PROCURA-SE UMA CAIPIRA
CAPÍTULO 116 – Novos Tempos
Grilos cricrilavam animadamente dentro do mato fazendo com que a morena despertasse desconfiada. “Uai? Será que tem grilo no Além?” -- pensou ao abrir os olhos
Sentou-se cuidadosamente olhando em todas as direções. Percebeu a calça rasgada na altura do joelho e avistou a mochila e a lanterna de cabeça largadas no chão.
“Será que foi tudo um sonho?” -- perguntou-se -- "Ezzai? (Como pode?)” -- coçou a cabeça -- “Dormi ao relento, sem barraca, sem nada?” -- estranhava
Sentia-se bem como há muito tempo não se lembrava. Mirou o horizonte, percebendo que o sol acabava de se levantar e sorriu agradecida. -- Mais um dia... -- olhou para o céu -- Allahu Akbar! Akbar, akbar! (Deus é grande! Grande, grande!) -- suspirou -- Não pode ter sido um sonho... Eu ganhei uma chance! -- ajoelhou-se -- Allah me permitiu viver novos tempos na minha vida! -- postou a testa no chão em reverência -- Agradeço a Ti, oh, Aba! Agradeço a Ti! -- orou com fervor
Terminado o momento de oração, buscou na mochila o pouco de água que recolheu em uma nascente e alguns mantimentos que lhe sobraram para o desjejum. Após arrumar tudo, limpou as mãos com lenços umedecidos e começou a comer.
“Nunca um lanche de montanha me pareceu tão saboroso!” -- pensou satisfeita
Guardou o lixo em um saco plástico, recompôs a mochila e se levantou. Era momento de tomar novas decisões.
--A guerra se espalha pelo sul e pode realmente ser perigoso seguir em frente. -- lembrava das advertências do guia -- Se voltar pelo mesmo caminho de onde vim, vou gastar mais tempo e meus mantimentos acabarão antes da caminhada... -- considerava -- Bem, se já cheguei até aqui, não tem porque temer a falta de comida. Sempre se encontra um jeito. -- falava consigo mesma -- Como disse Farida, é hora de amanhecer! -- respirou fundo -- Yaalah, Zinara! (Vamos, Zinara!) -- iniciou o caminho de volta
***
Ahmed chega de mala e cuia na casa dos pais. Entrou apressadamente pela porta da cozinha surpreendendo a mãe, que terminava de fazer o almoço.
--A bênça, maama! -- pediu ofegante -- Eita, qui os trem tão pesadu! -- colocou suas coisas no chão
--Oxi, mais o qui é issu? -- Amina perguntou chocada -- Pur que ocê tá chegandu aqui cum essis trem tudu? -- reparava nos pertences do rapaz -- Cadê Ahmed Mateus? Cadê tua muié? -- estranhava
--O mininu ficô cum a maama deli! -- olhava para a mãe -- Catiúcia ficô im casa. -- pausou brevemente -- E eu vim modi ficá aqui, num sabi?
--Ficá aqui?! -- arregalou os olhos
--Quê qui tá acunticendu? -- Raed acabava de entrar na cozinha -- Tava nu roçadu labutandu e ti vi chegá na carroça di Firmino trazendu mala e cuia! -- deixou o enxadeco no canto da porta e tirou o chapéu -- Quê qui foi? -- cruzou os braços e olhou para o filho -- Cadê tua muié e teu fio?
--Eu saí di casa, baba! -- respondeu de pronto
--Qui cunversa é essa, mininu? -- o homem perguntou em choque
--Eli dissi qui veiu pra morá mais nóis! -- Amina complementou
--AHHa! -- Raed arregalou os olhos
--É o fim do casamentu, baba! -- afirmou resoluto -- Catiúcia num é a muié da minha vida! Nunca foi! -- gesticulou
--Mais ispia pra issu! -- Amina ralhou de cara feia -- Ispia pra issu! -- foi até ele e deu-lhe um tapa na cabeça -- Mar casô e já qué si separá! -- deu outro tapa -- Ô, bichu besta! -- ralhou
--Ai, maama! -- correu para trás da mesa -- Bati não! -- pediu -- Mão pesada, uai! -- reclamou
--Pur que essas coisa agora, mininu? -- perguntou revoltada -- Essis fio meu só mi dão consumição na minha vida, meu Pai! -- lamentou -- É uma pistinga dus infernu! -- gesticulou enfurecida
--Muié, -- Raed olhou para ela -- dêxi eu prosiá mais Ahmed lá fora. -- olhou para o filho -- É hora di nóis tê um prosiadu di homi pra homi! -- ajeitou as calças -- Prosa di machu!
--Eita! -- Ahmed engoliu em seco
--Vem cumigu, mininu! -- andou até a porta -- Agora é nóis! -- saiu da casa
“Pur que eu tô sintindu qui essa prosa vai acabá mar?” -- pensou temeroso
***
--Agora ocê vai mi dizê, oiandu nus meu zóio, purque essa dicisão di si separá di tua muié! -- exigiu -- Sem mintira e sem arrudiá, purque im prosiadu di homi num tem trololó nem inrolação, num sabi?
--Uai... -- esfregou as mãos -- Catiúcia num é a muié da minha vida, baba... -- olhava receoso para o pai
--Possu sabê pur que? -- cruzou os braços
--Uai... -- pausou brevemente -- Nessi trabaio qui eu tô fazendu... -- esfregava o pé no chão -- cunhici uma minina... -- olhou para baixo -- bunita, jeitosa, interessanti...
--Num mi diga qui ocê já si inrabichô cum ela? -- Raed interrompeu de cara feia
--Não! -- respondeu de pronto sem olhar para o pai -- Ela dissi qui só ficava cumigu si eu mi separassi...
--E foi pur issu qui ocê largô tua muié e teu mininu?
--Eu num larguei meu mininu, não, uai! Nunca qui vô largá Ahmed Mateus! -- protestou e levantou a cabeça -- Só qui si Ahmed João já tá morandu aqui, mais o sinhô e maama, intonci eu vô vivê mais eli! -- justificava-se -- Larguei foi Catiúcia...
--Pur causu di um rabu di saia qui ocê logu vai si injuá! -- argumentou
--O sinhô qui tá dizendu issu! -- respondeu em voz mais alta e calou-se por uns instantes -- Ô tarveiz seji issu mêis! -- acabou concordando -- Tarveiz eu num seji homi pra mi prendê cum uma muié só!
--Pensassi nissu antis di fazê quatru mininu! -- gesticulou revoltado -- Sujeitu homi num põe fio nu mundu pra ficá trocandu di muié sempri qui cisma!
--Ah, baba, num mi venha cum essas lição! -- fez um gesto contrariado e andou um pouco -- Duvidu qui o sinhô nunca tenha oiadu pra ôtra muié além di maama! Duvidu qui nunca tenha quiridu si deitá cum ôtra! -- olhava para ele -- Issu é naturar, é du bichu homi! -- passou a mão na cabeça -- Si o sinhô nunca si inrabichô cum ôtra muié foi só purque si sigurô! -- afirmou de cara feia
--Si num mi inrabichei, -- aproximou-se do rapaz -- foi purque tivi honra e respeitu pela famia! -- olhava nos olhos -- Respeitu qui tua maama também sempri tevi! -- falava com muita seriedade -- E qui ocê num tem purque eu num sôbi ti insiná a tê! -- começou a desafivelar o cinto -- Mais agora eu vô fazê issu! -- estava furioso -- Já dexei passá tempu pur dimais da conta!
--Qui é issu, baba? -- arregalou os olhos
--Eu vô ti dá a sova qui nunca dei, -- empunhou o cinto -- e dispois ocê vai vortá pra tua casa modi ficá cum tua muié e teu mininu! -- falava entre dentes -- Purque aqui mais nóis ocê num fica, não! -- começou a bater
Ahmed tentou fugir mas tropeçou e caiu no chão. -- Não, baba, não!!! -- protegia-se cobrindo a cabeça com os braços -- Não!!!
--Ocê vai dexá di sê discaradu e vortá pra tua muié! -- batia -- Vai tê respunsabilidadi cum teus fio tudu e aprendê a sê sujeitu homi! -- tome de bater
--Pára, baba! -- rastejava no chão tentando fugir -- Pára! -- sofria com a dor dos golpes
--Eu demorei muitu pra ti colocá na linha, mininu! -- não parava de bater -- Mais agora chega di tanta pôca vergonha!
--Ma hatha?! (O que é isso?!) -- Najla correu para fora de casa e se chocou com a cena -- Raed, pára de bater nele!! -- pediu apavorada -- Daqui a pouco Ahmed João tá chegando aí! -- estava aflita -- Uma criança não pode ver o próprio baba apanhando desse jeito!
--É muita humiação, baba! -- os olhos marejaram -- Pára, pur favô! -- implorava
--Bichu abusadu apanha pur sê safadu! -- não dava tréguas
Amina também foi para o quintal e parou calmamente ao lado da cunhada. Secou as mãos no avental como se nada estivesse acontecendo.
--Mulher, pelo amor do Pai, faz alguma coisa! -- Najla pediu agoniada -- Olha como Raed tá batendo no seu filho! -- olhava para ela
--E demorô muitu a dá essa sova neli. -- respondeu sem se incomodar -- O tempu das istripulia dessi mininu si acabô. -- acompanhava os movimentos do filho
--Maama, mi ajuda, pur favô! -- rastejava em direção a ela -- Mi ajuda... -- começou a chorar -- Mi ajuda...
--Tá di bão tamanhu, homi! -- falou para o marido -- Tá di bão tamanhu.
--Maama... -- chorava
--Sorti a tua qui Amina tem coração moli! -- Raed afirmou ao dar a última cintada no lombo do filho -- Apanhô foi pôco!
--Maama... -- olhava para ela -- Eu tô machucadu, ardidu... -- queria comovê-la -- Mi ajuda, maama... -- continuava chorando
--Ocê vai vortá pra tua casa nu mesmu pé qui veiu. -- Amina falou seriamente -- E vai isquecê di veiz dessa história di largá a muié. Tá na hora di tumá jeitu di genti!
--Maama... -- sentou-se com dificuldade -- Ajuda... -- falava como um menino indefeso
Amina olhou para os outros dois e ordenou sem se importar: -- Ocês vão lavá as mão modi armuçá!
--E ele? -- Najla olhava para o sobrinho -- Vocês vão simplesmente almoçar e deixar ele aqui? -- estava horrorizada
--Ahmed vai cumê im casa. -- respondeu prontamente -- Si dé sorti da muié tê feitu cumida pra eli. -- encaminhou-se para a cozinha
--Simbora cumê! -- Raed havia acabado de afivelar o cinto -- Tá na hora. -- seguiu para a cozinha também
Najla ficou sem saber o que fazer até que decidiu ir atrás dos outros dois. -- Vocês enlouqueceram, é isso? -- perguntou assim que entrou na cozinha -- Como podem estar agindo assim? -- estava indignada -- Raed surrou o filho e ainda deixou ele largado no chão como se fosse um trapo qualquer! -- condenou -- E você concordou com isso e ainda vai deixá-lo sem comida, mulher? -- balançou a cabeça em choque -- Não é assim que vocês vão corrigir todos os anos em que deixaram que Ahmed fizesse o que bem queria!
--Mais é assim qui eli vai tumá tenência e vortá pra muié! -- Raed afirmou ao se sentar -- Duvidu qui dispois dessa eli vai si imbaderá di si separá di novu!
--E num vai mais é nunca! -- Amina concordou -- Ahmed é incapaiz di cuidá dus trem da vida deli! -- sentou-se também -- Sem nóis e sem a muié eli num é di nada, num sabi? Vai vortá pra casa cum o rabichu entri as perna!
--Mas... -- Najla queria argumentar
--Ocê vai armuçá ô num vai? -- Amina interrompeu-a -- Si ficá inrolandu aí parada vai perdê a carroça e a carona pra Gyn!
Najla deu um suspiro profundo e se preparou para almoçar. Não desejava perder a carona e com ela a chance de passar alguns dias ao lado de Marco e Aisha. “Depois que Zinara partiu Amina ficou muito dura...” -- pensava -- “E Raed tem umas atitudes que vou te contar...” -- sentou-se -- "Mas, se bem que ele sempre foi assim... Exagerado, genioso, agressivo...” -- olhava pensativa para o irmão -- “Eu também tô sendo errada e egoísta o suficiente pra me sentar aqui e almoçar sem ajudar meu sobrinho, que tá chorando lá fora como se fosse um menino abandonado. Tudo pra não perder uma carona pra Gyn...” -- envergonhou-se -- “Mas talvez Ahmed precisasse mesmo de um tratamento de choque... Ou então nós é que endurecemos um pouco mais e descontamos nele a frustração pelo bem que deixamos de fazer por Zinara...” -- começou a comer -- "Queria muito que Ahmed se aprumasse e que novos tempos viessem por aí, mas não sei se ainda consigo acreditar. Tá tudo tão estranho...” -- viajava em seus pensamentos -- “Maama ensinou a Zahirah que Yatamanna não podia morrer, mas acho que ela se enganou...” -- sentia-se triste -- "Yatamanna se foi...”
***
--Puta que pariu, caralh*, eu não acredito que você vai fazer isso comigo, Tosa! -- Úrsula acompanhava cada passo da outra mulher -- Eu te amo, porr*! Não me deixa, cacete! -- pedia com os olhos marejados
--Eu cansei de você e de suas traições! -- respondeu sem deixar de arrumar a mala -- Minha cabeça tem mais chifre que a porr* de um veado campeiro! -- falava de cara feia
--Chifre? Que merd* de papo de chifre é essa, mulher? -- gesticulava -- Eu sempre fui fiel, caralh*!
--Anêim! -- duvidava
--Sério, Tosinha, sou fiel pra caralh*! -- beijou os dedos em cruz -- Nem me lembro mais da última vez que futiquei bucet* alheia!
--Pois eu lembro muito bem! -- parou diante dela com as mãos na cintura -- Noite passada com aquela véia que tem idade pra ser tua mãe! -- deu um tapa no ombro da ex amante -- Descarada!
--Porr*, amor! -- protestou abrindo os braços -- Você tá vendo coisa onde não tem, que merd*! -- buscava se defender -- Eu só tava ajudando a mulher a se localizar na porr* da cidade! -- continuou seguindo os passos da outra -- A gente quer ser gentil e é mal julgada por isso! Puta que pariu, é foda, viu? -- fazia um drama
--Eu vi tua gentileza! -- pegou a mala e foi seguindo para a sala -- Com a cabeça enfiada debaixo da saia da véia, que tava a ponto de ter um treco!
--Mas... -- correu e parou diante da porta -- Eu posso me explicar, porr*! -- estava nervosa -- Fiz o que fiz por carência! Você quase não pára na merd* dessa casa!
--Sai da frente que eu quero passar! -- ordenou contrafeita
--E a porr* do hotel tá fechada há quase um mês, tô sem perspectiva de arrumar qualquer empreguinho de merd* nas redondezas e não vejo saída pra mim nessa cidade cu! -- beirava o desespero
--Isso não é nem comigo! -- deu de ombros -- Agora dá licença? -- insistiu impaciente
--Você não pode me deixar agora, porr*! -- seus olhos marejaram -- Tô fudida e preciso de uma companheira comigo! -- ajoelhou diante da outra -- Fica comigo, meu amor! -- postou as mãos como se rezasse -- Você não vê que eu te amo, caralh*?
