Talvez o capítulo mais denso do Tao, talvez o mais difícil de escrever. Necessário para que se entenda a história de Zinara e sua família.
"Quem nunca provou do amargo não sabe apreciar o doce."
Provérbio árabe
KHALED - 1
CAPÍTULO 83 – Enquanto Clarice Não Vem
Leda conversava com Raquel ao telefone.
--Até quando a senhora vai ficar aí na roça, hein, mamãe? -- perguntou interessada -- Quando a gente foi embora a senhora não falou nada...
--Ih, eu hein, menina, pára com isso! -- fez um gesto de contrariedade -- Enquanto eu não tiver caindo pelos cantos, nem me cagando feito pata, vou pra onde quero e volto quando cismo! -- respondeu enfática -- Quero saber disso de filha me regulando, não!
--Não é isso, mamãe... -- ficou sem graça -- É o Getúlio... ele tá preocupado com o Di...
--Preocupado?! Preocupado com o que?? -- revoltou-se -- E eu por acaso não sei mais cuidar de criança? Esqueceu que criei três? -- pausou brevemente -- Bem... reconheço que alguma coisa deu errado no meio do caminho, mas eu bem que tentei!
Fingiu que não ouviu o comentário. -- Não é que ele não confie na senhora... Ele só tem medo... -- não sabia como dizer -- do que possa acontecer...
--Pois diga a essa bomba que você chama de marido que o máximo que poderia acontecer é o menino perder o pinguinho de ogrice que herdou por culpa do pai que tem! E isso não seria nada mau, diga-se de passagem!
--Ai, mamãe, deixa de implicar com meu marido? -- reclamou -- É que ele não confia muito nos meninos daí...
--Humpf! -- fez um bico -- Ah, é, tudo menino safado que vai tarar o Di enquanto a velha cega aqui faz tricô e nem nota! -- respondeu com ironia -- Ah, me poupe, tá, Raquel? Se vocês deixaram o menino comigo é pra confiar! Ou então manda teu ogro levantar o rabo da poltrona e vir aqui buscar o filho!
Deu um suspiro profundo e argumentou: -- Mas Clarice não pode ficar aí pra sempre, né? Algum dia as férias vão terminar e ela tem que trabalhar!
--Escuta uma coisa, menina, enquanto Clarice não vem não quero nem saber de sair daqui! E teu filho tampouco! -- retrucou de imediato -- E eu garanto que ele não vai perder um dia de aula sequer, então dá meu recadinho pro teu ogro e pára de me perturbar! -- deu o assunto por encerrado
--Enquanto Clarice não vem?! -- não entendeu -- Ela não tá com vocês aí?! Foi pra onde?
--Raquel, você faz pergunta demais! -- reclamou -- Eu não te criei fofoqueira, não, tá?
--Quê que houve, mamãe?
--Nada! -- não queria entrar em detalhes sobre Clarice
--Quê que aconteceu?? -- continuava curiosa
--Pegou fogo no inferno e a mãe do Diabo morreu! -- não respondeu a pergunta -- Deixe sua irmã quieta e dá um refresco pro menino, que tá adorando passar as férias aqui! -- olhou na direção do neto -- Agora já tá até andando a cavalo com Nagibe e Khadija... -- sorriu -- E fique tranqüila, porque embora eu não suporte essa besta que você tem em casa, nunca falei e nem vou falar mal de Getúlio pro Di! -- garantiu -- Já basta o trauma de ser filho de ogro!
Raquel deu-se por vencida. -- Tá bom, mamãe... -- suspirou -- Vou considerar que vocês voltam no começo de fevereiro. -- pausou brevemente -- Mas... e as coisas no geral? E aquele seu Rafi? Tem lhe procurado? -- perguntou cheia de interesse -- Ele me pareceu ter dinheiro! Coroa rico...
--Mas você não tem assunto bom, não, né, menina? -- fez cara feia -- Quando não é pra me falar de ogro é sobre o tarado das perna fraca!
--Ai, mamãe, aproveita! Um coroa rico de olho na senhora... -- comentou empolgada -- Além do mais ele já tá com muita idade pra ser tarado! -- discordou -- Cá pra nós o pinto dele já deve ter ficado murcho faz tempo! -- riu brevemente
--Taradice vem da alma, menina, não é do pinto! -- retrucou -- A língua dele eu já queimei com café, mas sobraram dez dedos e eu tô fora!
--Como assim queimou com café?? -- não entendeu -- E que negócio é esse de sobraram dez dedos?
