem se tratava -- Quem é esse? -- sentia-se sufocada pelo abraço da filha -- Que conversa é essa, menina?
Clarice prestava atenção na cena sem entender. Sentia-se anestesiada em sua tristeza.
--Serra, mamãe, Serra... o policial que salvou a gente do perigo... -- continuava abraçada à idosa -- O amigo do cigano... -- chorava -- Do cigano, ai, ai, ai...
--Cigano?! -- continuava sem entender -- E eu lá sei de cigano?!
--O do retrato, mamãe, o do retrato... -- chorava -- O dos peito cabeludo, mamãe... é cabeludo... é cabeludo... -- e tome de choro -- Mas ele não me quer, não me quer... -- lamentava -- Aaaaaaaah!
“Onde foi que eu errei, meu Pai?” -- pensava olhando para cima -- "Diz pra essa velha sem vergonha...” -- acariciava a cabeça da filha em silêncio
***
--Eu fico feliz que tenha aceitado almoçar comigo, Raquel. -- Fagundes olhava para ela -- Li no seu depoimento que você é casada e tive medo que levasse a mal esse meu convite... -- comentou
--O que há de mal num convite pra almoçar? -- respondeu envergonhada -- Getúlio deve estar por aí procurando emprego e nem vai saber... -- pausou brevemente -- Não estamos fazendo nada de mais... -- abaixou a cabeça -- Não tem porque fazer alarde, né?
Deduziu que Getúlio era o marido dela. -- É... Não tem porque... -- concordou -- Vocês... tem filhos? -- perguntou curioso
--Temos! -- respondeu sorridente -- Um menino lindo! -- abriu a bolsa e tirou uma pequena foto da carteira -- Olha só!
--É lindinho mesmo! -- sorriu ao ver o rosto da criança -- Qual o nome dele?
--Deodoro! -- guardou a fotografia -- Getúlio gosta de nomes marcantes!
“Deodoro?!” -- ficou com vontade de rir -- "Coitada dessa criança!” -- pensou -- De fato, muito marcante! Acho que nunca vou esquecer o nome dele! -- balançou a cabeça
--Mas e você? -- olhou para o homem -- É casado, tem filhos...?
--Sou divorciado há três anos e não casei mais. -- debruçou-se sobre a mesa -- Tivemos um filho, mas ele morreu de meningite um ano antes do nosso divórcio. -- respondeu pesaroso -- Fazer o que, né? -- suspirou -- Coisas da vida...
--Oh, sinto muito! -- espontaneamente segurou a mão dele -- Sinto muito mesmo!
--Tá tudo bem! -- sorriu e acariciou a mão dela -- Tô superando isso. Pelo menos tentando...
--E se Deus quiser vai conseguir! -- recolheu a mão rapidamente -- Deus ajuda... -- estava sem graça -- "Eu, hein, Raquel, já foi pegando a mão do cara?” -- condenou-se
Os dois gastaram uns segundos calados sem saber o que dizer até que o homem voltou a falar: -- Você deve se perguntar o porquê do convite, mas é que... -- pensava em como justificar -- aquela experiência que você e sua irmã passaram foi tão traumática... Fiquei preocupado... -- gesticulou -- Queria saber se estava bem. -- encostou-se novamente na cadeira e pôs as mãos sobre os joelhos -- Fiquei pensando em você e queria notícias... -- desviou o olhar envergonhado
“Gente, ele tava pensando em mim!” -- ficou toda prosa -- Estamos superando também. -- respondeu sorrindo -- Depois passa!
--Também queria me desculpar pelo meu amigo Serra... -- olhou para ela novamente -- Ele não é de fugir de mulher, mas parece que não tem correspondido às expectativas de sua irmã...
--Tô sabendo... -- balançou a cabeça -- Sei que Cecília tem um jeito bem... peculiar de buscar contato.
--Acho que ela assustou ele! -- afirmou achando graça
--Eu também acho! -- riu brevemente
--E eu...? Te assusto? -- perguntou receoso
--Não. -- abaixou a cabeça
Fagundes ficou olhando para ela até que deu um tapa na própria testa. -- Que cavalheiro de merd* que eu sou! -- condenou-se -- Já olhamos o cardápio e não chamei o garçom pra fazer o pedido!
“Ai, finalmente!” -- pensou esfomeada -- Sabe que eu nem me dei conta disso? -- mentiu -- Passou despercebido...
--Vamos resolver isso já! -- acenou para o garçom -- Por favor! -- chamou
--Pois não? -- o homem chegou com o bloquinho em punho -- O que desejam? -- olhava para os dois
--Por favor, Raquel, pode pedir. Talvez eu peça o mesmo que você. -- sorria -- Fique à vontade!
--Ah, se é pra pedir, então... -- pegou o cardápio -- Anota aí, moço: gostaria de uma porção de bolinhos de bacalhau junto com uma Caesar salad com frango desfiado, queijo coalho e mais esse carpaccio aqui. -- mostrou para ele -- Depois dessa entradinha, quero o prato do dia com salmão grelhado e guarnições de batatas fritas, quiche de queijo, feijão tropeiro, couve com alho e farofa de ovo. -- continuava escolhendo -- De sobremesa, gostaria desse brownie com castanha e sorvete e mais uma tacinha de creme de papaia com cassis. -- fechou o cardápio -- Ah, não esquece de trazer azeite extra virgem pra salada, por favor! -- pediu
O garçom ficou espantado com o pedido dela. -- E pra beber?
--Ah, sim! Traz uma jarra de suco de abacaxi com hortelã. -- cruzou as pernas -- A jarra de um litro!
--E o senhor? -- olhou para Fagundes
--Ah, eu... -- estava em choque -- Eu vou de nhoque à bolonhesa. -- ajeitou-se na cadeira -- Pra beber uma soda light e sem sobremesa. -- coçou o peito -- "Mas que mulheres são essas?” -- pensava abestalhado -- “Uma é tarada e a outra faminta...”
***
--Zinara, tenho notícias para você! -- Haifa se aproximou da astrônoma -- Não são muito boas... -- advertiu -- Será que terá paciência para o que virá?
--Ana elly tool omry basadak kalam el sabr fel mawaweel... (Eu sou aquela que sempre acreditou na ideia da paciência em tempos de dificuldades...) -- respondeu receosa -- Quais seriam as notícias? O que está por vir? -- perguntou para a diretora da ONG
--Al muhuaami (A advogada) Jamila comprou sua passagem de retorno para Terra de Santa Cruz e negociou com a companhia aérea, que finalmente concordou que você possa retirá-la no balcão da empresa no aeroporto de Berytus. -- informou -- Basta apresentar o passaporte.
--Smallah! -- sorriu satisfeita -- E o que há de ruim nisso? -- perguntou na língua de Cedro -- Quando voltarei para casa? -- queria saber
--Sua viagem vai ter que esperar porque as estradas para Berytus foram bloqueadas na noite de ontem e... -- respondeu pesarosa -- ninguém imagina quando estarão livres novamente. -- olhava para a morena -- Jamila tentou buscar ajuda com as representações diplomáticas de Terra de Santa Cruz mas não há o que eles possam fazer. Agora ela tenta um adiamento com a companhia aérea, para não perder a reserva da passagem. -- explicava -- Se não der certo vai ter que fazer uma nova compra...
--AHHa!! -- deu um soco na perna -- E quem fez este bloqueio? -- perguntou contrariada
--Quem mais? Soldados de Dar-ulharb. -- respondeu de cara feia -- Cercam os refugiados da Faixa de Gisah que vieram para estas bandas. Dizem que procuram pelos terroristas do Hesvallah. -- afirmou descrente -- Começaram com isso perto da fronteira ao sul e agora vieram para cá. Yama ayam daeit, ya Salam! (Tantos dias perdidos, meu Deus!) -- lamentou
--Ô pistinga dos infernos! -- reclamou na língua de Terra de Santa Cruz -- Dar-ulharb e Godwetrust são as pragas da minha vida!! -- gesticulou furiosa -- Eu até tento fazer amizade com esses países, mas não dá! -- falava consigo mesma -- Fazia tempo que eu não dizia isso, mas... gaatak niila, Dar-ulharb (vá para o inferno, Dar-ulharb)! -- gritou revoltada
Haifa só entendeu a última frase. -- Eu gritei a mesma coisa quando soube deste bloqueio! -- revirou os olhos
Zinara respirou fundo e buscou se conter. -- Não odeio o povo de Dar-ulharb, mas muito me enoja o modo como os governos daquele país têm conduzido a política por aqui há tantos anos... -- olhou para Haifa -- Da mesma forma fico doente com o que os governos de Godwetrust fazem com o mundo desde que se entenderam como donos do planeta!
--Também maldigo todos estes governos miseráveis! Cuspo sobre os ancestrais dessa gente podre que ordena estes massacres covardes que ceifam tantas vidas! -- concordava com a morena -- Ralã! -- exclamou enojada
--Mas... -- não sabia como pedir -- Se me permitirem continuar refugiada nesta ONG, gostaria de esperar aqui até que tudo se resolva. -- pausou brevemente -- Será que poderia? -- perguntou esperançosa
--Aywah! (Sim!) -- concordou de pronto -- Você é nossa compatriota! Fica conosco o tempo que for preciso!
--Chukran! (Obrigado!) -- sorriu em agradecimento -- Não sei como posso agradecer por tudo!
--Comece me ajudando a preparar um manifesto! -- pediu -- Tenho que entregar um texto forte para nossa ONG espelho sediada em Suriyyah! -- sentou-se do lado da professora -- Amanhã Abdel virá buscar este texto e não posso me atrasar! Ele não poderá esperar nem um minuto sequer!
--Por que não manda o texto por e-mail? -- não entendia -- Medo de espionagem?
--Não tenho esse medo porque nossa internet foi cortada dias antes de você chegar aqui. -- explicou -- Ainda temos telefone e TV, mas não sei por quanto tempo.
Zinara ficou em choque ao ouvir aquilo. “Por quanto tempo mais, oh, Aba? Por quanto tempo ainda será assim?” -- perguntava-se mentalmente -- "Queria muito ver meu país e seus vizinhos vivendo em paz...” -- sentia-se triste por aquela realidade que parecia nunca mudar
CAPÍTULO 121 – Arrependimentos do Passado
--E afinal de contas, quando aquelas pestes vão liberar as estradas? -- Cláudia se referia aos soldados de Dar-ulharb -- Primeiro foi a agonia pra encontrar aquela bicha e agora mais essa! -- reclamou
--Laa acrif... (Eu não sei...) -- Jamila respondeu preocupada -- O clima tá cada vez mais tenso! Tenho pensado num jeito pra Zinara conseguir chegar em Berytus e não encontro! O pessoal da ONG também tem se articulado, mas tá difícil...
--Caipira miserável! -- levantou-se revoltada -- Ah, mas eu tenho tanta vontade de dar uns tabefes no rab* daquela criatura! -- gesticulava -- Só faz merd*, nunca vi! -- reclamou
--A família dela tá numa angústia que só! -- comentou -- Aisha me liga todo dia! -- passou a mão nos cabelos
--Claro, né? -- olhou para a outra -- Dona Ritinha e dona Zezé também tão que não se aguentam! -- cruzou os braços -- Zinara mata qualquer um do coração! -- revirou os olhos
--Eu também fico doidinha! -- balançou a cabeça negativamente -- AHHa! -- reclamou
--E Clarice? -- perguntou curiosa -- Ela já sabe disso?
--Clarice é muito estranha! Ela não me liga... -- cruzou as pernas -- Entrei em contato pra falar sobre esse problema e não a encontrei em casa. -- contava -- Deixei recado com a mãe dela, mas não tive retorno.
--Vai ver ela não fica à vontade porque, afinal de contas, você é a ex! -- deduziu -- Aliás, -- parou diante da advogada -- espero que a senhora tenha deixado claro pra ela que Zinara te ligou porque a ONG só autorizou que ela entrasse em contato contigo! -- pôs as mãos na cintura
--Ah, não cheguei a dizer isso! -- levantou-se também -- Certas coisas são óbvias, né? -- andou pela sala da médica
--Humpf! -- fez um bico
--Cláudia, você acha que...? -- continuava andando em círculos -- Zinara falou em milagres... -- pausou brevemente -- Você acha que ela pode ter se curado? -- perguntou esperançosa
--Simplesmente porque foi fazer uma caminhada louca nas montanhas de um país em guerra? -- riu nervosamente -- Não mesmo! -- foi até a janela e parou olhando para fora -- Infelizmente!
--É que cheguei a pensar... -- parou perto dela -- Quem dera...
--Quem dera mesmo! -- mirava um ponto no infinito -- Eu tenho tantos arrependimentos em relação a Zinara e Tina... Queria ao menos me redimir com uma delas de alguma forma... -- lamentou
--Eu não sei quem é essa Tina, mas o que você fez com Zinara, mulher? -- ficou curiosa -- Ela nunca me fez queixa de você, pelo contrário!
Voltou para perto da mesa e se sentou em sua cadeira -- A Medicina é uma carreira muito bonita, mas em alguns momentos da vida a gente pensa que virou Deus... -- sorriu nostálgica -- Eu ainda era estudante mas com o decorrer do curso me senti melhor que Zinara e Tina, que se dedicavam a carreiras menos importantes. -- cruzou as pernas -- Menos importantes segundo meu entendimento equivocado naqueles tempos...
--Sei como é isso! -- sentou-se também -- Acho que também vivemos esse momento de soberba no curso de Direito. -- brincou
--Por causa de minha arrogância me afastei delas... e olha que eram minhas melhores amigas! -- admitiu envergonhada -- E quando Tina morreu e Zinara ficou desesperada, eu não dei o apoio que ela precisava... -- abaixou a cabeça -- Em compensação quando eu precisei de ajuda, ela ficou comigo o tempo todo... -- lembrava -- Ave Maria...
--Deduzo que Zinara também era amiga dessa tal de Tina. -- comentou
--Muito! -- respondeu enfática -- Eu as apresentei e elas dividiram apartamento numa República junto com outras garotas. -- contava -- Aí, lá pelas tantas, um homofóbico idiota decidiu que Valentina já tinha vivido o suficiente! -- calou-se emocionada -- Ela morreu quase na mesma época que Khaled. -- sentia uma dor no peito ao lembrar
--Smallah! -- arregalou os olhos -- Zinara deve ter ficado mesmo louca!