--Deixe de ser fingida, sua safada mentirosa! Num dou conta da tua patifaria! -- derrubou a ex namorada com um golpe de sua mala -- Eu vou embora dessa casa e da tua vida! -- abriu a porta -- Você não ama ninguém! -- saiu puxando a mala -- Fique aí com tua galinha lésbica! -- olhou para Úrsula com desdém -- E pode sair com quantas véia que for, porque eu não te quero nunca mais! -- bateu com a porta
--Eu não acredito... Puta que pariu! -- sentou-se abestalhada -- Tosa me deixou... tô fudida... -- passou a mão nos cabelos -- Caralh*! -- percebeu que Zeca se aproximava -- Vem aqui, companheira! -- abriu os braços para a galinha -- Preciso de um colo! -- começou a chorar -- É foda, viu? -- segurou o animal nos braços -- Mulher ingrata!
--Có! -- foi tudo que Zeca respondeu
--É isso mesmo, amiguinha! -- concordou chorosa -- Cu! -- fungou -- É um cu! -- reclamou -- Muito cu! -- chorava
***
--E junho já taí, né, menina? -- Raquel comentou com a irmã -- Daqui a pouco a Copa vai começar!
--Pois é! -- Cecília respondeu animada -- Vai ter homem de todas as partes do mundo dando mole por aqui! -- considerou -- Preto, branco, moreno, ruivo, olhinho puxado... -- esfregou as mãos -- Não vejo a hora de pegar uns!
--Humpf! -- fez um bico -- Você só pensa em homem, vou te contar! -- olhou o preço do leite em pó -- Nossa, tá tudo tão caro... -- comentou desanimada -- Mas tem que comprar, né? -- pegou duas latas
As duas irmãs estavam no mercadinho comprando alguns itens que a mãe havia pedido.
--As coisas tão caras mesmo! -- concordou de cara feia -- Vê se controla esse teu apetite e não detona tudo, porque você e teu marido num instante dão cabo das comidas! -- reclamou
--Ué, minha filha, você tem fome com a boca de baixo! -- retrucou de pronto -- Getúlio e eu com a boca de cima! -- pegou uma lata de achocolatado
--Acontece que minha fome de homem não dá gasto pra ninguém e hoje sou eu quem vai pagar as compras! -- argumentou -- Não tô aqui pra morrer numa grana por causa de você e do teu ogro! -- pegou um saco de fubá -- Segura onda que tá demais! -- gesticulou
--Tanto que tua fome dá prejuízo que você foi parar na casa de mamãe por causa dela! -- olhou para a irmã -- E não chama meu marido de ogro! Já me basta ouvir isso de mamãe! -- ralhou contrafeita
--Ah, Raquel, péra lá, mamãe reclama com razão! -- olhava para a outra também -- Você tem que dar uma decisão em Getúlio porque aquilo lá é um malandro de marca maior! Até hoje não arrumou emprego!
Raquel ficou sem saber o que dizer. Abaixou a cabeça e se afastou para buscar outros itens da lista de compras.
--Você trabalha, cuida do menino, cuida dele e ele faz o que? -- continuou falando -- Reclama e deita na sombra do boi! -- pegou três latas de azeitona -- Esse carrinho é ruim! Fica logo sem espaço pra colocar as coisas. -- tentava arrumar as compras com cuidado
--Eu sei que Getúlio é meio descansado... -- admitiu constrangida
--Meio?! -- achou graça -- Aquilo lá é um tremendo 171! -- afirmou enfática
Fingiu não ter ouvido o comentário. -- Já briguei com ele várias vezes por causa da falta de iniciativa, mas... -- pausou brevemente -- as pessoas não mudam da noite pro dia.
--Uma hora tem que acontecer, né? O que não pode é essa hora levar a vida toda pra chegar! -- olhou para a lista na mão da outra -- Já pegamos tudo?
--Já. -- respondeu simplesmente -- Vamos embora pagar. -- dirigiram-se para os caixas -- Por que as filas tão grandes desse jeito se nem tem nada em oferta? -- não entendia
--Ali, ó! -- apontou uma caixa -- A fila tá menor! -- Cecília foi na frente para pegar lugar -- Corre!
--Calma, criatura! -- Raquel seguia atrás com o carrinho -- Dá licença, por favor? -- falou com um homem que a ignorou -- Dá licença? -- repetiu em voz mais alta, sendo novamente ignorada -- Que saco! -- decidiu tentar outro caminho
Fez um movimento rápido ao tentar mudar de direção e levou um susto com um carrinho que colidiu inesperadamente contra o seu. -- Ui! -- deu pulinho
--Desculpa, moça! -- o homem pediu envergonhado
--Que susto! -- franziu o cenho -- Nossa, mas você... -- olhou para ele e se engasgou
--Gente, o que foi isso? -- Cecília se aproximou esbaforida -- Se machucou, Raquel? Pelo amor de Deus! -- começou a apalpar a outra -- E você também, hein? -- olhou para o homem de cara feia -- Não presta atenção, não? -- espantou-se -- “Da onde eu conheço esse?” -- pensou intrigada
--Mil perdões, não foi por querer! -- respondeu estranhando a reação delas -- É que eu não imaginava que ela fosse virar pra cá e... -- coçou o peito -- não tive tempo de evitar...
--Ih! -- reconheceu -- É ele! -- arregalou os olhos -- O cigano dos peito cabeludo! -- olhou para irmã -- Teu cigano!
--O que?! -- ele não entendeu
--Cecília!! -- lançou-lhe um olhar fulminante
--Ela tem um retrato seu lá em casa. -- explicou para o homem -- Com uma roupa cheia de brilho, super cafona, perdoe dizer, lenço na cabeça e esses peito cabeludo de fora!
--Do que vocês estão falando? -- olhava intrigado para elas
--Nada! -- Raquel se recompôs e guiou o carrinho para se afastar -- Vem, Cecília, vamos pra fila! -- seguiu em frente apressada
--Você manja de ciganagem? -- perguntou a ele -- Ou será que tem algum irmão gêmeo chegado nessas coisas? -- sondava
--Como é?
--CECÍLIA!! -- chamou impaciente
--Calma! -- deu tchauzinho para o homem -- Tô indo! -- correu atrás da irmã
--Eu hein... -- o homem resmungou intrigado -- É cada coisa... -- acabou achando graça
--Raquel, olha que mundo pequeno! -- cochichou com a irmã -- Encontramos teu cigano fazendo compra no mercadinho! -- sorriu -- E ele é exibido, hein? Só vive com aqueles peito cabeludo de fora! -- comentou
--Você quer me matar de vergonha, é? -- deu um tapa no braço dela -- E aquele cara não é o meu cigano! -- protestou
--Ah, mas é o clone dele, então! -- retrucou -- Além do mais você gosta do tipo, confessa! -- provocou divertida
--Eu sou casada, não tô disponível pra qualquer peito cabeludo que aparece! -- olhava para a irmã de cara feia -- E você já me fez pagar mico demais por hoje! -- ralhou
--Não sei se você pagou mico, não... -- olhou na direção do homem -- Só sei que ele tá olhando pra cá, se quer saber... -- comentou maliciosa -- E olhando pra você... -- deu um tapinha no braço dela -- Vai que isso é um presságio de que novos tempos virão na sua vida amorosa? -- piscou
Raquel olhou na direção dele discretamente e corou quando os olhos se encontraram.
***
--Olá, mãínha! -- Jamila saudava sua amiga idosa -- Tudo bem? -- deu um beijinho na testa dela -- Tá melhor? -- sorria
A idosa sorriu sem nada responder.
--Já vi que tá! -- colocou a bolsa tira colo em cima de uma cadeira -- Olha só o que eu trouxe pra senhora e seus amigos! -- mostrou uma bolsa enorme que trazia também -- Um monte de coisinhas pra ajudar na torcida pra Copa!
--Bom dia! -- Paula apareceu na porta do quarto -- Nossa, que bolsona é essa, mulher? -- achou graça
--Enfeites pra decorar o asilo pra Copa e umas coisinhas pra animar a torcida do pessoal! -- pegou um arco de cabelo e se aproximou da idosa -- Que tal? -- mostrou -- Quer usar pra ver como fica?
A mulher continuava sorrindo e Jamila entendeu que sim.
--Então vamos ver! -- arrumou delicadamente o arco na cabeça da outra -- Ah, ficou massa!
--É incrível como você faz bem a ela! -- Paula comentou impressionada -- Parece que quando você chega ela ganha vida nova! -- olhava para a mulher mais velha -- Sabia que já se percebe até uma melhora na saúde dela?
--Ah, mas ela vai ficar bem! -- acariciava o rosto de Jandira -- Ela vai... -- sorria -- "Ou pelo menos vai viver seus últimos dias com mais dignidade.” -- pensava -- "No que depender de mim, ela vai...”
***
--O que foi, querida? -- Marco acariciava os cabelos de sua amada -- Você tá quietinha, pensativa, distante... -- beijou a cabeça dela -- Que foi?
Os dois namorados estavam deitados na cama de Marco. Najla viajava em seus pensamentos aconchegada no peito dele.
--Perdoe, habibi... -- levantou cabeça e beijou-o nos lábios -- Mas algumas coisas têm se remoído em minha mente de uma forma que não posso evitar... -- sorriu com tristeza -- Mesmo depois de fazer amor com você e receber esse seu carinho tão bem vindo, os problemas continuam me rondando os pensamentos.
--Por que não divide comigo? -- acariciou o rosto dela -- Não quero ser seu homem apenas na hora do prazer. -- afirmou com sinceridade -- Tô aqui pra parte difícil também.
A ex fazendeira ficou feliz com o que ouviu e decidiu desabafar: -- Desde que Zinara se foi as coisas ficaram muito tensas no seio de usritii (minha família). -- acariciava um dos braços do amante -- Aisha acredita que ela tenha ido pra Cedro, em busca da montanha mais emblemática de lá, e a advogada Jamila pediu pra uma ONG divulgar o retrato dela pela região pra ver se obtém notícias.
--A advogada conhece uma ONG em Cedro? -- ficou surpreso
--Na verdade, parece que ela conhece uma ONG em Godwetrust que luta contra a guerra de Suriyyah e essa tal ONG tem ligações com outras sediadas em Suriyyah e em Cedro. -- explicou -- Daí que foi possível fazer o pedido de ajuda.
--E alguma novidade até agora? -- perguntou interessado
--Laa... (Não...) -- respondeu desanimada -- E esse clima de expectativa tem mexido com os nervos de todo mundo...
--Imagino!
--Amina anda tão estranha, tão dura... -- comentou -- Ela quase não dorme, trabalha exaustivamente e cai na cama como se não quisesse acordar no dia seguinte... Chegou até a emagrecer, sabe? -- olhava para o homem -- E Raed parece que criou um mundo paralelo onde nada disso tá acontecendo...
--Natural, meu amor. -- acariciava os ombros da mulher -- Eles devem estar sofrendo por demais da conta! Só eu sei o quanto sofri quando meus filhos foram embora pra viver com a mãe. -- lembrava -- Imagina se eles tivessem partido assim como Zinara fez! -- comentou -- "Acho que ficaria doido!” -- pensou
--Me dá um misto de raiva com tristeza e remorso, sabe? -- desabafou -- E acho que é isso que Amina e Raed também sentem: raiva por Zinara ter feito o que fez, tristeza por sentir saudade, preocupação, medo e remorso por todo mal que fizemos a ela... -- seus olhos marejaram -- Inconscientemente, é verdade, mas fizemos muito mal pra ela... Coisas que marcaram muito na vida dela. -- admitiu arrependida -- Nós três...
--Minha dona, minha querida... -- abraçou-a com carinho, aconchegando-a em seu peito -- Queria tanto fazer com que esse sofrimento saísse do seu coração... -- beijou a cabeça dela -- Zinara perdoou vocês, ela te disse isso! É nítido que ela se sente totalmente livre! -- tentava consolar -- Não fique se martirizando tanto por coisas que não vão mudar! -- aconselhou -- O passado não se modifica, meu amor! Não adianta...
--Eu sei, mas dói tanto... -- começou a chorar
Marco não respondeu e continuou acolhendo a namorada em seu momento de tristeza. Najla desabafou seus sentimentos em um choro sentido e permaneceu uns instantes em silêncio para se recompor.
--Essa situação... -- desvencilhou-se devagar -- tem feito tanto mal pra gente... -- sentou-se -- Acho que estamos todos descompensados... -- secou os olhos com as duas mãos -- Você não sabe o que aconteceu antes de eu viajar pra cá. Fiquei ainda pior!
--O que foi? -- sentou-se também
--Ahmed apareceu lá em casa de mala e cuia porque decidiu se separar da mulher. Amina ficou possessa e Raed deu-lhe uma surra de cinto que até eu senti a dor!
--Nossa! -- arregalou os olhos -- E aí?
--E aí que Amina chamou Raed e eu pra almoçar, mandou Ahmed voltar pra casa e agiram como se nada tivesse acontecido. -- respirou fundo e olhou para Marco -- E eu, que ainda tentei argumentar contra aquela situação, engoli minhas palavras junto com a comida pra não perder a carona pra vir pra cá... -- admitiu envergonhada -- Ahmed entrou na cozinha quando já havíamos terminado de almoçar, catou suas coisas e veio na carroça junto comigo. -- contava -- Desceu perto do caminho pra casa dele e seguiu andando... Não trocamos uma palavra sequer.
--Meu Deus, que situação! -- não sabia o que dizer -- Tudo bem que esse rapaz precisava de uma lição mas não deveria ter sido desse jeito... -- considerou -- De mais a mais ele pode permanecer casado, mas não vai ser feliz. Tampouco a moça!
--Pois é... -- suspirou -- O fato é que nossas atitudes foram reprováveis! Raed pela violência, Amina pela indiferença e eu pela omissão.
--Não sei o que dizer, querida. Não sei o que faria no seu lugar...
--Eu queria que novos tempos acontecessem na vida da gente, Marco, mas não estamos conduzindo a coisa pro caminho certo. -- falava como se pedisse ajuda
--Calma, querida. -- puxou-a para que se sentasse em seu colo -- O momento é ruim mas não vai durar pra sempre. -- olhava nos olhos -- As coisas vão se acertar, a poeira vai baixar, teremos notícias de Zinara e a vida vai seguir seu rumo. -- sorriu -- E eu vou continuar aqui, do seu lado. -- beijou-a -- Pro que der e vier!
Najla envolveu a cintura do namorado com as pernas e o abraçou com força. Ao contrário de se sentir melhor, envergonhava-se por nunca ter dito a ele que a fazenda poderia voltar a pertencer a Aisha. Envergonhava-se por ter desconfiado da pureza dos sentimentos de Marco, que agora, mais que nunca, lhe pareciam tão verdadeiros.
“Como vou dizer a ele que a fazenda pode voltar pra nós?” -- pensava -- "Como não magoá-lo com minha atitude?” -- questionava-se -- “Ele vai perceber que escondi a verdade por temer que talvez quisesse ficar comigo apenas por interesse...”