--Eu só tive ideia do quanto, anos mais tarde, que foi quando ela me contou... -- debruçou-se sobre a mesa -- Na época passei alheia a tudo que houve... -- suspirou -- Nem imaginava que ela tinha tentado se matar.
--Choo?? (O que??) -- arregalou os olhos -- Ela tentou?? Eu não sabia!
--Não me admira que não soubesse. Zinara nunca foi de falar da vida dela mesmo... -- pausou brevemente -- Nestes últimos tempos foi que ela vinha sentindo necessidade de desabafar e às vezes visitava o passado.
--Mas como foi isso? -- queria saber -- Essa tentativa de suicídio?
--Eu não sei detalhes... O que posso dizer é que ela saiu correndo com a bicicleta e foi até uma rodovia bem movimentada de São Sebastião querendo ser atropelada. -- olhava para a outra -- Mas apareceu um pássaro não sei da onde e o bicho fez com que ela se desequilibrasse e caísse numa vala de esgoto. -- contava com base no que ouviu da amiga -- Ela acabou apenas dando um mau jeito no pescoço e quebrando o braço esquerdo. Também teve sorte de ter recebido socorro a tempo. -- pausou brevemente -- Depois disso veio um período muito tenso na vida dela e a batalha pra colocar o assassino de Valentina na cadeia... Acredita que o homem acabou sendo morto por outras razões sem nunca ter sido preso? -- balançou a cabeça contrariada
--Oxi! -- franziu o cenho -- Ele não chegou a ser preso?
--Nunca... Os advogados se embrenharam num caminho apelativo, alegando que era tudo racismo e tal... -- suspirou -- Mas vamos mudar de assunto! -- levantou-se e buscou a bolsa -- Hora de ir, Jamila. -- anunciou -- Me desculpe, mas minha filha e meu marido me esperam.
--Baseeta! (Sem problemas!) -- levantou-se também -- Tá tarde mesmo e eu não posso ficar dando mole por aí. -- pegou sua bolsa -- Viu a reportagem de ontem sobre meu dossiê? -- sorriu vitoriosa -- Já tem muita gente poderosa aí sendo indiciada!
--Pois é, abre teu olho. -- caminhou até a porta -- Daqui a pouco vão começar a te perseguir! -- abriu a porta e deu passagem para a outra, que saiu -- Muito cuidado! -- saiu também
--Estive numa reunião ontem com alguns policiais e eles acreditam que terei paz até as eleições. Depois disso é que vai complicar. -- caminhavam lado a lado -- Repare que ninguém mais fala no caso Scowben e na espionagem de Godwetrust!
--E espere que vão arrumar outro escândalo nas vésperas das eleições pra que se abafe o teu dossiê! -- fez um bico -- É uma fuleiragem da porr* nesse país! -- aproveitaram o elevador no andar e entraram
--E só não abafaram ainda porque fiz questão de agitar tudo de novo com as últimas informações que recebi de meus contatos na Capital! -- passou a mão nos cabelos -- Ah, antes que vá cada uma prum lado, me diga uma coisa: conhece alguém que toque piano bem? -- saíram do elevador -- O asilo recebeu um piano de uma senhora que morreu e eu fiquei pensando que seria massa levar alguém lá pra trazer alegria com um pouco de música! -- sorriu
--Grazi. -- respondeu simplesmente
--Choo? (O que?) -- ficou pasma -- Aquela maluca toca piano?? -- olhava para Cláudia
--Divinamente! -- parou diante do carro e destravou as portas -- Ela estudou até no Conservatório Paranãbukano de Música.
--Smallah! -- admirou-se -- "Por essa eu não esperava...” -- pensou boquiaberta
***
--Então é isso, Gi! -- Aisha falava animada -- Encontramos nossa caipira e só falta ela voltar pra casa que tudo se resolve! Diz se a notícia não é têúdêô: TU-DÔ? -- riu
--Oxi, mais qui nutícia boa pur dimais da conta, muié! -- Georgina respondeu animada -- Eu pidí muitu nus pé da Virgi modi Zinara si curá e aparicê, num sabi? -- sorria -- Pelu menu já apariceu!
--E se Deus quiser, ela se cura! -- desejou -- Mas agora que já sabemos onde está, o negócio é caprichar nas reza pra ela voltar o quanto antes!
--Dêxi qui eu vô caprichá nas minhas reza! -- garantiu
--E no mais, prepara os trem porque já tá tudo esquematizado pro teu filho vir estudar aqui em Guaiás! -- continuava na empolgação -- Ninguém se aguenta de ansiedade pra ver vocês chegando lá na roça!
--E nóis também tá contandu us dia nus dedu, num sabi? Tem qui vê Hassan comu anda! -- lembrou do filho e achou graça -- Eli já reclamô foi muitu das féria sê adiada pur causo da Copa! -- riu brevemente
--Ah, mas daqui a pouco agosto chega! E com ele, vocês dois!
Parou para pensar na viagem e perguntou envergonhada: -- E comu qui vai sê? Eu queru dizê... modi levá os trem e mais nóis... -- silenciou por uns instantes -- É qui num tenhu dinheru pra issu... -- sentia o rosto queimar
--Calma que tá tudo sob controle! -- garantiu -- Vai arrumando teus trem aí que nós daremos um jeitinho aqui! Confia!
--Intão tá intão! -- concordou balançando a cabeça -- Ói, agora vô disligá purque tô usandu o telefoni du aviáriu e num possu abusá.
--Tudo bem, querida! Fica com Deus e beijão pra você e pro garotão!
--Procês tudu também! -- sorriu -- Inté! -- desligou -- "Graças a Deus e a Virgi qui Zinara apariceu! Graças a Deus!” -- agradeceu mentalmente
Após agradecer a dona do aviário, Georgina seguiu para casa pensativa. Pela primeira vez realmente conjecturava sobre a mudança de volta para a roça e ficou perdida entre sentimentos de esperança, felicidade e receio, pois afinal de contas dependeria dos sogros para viver. “Uma coisa é elis cum meu fio, ôtra coisa é elis cumigu... será qui vai dá certu?” -- questionava-se -- "Eu num imaginava qui fossi vivê essi tantu e mi sintu bem mió du que há uns mêis atráis... issu é bão. Mais será qui vai dá certu eu í pra roça modi vivê mais a famia di meu morenu?” -- coçou a cabeça -- "Eu também num possu impidí meu fio di tê uma famia e uma vida mió...” -- olhou para o céu -- "Ô minha Virgi, ajuda pra qui dê tudu certu, pelas caridadi!” -- rogou
--Mãínha? -- uma voz a despertou de suas indagações interiores
--Uai?! -- olhou na direção da voz e viu o filho -- Quê qui ocê tá fazendu im casa a essa hora, mininu? -- parou e esperou que ele se aproximasse
--As professoras mandaram eu voltar... -- assumiu envergonhado
--Pur que?? -- não entendeu -- "Eli tá isquisitu...” -- reparava na expressão do garoto
Hassan entregou um bilhete do colégio para a mãe, que leu com certa dificuldade.
--Oxi?! -- estranhou aquilo -- Mi ixplica issu, meu fio, purque eu queru intendê o qui si deu nu teu colégiu! -- olhava para ele -- Eu nunca qui ricibi quêxa docê e simplismenti duas professora iscreveru um bilheti modi mi dizê qui ficaru iscandalizada cuntigu! -- cruzou os braços -- Iscreveru qui ocê feiz tanta brutalidadi cum us mininu qui chega dueu nelas!!
--Ah, mãínha... -- abaixou a cabeça constrangido
--Mi fala o qui hovi, Hassan! -- pediu compreensiva -- A diretora qué mi vê amanhã e eu tenhu qui sabê o qui acunticeu modi sabê o qui fazê, num sabi? -- pausou brevemente -- Pur que ocê deu uma sova im tantu mininu?
--Vamos pra casa, mãínha. -- pediu -- Lá eu conto.
--Tá bão. -- estendeu a mão -- Simbora! -- mãe e filho seguiram de mãos dadas para casa
***
--Como eu tinha falado pra senhora, hoje era recreação e as professoras levaram a gente prum outro colégio que tinha piscina. -- contava -- Eu não tinha sunga e não queria nadar, mas as professoras disseram pra vestir a bermuda de educação física... -- narrava os fatos de cabeça baixa -- Aí quando eu cheguei pra ver a tal da piscina, era uma caixa d´água azul bem grande e toda cheia, quase até o talo! -- abriu os braços tentando mostrar o tamanho -- Ver aquela água azul me deu um mal estar tão grande, mãinha... Eu não quis saber de nadar não, visse? -- olhou para ela
--Mais e intão? -- continuava curiosa
--E então que uns galego quiseram me jogar n’água à força e quando eles me seguraram... -- não sabia como se explicar -- me deu um ódio e eu fiquei com a bexiga lixa! -- gesticulava -- Gritei como louco e bati em todos eles! -- confessou envergonhado -- E bati com muita força... -- suspirou -- Foi por isso que as professoras ficaram tão avexadas...
--Oxi! -- estava pasma
--Eu falava umas coisas, maínha... eu sabia o que tava dizendo... -- pausou brevemente -- mas ao mesmo tempo não sabia...
--Comu podi? -- não entendeu
--Na língua do meu baba. -- esclareceu -- Eu sabia que falava na língua dele e ao mesmo tempo não sabia. -- esfregou as mãos nervosamente -- A senhora entende isso?
“Ô, Minha Virgi, será qui meu fio herdô a duença do pai?” -- pensou preocupada -- "Num dêxi, não, pur piedadi!” -- implorava -- "É difícir dimais...” -- olhava para ele com carinho e tristeza -- "Meu mininu é puru, eli nem tem du quê si arrependê! Eu tenhu! Si arguém tivé di sê castigadu qui seji eu, eli não...”
***
Viegas acordava de madrugada sentindo náusea, dor de cabeça e um mal estar generalizado. Havia passado longo tempo fora de si, mas agora voltava a recuperar a lucidez, mesmo sem muita clareza.
Levantou-se com dificuldade e tateou as paredes mal tratadas do pequeno quarto para buscar se equilibrar. “O que é isso que eu sinto?” -- pensava -- "Que coisa horrível...” -- parecia que uma faca penet*ava-lhe o peito bem devagar -- "Meu Deus...”
--Aasif (Sinto muito), mas ocê tá morrendu, dotô... -- ouviu uma voz dentro da mente -- E tá sintindu os trem qui us remédiu faiz im nóis. Aquelis remédio qui ocê passava. -- afirmava calmamente -- É assim qui elis mata...
--Khaled?! -- olhou para todos os lados procurando -- Não pode ser... -- pôs a mão no peito e se encostou na parede -- Khaled? -- desejava vê-lo
--Eu pidí modi vim ti vê -- a imagem do rapaz formava-se diante do médico -- e os Espíritu Superiô mi permitiru. -- olhava para o homem -- E Elis tão aqui mais eu, só qui ocê num tem cundição di vê, num sabi?
--Oh, Khaled... -- deslizou as costas lentamente pela parede até cair sentado -- Eu lamento tanto, mas tanto... -- começou a chorar -- Por favor, me perdoe! -- buscou se ajoelhar -- Eu era cego naqueles tempos... Se soubesse o que sei hoje...
--Ana a’arfa (Eu sei.) -- respondeu com certa dificuldade -- Ocê num errô sozinhu... -- lembrava-se de experiências de uma vida passada -- Hoji eu sei...
--Me perdoe... -- pedia chorando -- A dor que sinto pelo que fiz é muito pior que essa que me perfura o peito... -- olhava para o rapaz
--Eu ti perdôo, dotô. Di coração, já ti perduei. -- respondeu com verdade -- Só lamentu qui os ôtro inda não... -- sua imagem desaparecia aos poucos -- Pédi proteção nu Pai! – aconselhou
--Os outros? -- pensou em seus ex pacientes -- Khaled, não me deixa sozinho! -- pediu em desespero -- Khaled! -- gritou quase sem forças
As dores se intensificaram e Viegas começou a sentir falta de ar. O coração disparou, a náusea ficou mais forte e o intestino repuxou como se estivesse cheio de gases.
--Ah!! -- caiu de bruços no chão -- Ah! -- gritou mais um vez -- Socorro! -- queria que alguém ouvisse -- Socorro! -- a voz quase não saía
Arrastando-se no chão, Viegas buscava alcançar a porta em vão.
--Assassino! Covarde!
--Maldito seja! Miserável!
--Desgraçado! Você tirou de mim tudo que eu tinha!
As vozes ecoando em sua mente deixavam-no apavorado. -- Perdoem! Por favor, perdoem! -- respondia em desespero -- Socorro! -- buscava em vão algum ar para respirar -- Não! -- a voz não saía -- Não!
Após o colapso total do sistema nervoso, o médico deixou aquele corpo cansado e foi imediatamente cercado por um grupo de espíritos desequilibrados e vingativos. Dominado pelo medo, perdeu a razão mais uma vez e foi conduzido para longe por seus perseguidores; estava totalmente à mercê do domínio deles.
--Ma hatha?! (O que é isso?!) -- olhava para o irmão apavorado -- Que coisa horrível! -- sentia medo -- Não podemos fazer nada? -- perguntava na língua de Cedro -- Aquelas pessoas... parecem monstros!
--Não são monstros, habibi. São apenas irmãos endurecidos pelo sofrimento, pelo ódio e pelas mágoas que ainda têm no coração. -- Youssef esclarecia -- Macleech! (Não se preocupe!) -- segurou a mão de Khaled -- Nenhum deles está esquecido! Allah os guarda em sua Grandeza, da mesma forma como faz com todos nós. -- sorria -- Só que tanto Viegas quanto eles ainda não têm condições de receber ajuda, porque precisam entender e sentir que necessitam de Luz. -- pausou brevemente -- Mas esse dia virá e quando vier, estaremos aqui para socorrê-los.
--Acha que terei condições de ajudar alguém? -- perguntou esperançoso
--O tempo dos arrependimentos e traumas já passou, akhuuya (meu irmão). -- afirmou com brandura -- Agora, em usritina (nossa família), estamos todos amanhecendo. -- sorriu
***
Marco e Najla estavam na roça. O homem acompanhou a namorada na viagem de retorno e ficou para pernoitar por apenas uma noite na casa de Raed e Amina. Era tarde e o casal passeava de mãos dadas.
--O colégio de seus sobrinhos netos é que tá certo. -- comentava -- Não se abalou com esses trem de Copa e manteve as aulas normalmente. Agora os meninos estão férias no período normal.