***
--Oi, amor! -- Lídia atendeu melosa -- Tudo bem?
--Olá, querida! -- Cátia respondeu no mesmo tom -- Tô bem melhor agora, ouvindo essa sua voz tão gostosa... Aliás, você é toda gostosa!
A jovem corou do outro lado. -- Pára de me falar essas coisas porque eu tô no coletivo, tá? -- respondeu dengosa
--Tudo bem, eu me comporto. -- respondeu brincalhona -- E você, como vai? E a mãe?
--Graças a Deus tudo bem com a gente. -- sorria
--E como você foi na prova de ontem? -- perguntou interessada
--Ah, fui muito bem! -- respondeu toda prosa -- Graças a Deus e às dicas que você me deu!
--Graças a Deus e a sua inteligência. -- corrigiu delicadamente -- Eu não esperava que fosse acontecer diferente. Com você, quando não vem um dez é nove e meio. -- sorriu também
--Hoje você só quer me fazer corar, visse? -- encabulou-se novamente
--Não tenho culpa se a verdade te deixa com vergonha. -- brincou -- Acho que você deveria assumir sem quaisquer receios o quanto é inteligente, interessante, linda e... -- falou mais baixo -- muito gostosa!
Lídia mordeu o lábio inferior e sentiu as bochechas arderem.
--Meu amor, também te liguei pra contar uma novidade. -- sentou-se na cadeira de sua sala -- Lembra daquele pós doc que eu te falei que tava a fim de fazer?
--Lembro. -- respondeu de pronto -- Você disse que ainda não tinha decidido onde ia fazer.
--Pois é. -- cruzou as pernas -- Consegui que meu caso fosse apreciado nessa última reunião de Colegiado e ficou decidido que eu tenho que sair ainda nesse ano, porque senão só em 2017. -- contava -- Daí tive de correr com o processo e me decidir logo pra não perder o bonde.
--Esse ano? -- sentiu uma pontinha de tristeza -- Pra onde vai? E quando vai?
--Após muitas reflexões e impasses ideológicos decidi que vou mesmo pra Godwetrust, porque era a melhor a proposta. -- passou a mão nos cabelos -- Mas isso não significa que eu vá dar mole com informações confidenciais! -- afirmou enfática -- Não mesmo! -- gesticulou
--Disso não duvido! -- acabou achando graça -- Mas quando você vai? -- insistiu
--Outubro. -- debruçou-se sobre a mesa -- Considerando que estamos em junho, tenho que me virar em mil pra dar conta de minhas obrigações, deixar alguém no meu lugar e cumprir meus prazos.
--Você consegue... -- olhava pela janela do ônibus -- Cátia Magalhães é da gota! -- brincou
Cátia gastou uns segundos calada até que decidiu confessar uma verdade: -- Cheguei a pensar em não ir...
--Por que? -- perguntou interessada
--Por você! -- falou com verdade -- Cheguei a pensar em mudar minha vida toda e... -- deu um suspiro profundo -- pedir transferência pra Federal de Paranãbuka.
--Cátia... -- sentiu o coração acelerar
--Mas eu não tô preparada pra isso, lindinha... -- abaixou a cabeça -- E realmente preciso passar um ano longe de tudo...
Lídia ficou apenas ouvindo.
--Não vou te pedir pra me esperar voltar, porque em um ano acontece muita coisa. -- continuou a falar -- Também não vou te prometer que quando voltar vou cair de cabeça pra investir na gente, porque seria muita canalhice minha... -- estava sendo sincera -- Uma parte de mim quer desesperadamente você na minha vida, outra parte sente que eu não sou a mulher que você merece. -- pausou brevemente -- Sou ainda muito imatura pra assuntos do coração, minha querida... -- confessou -- Quero viver uma coisa que ainda não sei se tô preparada pra viver...
A jovem ficou pensando antes de responder. Sabia o que sentia pela loura, mas não pretendia deixar o pensamento racional completamente de lado. -- Sabe, amor... -- começou a falar mais baixo para que os outros não ouvissem -- acho que no fundo você se sente em obrigação comigo por conta do que aconteceu entre nós, mas eu não menti quando disse que não iria te fazer cobranças, que não criaria expectativas.
--Não é isso, meu amor...
--Eu sei que você não tá preparada. -- interrompeu-a com jeito -- Sei que você acha que porque estamos em fases distintas da vida isso poderia prejudicar nosso relacionamento, se nós viéssemos a ter alguma coisa mais séria... -- lembrava de tudo que ouviu da geofísica -- Em momento algum eu esperava que você quisesse investir na gente e fiquei surpresa e feliz em saber que passou pela sua cabeça mudar tudo e vir pra cá por minha causa...
--É a mais pura verdade! -- reforçou o que havia dito
--Mas eu não quero forçar a barra. -- pausou brevemente -- E de minha parte também não me sinto segura pra começar uma relação séria... -- confessou -- Eu quero fazer tantas coisas, tenho tantos planos... -- suspirou -- Um dia desses eu tava pensando na gente e... eu te adoro, te admiro, foi maravilhoso, mas... não é pra ser...
Cátia sentiu um misto de decepção e tristeza ao ouvir aquilo. -- Tá certo... -- concordou -- Mas o importante é que a amizade continua, né? Eu sempre faço questão de ser amiga das mulheres mais inteligentes, gatas e gostosas! -- brincou para mudar o clima
Achou graça. -- Boba! -- sorriu -- Claro que continua... Você é uma pessoa muito especial pra mim.
--E você pra mim... -- gastou uns instantes calada -- Vou desligar, querida. Tenho um monte de coisas pra fazer.
--E eu já vou saltar daqui a pouco. Tô quase chegando em casa.
--Vai lá, então. E se cuida! -- advertiu -- Olha pra um lado e pro outro nessas ruas perigosas!
Continuava sorrindo. -- Você vem pra cá se despedir de mim antes de viajar? -- perguntou dengosa
A perspectiva de mais uma noite com Lídia reanimou a loura. -- Claro! -- garantiu -- Conte com isso! -- sorriu -- Nem que seja pra chegar numa sexta à noite e ir embora na madrugada de segunda!
--Ótimo! -- levantou-se e puxou a cigarra -- Tchau, amor, meu ponto chegou.
--Tchau, meu bem! Beijos! -- desligou o telefone e gastou uns segundos olhando para o nada -- E eu que pensava que ela ia me dizer que queria ficar comigo... -- falava consigo mesma -- Tava tão acostumada com as mulheres sempre querendo um compromisso... -- acabou achando graça -- Essa menina realmente é diferente de todas... -- balançou a cabeça pensativa -- É, Cátia, cuida de tua vida porque novos tempos vêm aí e você tem que correr! -- aconselhou a si mesma e voltou ao trabalho
CAPÍTULO 117 – Caminhando
Zinara acabava de chegar a um local adequado para montar acampamento. Sentia-se enfraquecida e faminta. Colocou a mochila no chão e se sentou buscando recuperar as forças.
--Ave Maria, que tô sem fôlego pra montar uma mísera barraca de camping! -- falava sozinha -- O pior é que minha comida acabou e tem nada por aqui que eu possa comer... -- olhava ao redor -- É, caipira... nessa você se deu mal! -- conformou-se com a situação -- Jayed jedan... (Muito bom...) -- desabafou ironicamente mas acabou achando graça
Após alguns segundos de descanso, a astrônoma se levantou e começou a preparar a barraca. Ao final da montagem percebeu que alguém se aproximava e ficou de sobreaviso.
“Quem será?” -- pensou receosa
--As-Salamu Alaikum! (Que a paz esteja convosco!) -- o homem saudou
--Smallah! -- arregalou os olhos e sorriu ao reconhecer o guia que a acompanhou no início da caminhada -- Alaikum as-Salaam! (E a paz também convosco!) -- respondeu a saudação -- O que houve que você voltou para estas bandas? -- perguntou na língua de Cedro -- Pensei que considerasse uma loucura fazer esta caminhada nestas épocas de conflito.
--E realmente considero! -- afirmou enfático ao colocar a mochila no chão -- Aliás, fico surpreso que ya sayyida (a senhora) ainda esteja viva! -- comentou
“Você não é o único!” -- respondeu mentalmente -- Wana amil eh (Fazer o que)? -- retrucou bem humorada
--Mas eu voltei para procurá-la. -- olhava para ela -- Achcur bi-tacb... (Sinto-me cansado...) -- desabafou -- Estou caminhando há horas sem parar! -- sentou-se
--Choo? (O que?) -- não entendeu -- Por que voltou para me procurar?
--Não vai acreditar, mas sonhei que estava caminhando exausto e faminto em lugar de clima bem árido quando uma jovem que vinha trazendo um saco cheio de peles me abordou. -- lembrava -- Ela me dizia que eu precisava voltar para a montanha e te ajudar. -- pausou brevemente -- Apresentou-se como sendo filha do clã de Iabá, o qual vem a ter ligação com usritii (minha família). -- passou a mão na cabeça -- Foi um sonho tão real que não pude deixar de atender! -- balançou a cabeça negativamente -- Não sei o que isso significa, mas ela disse que recebeu sua ajuda no passado e que se sentia no dever de ajudá-la por agora. -- comentou intrigado
A morena sorriu e se lembrou de uma pessoa que conhecera no passado.
“--Ah! -- uma jovem cai no chão totalmente exausta. Seu saco de peles arrebentou e despejou o conteúdo aleatoriamente -- Oh, Aba, leva-me Contigo! -- clamava com voz fraca -- Leva-me!
Zinara arriou o saco que carregava e correu para junto da outra. -- Choo? (O que?) O que foi? O que você sente? -- virou-a de frente para si -- Está ferida... -- viu que saía sangue do queixo dela, provavelmente por causa da queda
--Ei, você, deixe-a! -- outra menina aconselhou -- Se ya said Jean ver as duas aí, vai puní-las. -- seguia em frente com sua carga
--Consegue levantar? -- a morena perguntou
--Laa... (Não...) -- respondeu com os olhos marejados -- Estou fraca e me sentindo mal. -- pausou brevemente -- Acho que...é porque estou grávida...
--Oh! -- surpreendeu-se
--Não sou mahdia (prostituta)! -- defendeu-se de pronto
--Zinara não pensou isso. -- foi sincera -- Vamos tentar levantar. -- fez força para ajudar a outra -- Tacaalii? (Vem?)
Com dificuldade a jovem conseguiu ficar de pé. -- Chukran! (Obrigada!) -- agradeceu
--Vamos andando. Depois Zinara volta para buscar as peles.
--Tem certeza? Seremos punidas por isso. -- olhava para a outra -- Eu não me importo com mais nada, mas você... Não quero prejudicá-la!
-- Yaalah! (Vamos lá!) -- começaram a andar
--Ana ismii Adilah Iabá (Meu nome é Adilah Iabá) e fui separada de usritii (minha família) quando cheguei aqui. -- apresentou-se -- Estou sozinha e vivo na mesma barraca que duas viúvas.”
--Adilah Iabá... -- repetiu saudosamente -- Esse era o nome dela. -- respondeu para o guia -- Uma jovem muito valiosa. -- sorriu -- "Chukran, habibi! (Obrigada, querida!)” -- agradeceu mentalmente
--Seja como for... -- ajoelhou-se no chão e pegou a mochila -- trouxe comida e acho que seus mantimentos devem ter acabado. -- retirava algumas sacolas de dentro da bolsa -- Está com fome?
--Oh, tamintanii! (Oh, que alívio!) -- ajoelhou-se do lado dele -- Pensei que passaria as próximas horas comendo terra! -- riu brevemente -- Muito obrigado! -- sorria agradecida -- De todo coração!
--Al’afw. (Não há porque agradecer.) -- respondeu com sinceridade -- Vou montar minha barraca ao lado da sua e amanhã reiniciamos a caminhada de volta. -- pegou o saco da barraca -- Fique à vontade! -- fez sinal para que ela começasse a comer
A professora pegou uma das sacolas de mantimentos e lambeu os lábios ao perceber seu conteúdo. -- “Adilah, ya habibi, rahimaka Allah! (Adilah, minha querida, Deus te abençoe!)” -- não deixava de agradecer à amiga do passado -- “Taghaam... (Comida...)” -- pegou um sanduíche grande e mordeu com gosto -- Hum... -- sorria satisfeita
***
--Baba? -- Khadija aproximou-se de Nagibe -- Pur que ya said (o senhor) tá tão tristi?
--Tristi nada, minina... -- disfarçou e sorriu para ela -- Tô não...
--Maama também tá tristi. -- comentou -- E mais a gidda e o giddu e mais camma Najla e camm Cid e inté camm Ahmed!
Nagibe estava debruçado diante da porteira e segurou a filha no colo. -- Dondi ocê tira essas ideia, hein, muiézinha? -- colocou-a sentada sobre o beiral -- É só as consumição di adurtu! -- tentava engabelar a criança -- Ocê num sabi dessis trem purque ainda num cresceu.
--Ontonti eu brinquei cum as carta e a boa anja mi dissi qui tudu vai dá certu, num sabi? -- afirmou resoluta
--Boa anja?? -- não entendeu -- Qui anja?
--A moça boazinha qui proseia mais eu! -- respondeu empolgada -- Ela tem uns cabelu vermeiu feitu as flô da árvori Primavera, vesti um vistidu brancu qui bria qui neim a luz do sor e a cara dela é di gidda (avó) boazinha. -- falava naturalmente -- Ela qui mi insina modi intendê as carta, baba!
--Ah... -- o homem ficou pasmo
--Ela dissi qui as andança di camma Zina vão si acabá e ela vai vortá. -- afirmou convictamente -- Viu? -- sorria
--Hã? -- não sabia o que dizer -- "Será issu verdadi ô minha fia tá indoidandu qui neim o fio di Ahmed?” -- pensou preocupado -- "Vô contá pra baba modi sabê o qui eli acha!” -- decidiu
***
--Fico muito feliz por vocês! -- Clarice cumprimentava com sinceridade -- Desejo tudo de bom, muita Luz, muita alegria e paz nos caminhos de vocês! -- sorriu e abraçou as duas mulheres ao mesmo tempo
--Obrigada, amiga! -- Magali beijou a testa da morena -- Tô tão feliz como nem sei dizer! -- sorria embevecida
--E eu! -- Lúcia respondeu emocionada -- A cerimônia foi linda, a festinha tá cheia de gente querida... -- sorriu -- Parece um sonho! -- riu brevemente -- Até vovó já fez amizade e tá lá se divertindo! -- apontou rapidamente para a idosa
--Conversando com mamãe é difícil não se divertir! -- Clarice comentou achando graça
--Esse negócio de ser mãe ou vó de menina lésbica é complicado mesmo, eu te entendo! -- Leda comentava -- É complicado porque tem muita gente sem vergonha por aí que gosta de fazer mal pra elas, gosta de faltar com respeito, falar umas gracinha e eu aconselho muito pra que Clarice não passe aperto. -- olhava para a outra -- Mas ai de quem venha tirar farinha pra cima de minha menina, ai de quem! -- gesticulou
--Eu também aconselho minha neta. Tem muita gente miserável por aí e nossa própria família é muito complicada! -- respondeu -- Aconselhei pra que ela disfarçasse pra evitar problema. -- olhava para Leda -- Não interessa a ninguém, não é mesmo? Não precisa ficar dando bandeira pra todo mundo saber!