--Já o colégio de Hassan não fez isso e ele ficou louco! -- riu brevemente -- Tadinho, tá ansioso pra vir morar aqui!
--Não me surpreendo. Vai ser muito bom pra ele e pra mãe. -- olhou para a ex fazendeira -- Enquanto isso Ahmed João tá numa empolgação só porque vai comigo pra Gyn amanhã.
--Tudo certo com o tratamento dele? -- olhou para o namorado -- Vamos fazer conforme o combinado?
--Claro que sim, uai! -- respondeu de pronto -- Dei minha palavra, não sou homem de voltar atrás!
“Ai, esse negão me mata de orgulho...” -- suspirou apaixonada -- É por essas e outras que eu tiro o chapéu... -- sorriu
Marco sorriu também e voltou a mirar o horizonte. -- Querida... -- silenciou por uns instantes -- queria te fazer uma pergunta...
--Sobre? -- perguntou receosa e abaixou a cabeça
--Eu fiquei pensando naquela história de vocês com a fazenda e o processo contra o Ametista... -- balançava a cabeça pensativo -- e de repente me ocorreu que ninguém falava desse assunto na minha frente, nem mesmo Janaína. -- parou de andar e olhou para ela -- Você pediu isso pra elas? -- perguntou sem rodeios -- Não queria que eu soubesse exatamente sobre o que tava acontecendo?
--Marco, eu... -- parou de andar também e não conseguia encarar o homem
--Você teve medo que eu quisesse ficar do seu lado com interesse nessa fazenda, Najla? -- foi direto mais uma vez
A mulher soltou a mão do namorado e caminhou um pouco em círculos. -- Aywah... (Sim...) -- confessou -- Eu tive medo que isso pudesse te influenciar, sim... -- olhou para ele
Marco sentiu uma dor muito grande ao confirmar suas suspeitas. -- Como pôde pensar assim, Najla? -- seus olhos marejaram -- Não havia te dado provas de amor o suficiente? -- perguntou magoado
--Oh, habibi... -- tentou tocá-lo, mas ele não deixou -- Por muitos anos eu vivi no meio de pessoas tão interesseiras, tão vazias... -- seus olhos marejaram também -- Quando me vi pobre e abandonada, não tive uma amiga ou amigo que me desse a mão. Foram todos embora...
--E você não aprendeu até hoje a reconhecer esse tipo de pessoa? -- passou a mão sobre os olhos -- Eu sou mesmo um idiota! -- riu de si mesmo
--Xajlaan... (Vergonha...) -- colocou as mãos sobre o peito -- Vergonha, eu sei, habibi! -- admitiu -- Mas me perdoe, eu me arrependo tanto... não sabia o que pensar...
--Não sabia o que pensar?? -- interrompeu-a indignado -- Tudo bem, Najla! -- decidiu que a conversa havia se encerrado -- Vamos cuidar do tratamento do seu sobrinho como foi combinado, mas você e eu... -- calou-se brevemente -- É melhor terminar por aqui!
--Marco! -- arregalou os olhos surpreendida
--Apesar desse suspense todo, já senti que vocês vão recuperar a fazenda! -- gesticulava -- E fico muito feliz com isso, de coração fico mesmo! -- falava com verdade -- Só que não quero viver com uma mulher que sempre vai ficar se perguntando se tô do lado dela porque quero ou por conta de um pedaço de terra!
--Habibi, laa... (Querido, não...) -- começou a chorar
--Você vai conhecer alguém que lhe sirva, minha Dona. -- derramou uma lágrima -- Com ou sem interesse no seu patrimônio... -- afastou-se lentamente andando de costas -- Sinto muito... -- lançou-lhe um último olhar entristecido e seguiu para longe
A mulher acompanhou o amado com os olhos e ficou chorando sozinha no meio das caliandras.
***
Clarice e Magali conversavam em um restaurante. As duas viajaram juntas a serviço e haviam acabado de jantar.
--Ah, pelo amor de Deus, Clarice, pára com isso! -- brigava com a amiga -- Deixa de ser trágica! -- fazia cara feia -- Até um cego pode ver o quanto aquela caipira baba por você! Que história é essa de ficar em dúvida só porque ela deu um telefona pra ex? -- não aceitava
--Ela SÓ liga pra Jamila, né, Magali? -- respondeu enfática -- Só pra ela! -- passou a mão nos cabelos -- Não me procura, não manda e-mail, nada! -- olhava para a outra -- O que eu posso interpretar dessa atitude? -- deu um suspiro profundo -- Nessa caminhada pelo Monte Cedro ela teve tempo suficiente pra refletir, olhar pra dentro de si e chegar à conclusão que... -- relutava para verbalizar -- o grande amor da vida dela é Jamila... -- deu um suspiro profundo -- Mas eu fiquei feliz por ela ter sido encontrada... Nem saberia te explicar o quanto...
--Mas tá disposta a sair de cena pra deixar Zinara viver um grande amor com Jamila! -- fez um bico -- Por favor, Clarice, pára, chega! -- gesticulou impaciente -- Até quando vai encarnar esse complexo de mulher rejeitada, hein? -- olhava nos olhos -- Não é porque outras pessoas no passado não souberam valorizar o seu amor, que significa que sempre vai ser assim! -- argumentava -- Zinara tá num país sob conflito, na mira de Dar-ulharb e Godwetrust, não deve ter chance de ficar telefonando ou mandando e-mail! -- gesticulava -- Além do mais, se foi por Jamila que a ONG chegou até ela, é natural que seja por Jamila que as notícias venham! -- concluiu
--Mamãe me disse a mesma coisa...
--É só parar pra pensar um pouco! -- pausou brevemente -- Você costuma ouvir sua mãe até quando não deve, -- estava revoltada -- e agora que deveria ouvir, se faz de surda! -- balançou a cabeça contrariada -- Vai entender!
Abaixou a cabeça envergonhada. -- Acho que... senti tanto ciúmes, fiquei tão insegura que meu cérebro sofreu um boicote... -- sorriu sem graça
--Você já se acostumou com a derrota e simplesmente encarnou o papel da mulher abandonada! -- cruzou as pernas -- Deixa de bobagem e fica do lado da tua caipira, porque ela vai voltar! Aí, minha filha, seja lá o que Deus quiser: se tá com os dias contados, se não tá, que se dane! -- gesticulou -- O importante é viver sem medo de ser feliz! E não criar motivo pra se arrepender depois à toa!
--E esse retorno dela... Tá me dando nos nervos essa história do bloqueio das estradas!
--Sabe que eu peguei uma pinima com Dar-ulharb? -- confessou -- Quer dizer, com o governo de Dar-ulharb, porque o povo de lá também sofre e também tem honra! -- segurou as mãos de Clarice -- Não sou disso, mas tenho rezado pra que tudo dê certo e ela volte logo! Lúcia e eu temos, pra dizer a verdade!
Olhou surpreendida para Magali. -- Ai, amiga, fico tão feliz em saber disso! -- exclamou agradecida -- Quanto mais gente nessa corrente, melhor! -- sorriu -- Ainda hoje fico boba de te ver me apoiando com Zinara... -- piscou para ela -- Gosto disso!
--Eu aprendi a gostar daquela caipira, embora não esqueça a desfeita que ela me fez! -- afirmou de cara feia ao soltar as mãos da outra -- Deixar pra sumir antes do meu casamento? Nem pra esperar? -- gesticulou contrariada -- Até pra morrer existe uma etiqueta e o que ela fez foi deselegante!
--Só você mesmo... -- acabou achando graça
--E vê se quando a gente chegar no hotel você não vai ficar até altas horas lendo o diário dela, porque isso também é doentio demais! -- recomendou
--Doentio? -- discordou -- Não tem nada de doentio nisso! -- pausou brevemente -- Me interessa ler... é importante pra mim fazer parte da vida dela de todas as formas.
--Isso é loucura! -- bebeu o último gole do refrigerante
--Não me diga que se Lúcia tivesse escrito um diário e deixado ele com você, a senhora não iria querer ler de cabo a rab*? -- desafiou -- Curiosa como é... Era capaz de nem dormir enquanto não lesse tudo!
--Ah... -- passou a mão nos cabelos -- Pra que isso? -- conjecturou -- Pra saber dos segredos dela, das intimidades, de todas as loucuras que fez...? Saber como foi o primeiro beijo, a primeira trans*, as primeiras sacanagens mais pesadas...? -- pensou por uns instantes -- Será que ela não tem diário, não, hein?
Clarice acabou rindo mais uma vez.
***
Zinara viu que Haifa chorava escondida e decidiu se aproximar. Talvez a outra precisasse de ajuda ou simplesmente de um ombro amigo para lhe apoiar.
--Bitichkii min eh, sadikii? (Qual é o problema, minha amiga?) -- abordou-a delicadamente -- Será que precisaria de alguém para desabafar? -- a mulher olhou para ela -- Ou para lhe fazer companhia em silêncio? -- perguntou solícita -- Imagino que sejam muitas dores a cobrir seu coração.
--Oh, você não imagina... -- passou a mãos sobre os olhos -- Aalbi shaaf elwail, yaama shaaf il-wail... (Meu coração testemunhou misérias...) -- balançou a cabeça negativamente -- Eu nem saberia descrever...
--Pode acreditar que imagino. -- sentou-se ao lado da outra -- Meu coração também testemunhou destas misérias desde awlaad (criança)... yaama shaaf il-wail... (quantas vezes testemunhou misérias...) -- olhava para ela -- Qualquer um que tenha passado pela guerra, conhece das piores tristezas que poderiam haver abaixo de Allah.
Haifa gastou uns segundos em silêncio até que resolveu desabafar: -- Às vezes eu me sinto uma idiota, al behiima whabla (a estúpida e imbecil)... -- mirava um ponto perdido -- Lutamos tanto para que as guerras terminem, mas quando parece que a paz vai chegar, surge um conflito aqui, outro ali... E sempre pela mesma razão: petróleo, petróleo, petróleo... -- gesticulou inconformada -- Combatemos tanto estas mentiras que os poderosos semeiam no mundo, mas não adianta! Somos sempre os terroristas da história! Sempre nós... -- passou a mão nos olhos -- Eu queria tanto que Cedro voltasse a ser o que era! A grandeza de outrora, a beleza de nossa cultura, mas não... Nossa vida é sempre isso que você vê: sofrimento, calúnias e momentos de pretensa paz! -- levantou-se -- Eu luto, eu me importo, eu me entrego e tudo isso é para que? -- olhou para a professora -- É tudo em vão... -- suspirou -- Nós não temos poder algum e nossas vozes não ecoam tão alto quanto a desses miseráveis mentirosos e sanguinários... É uma luta inglória!
--Entendo o que sente. -- cruzou as pernas -- Não é fácil para mim ver nosso povo sempre retratado como terrorista fanático ao mesmo tempo em que os verdadeiros facínoras são os mocinhos que vão salvar o mundo! -- riu do absurdo -- Ralã! -- exclamou com desgosto -- Claro que cometemos erros, mas sofremos grandes injustiças, não tenho dúvidas. -- passou a mão nos cabelos -- Vivo em Terra de Santa Cruz, me vejo como filha daquele país, e igualmente sofro com o modo como somos explorados e entregues ao Capital Internacional como mercadorias depreciadas! -- balançou a cabeça contrafeita -- Muito me revolta ver a forma como os meios de comunicação de lá alienam a população, distorcendo a verdade e criando realidades de conveniência!
--O mundo está podre! Perdido! -- caminhou até a parede e se encostou -- Perdi o ânimo e a vontade de lutar... -- confessou envergonhada -- Tenho pensado em me matar... -- falou em voz mais baixa -- e se não fiz isso até agora foi por vocês que estão aqui... -- abaixou a cabeça -- preciso ajudá-los e não seria correto...
--Laa! (Não!) -- levantou-se preocupada -- Não faça isso, por amor de Allah! -- segurou-a pelos ombros -- Será o maior erro de sua vida! -- olhava nos olhos da outra -- Não encontrará paz do outro lado! Tampouco será o fim! -- tentava convencê-la a mudar de opinião -- A vida continua sempre e após um suicídio o sofrimento que te martiriza fica muito pior!
--Como pode saber? -- desvencilhou-se incomodada -- Oh, min fadlik, laa te shaghilny! (Oh, por favor, não me aborreça!) Por acaso alguém voltou para te dizer? -- perguntou ironizando
--Voltou. -- virou-se de frente para a mulher -- Não foi um suicida, mas uma pessoa que gastou muito tempo revoltada. -- pensava em Khaled -- Certamente quem se mata sofre muito mais...
Haifa estranhou o que ouviu. -- Não me admira que seu guia de montanha estivesse tão impressionado com você. -- não olhava para a astrônoma -- É uma mulher estranha.
Achou graça. -- Vou considerar isso como um elogio. -- aproximou-se mais uma vez -- Eu também pensei em me matar e na verdade tentei fazer isso. É um grande arrependimento que carrego... -- assumiu -- Graças a Deus não deu certo, mas se tivesse acontecido, eu teria me privado de viver momentos maravilhosos! -- cruzou os braços -- Tampouco teria conhecido o amor da minha vida! -- pensava em Clarice
--Amor... -- balançou a cabeça em negação -- Nem isso poderei viver... -- olhou para todos os lados para ver se alguém ouvia -- Não estou para homens... -- assumiu-se lésbica
--Eu disse que estava? -- assumiu também
--Choo?? (O que??) -- olhou surpreendida para Zinara
--Ala hasb wedad albik, habibi... (Tudo depende do seu coração, querida...) -- sorriu -- O mundo ainda é um lugar perigoso para se viver, mas virão dias de glória. Lembre-se que o Rabi nos prometeu isso. Todos os profetas garantiram essa promessa e o planeta está em fase de mudança. -- falava com convicção -- Ainda experimentaremos grandes tribulações, mas a vitória virá e esses males que combatemos hoje serão eliminados do mundo em definitivo!