--Clarice disfarça por escolha dela, mas minhas outras filhas sabem da verdade. -- contava -- De vez em quando elas vêm com umas conversas fiadas, mas eu dou logo um chega pra lá nas duas e elas ficam tudo mansa! -- gesticulou -- O ogro desconfia, mas quando se assanha de abrir a boca, vou em cima e boto o bicho no lugar dele! -- deu um soco na mão
--Ogro?! -- perguntou achando graça
--A única coisa que eu lamento foi não ter convidado ninguém da minha família além de vovó. -- a bombeira comentou desmanchando o sorriso -- Ela me pediu pra disfarçar e eu tô fazendo isso em respeito.
--Também não gosto dessa coisa de fingir de sua amiga na frente do seu pessoal. -- Magali afirmou contrariada
--Gente, mas pensa bem, será que se você tivesse convidado alguém de sua família isso teria dado certo? -- Clarice respondeu -- Era capaz de não vir ninguém ou então de aparecer uma pessoa que ficasse aqui jogando piadinha e sendo inconveniente. -- considerou -- Você ainda teria aborrecimentos desnecessários em um dia que deveria ser de felicidade!
--Isso é... -- Lúcia concordou
--Você não precisa dar satisfações de suas escolhas pra todo mundo. Se sabe que sua família é intolerante, deixa pra lá. Continue se dando com eles, mas disfarce mesmo que é melhor pra não ter dor de cabeça. -- aconselhou
--Ah, Clarice, mas se a gente ficar se escondendo sempre quando é que essa situação de preconceito e humilhação imposta a nós vai acabar? -- Magali perguntou contrafeita -- Será que os homossexuais passaremos o resto da vida escondidos em armários pra poder ter um pouco de paz? Eu não quero isso, não!
--Meninas, esses assuntos são polêmicos e eu já até me arrependi de ter começado essa conversa! -- Lúcia interveio bem humorada -- Vamos descontrair e comemorar o amor, porque escolhemos o dia de hoje pra isso! -- abraçou a esposa pelo pescoço -- Não quero saber de preconceito nem de ódio! Só de amor! -- sorriu apaixonada -- Do meu amor!
--Ai... -- suspirou -- Você é linda, minha bombeira maravilhosa... -- abraçou-a pela cintura e a beijou
Clarice riu brevemente e decidiu de afastar. -- Acho que vou deixá-las à vontade. Mais uma vez, parabéns! -- saiu de perto
As recém casadas nem ouviram o comentário.
A paleoceanógrafa sentiu uma pontinha de inveja daquela felicidade, não por desejar que as amigas não vivessem aquele momento, mas por almejar para si a mesma satisfação de estar junto com a pessoa amada.
Leda percebeu que a filha se isolou dos demais em um cantinho do salão e se aproximou para conversar.
--Sentindo saudades daquela caipira? -- parou do lado da filha
--Sempre, mamãe... -- respondeu com os olhos marejados
A idosa não soube o que dizer e apenas abraçou sua amada menina.
***
Tarde da noite, completamente insone, Clarice decidiu voltar a ler o Kitaab de Zinara. Apenas assim conseguia sentir-se mais perto dela e aliviar um pouco a dor que lhe martirizava o espírito.
--De volta ao ano 2000... -- disse para si mesma assim que abriu o arquivo
“Junho se aproximava, Kitaabii, e eu suplicava que Allah mudasse a direção dos ventos. As coisas não vinham sendo muito boas, minha depressão parecia capaz de me engolir e dentro de mim reverberavam os ecos de três palavras causticantes: solidão, saudade e tristeza...
O término do relacionamento com Daise, se é que posso contar que tivemos um, foi como golpe de faca em minha frágil auto-estima... E o desprezo que ela me deu em seguida... Oh, Aba, como doeu...
No final de maio fui dispensada do curso onde dava aula, porque um dos sócios roubou a escola e as finanças ficaram gravemente abaladas. Fiquei sem saber o que fazer; a cabeça não conseguia pensar...
Aqueles dias foram duros e tristes, Kitaabii, mas eu seguia caminhando. O que é a vida, senão uma longa, difícil e fascinante caminhada?”
--Mulher, que susto me desse, caipira doida! -- Valentina repreendeu Zinara assim que ela abriu a porta -- Eu já tava a ponto de ir pra polícia pra te procurar, visse? -- colocou as mãos na cintura -- Puta merd*!
--Aonde que tu te meteu, guria? -- Bruna perguntou de cara feia -- Ficamos tri nervosas, preocupadas com o que poderia ter acontecido a ti!
--Porr*, caipira, quer matar a gente do coração? -- Aline também estava chateada -- Isso são horas?? -- olhou para o relógio -- Quase meia noite!
--Ingrid, Fabiana e as caipiras já me passaram sermão desde que cheguei na portaria, -- respondeu mal humorada -- não preciso ouvir mais desaforo por hoje, min fadlik (por favor)! -- fechou a porta e se encaminhou para seu quarto
--Não senhora, pode parando por aqui! -- Valentina se interpôs no caminho da morena -- Que foi que houve contigo? -- reparava na outra -- Desembucha!
--Tá com uma cara péssima! -- Aline comentou
--Dah mumill!! (Isso é um saco!!) -- reclamou de cara feia -- Dah JaHiim! (É um inferno!)
--Bah, traduz que assim não vale, daí! -- Bruna cruzou os braços -- Que aconteceu, afinal?
Zinara respirou fundo e olhou para as amigas. -- Me aborreci com uns gaiatos hoje na Faculdade, Daise fingiu que não me viu e fui demitida do emprego! -- descarregou de uma vez só -- Rodei por aí com al ‘agala (a bicicleta) e foi isso. Satisfeitas agora? -- sentia-se muito mal -- Só quero tomar banho e me deitar. -- olhou para Valentina -- Será que posso?
Valentina deu passagem e a morena foi para o quarto. As meninas ficaram tristes e preocupadas ao mesmo tempo.
***
--Caipira, -- Valentina invadia o quarto da amiga -- levanta dessa cama porque a gente tem muito o que fazer hoje! -- parou diante dela sorridente -- Simbora, bicha!
--E demora não porque o tempo urge! -- Aline batia palmas para apressá-la -- Levanta!
--Choo? Bitichkii min eh? (O que? Qual é o problema?) -- sentou-se desnorteada -- Que foi? -- passou a mão nos cabelos -- Logo vocês que sempre acordam tão tarde... -- não entendia
--Deixa de enrolação, guria! -- Bruna insistiu -- Tu passou a semana inteira de cabeça baixa, não pode ficar encolhidinha na cama num sábado lindo como esse! -- colocou a mão na cintura
“O que será que elas querem comigo?” -- pensou intrigada ao se levantar
--Vai tomar um banho e cuidar do visual porque te vendi pra essa noite e a gente não pode fazer feio, visse? -- ordenou
--Ma hatha?! (O que é isso?!) -- arregalou os olhos -- Como assim me vendeu?? -- olhava para Valentina -- Eu não faço biscate, não, viu, fi? -- foi logo dizendo
As garotas riram. -- Tu vai cantar numa festa, mulher! -- Aline esclareceu achando graça -- Tina vendeu teu passe pra uma playboyzinha lésbica que ela conhece!
--E não foi pra fazer michê, guria! -- Bruna complementou divertida
A morena tinha pontos de interrogação na cabeça.
--A música da tua terra tá estourando nas paradas de sucesso de São Sebastião! -- deu um tapa no braço da amiga -- Minha amiga quer que você cante El Arbi e mais outras músicas que têm tocado nas rádios. -- falava empolgada -- Mas você tem que ensaiar rapidinho com a banda. Não é sempre que se chega no improviso e dá certo, como foi naquele dia que você cantou na festa da Revolução Popular. -- sorria -- E ela vai te pagar um cascalho! -- piscou -- Dinheiro, bufunfa! -- enfatizou -- Fernandão tem grana pra gastar!
“Fernandão?!” -- pensou intrigada
--A entrada tá liberada pra gente e nós vamos nos divertir muito nessa festa! -- esfregou as mãos cheia de fogo -- Fernandão conhece uma ruma de mulher gostosa! -- frisou -- Ave Maria!
Zinara mexia os lábios e não produzia som.
--Corre pra se arrumar! Simbora, vamo lá, rápido! -- Aline segurou a amiga pelo braço e a conduziu para o banheiro -- O tempo tá passando!
“Ô, meu Pai, e agora? Será que eu dou conta desse trem?” -- pensava apavorada
***
--Yana il arbi weld il ghama wajil dellali, dellali dellali, -- Zinara cantava animada -- dana dana dana liy dellali, miryooli dellali...
--É incrível como cantar faz bem pra ela, né? -- Bruna comentou para Valentina e Aline -- Parece outra pessoa!
--O kit da felicidade segundo Zinara seria um telescópio, um livro, um microfone e a bicicleta. -- Tina respondeu brincando
--La zhar la mimoun khallouni nhoum dellali, dellali dellali...
--Parou, parou, parou! -- Fernandão interrompeu o ensaio e todas olharam para ela -- Aí, caipira, -- olhava para Zinara -- põe mais sensualidade nisso aí! -- pediu -- Usa uma ginga, faz uma sedução, sabe qual é? -- falava cheia de malandragem -- Afinal de contas você é uma mulher de Cedro! -- parou diante dela -- Tava pensando até de você fazer uma dança do ventre enquanto canta! -- sugeriu -- Esse salão de festa tem um palco enorme e você podia aproveitar bem o espaço! -- sorriu -- Fazer uma performance pra enriquecer o show! Dança do ventre, dança dos sete véus...
--AHHa! Tem base um trem desse? Anêim! -- reclamou -- Isso aí não tá no acordo, não, viu, fi? -- protestou -- Eu não vou fazer ginga, dança de ventre e nem sedução nenhuma! -- afirmou convicta -- Ou é pra cantar como eu sei ou você arruma outra! -- impôs a condição -- Sê besta! -- fez cara feia
--É ruim de Zinara querer cantar fazendo essas firulas! -- Aline cochichou com Bruna e as duas riram
--É que eu esperava algo mais... -- Fernanda insistiu -- O charme da mulher do Oriente encanta geral, né, malandragem? -- piscou
--Ah, Fernandão, qual é? -- a tecladista interferiu -- Tava maneiro, porr*!
--Cara, pára pra pensar! -- Tina se levantou e se aproximou da amiga -- Onde mais tu vai arrumar uma cantora de Cedro pra fazer bonito na tua festa, mulher? -- argumentou -- A banda é boa, minha amiga canta muito e a noite vai ser arretada! Da gota, porr*! -- deu um tapa no braço dela
--Tá bom, tá bom... -- aceitou meio contrariada -- É que eu pensei que a caipira era mais do tipo mulherzinha, já que ela não faz o estilo butch da gente.
“Butch?!” -- não entendeu -- "É cada trem que eu escuto...” -- balançou a cabeça -- Volta a cantar, então? -- perguntou à dona da festa
--Toca o ensaio! -- concordou e a música recomeçou
--Tina, essa tua amiga é sem noção, daí! -- Bruna comentou -- Fernandão pensa o que? Daqui a pouco ela ia querer que Zinara ficasse pelada!
Achou graça e se sentou novamente. -- Ela dá uns vacilos, mas é onda! -- cruzou as pernas -- E conhece muita mulher gostosa.
--Tô torcendo por isso! -- Aline respondeu
Zinara e a banda continuaram ensaiando enquanto Tina, Aline e Bruna serviam de platéia. Fernandão se alternava entre telefonemas e outras providências para a festa, até que foi surpreendida com a chegada de uma jovem.
--Naila, que surpresa boa, gata! -- aproximou-se para cumprimentá-la -- Tudo bem? -- deu um beijo no rosto da moça -- Posso contar que te vejo hoje à noite? -- perguntou fazendo charme
--Claro que pode! -- sorria -- Vou bem e você?
--Melhor agora que você chegou! -- falava sedutoramente
--Quem é aquela ali que tá falando com ela? -- Aline perguntou curiosa -- Loura bonita! -- comentou -- Apesar de ser gordinha...
--Fica na tua que Fernandão tá doida pra pegar, não sabe? -- Tina respondeu achando graça -- Eu também tava, mas ela me deu um tôco! -- confessou
--Tu queria dar uns amassos naquela gorda, Tina? -- Bruna perguntou surpresa -- Cruz credo, caiu na rede é peixe! -- riu brevemente
--Eu hein, Bruna, se vexa! -- retrucou -- Pode ser gorda, magra, velha, nova, preta, branca... se me interessa, tá valendo. -- cruzou as pernas -- E Fernandão é chegada em mulher que tem carne!
--El alem alla addi eih, albi wi rohi dabu fik, -- Zinara cantava outra canção -- el alem alla addi eih, albi wi rohi dabu fik...
Naila reparou nas meninas ensaiando. -- Elas são ótimas! E aquela cantora sabe a língua de Cedro! -- comentou -- O sotaque é igual ao dos meus avós!
--Ela é de lá. -- respondeu sorrindo -- Quando eu faço uma festa temática, faço mesmo, né, gata? -- exibiu-se -- Nada comigo é meia boca!
--Dallayuni Dau'wibuni wallah, allah hallah hallah, Allah hallah hallah, elli biya ielam – allah...
--Pois é. -- concordou -- Que tal uma paradinha pro almoço? -- sorriu -- Podia todo mundo ir comer lá no trailler. -- propôs -- Hoje é free!
--Dallayuni Dau'wibuni wallah, allah hallah hallah, Allah hallah hallah, elli biya ielam – allah…
--Como te dizer não? -- caprichou no olhar -- Seus desejos são ordens! -- sinalizou para a banda -- Valeu galera! Parada pra almoço! -- anunciou -- Zero oitocentos, viu? Hoje tá por conta!
“Oba!” -- Zinara pensou -- "Comida e de graça!”
--Agora deixa eu conhecer tua cantora de Cedro. -- Naila piscou para Fernandão e se afastou
--Ah, mas... Depois vocês conversam... -- tentou argumentar sem sucesso
--As-Salamu Alaikum! (Que a paz esteja convosco!) -- Naila se aproximou do palco e saudou
--Alaikum as-Salaam! (E a paz também convosco!) -- a morena respondeu ao descer do palco -- "Ela tem os olhos de Shamsh... Até se parece com ela...” -- pensou emocionada -- Ana ismii Zinara. (Meu nome é Zinara.) -- beijou a própria mão e a estendeu -- Tacharrafna. (Muito prazer.)
A loura apertou a mão da outra e sorriu. -- Desculpe mas eu não sei falar mais nada além do “as-salamu”! -- brincou -- Prazer, meu nome é Naila. -- apresentou-se -- Você canta muito! -- elogiou -- Adorei!
Soltaram as mãos e a morena abaixou a cabeça envergonhada. -- Chukran... (Obrigada...)