--Fala com uma fé... -- estranhava aquilo
--Eu tenho fé! Ana mutafaa'il! (Eu sou otimista!) -- afirmou de pronto
--E ainda assim tentou se matar... -- olhava nos olhos
--Todos podem fraquejar. -- justificou-se -- Mas Allah me deu uma chance. Na verdade duas! -- pensava na cura do câncer -- Allahu akbar! (Deus é grande!) -- fez uma reverência ao céu
--Você tentou se matar, não deu certo, mas e então? O que aconteceu depois? -- queria saber
--É uma longa história... -- começou a viajar no tempo
CAPÍTULO 122 – O Que Veio Depois
“Engraçado como o Amor pode nos salvar, Kitaabii, sou testemunha disso. Hoje sei que aquele pássaro que me fez sair da estrada somente apareceu por causa de Shamash. Hoje sei que o amor que ela me devotou não a deixou me esquecer mesmo no Além. De onde estava, a sua maneira, esforçou-se para salvar esta pobre e escurecida alma, impedindo-me de cometer um grande erro. Graças dou a Allah por te me permitido continuar viva. Graças dou a Allah por ter deixado um de seus sóis, minha Shamash, me iluminar naquele momento de desespero profundo. Graças dou eternamente!
Fui atendida em um hospital da rede estadual e não posso reclamar da ajuda recebida, apesar da precariedade das instalações. Felizmente, apenas quebrei um braço e tive o pescoço imobilizado por um colar cervical, além de alguns arranhões e hematomas pelas pernas. Fiquei internada por dez dias em uma enfermaria relativamente cheia e a enfermeira que cuidava de nós era uma pessoa ímpar. Nunca vou esquecer daquela oriental sem quaisquer formalidades no tratamento com os outros e que tinha um jeito bem peculiar de trabalhar. Ela me foi muito valiosa porque me chamou de volta para a vida e me fez despertar.
Do jeito dela, é claro...”
--Acorda, mulé, que tá na hora da higiene! -- Fabiana chegava com roupas limpas -- Bunda suja, sovaco fedorento e catinga de merd* eu não tolero! Ainda mais em pleno verão, que a porr* toda fica pior! -- colocou as roupas no pé da cama -- Simbora, filha! -- bateu uma palma
--Já vou, yahda’u (fique calma)!-- respondeu abestalhada -- Ainda não me acostumei com esse trem! -- referia-se ao colar -- AHHa! -- levantava-se lentamente
--Reclama não que podia ser pior! Tem uma garota na outra enfermaria que ficou pernetérrima, tu já imaginou o drama? -- cruzou os braços -- Vai tomar teu banho, toma tua via, que mais tarde, depois que eu acabar de cuidar das minhas veínha, a gente vai ter um papo reto!
--Uai?! -- não entendeu
--Pensa muito não e age! Deixa de ser lesada, caipira! -- apressou-a batendo palmas -- Dona Valcir, -- dirigiu-se para o outro leito -- vai se levantando que é hora do banho! E fala com aquela tua filha pão dura que já tá em tempo de providenciar uma capa nova pra esse teu colchão, porque essa aí já era! -- apontou para o leito da idosa -- Pode acabar lhe prejudicando ao invés de proteger!
--Mas ela não tem dinheiro... -- tentava desculpar a filha -- essas capas devem ser caras...
--Não tem dinheiro pra gastar com a mãe, mas o cabelo só vive alisado, pintado e escovado! -- retrucou de pronto -- Isso né barato, não! Cabeleireiro hoje em dia met* a faca! -- olhava para a mulher -- Dá mole, não! Se ela quiser, o dinheiro aparece!
“Enfermeira doida!” -- a morena pensava enquanto seguia para o banheiro -- “Majnum! (Louca!)”
***
--Quando você deu entrada aqui, -- Fabiana contava -- tava toda fudida, desacordada, aquela merd* toda que a gente tá careca de ver acontecer nesse hospital. -- gesticulou -- Acharam sua carteirinha de estudante e um caderninho com dois telefones de contato. -- olhava para a jovem -- Valentina e Naila.
--Aywah. (Sim.) -- afirmou simplesmente
--Eu mesma liguei e a tal da Naila veio aqui no dia seguinte. -- passou a mão nos cabelos -- Pelo menos só vi essa garota uma vez.
--E eu nem vi. -- respondeu entristecida -- Devia estar dormindo... -- concluiu
--Tava sim. -- confirmou -- E vou te contar, que gordinha metida, viu?
Zinara achou graça, mas nada respondeu. Fabiana e ela estavam sozinhas conversando na sala dos enfermeiros.
--É tua namorada? -- perguntou sem rodeios
“Nossa, como é que ela percebeu isso?” -- pensou intrigada e sentiu o rosto queimar
--Tem vergonha, não. Também sou entendida! -- admitiu
A morena entendeu o comentário e ficou mais à vontade. -- Laa acrif... (Eu não sei...) -- respondeu em voz baixa -- Acho que não mais...
--Em compensação... -- Fabiana continuava -- ao ponto que ela só veio uma vez, tem uma mulherada que vem te ver que eu fico até tonta! É mulher demais! -- comentou -- Cê deve ser boa, porque elas te adoram! -- afirmou enfática -- E nem tenta me enrolar porque meu feeling me diz que aquilo ali é tudo sapinha!
“O povo dessa cidade cisma com esses trem de sapata, sapinha, bolacha... Eu hein!” -- pensou envergonhada -- Não é o que imagina... -- desviou o olhar -- São minhas colegas de República.
--E a Valentina... -- ficou estudando o rosto da outra -- É aquela jovem que foi assassinada, não é? -- esperava uma resposta -- Valentina Fragoso... reconheci o nome de imediato.
Estranhou aquilo. -- Por que? -- olhou para a outra -- Como sabe que minha amiga é a moça que foi...? -- não conseguia completar a frase -- Infelizmente muitas pessoas morrem assassinadas nessa cidade, por que fixou o nome dela?
--Minha mulher tá brigando pra investigar esse caso, que tá nas mãos de um colega dela. O cara não tá levando essa história muito a sério, sabe? -- esclareceu -- Isso cheira a homofobia e ela não aceita essas coisas. -- balançou a cabeça negativamente -- Definitivamente não!
“Ah, então é isso...” -- pensou surpreendida -- Smallah! -- exclamou apenas
--Tem um monte de coisas que eu quero te perguntar... -- pausou brevemente -- Por que tentou se matar? -- foi direto ao ponto -- Por que mataram uma pessoa especial pra você e sua namorada metida não aguentou a barra e te largou? -- especulou
--Choo?? (O que??) -- perguntou sem graça -- "Mas que diacho de mulher é essa que sabe tudo??” -- pensou em estado de choque
--Não tô te condenando, garota. -- esclareceu -- Só queria te entender. -- justificou-se -- Eu também vivi maus bocados na vida e sei o que é isso de tentar se matar. -- admitiu -- Antes de ter o relacionamento que vivo hoje, fui casada com uma mulher que me largou do nada e fiquei muito mal. Sei como é essa coisa... -- lembrava -- Eu era gamada nela e... -- fez um bico -- A gente nunca aceita levar um pé no rab*, né?
--Na verdade foi um misto de coisas... -- respondeu quase num sussurro
--Então desabafa, diz o que tá te perturbando! -- pediu -- Eu não vou contar pra ninguém, pode acreditar. -- prometeu -- É que me dói ver uma menina nova, cheia de vida, querendo cantar pra subir! -- gesticulou -- Ainda mais por causa de namorada! -- fez uma careta -- Desabafa, vai? -- insistiu
Zinara ficou pensando se deveria confiar naquela estranha, mas resolveu tentar. O que tinha a perder? Mirou um ponto no infinito e começou a falar: -- Minha história de vida é muito complicada... Sou nascida em Cedro, vi pessoas de usritii (minha família) morrendo na guerra e isso marca pra sempre... Depois veio o campo de refugiados e a vida não ficou melhor. A violência apenas se apresentou de outra forma... -- pausou brevemente -- Terra de Santa Cruz foi um presente de Allah, mas os problemas não se resolveram porque finalmente fugimos da Harb Ahliyya (Guerra Civil) e dos trabalhos forçados. -- fazia um resumo de sua vida -- Nunca me dei bem com baba, especialmente depois que saí da roça pra estudar na cidade grande... E ele já me expulsou de casa umas três vezes... -- seus olhos marejaram -- Youssef e Khaled morreram e eu não tenho mais ninguém que se importe comigo... Eles eram akhu... -- interrompeu a frase e não completou a palavra -- Eles eram meus irmãos. -- falou no idioma local
--Entendo como é isso. -- respondeu compreensiva -- Também fui expulsa de casa... -- pausou brevemente -- Apenas por ser lésbica! -- riu revoltada -- Absurdo... -- suspirou -- Sei o que é não ter com quem contar...
--Conheci o amor através de um anjo, minha Shamash, e fui praticamente casada com ela... Acreditei que seria pra toda vida... -- sorriu saudosa -- mas ela também se foi... -- derramou uma lágrima sentida -- Já faz três anos...
--Sinto muito. -- respondeu com sinceridade -- Por todas as suas perdas.
--Eu passei um bom tempo sem aparecer na roça, -- desabafava mais para si do que para a outra -- e tive coragem de voltar apenas por causa de Tina e Naila. Elas me convenceram a esquecer o passado e lá estava eu no final do ano 2000... -- passou a mão nos olhos -- Foi aí que conheci o maldito psiquiatra de Khaled. -- falava com nojo -- Zayy iz-zift Tabiib, xara Tabiib!! (Médico de lixo, médico de merd*!!) -- deu um soco na poltrona -- Ele e a maldita que enganava awlaadii (minha criança). -- pensava em Georgina -- Bint il-Homaar!! (Filha de um burro!)
--Imagino que isso aí deva ser um palavrão pesado! -- não entendia o que a jovem dizia
--Se eu não tivesse ficado tão longe, -- agiu como se não tivesse ouvido a enfermeira -- Khaled não teria sido tratado por aquele homem e não teria sofrido tanto... -- pausou para se conter e não chorar -- O tratamento começou no final de 98 e era uma coisa horrível! -- mordeu o lábio inferior e fechou os olhos -- Fiquei transtornada com o que vi e voltei pra cá sem saber o que fazer. -- respirou fundo e abriu os olhos -- Estudei os remédios que ele passava pra Khaled e fiquei horrorizada. Voltei em julho do ano passado e discuti com o médico... mas de nada adiantou...
--Conheço bem esses tarja preta que eles gostam de receitar! -- revirou os olhos
--Khaled continuou sendo drogado com aquelas tranqueiras e ainda tinha os eletrochoques... -- levantou-se com dificuldade -- Voltei pra roça pra passar as férias de fim de ano e depois de muito sofrimento e agonia... -- respirou fundo tentando não chorar -- awlaadii morreu louco... -- não conseguia não se emocionar -- E eu não estive do lado dele na maior parte do tempo... -- andou um pouco pela sala -- Como me arrependo... -- chorava contidamente -- Não sei porque Allah me poupou...
--E por que acha que sua presença teria evitado o sofrimento de seu irmão? Como poderia ter ajudado? -- olhava para a morena -- Garota, eu sou enfermeira e num caso desses, nem eu poderia ajudar! Faz ideia você, que nem é da área de saúde! -- tentava consolá-la
--Eu prometi que ficaria do lado dele, que não o abandonaria... -- passou a mão nos olhos -- Na minha terra, a palavra dada vale mais que qualquer documento assinado! -- sentia dor no pescoço e na cabeça -- Eu prometi, eu disse a vida inteira que: “Zinara fez ‘ala mawa’idi (Zinara cumpre com promessas)”... e não cumpri! -- sentou-se na beirada de uma mesa -- Ele não teria se tratado por três anos continuamente se eu estivesse lá pra impedir! -- argumentou
--Quando voltou da roça pra cá? -- cruzou os braços
--Dia 30 de dezembro. -- sentiu-se desconfortável e levantou novamente -- Depois de mais uma discussão terrível com baba. -- admitiu envergonhada
--Sinto muito que tenha sido assim, mas não há o que fazer. -- lamentou -- É bola pra frente e vida que segue, garota!
--Sempre há o que fazer quando a gente enxerga à tempo. -- retrucou -- Mas eu nunca enxergo e não faço o que deveria. Falhei com Khaled e falhei com Valentina!
--Por que? -- queria entender
--Ela disse que ia num evento político lá no Centro da cidade... -- encostou-se na parede -- Eu disse pra não ir, mas a bicha era tão custosa... -- lamentou -- Se eu tivesse ido com ela, quem sabe...? -- passou a mão na cabeça -- Eu não fiz as coisas certas e agora vivo assim: naadim! (cheia de arrependimentos!)
Fabiana gastou uns segundos apenas observando a moça até que perguntou: -- Valentina foi morta dia primeiro de fevereiro e você deu entrada aqui no dia 18. Foi aí que sua namorada...?
--Ela viajou no carnaval e não me disse nada. -- respondeu magoada -- Quando finalmente encontrei com ela naquele dia na faculdade, tava falando de uma outra garota lá. Eu ouvi muito bem... -- lembrava -- Percebi que o interesse dela já não era mais em mim. -- soluçou -- Perdi awlaadii (minha criança), praticamente não tenho mais cela (família), minha melhor amiga tá morta, minha namorada não me quer, não tenho ninguém... -- chorava -- Pra que viver? Eu sou uma peça que sobra nesse mundo de Allah... Uma peça sem serventia... -- cobriu o rosto com as mãos e chorou copiosamente
--Ah, não faz isso... -- levantou-se também e se aproximou -- Faz isso, não! -- conduziu a jovem para que se sentasse novamente -- Com esse chororô você vai sentir uma dor de cabeça desgraçada, o nariz vai ficar encatarrado e a dor no pescoço vai piorar, acredita em mim! -- ajoelhou-se diante dela -- Aí eu vou ter que met*r analgésico no teu lombo e vai ser pior, porque o estômago se fode e dá uma azia dos diabos!
--Ave Maria... -- soluçou
--Esse negócio de ficar com pena de si mesma é uma merd*, garota, sai dessa! Dá câncer e tudo! -- advertiu -- Tu quer, além de tudo, ficar com câncer sabe-se lá onde? -- gesticulou -- O intestino é quem mais sofre com essa porr* toda! Já imaginou ficar com câncer no cu?
--Smallah!! -- arregalou os olhos -- Eu não!
--Então pára de chorar e de ficar se martirizando! -- deu um tapa na coxa da outra -- Não existe isso de peça sobrando nesse mundo! -- afirmou enfaticamente -- Se você tá viva, minha filha, algum motivo tem! -- garantiu -- Além do mais, esquece aquela tua ex namorada besta, porque a sujeita é muito metida e você merece coisa melhor!
Acabou achando graça. -- Ai, ai...