--Ih, a gostosona de Fernandão foi falar com a caipira! -- Aline comentou achando graça -- Pára tudo que vai dar merd*! -- brincou
--Fernandão vai rasgar o rabo! -- Tina achou graça também -- Dá-lhe, caipira! -- bateu uma palma
--Mas essa gordinha presta, né, Tina? -- Bruna perguntou preocupada -- Não é como a vaca da Daise, daí? -- olhava para a amiga
--Ah, minha gente, sei não... -- respondeu levantando as mãos -- Sei nada dessa garota!
--Você chegou no país há muito tempo? -- Naila perguntou interessada -- Fala a língua daqui? Tá me entendendo?
A morena sorriu e olhou para a outra com timidez. -- Aywah (Sim), eu falo a língua daqui... -- balançou a cabeça -- Cheguei em 1986 e tive tempo de ir aprendendo o idioma ao longo desses anos. -- brincou
--Então, gente boa, vamos indo almoçar? -- Fernandão interrompeu a conversa -- Temos muito o que fazer ainda hoje e o tempo voa, né não? -- sorriu para a loura -- Vamo nessa, minha gata? -- olhava para ela -- Tô louca pra sentar do seu ladinho lá no trailler!
--Vamos. -- olhou para Fernanda e depois novamente para Zinara -- A gente conversa depois. -- deu tchauzinho e afastou
A morena ficou calada e apenas retribuiu o aceno. Olhou de relance para as três amigas de apartamento e percebeu que elas prestavam atenção no que aconteceu. “Já vi que elas vão fazer graça de mim por causa da Naila...” -- pensou bem humorada -- Ai, ai... -- suspirou
***
Zinara e Tina faziam as contas dos gastos do mês e separavam o dinheiro.
--Graças a Allah, mais uma vez não faltou nada! -- a morena comentou aliviada -- Depois que fui demitida morri de medo de ficar sem nenhum tostão pra pagar minha parte! -- desabafou -- Fico feliz porque ainda tá dando pra juntar um dinheirinho. -- sorriu
--Ah, mas esses showzinhos que você vem fazendo rendem mais dinheiro que tuas aulas de cursinho! -- olhou para a amiga -- Em dois meses você recebeu o que não ganhava em seis! -- sorriu
--É verdade... -- concordou -- E eu te agradeço por ter me arrumado esse tanto de cantoria, mas a maré boa vai passar. -- afirmou conscientemente -- O sucesso da música do Oriente aqui é um modismo que não dura muito. A cultura nacional, em termos de som estrangeiro, só sustenta a música de Godwetrust e qualquer trem cantado em saxão. -- pausou brevemente -- Tenho que arrumar outra fonte de renda senão logo vou ficar na penúria!
--Canta em saxão também, porr*! -- sugeriu como quem diz o óbvio -- Investe na carreira que você manda bem! -- elogiou
Sorriu achando graça. -- Laa acrif... (Eu não sei...) -- passou a mão nos cabelos e pensou por uns instantes -- Quando eu era awlaad (criança) dizia que queria ser cantora e mudarris (professora)... mas hoje percebo que, de verdade, o que eu mais amo fazer é ensinar! -- olhava para a outra -- Gosto de estudar, gosto de aprender, tenho sede por conhecimento e ensinar é minha forma sincera e prazerosa de agradecer ao povo de Terra de Santa Cruz por tudo que recebi e recebo desse país maravilhoso!
--Oxi! -- balançou a cabeça admirada -- É até bonito ouvir isso, não sabe?
--Mas é a verdade! -- reafirmou -- Cantar é maravilhoso, não négo! E aquela coisa toda da energia das pessoas, da vibração, do palco... mesmo sendo uma “cantora” -- fez aspas com os dedos -- de festas e eventos modestos, eu sinto aquele frio na barriga, aquela emoção forte por estar ali, cantando pro povo, e isso... -- sorriu -- Isso é bom por demais da conta! -- abaixou a cabeça -- Mas meu coração quer mesmo que eu seja mudarris (professora)... -- pausou brevemente -- Sabe...? -- levantou a cabeça -- Às vezes giddu Raja me dizia assim: “Ana acdam sharegh feeki w entilik melli baleki! (Eu sou sua estrada mais antiga e você minha maior esperança!)” -- lembrava do avô -- Ele era um mestre e aquela frase queria dizer que o conhecimento e a experiência o transformaram numa estrada e eu, como awlaad (criança), representava a esperança de novos caminhos, de novos conhecimentos, de projeto de um novo futuro... -- olhou para Tina -- Não quero viver de arte, embora ache isso lindo e meritório. Quero viver pra ensinar e, antes de mais nada, pra eternamente aprender!
--Nossa, mas tem vezes que você fala uns troço que me deixa até arrepiada, espia? -- mostrou o braço -- Então vai à luta, caipira! -- gesticulou -- Vai lá pro Observatório e busca uma chance, vai pedir uma bolsa de iniciação científica pros teus professores, dá a cara pra bater! -- aconselhou -- Aliás, nem sei como que ninguém do teu Departamento te ofereceu uma bolsa de iniciação científica até agora! -- estranhou
--Uma das condições pra poder disputar uma bolsa é estar no quarto período e eu tô no terceiro. Por isso professor nenhum podia me oferecer bolsa até então. -- explicou -- Mas deixa eu te contar que recebi uma proposta semana passada, já que meu quarto período começa em agosto, e já preenchi a papelada pra poder concorrer. Tenho esperança e tal, só que o valor da bolsa é muito pequeno e eu tenho que trabalhar em mais outro canto pra poder me sustentar. -- suspirou -- Também pensava em buscar alguma coisa no Observatório, mas fiquei com vergonha de parecer muito caipira...
--Deixe de fuleiragem, bicha! -- ralhou -- Você é a melhor aluna daquela porr*, quem é que não vai te querer? -- deu um tapa no braço da outra e sorriu -- Aliás, falando em te querer... a gata da Naila tá a fim... -- falou com malícia -- Te querendo desde a festa de Fernandão...
--Oxi, mulher, num dou conta dessas tuas conversa! -- levantou-se envergonhada -- A garota só me cumprimentou na parada do ensaio e depois mais nada. -- andou pela sala -- Da onde você fica juntando essas ideias? -- perguntou de cabeça baixa -- Majnum! (Louca!) -- brincou
--Ela não chegou perto de você na festa porque Fernandão ficou marcando junto o tempo todo. -- justificou -- E adiantou nada porque tomou tôco! -- riu brevemente -- Ontem encontrei com ela no Campus e conversamos um pouco. Disfarçou, disfarçou e logo perguntou por você.
--Smallah! -- surpreendeu-se e parou de andar -- Perguntou por mim? -- olhou para Tina -- Ezzai? (Como pode?)
--Assim, como quem não queria nada... -- reclinou-se na poltrona -- Aí eu convidei ela pra sapa party que vai ter aqui no sábado. -- comunicou sorrindo
--Vai ter?! -- espantou-se
--Por que a surpresa? -- não entendeu -- Vira e mexe tem festa nessa República e o período acaba agora! Tem que comemorar as férias, né? Mesmo que durem só por uma semana! -- riu
Zinara coçou a cabeça.
--E dessa vez você não vai fugir! -- ordenou -- Vai ficar aqui e dar uns pegas na Naila!
--Shoo sarlake? (O que acontece com você?) -- perguntou com os olhos arregalados -- Eu não vou cantar a moça, não, uai! Tampouco ficar de agarramento aqui no meio do povo! -- respondeu indignada -- Além do mais eu não tô bem e ainda não me recuperei do efeito Daise. -- voltou a andar pela sala
--Porr*, Zinara, num ferra! -- levantou-se também -- Esquece aquela cachorra e toca a vida pra frente! -- respondeu impaciente -- Eu notei que a Naila mexeu contigo! Farejo uma sacanagem a quilômetros de distância!
--Não foi ela que mexeu comigo, Tina, foi a lembrança que ela me trouxe... -- retrucou e se calou por uns instantes -- Eu não sou como vocês, mas não me entenda mal... -- parou de andar -- Vocês não ligam, não se apegam... eu não sou mulher de dar uns beijos numa moça aqui, ficar com outra ali... -- olhou para a amiga -- Naila não quer namorar comigo, ela quer ficar. Se é que quer... -- suspirou -- Shamash ainda vive no meu coração e eu... -- conteve a emoção -- Eu não sei fazer nada pela metade!
Valentina deu um suspiro profundo e olhou para a amiga com ternura. Aproximou-se da morena e segurou o rosto dela com as duas mãos. -- Você é a criatura mais preciosa que eu já conheci na minha vida, visse? -- afirmou com sinceridade -- É pura, verdadeira... fiel como um cão e não me entenda mal. -- as duas sorriram -- Você ainda vai conhecer uma mulher de coração tão valioso quanto o seu, que é de ouro. -- beijou a testa dela -- Mas enquanto essa mulher não vem, não deixa o luto abater sua alma porque sua Shamash certamente não ia gostar disso. E se esse luto não tiver fim, quando o amor de verdade chegar, você não vai conseguir ver e vai deixar passar. -- aconselhou -- Faça diferente do que fez com Daise: não acredite em tudo, não seja tão ingênua, avalie a pessoa pelo que faz, não pelo que diz. E vai curtindo, conhecendo... E se não quiser ir pra cama com ela, não tenha vergonha de dizer não.
--Daise achou eu sem graça... -- confessou -- E ela queria usar uns trem que eu não aprovava...
--Daise é uma bicha fuleira e escrota! -- interrompeu de cara feia -- Liga praquela fuleira, não! Mulher safada, tomara que se dane! -- praguejou -- Eu aposto que sua Shamash gostava de fazer amor com você. -- comentou com delicadeza
Zinara sorriu e balançou a cabeça envergonhada. -- E eu gostava também por demais da conta!
--Então? O problema foi daquela tarada safada! Bicha braba! -- soltou o rosto da amiga -- Ouve meu conselho, -- afastou-se -- dá uma chance pra conhecer a Naila e ver o que vai rolar. Mas, ói! -- olhou para Zinara com o dedo em riste -- Não procure encontrar sua Shamash nela, senão vai tá pedindo pra sofrer! -- deu tchauzinho e saiu da sala -- Fui!
A jovem ficou parada no meio do cômodo, calada, apenas pensando em tudo que ouviu.
***
https://www.youtube.com/watch?v=TATrYS_FW_A
“Yana il arbi weld il ghama wajil,
Dellali,
Dellali dellali...”
--Aí meus avós vieram pra cá pouco antes do final da última Grande Guerra. -- Naila contava -- E foi a melhor coisa que fizeram, porque senão minha família teria passado pela guerra de Cedro como aconteceu com vocês. -- pausou brevemente -- E eu nem teria nascido, provavelmente. -- sorriu
--Que bom que eles decidiram vir pra cá. -- respondeu sem saber o que dizer
Zinara e Naila estavam conversando enquanto várias outras garotas também se entrosavam na sapa party.
“Dana dana dana liy,
Dellali,
Miryooli,
Dellali...”
--Eu nunca conheci mais ninguém de Cedro além dos meus avós. -- continuava falando -- Quando Fernandão me disse que você era de lá, achei o máximo!
--Ela me conheceu por intermédio de Tina. -- comentou -- Queria alguém pra cantar naquela festa... -- não conseguia se sentir à vontade
“La zhar la mimoun khallouni,
Nhoum, dellali,
Dellali dellali...”
--E cantou muito! -- elogiou -- Aliás, toda vez que ouço essa música agora me lembro de você. -- jogou um charme
--Ah... -- ficou ainda mais encabulada -- "Ô, meu Pai, e diz o quê nessa hora?” -- pensou
--Você é tímida, né? -- achou graça -- Por que as mulheres superdotadas geralmente são tímidas? -- continuava cheia de charme
--Uai?! Superdotada? -- não entendeu -- "Qual que é meu dote?” -- pensava intrigada
“Yana il arbi weld il ghama wajil,
Dellali,
Dellali dellali...”
El Arbi – Khaled [a]
--Você também é misteriosa... -- aproximou-se sensualmente -- deixa a gente cheia de curiosidade... -- segurou a gola do casaco da morena
--Eeeu sou misteriosa? -- afastou-se envergonhada -- Tem mistério não, uai! Eu sou é caipira! -- falou sem pensar -- "Minha Mãe do céu, mulher, você fala cada bestagem que só vendo!” -- condenou-se mentalmente
Achou graça. -- E uma caipirinha adorável. -- aproximou-se mais uma vez -- Nunca conheci uma igual.
--Quer ver o céu? -- deu um pulo e se afastou novamente -- Vem que eu te mostro... -- sentia-se perdida -- te mostro uns trem! -- correu para fora do prédio
--Vamos. -- riu brevemente -- Quero ver os trem. -- balançou a cabeça achando graça
Zinara levou Naila para o telhado da República e apontou várias estrelas no céu. -- Olha lá! -- indicou -- O céu tá tão limpo que dá pra ver até Androsmedae sem dificuldade nenhuma! -- mantinha os olhos fixos nas estrelas
Contemplou em silêncio por alguns segundos até que perguntou sensualmente. -- É só em cima do telhado... -- virou-se de frente para a outra -- que você sabe fazer uma mulher ver estrelas, Zinara? -- falava maliciosamente -- Duvido muito... -- segurou-a pelo casaco -- As bem comportadas são as piores...
--Ave Maria! -- engoliu em seco
--Tem medo de mim, meu bem? -- olhava nos olhos -- Tem não... Eu não mordo... muito. -- sorriu
"E ela parece tanto com Shamash... Esses olhos...” -- pensou enfeitiçada -- Ya lilli ya aini... (Você que é meus olhos...) -- sussurrou pensando em Olívia
--Se traduzir isso vai me deixar mais excitada do que eu já tô? -- tentou beijá-la
--Mas você... -- desvencilhou-se com movimentos ninja -- ainda não viu a Constelação de Gemini. -- endireitou-se toda e apontou para o céu -- Olha lá! Adivinha que planeta é aquele ali no meio das estrelas? -- sentia-se nervosa
Naila respirou fundo e acabou rindo novamente. -- Ai, ai, meu bem... -- cruzou os braços diante dela -- Eu sei que você ainda sofre o luto da perda e respeito muito isso. -- olhava para a morena, que se surpreendeu -- Sei também que quando a gente se envolve com uma filha da puta sem esperar por isso acaba ficando cismada, mas... não fique tão na defensiva. -- falava mansamente -- Não sou uma canalha...
Estava pasma. “Ela sabe é de coisa!” -- pensou estupefata -- Mas como que...? -- lembrou de Tina e deduziu -- "Mas Valentina faz cada fuxico que nem sei! Língua de trapo, sô!” -- pensou revoltada
--Eu já ando puta com tanta canalha que aparece na minha vida, sabe? -- desabafou ao se sentar na mureta -- Fernandão, por exemplo! -- citou -- Doida pra me comer com aquele pau de borracha com cara de pombo! -- fez um bico -- Vê lá se eu vou querer? -- balançou a cabeça indignada -- Logo pombo?
--Choo?? (O que??) -- arregalou os olhos -- Você... preferia um outro bicho? -- perguntou sem entender
--Se ainda fosse um pau sem cara, ou um ursinho, cachorrinho, mas com cara de pombo? -- continuava falando -- Eu me sentiria como a garota do filme da Garganta Sem Fundo! -- gesticulou -- E ainda queria botar por trás? Sem usar xilocaína nem nada? A seco? -- riu brevemente -- Tô fora!