--Não havia nada que você pudesse fazer pra salvar teu irmão, acredita em mim, sou enfermeira, sei do que tô falando! Também não poderia fazer nada por Valentina, porque esses psicopatas são foda! -- gesticulava -- Quanto à família, dê tempo ao tempo. -- aconselhou -- Eu acredito que um dia as coisas vão se resolver entre minha família e eu, a mesma coisa com você e a sua, mas se não se resolver, que vão tudo pra merd*!
Riu de novo. “Ela fala cada coisa!” -- pensou admirada
--Você chegou aqui toda fudida e ficou esses dias todos sem dar uma palavra, agora é hora de reagir! -- segurou uma das mãos da morena com delicadeza -- Você tá perdendo aula e sua profissão é o que vai garantir seu futuro! É ela que vai te dar o pão de cada dia, então se dedica! Afoga as mágoas no estudo, no esporte, na música, sei lá no que, mas ocupa o tempo, não fica ociosa pensando nessas merd*s! -- continuava aconselhando -- E se concentra também pra ajudar minha mulher a pegar o maldito que matou tua amiga! -- aproximou-se mais -- Você não quer vingança? -- perguntou em voz mais baixa -- Não quer ver o canalha na cadeia?
--Aywah! (Sim!) -- respondeu com fogo nos olhos
--Se minha Rosana pegar esse puto, ela vai fazer o diabo pra colocar ele na cadeia e os outros presos vão fazer com ele as mesmas coisas que ele gosta de fazer com as mulheres! -- afirmou entre dentes -- Não seria bem feito? O canalha pensa que vai sair ileso, mas Rosana tá doida pra descobrir quem ele é! Tá doida pra prender o maldito!
--Inshallah! (Se Deus quiser!) -- desejou vingativa
--Cê tá pra levar alta depois de amanhã, -- informou -- então posso pedir pra minha mulher vir aqui e te ajudar a voltar pra tua República. -- ofereceu -- Aí vocês conversam, ela também fala com as outras moças que vivem contigo, e juntas, quem sabe? Vai que vocês descobrem quem é o maldito e conseguem fazer justiça?
“O Amor salva, Kitaabii, dá novos objetivos, coragem e ânimo para continuar apesar de todas as dificuldades; hoje entendo isso mais que nunca. No entanto, também aprendi que o ódio pode funcionar como força motriz na vida de alguém. Infelizmente naquela época, totalmente cega pela dor, me vi refém do ódio e meu desejo de vingança transformou em prioridade a luta para colocar o assassino de Valentina na cadeia. Eu vivia firme naquele objetivo e, para me manter ocupada, estudava com uma dedicação absurda.
Estou falando de dois caminhos distintos, Kitaabii, duas possibilidades. O Amor é leve, engrandece e ilumina a alma. Já sobre o ódio, o rancor, a amargura, o que posso dizer? Eles cobram um preço muito alto... Não adianta tentar fugir. Os anos se passaram, busquei esquecer, mas recebi a conta. E paguei cada centavo sofrendo com um câncer que mudou tudo em minha vida.”
--Smallah! -- Haifa arregalou os olhos -- Então foi por isso que... -- deduzia tudo -- Está com maraD as-saraTaan (câncer)? Por isso voltou para Cedro!
--Por isso voltei, -- balançou a cabeça confirmando -- por sentir que meus últimos dias se aproximavam. -- segurou uma das mãos da mulher -- Mas o Amor me salvou mais uma vez! -- sorriu e pausou brevemente -- Levante a cabeça e siga em frente sem pensar em dar fim à própria vida! -- aconselhou -- Mas siga o caminho do amor, porque mesmo que não pareça, ele torna o fardo mais leve!
Haifa olhava admirada para a professora. -- Muitas vezes sou movida pelo ódio, devo confessar... Minha realidade me induz ao ódio por quase todo tempo... -- admitiu -- Wa arifo an zaman al haneen entaha wa matal kalam al jamilon! (E eu também sei que o tempo do amor acabou e que as palavras bonitas estão mortas!)
--O tempo do amor é sempre! -- retrucou -- Ele não tem fim!
Observava atentamente o rosto da morena. -- Como foi que o amor voltou para sua vida?
--Bem mais tarde... -- respondeu mansamente -- Mas o primeiro passo foi tirar o ódio do coração e isso aconteceu graças à palavra do Rabi. -- soltou a mão da outra -- A solidão me fez buscar consolo em Allah e no kardecismo mais uma vez, e foi assim que o fogo do ódio deixou de me consumir a alma. -- pausou brevemente -- Foi um processo gradual de auto conhecimento, amadurecimento e muito aprendizado.
--E como deixou de se sentir uma pessoa sem valor? E sua namorada? -- queria saber -- E o assassino? Ele foi preso? Conte-me o que houve, min fadlik (por favor)! Não conseguirei dormir sem saber! -- perguntou tudo de uma vez só
Achou graça da ansiedade dela. -- A delegada Rosana me levou para casa no dia em que recebi alta. E foi aí que nossa batalha conjunta começou... -- rememorava
CAPÍTULO 123 – Obsessão
--Então quer dizer que ninguém veio aqui conversar com vocês? -- Rosana perguntou horrorizada -- Não é possível que a polícia não tenha vindo ver o local onde a vítima residia! -- olhava para as moças com incredulidade
--Olha, dona delegada, vieram uns caras aí, mexeram nas coisas da Tina, tiraram uma pregada de foto, perguntaram quando foi a última vez que a gente viu ela e não passou disso! -- Aline esclareceu -- Eu tava até sozinha no apê e Ingrid tava lá embaixo pronta pra sair. -- lembrava
--Eu tava indo pro curso de Saxão, mas fiquei com medo de deixar Aline sozinha com aqueles cabra. -- Ingrid confirmou -- Todas as outras tavam na rua e depois do que aconteceu com a falecida não dava pra confiar minha amiga sozinha com homem desconhecido, né? -- olhava para Rosana -- Mesmo que fossem policiais.
--Hum... -- Rosana ouvia com atenção
--Quem recebeu a notícia da morte fui eu. -- Zinara falou -- Na verdade, eu e minha amiga Cláudia, que mora no alojamento da faculdade e faz medicina. -- a delegada olhou para a morena -- E nós duas fomos reconhecer o corpo. -- pausou brevemente -- Ya wail... (Que pena...)
--Sei disso. -- respondeu balançando a cabeça -- Mas ainda não tive acesso aos depoimentos de vocês e nem a quase nada relativo a esse caso. -- fez cara feia
--Cláudia não tinha contato com a finada há tempos e o que eu sei já lhe contei no caminho pra cá. -- ajeitou-se no sofá -- AHHa! -- sentiu dor e resmungou
--Valentina não era do tipo de ter inimigos, daí. -- Bruna comentou -- Ela era até muito popular e não à toa esse assassinato fez um baita alarde na mídia!
--Dotôra, nós encomendamo uma missa pra finada, não sabe? -- Clarismarry comentou -- Mas a gente sabe que a alma dela vai ficar penando até o traste que fez aquela maldade ser preso!
--Por piedade, delegada, prende esse mardito! -- Clarisnice pediu aflita -- Senão Valentina nunca vai pro Céu!
--A gente quer ver justiça ser feita, delegada! -- Paulinha tinha lágrima nos olhos -- Isso não pode ficar assim!
--Eu também quero! -- respondeu de pronto -- Meus colegas tão acreditando que o assassino é um maníaco que foi preso há pouco tempo, mas eu sei que não! -- afirmou enfática -- Minha intuição me diz!
--Também acho que o assassino tá solto por aí... -- Zinara falou pensativa -- Também sinto, ana a’arfa (eu sei)! -- ajeitou-se mais uma vez -- É como se a finada me dissesse... Mas ao mesmo tempo não tenho nem ideia de quem seria o amaldiçoado... -- aborreceu-se com a situação -- Tiizak Hamra, ya Hayawaan! Ralã! Inta ghaawiz iD-Darb bi-sittiin gazma!! (Seu rab* é vermelho, seu animal! Você merece ser chutado por 60 sapatos!!) -- exclamou como nojo e revolta
--Quando ela fala assim dá até medo... -- Rosa cochichou com Patrícia
--Vamos manter o contato. -- Rosana se levantou -- Zinara será meu ponto focal e qualquer coisa importante que aconteça ou que vocês se lembrem, me deixem saber através dela. -- pediu olhando para todas -- Vou continuar brigando pra pegar esse caso e lhes dou minha palavra que farei de tudo pra descobrir o culpado e colocá-lo na cadeia! -- prometeu com convicção
“Aquela delegada era a personificação de tudo que eu admirava numa pessoa corajosa e determinada, Kitaabii. Ela era pura honra e ostentava um distintivo na carteira por um ideal sincero; a corrupção não tinha espaço em seu espírito valoroso. Se houvessem mais Rosanas Alencar nesse país, tenho certeza de que tudo seria muito diferente.
Fiquei com muita pena quando soube, um ano mais tarde, que ela foi forçada a se aposentar depois de uma emboscada que sofreu. Aquela delegada incomodava e já queriam tirá-la de cena há tempos; faltava o pretexto.
Infelizmente perdi o contato com ela e Fabiana depois que fui estudar na Gália. Não sei como vivem hoje, mas espero que tenham conseguido adotar crianças e formar a família com a qual sempre sonharam. Se eu fosse Escritora da Vida, se isso existisse, abriria mão do livre arbítrio por licença poética e teria dado a elas um ‘final’ bem feliz. Talvez um dia, Kitaabii, se tiver tempo para isso, eu escreva uma história enorme, repleta de personagens marcantes e cheias de significado, ao menos para mim. E nesse meu sonho de controlar os destinos, darei a todas elas muitos dias melhores. Darei a todas elas um sopro de felicidade, como não as vi ter nesta vida que acompanhei...”
***
--Zinara? -- uma voz conhecida chamou
“É ela?” -- surpreendeu-se -- Naila? -- virou-se lentamente -- Ai. -- sentiu dor no pescoço -- Que faz aqui?
--Oi... -- aproximou-se receosa -- Soube que você foi pra casa anteontem. -- parou diante da morena -- Queria te ver...
--É. -- respondeu simplesmente
--Eu fui te ver no hospital. -- afirmou envergonhada -- Só que... não me sinto bem em hospitais e por isso não voltei mais... -- justificou-se -- Mas eu ligava todo dia! -- garantiu -- Tanto que soube que você voltou.
--Chukran. (Obrigada.) -- agradeceu secamente
--Imaginei que por essa hora você estaria voltando pra casa. Mesmo dodói você não iria deixar de estudar e trabalhar na sua iniciação científica. -- sorriu -- Posso te dar uma carona... -- ofereceu -- Você não tem mais bicicleta e viajar de ônibus não deve estar muito viável nessas condições... -- apontou o gesso e o colar
--Laa (Não), não é. -- admitiu sem saber o que fazer
--Vamos? -- pegou os livros que a morena segurava -- Acho que a gente também precisa conversar, né?
Zinara respirou fundo e concordou. -- Yaalah! (Vamos!)
***
--Por que fez aquilo, Zinara? -- perguntou ao desligar o carro -- Por que saiu correndo como louca naquela bicicleta e quase se matou numa das vias mais movimentadas da cidade? -- olhava para a outra -- Eu saí atrás de você, mas não fui capaz de te alcançar. Por que agiu daquele jeito? -- estava intrigada
--Fala como se eu não tivesse razão pra isso! -- sentou-se de lado para olhar para Naila -- Minha vida anda boa por demais da conta, né? -- ironizou -- É uma belezura que chega dói!
--Sei que a morte do seu irmão e de Valentina numa tacada só foi um baque muito forte, mas ainda assim não entendi. -- sentou-se de lado também -- Por que tá sendo debochada comigo? Você não é assim!
--Eu ouvi tudo, Naila! -- respondeu amargamente -- Sei que sua nova paixão é a tal da garota sobre quem conversava com tua colega naquele dia! -- acusou -- E não mente pra mim, porque notei muito bem a tua empolgação, não sabe? -- pausou brevemente -- Depois de tudo que me aconteceu, ainda teve a sua fuleiragem e você não sabe porque fiz o que fiz!
--Ah... -- tentava se lembrar do fato -- Mas... -- riu nervosamente -- Zinara, pelo amor de Deus! Você entendeu tudo errado! -- gesticulava -- A gente falava da novela nova e de uma atriz gostosona que apareceu na TV! -- olhava para a morena -- Foi isso, eu juro! -- falava com verdade -- Não tem ninguém mais na minha vida! -- garantiu -- Você foi precipitada e entendeu tudo errado.
“Confesso que fiquei em choque ao ouvir aquilo, Kitaabii. Parecia-me que ela dizia a verdade e de repente me senti uma completa idiota. Como podemos tomar atitudes tão extremas devido a um entendimento distorcido da verdade! Fiquei totalmente sem palavras.”
Após uns instantes de silêncio, Naila falou: -- Você é muito passional, Zinara, muito extremada... -- abaixou a cabeça e ficou brincando com o pano do vestido dela -- Gosto de você, mas é difícil namorar uma pessoa assim. -- olhou para ela novamente -- E a gente é tão diferente... Sei lá... -- sentou-se corretamente no banco do carro -- De uns tempos pra cá parece que a linha desconectou, sabe? -- pausou brevemente -- E depois desse lance que aconteceu...
--Já entendi, Naila. -- interrompeu-a -- Cada uma segue seu rumo e a vida continua. -- ajeitou-se para sair do carro
--Zinara... -- fechou os olhos
--Você foi importante na minha vida, reconheço isso. Te devo muito. -- pegou os livros -- Mas, como li uma vez... -- abriu a porta -- nada é pra sempre. -- saiu do carro
“Não olhei para trás, Kitaabii, não apenas por causa do colar que me restringia os movimentos, mas porque não queria prolongar mais sofrimento. Na verdade, sentia-me até um pouco anestesiada, pois já havia chorado o final do namoro por antecipação. Já havia me martirizado com a dor do luto, da perda e da solidão.
Ouvi quando ela ligou o carro e partiu. Depois daquele dia nunca mais a vi e confesso que senti saudades, porém não durou por muito tempo. Naila era minha busca desesperada por uma nova Shamash e eu sabia, embora me iludisse, que não a encontraria. Eu sabia o tempo inteiro...
Decidi que não me envolveria com ninguém mais, Kitaabii. O Amor já havia me visitado uma vez, só que ficou por pouco tempo. E sempre ouvi dizer que ele só vem uma vez... Allah devia ser muito ciumento, assim eu pensava, porque Ele sempre chama seus anjos de volta mais cedo. Quem mandou uma caipira pretensiosa desejar ter um destes anjos a seu lado por toda vida? Claro que não podia acontecer assim...
Oh, Shamash, Shamash, ana arifo an al wisola la einaiki wahmon… (Oh, Shamash, Shamash, eu sei que encontrar seus olhos é uma ilusão...)
Entrei no prédio e subi lentamente os degraus para o segundo andar. Não queria mais pensar em coisa alguma, não queria... Tinha que focar a mente e todas as forças para aquilo que se tornou minha prioridade: descobrir quem era o assassino de Valentina e me formar na faculdade.”
***
“--É aquela ali? Muito escrota mermo! -- um homem falou em voz alta
--Me mandou embora, cara! Disse que eu não trabalhava bem, que era abusado... -- outro respondia -- Sapata escrota! Pensa que é homem! -- falava com nojo -- Não sabe como odeio essa gente assim!
--Também não gosto, não! -- concordou com o colega
--Eu acho que essas mulé desse tipo tem mais é que tomar uma pica e depois morrer!
Zinara olhou espantada na direção das vozes e viu os dois homens que conversavam. Percebeu que era de Valentina que eles falavam.
--Tina, -- olhou para a amiga -- quem são aqueles homens ali no bar? Ói só! -- perguntou desconfiada -- Eles tão falando de você! -- comentou alarmada
--Quem? -- olhou na direção e reconheceu -- Ah, -- olhou para frente novamente -- o mulato eu não conheço, mas o outro foi nosso porteiro lá na República. -- explicou -- O cabra trabalhava mal, era relaxado e ainda faltou ao respeito com a garota que vivia com a gente no seu lugar, sabe como? -- contou a história -- Aí coloquei ele pra correr e nunca mais quisemos saber dessa porr* de contratar porteiro. Cada uma que cuide do que lhe compete, visse?
Continuavam caminhando para longe e por isso Zinara não ouvia mais o que diziam. -- Pois ele te odeia, uai! -- afirmou receosa -- E tá envenenando o outro contra você, viu, fi?
--Deixa pra lá! -- deu de ombros -- Tenho a consciência tranqüila! -- olhou para a morena -- Além do mais, cão que ladra não morde! -- piscou
Zinara não respondeu e olhou para trás mais uma vez.”
A jovem se agitava na cama num sono inquieto. O braço não estava mais engessado, mas o colar cervical ainda lhe restringia bastante.
“--Bah, mas eu fiquei desconfiada porque hoje foi o segundo dia que dei de cara com aquele sujeito que foi nosso porteiro, daí! -- Bruna comentou -- Fazia tempo que não via ele e, sinceramente, não gosto daquela figura! Sempre de cara feia... -- fez um bico -- O que tanto ele tem pra ver aqui perto? -- perguntou desconfiada
--Qual é Bruna? -- Aline não se importou -- A rua é pública e ele pode andar por onde quiser. O importante é que não venha incomodar aqui! -- deitou no sofá com um livro na mão
--Ele não gosta da Tina. E não gosta por demais da conta! -- Zinara comentou enfatizando -- Percebi isso um dia desses. -- olhava para as moças -- É um ódio que chega dói!
--Porque foi ela que dispensou ele. -- Bruna respondeu -- O bate boca foi feio, tinha que ver! -- lembrava -- E eles nunca se deram bem, pra dizer a verdade.
--Relaxa, galera! -- Aline olhou para as duas -- Tem anos que ele não trabalha aqui! Se tivesse que ter feito alguma coisa ruim, já teria feito. -- concluiu
--Depende... -- a morena respondeu -- Nunca ouviu dizer que a vingança é um prato que se come frio? -- passou a mão nos cabelos
--Foi-se o tempo! -- Aline discordou -- Hoje em dia, neguinho põe o prato pra esquentar no microondas porque ninguém quer mais esperar por nada! -- abriu o livro para ler”
E a agonia noturna de Zinara continuava.
“--porr*, não veio quase ninguém! -- Valentina resmungava sozinha -- Acho que eu vou é embora! -- deu meia volta e esbarrou em um homem -- Ih, foi mal! -- desculpou-se -- Você aqui?! -- reconheceu o sujeito
--Maldita!! Vou te dar uma lição, mulher macho! -- rosnou entre dentes ao golpeá-la na cabeça
--AHAHAHAH!!!! -- gritou agoniada"
--AHAHAHAHAH!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! -- Zinara acordou apavorada -- Ya wisix!! Ya 'aliil!! Yaatak dahya taxdak!! (Seu imoral, sujo!! Homem de família ruim!! Eu desejo que um desastre te aconteça!!) -- gritava para ninguém -- RuuH fi alf dahya!!! (Vá para milhares de infernos!!!) -- gesticulava furiosa
--Que foi, meu Deus?! -- Bruna veio correndo -- Que gritaria é essa, menina? -- perguntou apavorada
--Quer matar a gente do coração, porr*? -- Aline veio correndo também -- Que merd* é essa que você tá falando aí? -- não entendia
--Ibn ig-gazma!! (Filho de um sapato!!) -- a morena sentou-se na cama e passou a mão nos cabelos molhados de suor. -- Foi ele! -- disse para as amigas -- Foi ele! -- buscou se levantar -- Eu preciso avisar à delegada! -- afastou-se delas e caminhou até a porta
--Foi ele, quem? -- seguiu a morena -- Criatura, são três e meia da manhã! -- Bruna advertiu -- Isso não é hora de ligar pra delegada nenhuma! -- colocou-se no caminho da outra -- Parece até que ficaste louca! -- recriminou -- Tri louca!
--E vai avisar o que? -- Aline perguntou ao se aproximar -- Que você sonhou com o assassino? -- olhava preocupada para a amiga -- Zinara, você anda obcecada com isso! Deixa a polícia fazer o trabalho dela sozinha! -- aconselhou -- Vai acabar procurando problema!
--Foi ele! -- olhava para as jovens -- O porteiro que Valentina demitiu, uai! -- afirmou nervosamente -- Ele vinha rondando nossa República e naquela noite deve ter seguido Valentina o tempo todo até que abordou ela no Centro da cidade! -- seus olhos faiscavam de ódio -- Ele aproveitou que tinha pouca gente por perto, abordou ela na escuridão e fez o que fez! -- deu um soco na mão -- Bicho fuleiro!
As duas moças se entreolharam. -- Como pode saber disso? -- Aline perguntou intrigada
--Ele vinha rondando mesmo, porque eu lembro! -- Bruna concordou -- E quando falei isso, tu não deste valor! -- apontou para Aline
--Foi ele! -- seguiu para a sala -- E a finada veio me mostrar isso.
--Zinara... -- Aline seguiu a jovem novamente -- você tá me assustando!
--Deu até um arrepio, daí! -- Bruna abraçou-se consigo mesma
Pegou o telefone. -- A delegada disse que eu podia ligar pra ela a hora que fosse! -- discou o número -- Eu não tô maluca! -- esperava a outra atender -- Ana a’arfa! (Eu sei!)
--Alô? -- Rosana atendeu desconfiada
--Delegada, sou eu, Zinara! -- anunciou-se -- Desculpa o horário, mas eu não podia esperar, não, uai!
--Aconteceu alguma coisa? -- perguntou em alerta
--Acho que descobri quem matou a finada Valentina! -- afirmou de uma vez só -- Foi um bicho fuleiro que trabalhou aqui! Ela demitiu ele e o sem vergonha só deu tempo ao tempo pra vir fazer maldade! -- acusou -- Tenho a impressão de que o crime foi muito mais motivado por homofobia do que pela vingança por ter sido demitido.
--Tô indo praí! -- desligou o telefone
Aline e Bruna ficaram cheias de medo.
“A delegada Rosana me confidenciou que também teve um sonho estranho com a falecida e gastamos tempo conversando sobre como prosseguir com base nas informações que obtivemos. Usando de toda a sua experiência e valendo-se de insights surpreendentes, ela investigou a vida do ex porteiro, que se chamava Lúcio, e em pouco tempo ficou óbvio que ele era o assassino; porém, ainda faltavam provas contundentes. Ao mesmo tempo, em uma jogada muito astuciosa, Lúcio buscou apoio de um grupo atuante no movimento Consciência Negra e reverteu a situação em seu favor: ele era negro e alegou estar sendo vítima de racismo. Chegamos a sofrer retaliações na porta de casa, com gente nos xingando, pixando as paredes e jogando sujeira no quintal. Vivíamos em clima de medo e tensão e por conta disso, três meninas deixaram a República.
Esse estado de coisas durou por cerca de cinco meses, apesar de nossos esforços em tentar provar que não éramos racistas de forma alguma. Tudo mudou apenas depois que Sandro, o homem com quem ouvi Lúcio conversando no bar, prestou depoimento espontaneamente e afirmou que o colega prometeu que daria um “jeitinho” em Valentina. Sandro havia acabado de se converter em evangélico e achou por bem falar a verdade sobre todas as coisas. Isso aconteceu por volta de setembro. Graças àquele depoimento, Lúcio perdeu o apoio das pessoas do movimento negro e se viu encurralado. Os pais de Valentina aproveitaram a situação para fazer muito alarde sobre o caso, mas o assassino não foi preso. As evidências nunca eram fortes o suficiente e ele acabou ganhando o apoio de religiosos radicais.
Agoniada com tantos problemas, pensei em voltar para roça, mas não tive dinheiro ou estímulo. A última briga com baba havia sido muito feia e não quis arriscar. Desejava convidar usritii (minha família) para minha formatura, mas desisti. Tinha certeza de que eles não iriam... Acabei passando o natal com a família de Valentina, que me levou para Paraopeba, e foi minha primeira ida ao nordeste do país. Retornei de ônibus para São Sebastião no dia 28/12 porque precisava arrumar as coisas para viajar para Gália.
Aliás, devo dizer que minha dedicação aos estudos garantiu minha formatura em dezembro de 2002, apesar de todos os reveses porque passei. Em meio a toda correria, no meio daquele ano me inscrevi no mestrado e comecei a cursar as disciplinas junto com meu último período de graduação. Minha vida era só estudar, trabalhar e lutar para que Lúcio fosse preso. A obsessão era tamanha, que sequer conseguia me sentir cansada.
Ironicamente, Kitaabii, Lúcio morreu numa briga entre torcidas organizadas no dia de minha colação de grau... Ouvi a notícia no rádio do táxi que me levou até o Auditório Nobre da Universidade e fiquei pensando na efemeridade da vida. Acho que me senti como um cachorro que corre obcecadamente atrás da roda de um carro e quando o carro finalmente pára, fica sem saber o que fazer.”
--Acabou-se, querida! Só posso te dizer que sou grata por tudo, visse? -- Socorro agradecia à morena em um abraço apertado -- Agora todos nós precisamos dar um novo rumo a nossas vidas! -- olhou para Zinara -- E recomeçar, menina!
--Me agradece pelo que, ya Socorro? -- perguntou sem entender -- Eu não fiz nada... -- olhava para a mulher -- Quisera tivesse feito...
--Tu fizesse por minha filha tudo que eu não quis fazer! -- segurou o rosto da jovem -- Tu fosse amiga, companheira, desse bons conselhos, servisse de exemplo... -- sorriu com tristeza -- A última carta que ela me mandou falava muito bem de você. Como todas as outras desde que te conheceu, aliás. -- pausou brevemente -- Valentina pensou em se matar uma vez e só não fez isso por tua causa. -- revelou
--Choo?? (O que??) -- ficou estupefata -- Eu não sabia disso!
--Ela sofria muito com o preconceito... o preconceito da família... -- seus olhos marejaram -- O meu preconceito... -- confessou arrependida -- Ela se sentia uma guerreira solitária e tava a ponto de desistir quando tu entrasse na vida dela. -- contava -- Teu jeito simples, tua coragem em continuar seguindo em frente apesar de tudo, serviram de exemplo e incentivo pra ela de um jeito como você nem tem ideia, como nem poderia imaginar! -- derramou uma lágrima -- E quando tu mostrava o céu pra ela, era como se, repetindo as palavras de minha filha: “inundasse a vida de luz e esperança!” -- calou-se por uns instantes -- Já percebi que você se sente culpada pela morte dela, mas não se sinta mais! -- pediu -- Você deu muito pra Valentina! -- beijou o rosto de Zinara -- Você deu o Infinito! -- acariciou os cabelos da jovem -- Boa formatura, meu bem, e seja muito feliz! -- desejou -- Agora deixa eu ir pra me sentar no meio dos seus amigos. -- passou um lenço sobre os olhos e se afastou
“Meu coração bateu mais forte, Kitaabii. Fiquei sem palavras. O que ouvi da mãe de Valentina teve indescritível impacto sobre mim. Acho que foi o mais belo presente de formatura que alguém poderia ter me dado.
Levei muitos anos para entender o que ya Socorro quis dizer. Como se dá o Infinito para alguém? Ezzai? (Como pode?)
Depois de Clarice, e somente depois dela, eu entendi, Kitaabii. Eu entendi...”
***
Zinara finalizava seu discurso em nome de todos os formandos do curso de astronomia com ênfase em astrofísica. Apesar do número de alunos não ser muito grande, o auditório estava lotado e as pessoas ouviam suas palavras com muita atenção.