--Vocês... chegaram a negociar essas questões? -- perguntou em estado de choque
--E a Jô, que queria esparramar cocaína entre as minhas pernas pra cheirar com canudinho? -- lembrou de outra mulher -- Olha se eu ia querer isso! -- revirou os olhos -- Já bastou aturar aquela mania dela de querer me cutucar com a colherzinha! -- gesticulava -- Escreveu não leu, lá tava ela com a colherzinha pra meter dentro!
--Colherzinha?! -- estava bestificada
--E aquela piranha da Paloma que fez uma suruba na festa de natal? -- comentou revoltada -- Acredita que ela transou em cima da mesa com uma velha vestida de Santa Klauss e um peru do lado? -- olhava para Zinara -- Eu posso com uma merd* dessas?
--Eu tô achando que isso aí é muita informação... -- coçou a cabeça
--Marta e aquele jogo de samurai... Minha nossa, puta que pariu! -- revirou os olhos -- Ela apertou meu pescoço de um jeito que pensei que fosse morrer! -- enfatizou a frase
--Ma koul gheir oh Allah! (Eu não digo outra coisa senão, oh Deus!) -- exclamou apavorada -- Por onde que você anda pra conhecer essas mulher tranqueira, hein?
--Tenho andado com as mulheres erradas, é isso mesmo! -- concordou -- Mas agora eu quero alguém... -- puxou-a pelo casaco para que se encaixasse entre suas pernas -- que não tenha essas taras loucas e esteja disposta a algo com conteúdo... -- acariciava o rosto da jovem com delicadeza -- Uma caipira assim... como você! -- sorriu
--Mas a gente mal se conhece... -- estava assustada -- E depois de ter... namorado ou sei lá o que com essas mulheres aí... você vai me achar a bicha das mais fuleiras!
Riu brevemente. -- Fuleiragem foi o que te contei... -- olhou para o céu -- Mas vamos no seu ritmo. -- pausou brevemente -- Me mostra as estrelas que você conhece? -- pediu -- O espaço é outra coisa que me intriga!
“Ela parece tanto com Shamash e ao mesmo tempo é tão diferente...” -- pensou -- Aquela ali é Pólux. -- apontou -- E aquela outra, meio vermelha, é Aldebaran...
--Ai, ela sabe tudo! -- beijou-lhe o rosto
Zinara corou e continuou a mostrar as estrelas.
“Naila não tinha nada a ver comigo, Kitaabii. Ela era direitista, da ala dos conservadores, não se importava com as causas sociais, não era patriota, não ligava para os estudos e descumpria com a palavra dada frequentemente. Gostava das noitadas e de todo tipo de festa, de beber caipirinha, vodka e vinho quase ao exagero e de ouvir música no último volume. Tinha uma verdadeira neura com o peso, por não conseguir emagrecer, e dirigia como se o mundo fosse acabar. Lembrava até aquele racha que Fred me levou para participar...
Mesmo assim eu me envolvi com ela e tenho muito que agradecê-la pelo que fez em minha vida. Naila confiava em mim com todas as forças e me dava colo, carinho e conselhos muito úteis. Ela me ajudou a ter mais confiança, a olhar as pessoas sempre de frente, sem abaixar a cabeça, e foi essencial para que eu superasse o complexo que Daise havia me colocado quanto ao meu desempenho na intimidade. Mesmo sendo cinco anos mais jovem que eu, tinha muito mais experiência sexual e nosso entrosamento era ótimo. Entre nós havia uma relação de troca não verbalizada na qual ela se sentia aceita por mim, sem cobranças estéticas, e eu me sentia acolhida por ela, embora confesse que o tempo todo busquei por Shamash...
Naila e Valentina me convenceram a engolir o orgulho ferido mais uma vez e procurar por usritii (minha família). Não fosse por isso teria perdido meus últimos momentos com Khaled. E que momentos difíceis, Kitaabii, que momentos... Não quero mais descrever ou sequer pensar naqueles dias infelizes do ano de 2001, mas quando voltei para São Sebastião, completamente arrasada, encontrei nos braços da minha namorada a fuga que tanto perseguia. Estava louca de dor, de remorso e o coração carregado por tristezas indescritíveis. Naila passou a funcionar como uma espécie de narcótico que me anestesiava com muitas doses de sensualidade, despertando em mim um lado até então desconhecido, que no fundo me assustava. Ela se sentia melhor com aquele jogo, por conta de seus complexos, e eu evita pensar na vida e descarregava no sex* a tensão que me consumia a alma.
Essa troca, muito mais física que sentimental, foi o início do fim. De alguma forma, parecia que nossas diferenças começavam a ganhar mais relevo e aos poucos uma barreira começava a surgir entre nós, embora o sex* se tornasse cada vez melhor. Vivíamos numa corda bamba, Kitaabii, e depois que Valentina se foi, tudo desabou de uma vez só. Foi o momento em que a loucura quase me consumiu por completo... mas, por favor, quero que me responda com sinceridade: como ser normal vivendo a vida que vivi?”
Zinara chegava na casa de Naila e foi surpreendida com a namorada esperando por ela de baby-doll.
--Smallah! -- arregalou os olhos e sorriu -- Que roupa é essa? -- reparou surpreendida -- Cadê usritik (sua família)? -- olhou para todos os lados ao entrar na sala
--Tô sozinha, habibi... -- respondeu sensualmente ao fechar a porta -- Quer dizer, estava. -- aproximou-se da morena -- Agora tô bem acompanhada... -- mordeu o lábio inferior da amante
--Oh, ya gamil... (Oh, minha linda...) -- abraçou-a pela cintura e a beijou
--Não! -- desvencilhou-se bruscamente -- Assim não! -- encostou-se na parede -- Quero você mais cheia de tesão do que isso! -- abriu um pouco o baby-doll -- Quero mais intensidade, mais calor. -- pediu sensualmente -- E não fala nada, porque eu só quero sentir! -- falava com voz melosa -- Não quero ouvir sua voz! Quero te entender com suas ações e não com palavras doces! -- ordenou -- Só quem fala aqui agora sou eu! --determinou
A morena aproximou-se da outra e foi detida pelas mãos que seguraram seus ombros.
--Eu quero ação, Zinara! -- seus olhos pareciam faiscar -- Atitude! -- empurrou-a para longe com força -- Vem e me submete! Mas vem com vontade porque senão eu vou negar! -- desatou um laço da calcinha -- Vem e descarrega comigo tudo isso que você reprime!
“Não sei o que acontecia comigo naqueles tempos, Kitaabii, mas de repente Naila passou a me despertar um desejo que me transportava para fora de qualquer senso de mim mesma. Bastava que me provocasse.”
Sem dizer uma palavra Zinara segurou a jovem pelos braços e a arremessou com força contra o sofá. A loura caiu deitada e se assustou com a violência do ato, ao mesmo tempo em que gostou da reação.
--O que você quer de mim? -- perguntou fingindo medo e inocência
A morena despiu-se com fúria e mergulhou entre as pernas da jovem rasgando sua calcinha com as mãos e os dentes.
--Gente, o que é isso?? -- sorriu extasiada -- Ai... -- sentiu-se imobilizada pelos pulsos -- Ai, gente... -- fechou os olhos quando boca e língua da amante invadiram seu sex* com ansiedade -- AHAHAH... -- gem*u alto
Zinara soltou os pulsos de Naila e percorreu com mãos agressivas o corpo da namorada até encontrar os seios que clamavam por atenção. Puxou o sutiã com muita força e o arrebentou. Enquanto isso continuava estimulando-lhe o sex* como se tivesse fome da outra mulher.
--Ai, meu Deus, que violência!! -- sorriu -- Bem assim, desse jeito, com vontade... -- pedia ao se contorcer na poltrona -- Ai, que delícia... Ai... -- gemia
Percebendo a excitação da parceira, a jovem seguiu beijando, mordendo e sugando a pele da loura. Rasgou-lhe o baby-doll, segurou-a pelos cabelos com força e puxou uma de suas coxas com vigor para manter os corpos colados.
--Ai, adoro quando você me pega assim com essa violência... -- respirava com sofreguidão -- AH...
Mordicando-lhe o seio, mantinha-a segura pelos cabelos. A outra mão ameaçava penetrá-la mas não o fazia.
--Ai, não faz isso!! -- pedia em voz mais alta -- Mete em mim, vem! -- ordenava
Mordeu o queixo da amante e soltou os cabelos dela, deslizando as duas mãos até a cintura. Sem que Naila esperasse, aliviou seu peso de cima dela, segurou-a pela nuca, mantendo a outra mão na cintura, e virou-a de costas com brutalidade em um único movimento. A loura apoiou-se nos braços da poltrona para não cair.
--Ai... -- gem*u -- Eu acho incrível como você tem força pra fazer isso! -- comentou sorrindo
Deitou-se novamente por cima da loura, introduzindo alguns dedos com força enquanto a outra mão provocava um mamilo. Movimentava o corpo contra o da namorada, esfregando o sex* em suas nádegas em ritmo acelerado.
--Eu não sei se consigo aguentar assim! -- suportava o peso de ambas com os braços apoiados na poltrona -- Se eu soltar a gente cai... Ah!! -- gem*u
Zinara continuava muda e provocando sua mulher sem se importar com nada que dissesse. Sentindo o clímax se aproximar, Naila não aguentou mais e as duas caíram no chão.
--Ai, meu cotovelo! -- reclamou -- Ai, tá doendo... -- tentou se desvencilhar e deitou-se de barriga para cima
Zinara também sentia dor, mas segurou-a novamente pelos pulsos, imobilizando suas mãos por cima da cabeça. Deitou-se sobre Naila e olhando em seus olhos pôs os sex*s em contato íntimo e esfregou-se contra ela com fervor redobrado. Em poucos segundos chegaram ao orgasmo, desprezando a dor que sentiam por terem caído de mau jeito.
“Eu olhava nos olhos dela, Kitaabii, e mergulhava no passado com Shamash, no passado em que Khaled ainda vivia, só que não encontrava o que buscava com desespero... Meu corpo convulsionava de prazer mas a alma gritava em silêncio por não aceitar que o tempo passou e tudo era diferente.
Foi a primeira vez que espírito e carne se divorciaram, mergulhando em sensações diametralmente opostas. Foi a primeira vez que senti prazer com vontade de chorar.”
--AH... AH... -- gem*u mais alto e respirou fundo -- Ai, me solta... -- sentia o corpo se acalmar -- Ai...
Zinara também sentia o corpo relaxar e soltou os pulsos da amante. Saiu de cima dela e sentou-se no carpete com o coração agoniado. Queria se libertar daquela angústia dolorosa, mas o prazer não foi suficiente para isso. -- Ah... -- suspirou -- Yahda’u, Zinara! (Fique calma, Zinara!) -- sussurrava para si mesma -- Shoo sarlake? (O que acontece com você?) -- passou a mão nos cabelos -- Allah daloui... (Deus me ajude...) -- fechou os olhos -- Ya sheen theek izziwaya, Aba? (O que será de mim, Aba?)
Naila não entendia o que a namorada sussurrava. -- Já tá falando aquelas palavras doces que gosta de dizer, hum? -- arranhava-lhe as costas devagar -- Você é uma romântica incorrigível...
--Aywah... (Sim...) -- respondeu sem olhar para a outra -- Eu sou... -- queria ir embora
--E também é foda, porque me machucou. -- olhou para o cotovelo -- E deve ter me deixado uns ch*pões também! -- sorriu
--Não fiz como queria? -- continuava olhando para o nada
--Fez... -- sentou-se também e beijou as costas da morena -- E eu adorei! -- sussurrou no ouvido -- Não é sempre que se tem uma terça-feira interessante desse jeito... -- brincou -- Agora vamos tomar um banho rapidinho porque você tem que ir embora, já que daqui a pouco meus pais chegam! -- advertiu -- Anda! -- levantou-se com dificuldade -- Ai! -- gem*u
Zinara levantou-se rapidamente e começou a catar as próprias roupas.
--Porr*, mas você destruiu minhas roupas! -- comentou achando graça -- Você é um animal quando provocada, Nossa Mãe! -- riu toda prosa -- Aposto que nunca tinha feito isso! -- comentou
--Laa... (Não...) -- olhou para ela -- Nunca.
--Vem aqui de novo na sexta? -- falou ao se aproximar -- Você sai do Observatório e vem direto... -- propôs -- Meus pais vão pra Nova Fraiburg passar o final de semana e se mandam na sexta de tarde... -- beijou-a -- Só voltam no domingo à noite...
--Tá. -- respondeu simplesmente
--Agora vamos pro chuveiro! -- piscou -- Se eles chegarem de repente e derem de cara com essa cena aqui, vai ser foda! -- riu -- Vem! -- seguiu nua para o banheiro
Balançou a cabeça como se quisesse engrenar as ideias. -- Acorda, Zinara! -- deu um tapa na própria testa e foi para o banheiro também
***
Domingo à noite, Zinara chegava em casa. Reparou que todas as colegas da República aguardavam na sala de seu apartamento e ficou intrigada.
--Eita, mas o que se passa aqui, uai? Vocês tão com umas caras... -- olhava para elas -- "E por que tá todo mundo aqui?” -- não entendia
--Cadê a Tina? -- Aline perguntou aflita -- Ela não tava com você?
--Fala, guria, cadê ela? -- Bruna também estava tensa
Todas as outras moças aguardavam uma resposta.
--Estive com Tina só na sexta. -- colocou a mochila sobre a mesa -- Ela deu uma passada no Observatório e me falou de um evento político que ia acontecer no Centro. -- contava -- Eu não quis ir porque ia pra casa da Naila.
--Mas ela foi pra onde, mulher? -- Ingrid perguntou impaciente
--Laa acrif (Eu não sei), deve ter ido pra lá! -- começou a se angustiar -- Eu disse pra ela não ir, por causa da hora, mas sabe como é custosa aquela mulher! -- pausou brevemente e pensou no pior -- Não me digam que ela sumiu? -- sentiu o coração acelerar
--Desde sexta... -- Clarisléia começou a chorar -- Ela tá morta, eu sei... -- caiu de joelhos no chão -- Tive um pesadelo horrível... -- cobriu o rosto com as mãos
--Pára de falar isso! -- Rosa gritou -- Pára!
“Uma sensação horrível tomou conta de mim, Kitaabii. Aquela angústia que me consumia desde a terça à noite na casa de Naila, e que não passava de forma alguma, parecia ganhar um sentido adicional. Teria sido somente fruto de minhas dores ou também um pressentimento de que algo ruim estava por acontecer? Quando encontrei com Tina e ela me convidou para o evento, meu coração pediu para fazer alguma coisa. Uma voz inconsciente me disse para não deixá-la de ir, mas não consegui. Eu deveria ter ido junto, deveria ter insistido mais, só que não o fiz. E como sofri com isso, Kitaabii... Acho que nunca saberei descrever...
No dia seguinte a bomba explodiu: um policial telefonou informando que o corpo de Valentina fora encontrado em um terreno baldio. Acho que só não desmaiei naquele momento porque já vivia em outra dimensão, fora de mim. Era muita dor, muita coisa ruim de uma vez só. Por que era daquele jeito, Kitaabii? Por que? Perguntava a Allah o motivo de me castigar tanto...