--E falando sobre a discriminação que nossa categoria de astrônomos e astrofísicos sofre, por sermos considerados por muitos como cientistas “inúteis”, -- fez aspas com os dedos -- queria falar um pouco mais sobre essa doença do pensamento que se chama preconceito. -- olhava para o público -- Essa doença que é capaz de destruir vidas, sonhos e perspectivas. Essa doença que por séculos condenou, e ainda condena, milhões de mulheres, de negros e de pessoas pobres a permanecer à margem da sociedade como se não tivessem o direito de ser. Essa doença que parece ter ficado mais grave, porque em plena era contemporânea, vemos pessoas apoiando assassinos de homossexuais! -- alguns aplaudiram -- Tive uma grande amiga, a quem devo muito, que não está aqui agora porque lhe foi negado o direito de ser, o direito de existir como pessoa, como mulher... E tudo porque ela era lésbica. -- pensava em Valentina -- E hoje, por uma dessas esquisitices do destino, soube que o assassino dela foi morto em uma briga entre torcidas organizadas. -- riu brevemente -- Nos últimos tempos, vinha sendo uma prioridade na minha vida ver esse sujeito na cadeia e depois que ouvi a notícia da morte dele no rádio, fiquei sem chão. Foi como se... não houvesse mais o que fazer ou pra onde ir. Foi como se tivesse assumido de vez o estigma de cientista inútil, de pessoa inútil... Às vezes, quando as pessoas que você ama vão embora, você se sente sobrando e pensa em desistir de tudo... -- lembrava dos amados que já haviam partido -- Mas então, basta um sorriso de simpatia, um abraço e palavras amigas, -- localizou a mãe de Valentina sentada no meio do público -- para que tudo mude... Incrivelmente mude! -- sorriu para a mulher -- A vida é sempre valiosa e nada acontece por acaso... -- seus olhos marejaram -- “Tudo tem um propósito, até as máquinas. Os relógios dizem as horas, os trens levam a lugares... Por isso as máquinas quebradas me deixam triste, não servem aos seus propósitos. Talvez seja assim com as pessoas. Perder o nosso propósito é como estar quebrado...” -- mirava um ponto no infinito -- "Imaginava que o mundo inteiro era uma grande máquina. As máquinas nunca vêm com peças sobressalentes, vêm sempre com a quantidade certa que precisam. Então entendi que se o mundo fosse uma grande máquina, eu não poderia ser uma peça sobressalente. Eu tinha que estar aqui por alguma razão...” -- olhou novamente para todos -- Todos nós estamos aqui por alguma razão! -- afirmou enfaticamente -- Que façamos dessa razão algo valioso pro mundo! Algo valioso pra nossas vidas! -- saudou a todos -- Fiquem com Deus! -- desceu do púlpito sob uma salva de palmas
(Nota da autora: as palavras entre aspas são da personagem Hugo Cabret, do filme "A invenção de Hugo Cabret" de Martin Scorsese)
--Você fez dessa razão pra permanecer viva algo muito valioso, meu amor... -- Clarice suspirou ao encerrar a leitura daquele capítulo -- Pra mim, principalmente...
--Menina, telefone pra você! -- Leda chamou -- Tá com o ouvido aonde que o bicho toca e você não atende, hein? -- ralhou com ela
--Calma, mamãe! -- levantou-se da cama e correu para a sala -- Eu tava entretida no computador!
--É a advogada! -- anunciou -- Acho que tem novidades pra você! -- sorria segurando o aparelho
--Ai, meu Deus! -- sentiu o coração acelerar ao pegar o telefone -- Alô!
--Todo mundo tem um babado forte... -- Cecília resmungou reparando na irmã -- menos eu...
--Olá, Clarice, é Jamila. -- respondeu do outro lado -- Tenho ótimas notícias pra você! -- estava animada -- Zinara tá a caminho de São Sebastião!
--Ai, gente! -- os olhos marejaram -- Ela tá voltando, ai meu Deus!! -- pulou de alegria -- Ela tá voltando!!!
--Quando?? -- Leda perguntou ansiosa -- Desembucha, menina!
--Zinara vem aí... -- Cecília continuava resmungando -- Raquel só vive nos blind date com o cigano dos peito cabeludo... -- suspirou -- E eu não tô pegando nada! -- reclamou
--Quando que ela chega, Jamila?? -- perguntou aflita e feliz ao mesmo tempo -- Fala, porque eu tô a ponto de desmaiar aqui!
--Amanhã às 8:30h. -- informou -- E se eu fosse você, iria recebê-la no aeroporto! -- aconselhou
--Ai, ela chega amanhã cedo, mamãe!!! -- derramou lágrimas de felicidade -- Às 8:30h!!! -- olhava para a idosa
--Graças a Deus!!! Obrigado, meu Pai! -- postou as mãos em agradecimento
--Olha só como mamãe aprova isso aí! -- Cecília falava consigo mesma -- Nunca foi assim comigo e meus amores! -- reconheceu enciumada
--Eu não sei nem o que dizer, Jamila! Vou morrer sem saber te agradecer por isso! -- estava muito emocionada -- Obrigada por tudo que você fez pra ajudá-la a voltar sã e salva! -- falava com muito sentimento -- Não sabe como fez muita gente feliz com essa atitude! -- passou a mão sobre os olhos -- Não sabe como me fez feliz!
--Vou ver se acho Amina no LivrodasFuça pra gente comemorar! -- a idosa foi caminhando para o quarto -- A roça deve tá pegando fogo! -- comentou divertida
--Não precisa me agradecer, Clarice. Devo muito a Zinara e precisava fazer isso. -- Jamila respondeu com sinceridade -- Também queria te deixar claro que ela ligava pra mim simplesmente porque não tinha autorização da ONG pra contatar outro número. -- esclareceu -- Somente por isso.
--Ah... -- lembrou de tudo que ouviu da mãe e de Magali -- Tudo bem... -- suspirou -- "Não faz diferença, não tô mais obcecada com isso!” -- pensou
--Sejam felizes, Clarice! -- desejou com o coração -- Durante o tempo que tiverem, seja quanto tempo for. -- pausou brevemente -- Hoje eu reconheço e aceito que vocês se pertencem... -- admitiu -- Sejam felizes!
--Obrigada! -- não sabia o que dizer -- Obrigada! -- sentia-se nas nuvens
--Olha só a comoção de Clarice! -- Cecília observava -- Enquanto isso, tô aqui sofrendo pelo desprezo daquele policial idiota! -- passou a mão nos cabelos -- E Raquel, hein? Onde andará? -- queria saber
--Você tem certeza, querida? -- Fagundes perguntava olhando nos olhos
--Não fala nada! -- cobriu os lábios dele suavemente com os dedos -- Por favor... -- pediu quase num sussurro
--Vem! -- puxou-a para um beijo ardentemente esperado
“Acho que fiquei louca...” -- Raquel pensava nos braços do policial
--Pai, minha mãe tá onde, hein? -- Deodoro perguntou curioso -- A gente ficou brincando na praça um tempão e ela nem veio!
--Tua mãe tá vendo umas parada aí, moleque. -- voltava da praça com o filho -- A grana anda rala, o bicho tá pegando, aí tem que se virá, né? Sabe cumé!
--Sei não. -- olhou para o pai
--Ah, mas num vai ficá bolado com esses lance! -- fez um carinho na cabeça do menino -- Tu ainda é muleque, num é pra isso! -- tentava distraí-lo -- "Raquel anda me dando uns perdido estranho que eu tô até boladão...” -- pensava desconfiado -- "Qual será a da parada? Ela nunca foi pro batente em dia de sábado!” -- coçou o queixo
CAPÍTULO 124 – Meus Maiores Tesouros
--Ai, mamii, é muita coisa boa prum período só! -- Aisha celebrava pulando como criança -- Ô trem bão por demais da conta, sô! -- brincava -- Zinara vai voltar pra gente e a fazenda é nossa!! -- fazia a mãe pular também -- Aha, uhu!!! Caipira é nossa, aha, uhu! -- cantava -- A fazenda é nossa, aha, uhu!!
--Ai, menina, chega de pular que já cansei! -- achava graça -- Tô quase tendo um treco de tanta felicidade! -- suspirou -- Ai!
--Nossa, mamii, eu nem acreditei quando ouvi ontem da boca dos advogado do homem que a fazenda era nossa de volta! -- pôs a mão sobre o coração -- E agora Jamila telefona pra dizer que Zinara chega amanhã!! -- sorria empolgada -- Gente, é tudo muito têúdêô: TU-DÔ! -- gesticulava -- Quando Janaína voltar da padaria vai ficar doida com mais essa notícia fodástica!!
--A roça deve tá uma loucura! -- riu brevemente -- Raed já deve tá combinando com Rafi a festança pra comemorar o retorno de Zinara! -- deduziu
--E vai todo mundo nessa festa, porque vai ser pra bombar! -- abraçou a mãe -- Tô tão feliz, mas tanto!!
Najla abraçou a filha com força e beijou a testa dela. -- Por Zinara eu tô muito feliz, --olhava para a outra -- pela fazenda, não sei...
--Mas por que?? -- não entendia -- Só por causa da pequena fortuna que a gente vai ter que pagar pra resolver a burocracia pendente? -- perguntou divertida -- Mamii, pensa na situação! O Ametista aceitou tudo que Jamila pediu! -- argumentou -- Ele saldou as dívidas pra gente! Pára pra pensar nisso!
--Não tem nada a ver com dinheiro, Aisha... -- afastou-se da filha -- Nem sei quanto essa coisa toda vai custar, mas não tô pensando nisso...
--É o Marco, né? -- deduziu -- Vai falar com ele, mamii! Resolver essa história de uma vez! -- aconselhou -- Janaína me disse que ele anda tão pra baixo...
--Não, Aisha, eu não vou! -- respondeu decidida -- Depois de seu pai, prometi a mim mesma que nunca mais correria atrás de homem algum! -- mirou um ponto no infinito -- Meus maiores tesouros estão comigo: você, Zinara, usritina (nossa família)... Se Marco não quer fazer parte disso por causa de um pequeno erro que cometi por causa da fazenda... -- suspirou -- que assim seja!
Aisha deu um suspiro profundo e nada respondeu.
CAPÍTULO 125 – Reencontro
Zinara desembarcava do avião após uma viagem que lhe pareceu eterna. Vinha com sua mochila nas costas e o coração cheio de desejos de felicidade.
“E cadê Zinara que não aparece, meu Deus?” -- Clarice pensava angustiada -- "Ah, mas quando aquela caipira chegar aqui eu vou dar-lhe uma bronca pra deixar de ser safada!” -- decidiu -- "Onde já se viu sumir desse jeito deixando todo mundo doido? E ainda demora pra sair do avião!”
“Minha Sahar!” -- a morena suspirava -- "Oh, Aba, como desejo encontrá-la!” -- pensava ansiosa -- "Será que ela veio me receber?”
Caminhando a seu lado pelo saguão do aeroporto, um rapaz ligou o celular e começou a ouvir música sem utilizar os fones.
https://www.youtube.com/watch?v=BPbCLtBl_g4
“Oh Lord, oh Lord, oh Lord, oh Lord,
Lord, Lord, Lord, Lord,
Oh Lord, oh Lord, oh Lord, oh Lord,
Lord, Lord, Lord, Lord…”
“Eu gosto dessa música!” -- a professora pensou ao sorrir -- "Tudo a ver!”
“Em algum lugar, pra relaxar,
Eu vou pedir pros anjos cantarem por mim,
Pra quem tem fé,
A vida nunca tem fim,
Não tem fim,
É!”
Clarice ouvia a mesma música tocando no tablet de uma jovem.
“Se você não aceita o conselho, te respeito,
Resolveu seguir, ir atrás, cara e coragem,
Só que você sai em desvantagem se você não tem fé,
Se você não tem fé...”
--Te mostro um trecho, uma passagem de um livro antigo, pra te provar e mostrar que a vida é linda! -- a astrônoma seguia cantando empolgada -- Dura, sofrida, carente em qualquer continente, mas boa de se viver em qualquer lugar... É! -- deu um soco no ar
“Volte a brilhar,
Volte a brilhar,
Um vinho, um pão e uma reza,
Uma lua e um sol, sua vida, portas abertas...”
“Vem pra mim, meu sol!” -- Clarice aguardava sem desviar os olhos do portão de desembarque -- "Vem brilhar pra mim!”
--Em algum lugar, pra relaxar, eu vou pedir pros anjos cantarem por mim... -- a morena continuava cantando alegremente -- Pra quem tem fé, a vida nunca tem fim, -- sentia-se feliz -- não tem fim!
“Em algum lugar, pra relaxar,
Eu vou pedir pros anjos cantarem por mim,
Pra quem tem fé,
A vida nunca teeeem,
Fim...”
Sem necessidade de esperar por malas, Zinara foi a primeira passageira a cruzar o portão de desembarque. Perdeu a fala ao encontrar os olhos do seu Amanhecer. -- Sahar... -- paralisou no meio do caminho
--Oh! -- Clarice cobriu os lábios com uma das mãos e sentiu o coração acelerar -- Meu amor... -- não conseguia sair do lugar
“Oh Lord, oh Lord, oh Lord, oh Lord,
Lord, Lord, Lord, Lord,
Oh Lord, oh Lord, oh Lord, oh Lord,
Lord, Lord, Lord, Lord…”
“Naquele momento, Kitaabii, o tempo parou...”
“Te mostro um trecho, uma passagem de um livro antigo,
Pra te provar e mostrar que a vida é linda!
Dura, sofrida, carente em qualquer continente,
Mas boa de se viver em qualquer lugar...”
“A vida, Kitaabii, é mesmo linda! Como explicar a alegria de reencontrar meu grande amor depois de tudo? Depois da escuridão, ao alvorecer...”
“Podem até gritar, gritar,
Podem até barulho, então, fazer,
Ninguém vai te escutar se não tem fé,
Ninguém mais vai te ver...”
--Sahar... -- foi até ela, jogou a mochila no chão e a abraçou com força -- Sahar... -- fechou os olhos emocionada
--Meu amor... -- fechou os olhos também e se perdeu naquele abraço
“Deus nos velava, Kitaabii! Ele abençoou aquele encontro!”
“Inclinar,
Seu olhar,
Sobre nós e
Cuidar,
Inclinar,
Seu olhar,
Sobre nós e
Cuidar...”
--Behebbik ya (Eu te amo), meu amor! -- declarou-se emocionada -- Senti tanto a sua falta, Zinara! -- tinha os olhos marejados
Beijou a testa dela e segurou-lhe o rosto com todo carinho. -- Ana fy knt, wknt fy ly wAllah fyna... (Eu em você, você em mim e Deus em nós) -- sussurrou a frase delas -- Behebbik ya, Sahar... -- beijou o rosto da namorada repetidas vezes
“Pra você pode ser,
Em algum lugar, pra relaxar,
Pra você pode ser,
Eu vou pedir pros anjos cantarem por mim,
Pra você pode ser,
Pra quem tem fé,
Pra você pode ser,
A vida nunca tem fim,
Não tem fim...”
--Zinara... -- chorava de felicidade -- Pedi tanto a Deus que te trouxesse pra mim... -- acariciava os cabelos da amada -- Parece um milagre que você tá aqui...
“Pra você pode ser,
Pode ser,
Pra você pode ser...”
“Eu olhava para aqueles olhos lindos e não tinha palavras, Kitaabii. Não tinha... Palavras... acho que não precisava delas naquele momento... Eu queria apenas sentir aquele amor que me parecia nunca ter fim.”
“Nunca tem fim,
Nunca tem fim...”
--Sahar... -- não resistiu e beijou-a nos lábios sem pensar em mais nada
--Aêêê!!! -- uns jovens brincalhões bateram palmas
“Onde estava aquela Zinara sempre receosa de ser ‘descoberta’, Kitaabii? Beijei meu amor na frente de todos e nem me importei com o que pudesse acontecer depois. Eu não queria nem saber... O mundo éramos somente ela e eu.”
--Nossa, o que foi isso? -- a paleoceanógrafa perguntou quase sem ar quando o beijo terminou -- Meu Deus... -- sorria
--Estamos vivas, Sahar... -- afirmou olhando nos olhos -- Estamos juntas novamente!
“Nunca tem fim,
Nunca tem fim...”
--Ai... -- suspirou apaixonada -- Pega essa mochila e vamos embora! -- pediu -- Coloca ali e vamos embora! -- apontou para o carrinho de bagagens
--Aywah! (Sim!) -- fez o que lhe foi pedido -- Você manda! -- começou a empurrar o carrinho em direção ao elevador -- Já sei que seu taxista nos aguarda lá em cima, no embarque! -- piscou
--Você tá tão diferente, parece... -- reparava na namorada -- Por que fez tantas loucuras, hein, sua caipira safada? -- deu-lhe um tapinha no ombro -- Deixou todo mundo desesperado!
--Eu tinha pouco tempo, Sahar... -- entraram no elevador -- Precisava me despedir de minha terra natal fazendo uma caminhada emblemática pra mim. -- justificou-se
--E podia ter morrido! -- ralhou de cara feia -- Eu quase morri, sabia? Só que de desgosto! -- dramatizou
--Mas não morreu! -- saíram do elevador -- E tá mais gostosa do que nunca! -- sussurrou no ouvido da amante
--Zinara! -- arregalou os olhos e corou -- Você voltou com um fogo! -- reclamou dengosamente -- Eu hein? -- saíram do aeroporto e pararam perto da porta aguardando o taxista
--Em algum lugar, pra relaxar, eu vou pedir pros anjos cantarem por mim... -- cantarolou no ouvido da outra -- Pra quem tem, tem fé, fé, fé, a vida nunca tem fim... -- beijou-lhe o rosto -- Tenho fé, tenho vida e reencontrei meu anjo! Como não ter fogo?
Sentiu as bochechas arderem. -- Engraçado que eu tava ouvindo essa música antes de você chegar... -- sorriu
--O nome disso é sincronicidade... -- beijou a testa da paleoceanógrafa -- Não brigue comigo pelo que fiz, Sahar. Não brigue, min fadlik (por favor)! -- pediu delicadamente -- Eu corria contra o tempo e fiz o que achava que precisava fazer. -- olhava nos olhos de seu grande amor -- Finalmente amanheci! -- sorria -- E voltei pra amanhecer do seu lado por todos os dias da minha vida! -- afirmou com intensidade
“Pra você pode ser...”
--Ai... -- mordeu o lábio inferior
“Pra você pode ser...”
--Eu corria contra o tempo, porque sentia que ele me faltava dia a dia, mas no final... -- tocou o rosto dela -- Percebi que tempo é uma coisa muito relativa... -- parecia presa no olhar de Clarice -- Do seu lado, parecia que ele se dilatava...
“Em algum lugar,
Pra relaxar...”
--Zinara... -- tocou o rosto dela também
“Eu vou pedir pros anjos cantarem por mim...”
--Você me deu o infinito, Sahar! -- afirmou com ênfase -- E eu voltei pra te dar não menos que isso! -- acariciava o rosto da namorada -- Você me fez amanhecer e eu quero fazer o sol brilhar no seu coração por todo o infinito que me pertencer!
“Pra quem tem fé,
A vida nunca tem fim...”
“Gente, ela quer me matar do coração nesse aeroporto!” -- pensou emocionada
--Enti habibi ilaalbi, enti naseeb ilgalbi! (Você é o amor do meu coração, você é o destino do meu sentimento!) -- olhava nos olhos
--Ai, Zinara... -- derretia-se -- Não me deixa louca desse jeito... -- segurou-a pelos braços da blusa -- A gente ainda tem que sair daqui e pegar o táxi pra minha casa!
“Pra quem tem fé,
A vida nunca tem fim...”
--Não consigo pensar em outra coisa senão em querer bousa ala shafayef (beijo nos lábios)! -- sussurrou com voz gutural
“E quem disse que a bousa aguenta?” -- não resistiu e jogou-se nos braços de seu amor, beijando-a nos lábios com paixão e entrega
“Pra quem tem fé,
A vida nunca tem fim...”
O Rappa – Anjos [a]
--O mundo tá perdido! -- uma senhora de religião resmungava reparando nas duas -- Agora se pede a bousa alheia na televisão, na rua, em aeroporto, em tudo que é canto! -- fez um bico -- Tá amarrado, Senhor! Queima essa perdição! -- desconjurou
Zinara e Clarice perdiam-se em um beijo intenso, cheio de carinho, saudades e promessas silenciosas. Estavam confiantes que mais uma batalha havia sido ganha. Sabiam que, acontecesse o que fosse, a vida e o amor que as unia, nunca teria fim.
“Parecia um sonho, Kitaabii, eu mal podia acreditar, mas estava de volta... De volta para a vida, de volta para tudo que pensei que deixaria para trás... Eu me sentia fora do mundo, além do espaço-tempo, em outra dimensão... Eu me sentia plena!
Sim, Farida, fiz exatamente o que você me pediu: voltei para a pátria que me acolheu e, com Sahar, amanheci...
E dessa vez para nunca mais escurecer! Nunca mais!”
Fim do capítulo
Música do Capítulo:
[a] Os Anjos. Intérprete: O Rappa. Compositor: Falcão / Sabóia. In: Nunca Tem Fim… . Intérprete: O Rappa. Warner Music Brasil, 2013. 1 CD, faixa 6 (6min59)
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Samirao
Em: 10/10/2023
Clarice é tão chatinha... não engulo?
Solitudine
Em: 11/11/2023
Autora da história
kkkkkkkkkkkkk
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Seyyed
Em: 24/09/2022
Cararra fiquei sem luz e sem Internet desde que terminei de comentar tua história nova ! Chega de onda e vamos a vaca fria capítulo que começa com pessoal tudo animado com notícias da Zinara enquanto Clarice fica perdendo tempo com drama. Não disse?? E Raquel hein? Sei lá . E ela come puta merda! Haha
Essas lembranças do passado, a morte do Viegas, Hassan e as ideias perdidas na mente tudo muito foda como sempre. E..
E...
E...
Zi voltou!!! Prepara a blusa Clarice porque a curnicha não vai ter sossego! Hahaha
Resposta do autor:
Boa noite ou boa madrugada!
Ficar sem luz é muito ruim! Uma vez até minha geladeira se danou e tive que consertar por causa disso: pico de energia.
Clarice é muito insegura, como venho dizendo e você notou. A insegurança é capaz de atrapalhar muita coisa em um relacionamento.
Raquel está se embananando toda. E nisso, ela come com fé! kkk
Obrigada pelos elogios!
kkkkkkk Clarice e sua bousa estão sempre preparadas! kkkkkk
Beijos,
Sol
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Zaha
Em: 20/01/2018
Eu aqui, lendo esse capítulo mais uma vez. Não queria escrever nada pq gostei do q escrevi da outra vez, mas assim como vc, agora, não mais na escuridão, o capítulo anterior e parte desse, principalmente o final e as lembranças de Zinara, chegou forte no meu coração, com MT sentido...que vontade de chorar...que vontade.... infelizmente não posso agora! Ao menos agora já posso controlar minhas lágrimas...rs
Essas frases bonitas...e eu entendi algumas frases sem ler a tradução..achei engraçado que no idioma árabe n tem o verbo ser. ..
Eu alta, eu bonita, eu cansada..kkkkkk. sefosse traduzir ao pé da letra ,enfim!!!
Amo a parte que fala de Valentina....Lindo!!????
Espero que Vc lembre do meu comentário no Les, infelizmente, debido a uma manutenção no site, se apagaram.. acho q foi isso...
Beijo na testa!
Resposta do autor:
Olá queridíssima!
Sua imersão no conto me deixa tão feliz como não sei dizer. Espero que a emoção que te induz ao choro te traga coisas boas, pois é o que mais desejo.
Sim, não existe verbo ser.
As Vantinas, quando surgem, são sempre muito marcantes.
Eu vou te confessar que não dei conta dos comentários, dos sites e de coisa alguma. Perdoe-me por isso!
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Gabi2020
Em: 24/05/2020
Fiquei curiosa, com quem a Claudia parece? Kkkkkk...
Aí aí Sol, minha querida amiga mais fofa!!
Beijossss
Resposta do autor:
Bom dia!
Ah, você não conhece. É uma amiga lá de Paulicéia. Lugar do qual você também nunca ouviu falar. rs
Boa semana e tudo de ótimo para você.
Beijos,
Sol
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Gabi2020
Em: 22/05/2020
Olá Sol!
Entendo o lado da Najla, ela passou poucas e boas com o ex-marido, porém acho que logo que começaram a namorar, ela devia ter contato para o Marco, a situação ficou chata.
O melhor da volta de Zinara são as reações!! Khadija tão especial, tão linda... Fofinha!
Clarice fez um escândalo tanto no sumiço, quanto no desaparecimento... Calma Sahar, a caipira tem uma explicação.
Dona Leda tentando explicar e a cabeça dura não quer entender, aliás dona Leda e a sina com suas filhas!! Cecília correndo atrás do Serra... Kkkkkk...
Raquel e o homem do peito cabeludo... Já era ogro, já era!
"Mas que mulheres são essas?” -- pensava abestalhado -- “Uma é tarada e a outra faminta...”... Resumiu bem.
“-Caipira miserável! -- levantou-se revoltada -- Ah, mas eu tenho tanta vontade de dar uns tabefes no rabo daquela criatura! -- gesticulava -- Só faz merda, nunca vi! – reclamou”... Compartilho da mesma opinião, ô caipira que apronta!!!
Chega a ser estranho ver Claudia e Jamila conversando de forma civilizada... Evolução!
Crianças podem e muitas vezes são cruéis, o que fizera com Hassan é apenas um exemplo do que elas são capazes, que pena!
Triste fim de Viegas.
Ô seu Marco que difícil né? Tadinho do homem do créu.
Clarice às vezes é tão lesa, ainda bem que Magali deu uma situada nela.
Valentina, mais uma vítima do preconceito, do ser diferente dos padrões... Valentina foi uma grande mulher!
Zinara é aquela pessoa que é impossível não gostar (apesar das caipirices... Kkkkk), sabe o real significado da palavra amizade.
Lindo o reencontro de Zinara com sua Sahar!
Beijos querida!
Resposta do autor:
Gabinha!
No caso de camma Najla e Marco faltou o de sempre: diálogo. Eis o grande problema de muitos relacionamentos.
Sabe que às vezes Claudia me lembra alguém? Uma amiga assim, de Paulicéia? kkk
Sim, crianças podem ser muito crueis. O problema é que muitos pais não as orientam, pelo contrário, estimulam suas falhas. Aí depois vemos o que não falta por aí: pequenos tiranos.
Viegas teve que colher o que semeou. Inevitável.
Valentina foi vítima da homofobia que faz tantas atrocidades neste país. E o governo é um reflexo disso.
Eu sei que você adora ser amiga de uma caipira, por isso gosta tanto de Zinara. rs
Beijos,
Sol
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Endless
Em: 20/01/2018
Jasin, este comentário não é só pra falar de como é magnífico o que escreves, nem das emoções, das mais infimas as mais libertadoras que senti lendo você. Este comentário vai mais longe. Ele tem que retratar o valor que sua escrita teve e tem para mim. Tudo começou com Sob O Encanto De Maia. Ainda continuo batendo cabeça, mas estou tentando me colocar no caminho e isso, pode acreditar, é uma grande vitória pra mim. Procuro agora, aqui, escrevendo pra você, soltar toda empatia, lhe dar apoio e, mesmo que não adiante, guardar a cumplicidade de quem entende e tenta aceitar as coisas como têm que ser e sempre acreditar no melhor. Só te digo mais uma coisa: mesmo que não termine o Tao, em mim, ele já está eternizado e completo naquilo que absorvi e ainda absorvo dele. No mais, te desejo boa sorte. Paz e entendimento sempre.
Resposta do autor:
Olá queridíssima!!
Eu só tenho a agradecer pelo comentário lindo e cheio de carinho e te dizer que me deixa extremamente orgulhosa e feliz. É o tipo de coisa que me dá forças para me virar em mil e buscar continuar escrevendo, além de acreditar que tudo valeu a pena.
Posso não ser um sucesso no grupo de escritoras do site (e de qualquer site) mas estes retornos de vocês me fazem me sentir nas nuvens. Não por orgulho, mas pela sensação de dever cumprido.
Obrigada!
Sol
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Sem cadastro
Em: 20/01/2018
Eu aqui, lendo esse capítulo mais uma vez. Não queria escrever nada pq gostei do q escrevi da outra vez, mas assim como vc, agora, não mais na escuridão, o capítulo anterior e parte desse, principalmente o final e as lembranças de Zinara, chegou forte no meu coração, com MT sentido...que vontade de chorar...que vontade.... infelizmente não posso agora! Ao menos agora já posso controlar minhas lágrimas...rs
Essas frases bonitas...e eu entendi algumas frases sem ler a tradução..achei engraçado que no idioma árabe n tem o verbo ser. ..
Eu alta, eu bonita, eu cansada..kkkkkk. sefosse traduzir ao pé da letra ,enfim!!!
Amo a parte que fala de Valentina....Lindo!!????
Espero que Vc lembre do meu comentário no Les, infelizmente, debido a uma manutenção no site, se apagaram.. acho q foi isso...
Beijo na testa!
Resposta do autor:
Olá queridíssima!
Sua imersão no conto me deixa tão feliz como não sei dizer. Espero que a emoção que te induz ao choro te traga coisas boas, pois é o que mais desejo.
Sim, não existe verbo ser.
As Vantinas, quando surgem, são sempre muito marcantes.
Eu vou te confessar que não dei conta dos comentários, dos sites e de coisa alguma. Perdoe-me por isso!
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Solitudine Em: 11/11/2023 Autora da história
Quisera! Hoje em dia essas caipiras só trabalham, isso sim! rs