A família dela veio com urgência para cuidar do enterro, mas fui eu e Cláudia, minha doktuur, que reconhecemos o corpo. Cadáveres não assustavam mais. A ela, pela profissão que buscava e a mim por causa da guerra. Quantos vi e de quantos cuidei ao longo da vida? Não quero detalhar essas lembranças... na verdade, luto para que se apaguem da memória.
Procurei por Naila depois do enterro e não a encontrei. Tinha viajado com a família sem sequer me avisar. Quando voltou, encontrei-a na Faculdade conversando com uma moça e ouvi que falavam de outra mulher com visível interesse. Entendi que era o fim de nosso namoro e me senti sobrando, um ser humano sem razão de ser na extensão de todo planeta Água.”
--Zinara!! -- Naila corria atrás da namorada -- Zinara, pra onde você vai??
A morena montou em sua bicicleta e saiu pedalando com todas as forças que podia impor sobre as pernas. “Chega de tudo isso!” -- decidiu -- "Pra mim acabou!” -- pensava -- “Yekfak ham da lHal! (Basta desse tempo de tristezas!)”
“Eu não tinha mais objetivos, Kitaabii, por que haveria de ter? Khaled estava morto, Valentina fora assassinada e Naila havia se desinteressado de mim. Quem se importava comigo? Eu era importante para quem? Todas as pessoas que um dia me amaram não viviam mais nesse mundo. Por que eu deveria permanecer aqui?
Corri até o limite de minhas forças e quando dei por mim estava na Rodovia. Não pensava em muita coisa, não enxergava quase nada com meus olhos embaçados por lágrimas de dor e angústia. Queria fugir, queria sumir ou apenas morrer...”
--Olha pra onde tá indo, porr*! -- um motorista nervoso gritou
--Vai morrer, maluca! -- uma jovem advertiu
Zinara corria sem saber para onde ou porque. Não ouvia as advertências, tampouco as buzinas furiosas. Nada importava, nada fazia a menor diferença.
--Louca!!! -- uma mulher gritou
A morena percebeu que um caminhão ultrapassava perigosamente uma carreta, colocando-se na contra mão, em rota de colisão com ela e sua frágil bicicleta, além de ameaçar os carros que vinham em sentido oposto. Não fez menção de desviar e simplesmente continuou pedalando.
“Eu mirava a morte no olho, Kitaabii. E desejava-a com sofreguidão.”
--Ai, mas dá uma tensão ler isso! Mesmo já tendo ouvido essa história de você, caipira louca! -- Clarice falava sozinha -- Desespero terrível! -- passou a mão nos cabelos -- Inacreditável que um pássaro apareceu do nada, te desequilibrou e te fez cair num valão cheio de esgoto! -- balançou a cabeça negativamente -- A vida inteira você flertou com a morte, meu bem... -- suspirou -- Que pena que tenha decidido se entregar de novo a ela justo agora... -- lamentou
***
--Vixi, mãínha, mas esse jogo tá muito ruim! -- Hassan reclamou ao final do primeiro tempo -- Terra de Santa Cruz tá penando, visse? -- abaixou o volume do radinho
--É pur essas e ôtra qui num queru sabê di futibor! -- Georgina afirmou enfática -- Consumição miserávi, num sabi?
--Mas de tudo, a coisa que eu não gostei mesmo foi das férias terem passado pra agosto por causa da Copa! -- fez uma expressão contrafeita -- Logo eu que tava doido pra ir botá gidda e giddu...
--Podi demorá um poquinhu mais só qui nóis vai! -- garantiu sorrindo -- E vamu vivê mais teu avô e tua avó e teus parenti tudu!
--Eu gosto quando a senhora fala assim! -- sorriu também -- Agora eu sinto firmeza! -- abraçou a mãe com carinho
--Purque agora eu sintu qui vai dá certu, mininu... -- abraçava-o com carinho -- “E inté tenhu isperança di qui tarveiz possa vivê um poquinhu mais...” -- pensou cheia de expectativas -- "Tenhu mi sentidu tão bem...” -- beijou a testa do filho -- Vamu caminhandu, mininu. Um passinhu di cada veiz e nóis chega lá!
CAPÍTULO 118 – Salvas Por um Peito Cabeludo
--Mamãe, Raquel deixou o tanque cheio de roupa suja do ogro! -- reclamou ao entrar no quarto da idosa -- Eu não vou lavar! Nem que ela me dê dinheiro! -- gesticulou
--Deixe lá que depois ela vai lavar... -- respondeu sem dar importância -- Sabe que sua irmã sempre faz isso...
Cecília estranhou a reação de Leda -- Que foi, mamãe?! -- aproximou-se alarmada -- Tá sentindo alguma coisa? -- perguntou preocupada -- Tá com dor, falta de ar, tá dando piripaque, derrame...? -- apalpava a mãe
--Eu, hein, menina, vira essa boca pra lá! -- reclamou ao se levantar -- Tô morrendo, nada! Vê lá se eu tô com cara de quem tá batendo as bota? -- afastou-se gesticulando -- Eu tava era pensando... -- parou diante da janela -- E me deu uma tristeza...
--Pensando em que? Por que tá triste? -- não entendia -- Ah, já sei! -- concluiu -- Clarice e... -- fez um bico -- Zinara. -- pronunciou o nome da outra com má vontade
Olhou para a filha e respondeu com estranha calma: -- Fiquei aqui pensando na dor de uma mulher, que é mãe, e vê seus filhos morrendo! -- cruzou os braços -- Eu jamais queria saber o que Amina sente!
Deduziu que se tratava da mãe da astrônoma. -- De fato... -- respondeu envergonhada -- Deve ser horrível... -- concordou
--E a dor de sua irmã merecia mais respeito de sua parte! -- repreendeu
--Eu também sofro uma dor de separação! -- argumentou
--Cecília, você tem é fogo de palha! -- retrucou revoltada -- Nunca te vi apaixonada por ninguém! -- gesticulava -- Você cisma com uma bomba, namora, quebra a cara, se dana e depois passa pro próximo!
--Ah, mamãe, também não é assim! -- negou -- Eu sou uma mulher que não tem medo do amor! -- afirmou resoluta
--Você tem é um fogo no rabo como nunca vi! -- gesticulou -- Raquel gosta da praga daquele ogro e Clarice ama Zinara! Agora, você? -- olhava para ela -- Nunca te vi se apaixonar por ninguém!
--Humpf! -- fez um bico
--Mas chega de fuzuê nessa casa! -- decidiu -- Vem comigo! -- acenou saindo do quarto -- Vamos ter uma conversinha de mulher pra mulher!
--Ai, meu Deus... -- teve medo e foi atrás -- O que foi que eu fiz dessa vez? -- perguntou na defensiva -- Lembra que a roupa no tanque é do ogro e o ogro é da Raquel! Eu não tenho culpa!
--Esquece o traste e senta aqui. -- sentou-se na poltrona -- Do meu lado!
“Quando ela fala assim...” -- pensou desconfiada -- O que a senhora quer me dizer? -- sentou-se receosa
--Fiquei pensando muito depois que você disse que nunca mais quer voltar pra sua casa. -- olhava para a filha
“Será que ela vai me botar pra correr?” -- pensou decepcionada -- E não quero mesmo! -- afirmou resoluta -- Aquela casa me traz péssimas lembranças e eu quero recomeçar!
--E eu quero te fazer uma proposta! -- ajeitou os óculos -- Por que não aluga sua casa pra sua irmã?
--O que?! -- arregalou os olhos
--Agora que Raquel tem dado uma prensa no ogro e eles têm saído por aí atrás emprego pra ele e de imóveis pra alugar, pode ser uma boa ideia!
--Ah, eu... não tinha pensado nisso! -- considerou
--Então pense com calma e me diga. -- mudou de idéia -- Pense com muita calma, não! Amanhã mesmo quero uma resposta! -- decidiu
--Nossa, mas a senhora tem uma pressa! -- reclamou -- Não pode pelo menos esperar até domingo? -- propôs -- Além do mais, amanhã vou com Raquel resolver uns problemas no banco e aproveito pra dar uma sondada nela. -- cruzou as pernas -- Não levo muito fé no empenho daquele ogro!
--Isso é. -- concordou -- Mas você tem até domingo pra me dar uma resposta. -- levantou-se decidida
--Mas eu tenho mesmo a opção de dizer não? -- perguntou receosa
***
Cecília e Raquel aguardavam na fila do banco.
--Que joguinho mixo aquele de ontem, né? -- Raquel se queixava -- Pensei que Getúlio fosse morrer de agonia! -- revirou os olhos -- Só valeu por mamãe ter deixado ele entrar em casa pra assistir.
--Pois é! Vitoriazinha sofrida e sem personalidade! -- afirmou com autoridade -- Mas pra mim só valeu por poder ver as pernuchas dos jogadores! -- comentou empolgada -- Nisso ninguém fez feio! Cada coxão... -- suspirou
Fez um bico. -- Mas você é tarada, cruz credo! -- olhou para a irmã com reprovação -- Parece que só pensa em sex*, eu, hein!
--Penso e faço! -- jogou os cabelos -- Quer dizer, não agora, que tô vivendo esse momento de separação, né? -- aproximou-se de Raquel -- Escuta aqui, -- puxou-a pelo braço -- você e o ogro por acaso...? -- gesticulou -- A coisa entre vocês ainda pega fogo ou tá brabo?
--Cecília! -- ralhou prestando atenção nas pessoas ao redor -- Os outros vão ouvir isso! -- desvencilhou-se da outra
--É só responder sim ou não... -- cruzou os braços
--Ah... -- não sabia o que dizer -- Faz um tempo que... -- não olhava para a irmã -- A gente é casado, né? Não tem mais aquele fogo do começo. -- justificava-se
--Aliás, me parece que esse fogo logo acabou, porque vocês têm um jeito tão borocochô...
--Ih, mas que droga! -- reclamou -- Fica especulando sobre a vida sexual dos outros, coisa chata! -- franziu o cenho
--O seu mal é não querer ver a verdade, Raquel! -- argumentou -- Esse teu casamento já se acabou faz tempo! -- estalava os dedos -- Ui! -- sentiu um esbarrão e olhou na direção da pessoa -- Enxerga não, moço? -- reclamou
--Desculpa aí! -- abaixou a cabeça e se afastou
--Eu, hein, homem bruto! -- esfregou o braço enquanto o acompanhava com o olhar -- Tinha uma coisa dura, eu, hein? -- continuava olhando -- Homem grosso, rude, me respondeu com uma voz... -- passou a mão nos cabelos -- máscula... -- abanou-se -- Ui!
Raquel apenas revirou os olhos.
Após resolverem tudo que deveriam, saíram do banco e seguiram caminhando para o ponto de ônibus.
--Engraçado, aquele homem másculo e viril tava no banco o tempo todo, mas de repente ele sumiu... -- Cecília comentou decepcionada -- Pra onde será que foi?
--Deve ter ido cuidar da vida dele, da esposa, dos filhos, coisa que certamente ele tem! -- respondeu sem muita paciência
--Quietinhas aí! -- um homem agarrou Cecília por trás
--Gente, conheço essa voz! -- lembrou-se do homem do banco
--Fica na tua senão já viu! -- pegou a mão dela e colocou entre as pernas -- Tá sentindo? -- perguntou com voz rouca
--Ui... -- gem*u enquanto apalpava
--Ai, meu Deus, ladrão!! -- Raquel afirmou nervosamente -- Tá armado!! -- cobriu os lábios com as mãos -- "Deus, protege a gente!” -- rogou aflita
--E muito bem armado! -- Cecília apalpava outras coisas -- Nossa!
--As duas comigo, vem! -- ordenou em voz baixa e abraçou-as pela cintura -- Andando, caladinha, sem dar na pinta! -- começaram a andar -- Sorriso no rosto, porr*! -- olhou para Raquel
Lutava para não chorar -- Não faz mal pra gente, moço, pelo amor de Deus!! -- pedia aflita
--Olha só, meu querido, não precisa de violência! -- Cecília tentava mudar a situação -- Um homem tão másculo, tão cheio de atitude, né? Até dá pra fazer uma amizade! -- sorriu para ele
--Eu vou dar um jeito em você, vagabunda! -- respondeu em voz baixa -- Eu e meus camarada que tão esperando. -- sorriu com deboche
--Agora perdeu a graça! -- começou a sentir medo -- Eu não sou vagabunda, meu filho, sou decidida, é diferente! -- reclamou
--Cala a boca, vagabunda! -- respondeu entre dentes
“Deus, ajude a gente, por favor!!” -- Raquel orava em desespero
--Aquelas mulheres... -- um homem reparou nas duas -- Tem alguma coisa errada ali... -- pegou o rádio -- Serra! Fagundes, atende aí, porr*!
--Pronto, chefia! -- respondeu de imediato
--Elemento suspeito seguindo com duas mulheres pro Campo de Santa Maria. Alto, forte, moreno, blusa azul e branca.
--Passaram do meu lado agora! -- olhou para os três
--Tô do outro da rua esperando pra atravessar, mas você faz a aproximação, copiou?
Serra visualizou o colega parado no sinal e respondeu: -- Copiado! -- desligou e foi atrás deles -- E aí, Paulão, meu camarada!! -- fingiu que o conhecia ao abordá-lo -- Ih, tá bem acompanhado! -- parou na frente deles impedindo que continuassem -- Quem são as gatas? -- olhava para elas
--Simpático esse rapaz! -- Cecília comentou cheia de fogo
Raquel lançou um olhar de desespero. Esperava que aquele desconhecido as ajudasse.
--Te conheço, não, cara! -- respondeu desconfiado e segurou as irmãs pela mão -- Foi mal. -- tentou voltar a andar mas foi surpreendido por Fagundes -- Ah! -- sentiu a pressão do braço do outro imobilizando-o pelo pescoço e largou as mulheres
--Ele tá armado! -- Raquel gritou ao se afastar
--Pega esse safado! -- Cecília falou para Serra -- Ele tava manjando a gente no banco e ia fazer sabe-se lá o que! -- acusou -- E falou que tava com outros na boca de espera!
--Ladrão, ladrão!! -- pessoas se alarmaram e saíram correndo
Rapidamente Serra puxou o revólver da cintura do bandido e apontou para ele. -- Tá preso, mermão! -- anunciou
--Gente, que homem de atitude! -- Cecília gostou
--Sai daí, criatura! -- Raquel gritou para a irmã -- Vem pra cá! -- estava escondida atrás do portão de entrada do parque
Fagundes soltou o pescoço do homem e o algemou. -- Tá preso, vagabundo! -- falou de cara feia -- E pode ir dedando teus comparsa! -- ordenou
Cecília reparou no policial e logo o reconheceu. -- Gente, é o cigano dos peito cabeludo! -- arregalou os olhos e correu para junto da irmã
--Como é que é? -- Serra perguntou ao amigo achando graça
--Eu também não entendo isso! -- respondeu de pronto
--Menina, você não sabe de nada! -- agarrou a outra pelo braço -- Nosso herói é teu cigano! -- falava empolgada -- O dos peito cabeludo!
--Hã?! -- não entendia -- Eu aqui nervosa e você falando de cigano, criatura? -- respondeu impaciente
--Minha filha, se liga, teu cigano é da polícia! -- seguiu puxando-a pelo braço -- Vamo pra junto porque tem reconhecer o bandido, prestar depoimento, pegar telefone...
--Pegar telefone? -- estava abestalhada
--Claro! -- sorriu para a irmã -- O cigano é teu, mas o outro é um espetáculo e eu quero pra mim! Homem de raça!
Raquel e Fagundes se olharam. Ambos ficaram um pouco desconcertados.
Capítulo 119 - E Cadê Ela?
Zinara e seu guia acabavam de chegar na cidade aos pés do início da trilha. Estavam exaustos por conta do mau tempo que pegaram nos últimos dias, no entanto, a felicidade por estar a salvo passava por cima de qualquer desconforto.
--Dois dias a mais por conta desse mau tempo! -- reclamava -- Até parece que Allah fez isso por amaldiçoar a guerra!
--Allah nunca aprova a guerra, sadikii (meu amigo)! Abadan! (Nunca!) -- passou a mão nos cabelos -- E eu nunca me vi tão feliz ao final de uma caminhada! -- sorria -- Parece um sonho... -- suspirou
Não deixava de achar Zinara estranha. -- Mas e agora? Ya sayyida (a senhora) vai passar a noite aonde? -- perguntou curioso -- Não deve ter mais dinheiro algum!
--Quase não tinha quando o contratei, lissa faker (você lembra)? -- respondeu despreocupada -- Mas eu encontro uma solução, inshallah (se Deus quiser)! -- olhou para ele -- Já fez muito por mim em ter ido me resgatar com mantimentos. -- sorriu -- Rahimaka Allah! (Deus te abençoe!)
--Encontra uma solução?! -- não acreditava no que ouvia -- Estamos em tempo de conflito, a cidade está desassistida, os hotéis viraram abrigos! -- argumentou preocupado -- Como vai encontrar solução? E sem dinheiro??
Olhou para um estabelecimento pobre localizado a curta distância de onde se encontravam. -- Vou me oferecer para limpar aquele restaurante em troca de dormir lá dentro por uma noite. -- decidiu -- Talvez consiga até tomar um banho!
--Restaurante? -- olhou na direção do lugar -- Majnum... (Louca...) -- balançou a cabeça estupefato -- Eu vou acompanhá-la para impor respeito. -- ofereceu -- Afinal de contas não sabemos que tipo de lugar seria e as coisas aqui não funcionam como no Ocidente! -- fez um gesto -- Yaalah! (Vamos!) -- seguiu em direção ao local
--Acho que esse menino fez amizade comigo! -- falou para si mesma na língua de Terra de Santa Cruz -- É mole? -- riu sozinha
O local era um restaurante modesto, familiar e muito pobre, conduzido por um casal idoso. Zinara e o guia ocuparam uma mesa e ele ofereceu um café, que a astrônoma aceitou apenas por gentileza, uma vez que não bebia há anos por conta de sua insônia.
--Vai propor a eles a história da limpeza para poder pernoitar aqui? -- perguntou ainda incrédulo
--Assim que pagar pelo café eu peço. -- bebeu um gole
Balançou a cabeça negativamente. “Majnum!” -- não conseguia pensar em outra coisa
Enquanto saboreavam a bebida, a TV ligada repentinamente mostrou uma fotografia de Zinara. Uma jovem de uma ONG local pedia que se a morena fosse vista, o número apresentado na TV deveria ser contatado.
--Smallah! -- o dono do estabelecimento exclamou surpreso -- Eles procuram por você! -- olhava para Zinara
--Ezzai? (Como pode?) -- o guia não entendia como poderia ser
--Jamila... -- a professora deduziu imediatamente -- "Te devo mais essa, habibi!” -- pensou alegremente
--Quem é ya sayyida (a senhora) afinal? -- o rapaz perguntou intrigado -- Primeiro decide fazer uma caminhada longa em tempos de guerra, quase sem dinheiro e mantimentos! -- olhava para a mulher diante de si -- Depois recebo em sonho a determinação de buscá-la e me surpreendo ao vê-la melhor do que quando a deixei! -- gesticulava -- E agora isso? -- apontou para a TV -- Procurada por uma ONG? -- debruçou-se sobre a mesa -- Quem é a ya sayyida? -- queria saber
--Conhece algo de mitologia helênica? -- perguntou ao beber o último gole de seu café
--Aywah! (Sim!) -- balançou a cabeça confirmando
--Então me chame de Fênix! -- piscou para ele e sorriu
***
--Alô. -- Jamila atendeu o telefone desconfiada. O número não era identificado
--Oi, habibi! Sou eu, Zinara! -- saudou animada -- Kifel haal? (Como vão as coisas?)
--ZINARA??? -- levantou-se de um pulo -- Oh, Aba, onde você tá mulher?? -- perguntou com o coração acelerado
--Na sede da ONG que você mandou me procurar. -- respondeu naturalmente -- Eu gostei daqui. É bem simpático e me poupou de dormir numa birosquinha complicada! -- pensava no estabelecimento onde tomou café
--E você me diz isso assim, com essa naturalidade? -- respondeu desaforada -- Você desaparece, não dá satisfação pra ninguém e me liga assim com essa cara de pau? -- gesticulou -- Eu fiquei com vontade te matar, viu, Zinara? Eu, Cláudia e mais um monte de gente! -- reclamava -- Bicha safada! Sem vergonha, sem consideração! -- brigava com ela -- Ya behiima, ya habla!! (Sua estúpida, sua imbecil!!)
--AHHa, você aciona meio mundo pra me achar e depois me diz desaforo? -- reclamou -- Liguei pra você porque foi o único número estrangeiro que me deram autorização pra ligar! -- justificou-se -- Senão tinha ligado pra Sahar!
Jamila sentiu uma certa tristeza ao ouvir aquilo e respirou fundo para se conter. -- Tudo bem, é que eu fiquei... -- suspirou -- Ma tirjaa’ kifaya? (Por que você não volta?) Sai daí, tá todo mundo louco atrás de você! Tá fazendo o que aí, sua doida?
--Eu vim pra me despedir e no entanto... Ah, Jamila, aconteceu cada coisa tão incrível! -- falava empolgada -- Um verdadeiro milagre! Vários milagres pra dizer a verdade!
“Ai, Meretíssima, muito obrigada!!” -- a advogada agradecia mentalmente
--Agora eu quero voltar, sim, só que... falta dinheiro. -- confessou envergonhada -- Tem mais não...
Jamila riu gostosamente. -- Ai, ai, sua caipira doidinha... -- sorriu -- Eu vou dar um jeito pra você voltar pra casa.
--Chukran, habibi. -- agradeceu -- Avisa pra maama e Aisha que tá tudo bem, por gentileza. Fala com a doktuur, com ya Ritinha e ya Zezé, o pessoal do asilo... -- pausou brevemente -- E se você não levar a mal... Será que falaria...?
--Aviso pra sua mulher também, pode deixar. -- respondeu naturalmente -- No lugar dela eu gostaria de ser avisada.
--Não sabe o quanto te devo! -- pausou -- Tenho que desligar.
--Não saia daí, nem por um decreto! -- pediu -- Não me inventa mais moda nenhuma!!!
--Ficarei aqui. Wallahi. (Eu juro.) -- garantiu -- Agora tenho que desligar. Macasalaama, habibi! (Até logo, querida!) -- despediu-se
--Macasalaama! -- ouviu o telefone ser desligado do outro lado -- Eu nem acredito... -- sorria -- Meretíssima, eu prometi! -- olhou para cima -- E cumpro! -- pôs a mão no peito -- De hoje em diante, advogo por Vossa Excelência até o último dia de minha vida!
Fim do capítulo
Música do Capítulo:
[a] El Arbi. Intérprete: Khaled. Compositor: Khaled Hadj Brahim. In: Khaled. Intérprete: Khaled. Barclay & PolyGram Records, 1992. 1 CD, faixa 4 (3min35)
Comentar este capítulo:
Samirao
Em: 10/10/2023
Sabe que eu também procuro? Onde tem hein? Huahuahua
Solitudine
Em: 11/11/2023
Autora da história
kkkkkkkkkkkkkkkkkk Ói uma aqui!
[Faça o login para poder comentar]
Alexape
Em: 04/01/2023
Linda me respondeu tudo!!! Tô lendo e recomeçando a maratona. Se os comentários sumirem fde novo não repito. É greve que nem no Comuna.
Clarice não dá crise!!!!
Resposta do autor:
Acho que não vai sumir comentário. Olha o repetido aí! rs
Beijos,
Sol
[Faça o login para poder comentar]
Alexape
Em: 04/01/2023
Linda me respondeu tudo!!! Tô lendo e recomeçando a maratona. Se os comentários sumirem fde novo não repito. É greve que nem no Comuna.
Clarice não dá crise!!!!
Resposta do autor:
Olá querida!
Claro que eu responderia! rs
Sim, recomece com a corda toda! kkk
Pode deixar, se sumirem é vida que segue. Yara vai gostar de saber que te encampou o espírito grevista! rs
Clarice é insegura aí já viu. Às vezes não reflete nas coisas da vida.
Beijos,
Sol
[Faça o login para poder comentar]
Seyyed
Em: 21/09/2022
Ferrou Zi ligou pra Jamila e Clarice vai ficar toda misses neura!! Na boa se eu fosse ela nunca nem tinha dado o diário pra Clarice ler.isso ainda vai dar ruim hehe
Resposta do autor:
kkkkkkkkkkkk
Como diria nossa gaúcha Lila, de Maya, tu tens percepção! rs
A caipira nem sempre...
Beijos,
Sol
PS: Respondi tudinho!! Se você voltar aqui, o que espero com ansiedade, garanto que posso demorar mas tornarei a responder.
[Faça o login para poder comentar]
Seyyed
Em: 21/09/2022
Amo ler sobre o passado da Zi. E até agora tô achando que essa caipira é bem pagadora pode chorar e sofre com a mulherada mas passa o rôdo! Hehehe A história da Val lembra muito a da Pat. Isso te marcou né,? Vejo vários correspondências entre SEM e EBT e não acho que seja cópia. Tem algum sentido mas eu erro até xarada não vou descobrir qual é hehe
E olha os peito cabeludo chegando na área haha
Resposta do autor:
A caipira pegadora???? kkkkkkk Ai, ai, só você mesmo...
Essa homofobia que tirou a vida de Patrícia, em Maya, e Valentina, no Tao, tem que ser denunciada e combatida sempre!
É verdade, existe uma correspondência proposital sobre a qual até adverti e não é mesmo uma cópia. Sim, tem sentido.
Mas o importante é você sentir a mensagem. Não se importe com as caipirices desta que vos escreve. rs
Beijos,
Sol
[Faça o login para poder comentar]
Seyyed
Em: 21/09/2022
Recuperando as emoções o capítulo começa com tudo em cima. Zi descobrindo que não morreu Úrsula levando um pé e Amed levando aquela surra que toda sapa que lê EBT torce pra ele levar Toma totoma totototoma totoma hehe Najla sem culpas ele precisava! Lídia tem noção. Cátia conquistou mas a garota não se ilude. Ela podia fechar com a Jamila. Já se pegaram aí sem saber hehe Não aguento essa história de cigano dos peito cabeludo hahaha Aee Lúcia e Magali casando. Zi tá vindo Clarice. Não chora
Resposta do autor:
kkkkkkkk Esse capítulo começa cheio de altas novidades. Confesso que eu também queria ver tal surra, embora não seja adepta da violência, mas é meio, digamos, mais forte que eu! rs
Cátia e Jamila? Será?
Essa história de cigano, por incrível que pareça, é baseada em fatos reais que eu misturei na vida de Raquel, que também tem uma correspondente real. rs
Clarice, e você também, confie na caipira!
Beijos,
Sol
[Faça o login para poder comentar]
Gabi2020
Em: 20/05/2020
Solzinha!! As-Salamu Alaikum! Como vai katib eaziz? Alkulu bikhayr? Alkthyr min aleml?
Essa Zinara só apronta viu? Mas bom saber que ela teve mais uma chance, ela merecia.
Ahmed não tem juízo mesmo, ô carinha difícil! Ainda bem que Raed e Amina aprenderam a lidar com o bonito. Essa surra doeu hein? Mas foi um tratamento de choque necessário.
Eita que a Úrsula de deu mal.
O cigano do peito cabeludo apareceu! Kkkkkkkk.... Onde você arranjou essa figura?
Jamila e seu amadurecimento, que coisa boa de se ver. Ainda tenho um rancinho dela, mas vai passar.
Cátia e Lídia conversando parecem duas diabéticas... Quanto açúcar! KKkkkk... Mas são fofinhas e pra variar têm medo de falar o que realmente sentem.
Coisas boas acontecem para quem faz coisas boas... Zinara em sua viagem, apesar de toda a dificuldade vem encontrando pessoas de bom coração, ela está colhendo o que plantou.
Khadija é de uma sensibilidade tocante, muito esperta, muito fofa... Zahirah sempre presente.
Mas bah... Gosto das gurias amigas de Zinara da época de faculdade... Tri legais daí.
Zinara cantora, essa eu queria escutar.
Esses pequenos gênios são de uma timidez... Ê Zinara! Mas é fofa tímida viu?
Realmente Naila nada tinha ver com Zinara... Aliás naquela fase a astrônoma estava procurando uma nova Olívia.
O relato do diário de Zinara é de uma riqueza em detalhes impressionante, ali está a história da vida dela, momentos bons, momentos tristes... A morte de Valentina... Tristeza.
Essa tentativa de assalto das irmãs.... Kkkkkkkk... Olha o homem do peito cabeludo de novo! Genteeee não aguento.
Jamila falou pra Zinara tudo o que eu diria... Masssss Zinara voltou!! Shukrann Liliih!
Beijos querida!
Resposta do autor:
Gabinha!! Alaikum as-Salaam! Marhaba! Ana bekhair, shukran! Wa anti?
l am naraka mundhu muddah.
A caipira é doida mas é uma boa pessoa. Graças a Deus teve sua segunda chance.
Ahmed ainda vai precisar "apanhar" mais um pouquinho.
"O cigano do peito cabeludo apareceu! Kkkkkkkk.... Onde você arranjou essa figura?" Creia que esta coisa de cigano se inspira em fatos da vida real! kkkk
Jamila está crescendo. Finalmente se tornando uma mulher adulta sob todos os aspectos.
Cátia teve em Lídia m porto seguro para suas loucuras. E ela vai aprender.
Khadija é uma criança muito especial.
Eu te disse que a caipira até que canta.
Zinara é tímida mesmo. De vez em quando é que se assanha! kkkk
Zahirah e Zinara depositaram suas vidas em palavras.
Duas irmãs figuras, o assalto dá no que dá! rs
As caipiras somem, rodopeiam mas elas sempre voltam! kkk
Beijos,
Sol
PS: Arrebentando na língua de Cedro! Mas cuidado com estas transliterações que se vê muita coisa confusa por aí
[Faça o login para poder comentar]
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
Solitudine Em: 11/11/2023 Autora da história
kkkkkkkkkkkkkkkkkk Fazer o que?