--Raquel, se era só isso que você tinha pra dizer então vamos desligar! -- despachou -- Daqui a pouco vai começar o jogo de biribinha e Amina e eu não perdemos uma partida até agora! -- anunciou
--Ah! -- teve que rir -- Tá bom, mamãe. Vai jogar biribinha... -- balançou a cabeça achando graça
--Amanhã à noite nós vamos pra casa de Cid ver o desafio do Wanderson Civa, então se ligar pra cá não vai achar ninguém! -- advertiu -- Fica esperta!
--Eles gostam dessas lutas também? -- continuava achando graça
--O que? Raed vai fazer pipoca e tudo! -- respondeu animada -- E todo mundo diz que ele faz uma pipoca boa à beça!
--Pipoca? -- lambeu-se -- Ai, que inveja... -- ouviu o próprio estômago roncar -- "Quisera que eu pudesse ter ficado na roça também...” -- pensou ao se lembrar das comidas
--Se você não fosse tão besta, podia ter aproveitado as férias e ficado aqui também! Mas preferiu fazer as vontades do ogro, né? -- balançou a cabeça contrariada -- Você deu sorte de ter me encontrado aqui a essa hora, porque minha agenda é lotada! Se for ligar de novo deixa um recadinho antes no meu LivrodasFuça! -- aconselhou -- Agora fica com Deus! Fui! -- desligou
--Ai, ai... -- suspirou e olhou para a poltrona. Getúlio dormia e roncava sonoramente com a boca aberta -- Às vezes penso que mamãe não é de todo errada... -- considerou
***
--Jamila, você não mudou nada! -- Tatiane comentava sensualmente -- Continua linda, gostosa e dançando deliciosamente bem! -- sorria insinuante
--Você também não mudou nada, Tati. -- sorriu -- A mesma sedutora incorrigível... -- cruzou as pernas
--Eu? -- riu gostosamente -- Você é que sempre foi uma caçadora em busca de novas presas... -- bebeu um gole de uísque sem romper o contato visual -- E eu bem sei como é delicioso ser caçada por você... -- lambeu os lábios
Jamila e Tatiane conversavam durante a festa de aniversário de uma amiga em comum.
--Eu andei fora da cidade por três anos e tenho sabido dos fuxicos aos poucos. -- debruçou-se sobre a mesa -- Me disseram que você e Zinara têm quase uns dois anos que terminaram, não é isso?
--Terminamos... -- bebeu um gole de vinho
--Foi melhor mesmo, gata... -- passou a mão nos cabelos -- Você era muita areia pro caminhão dela. -- comentou -- Com todo respeito, mas... Zinara era muito sem graça pra alguém como você.
--Acho que eu era quem tinha de julgar isso, não é, Tati? -- perguntou seriamente
--Calma, querida! -- ficou sem graça -- Ao que me disseram foi você quem terminou e eu pensei...
--Fiz uma bobagem! -- interrompeu-a -- Mas minha vida não parou e eu tenho que cuidar dela. -- passou a mão nos cabelos
--Com certeza... -- ficou olhando para Jamila em silêncio até que propôs: -- Por que a gente não continua a vida fugindo daqui pra fazer uma festinha em outro lugar? -- sorriu maliciosa -- Só você e eu, como nos velhos tempos... -- segurou uma das mãos da advogada
--Os velhos tempos ficaram pra trás, Tati. -- recolheu a mão -- E minha fase de loucuras terminou. -- afirmou resoluta
--O que? -- riu -- Vai me dizer que Jamila Haddad se aquietou e não é mais uma predadora? -- perguntou com descrença
--Eu não quero mais viver a mil por hora! -- olhava para a outra -- Chega de fazer sex* por fazer! Isso não cabe mais! Já deu!
--Eita, gota! -- ficou surpresa -- É vôte! -- ajeitou-se na cadeira -- É sério isso?
--Enquanto Clarice não vem, eu vou ficar na minha. -- bebeu mais um gole de vinho
--Como? -- não entendeu -- "Jamila tá esquisita! Coisa bizonha!” -- pensou desconfiada
Achou graça. -- Enquanto um amor de verdade não chegar na vida, eu vou ficar na minha. -- sorriu -- Foi o que eu quis dizer.
--E Clarice é sinônimo de amor de verdade? -- queria entender -- Qual parte do fuxico eu perdi?
--É uma história que eu não quero detalhar, mas... só pra você não ficar no vácuo, Clarice é o nome do grande amor de uma pessoa que eu conheço. -- explicou e decidiu encerrar o assunto -- Vamos dançar? -- propôs -- Adoro essa música que tá tocando!
--Você realmente não quer sair daqui e...? -- continuava incrédula -- Oxi, que eu tô passada contigo recusando sex* bom! -- olhava espantada para a advogada, que acabava de se levantar -- Eu tô tão fuleira assim?
--Eu que mudei, mulher. -- deixou o copo na mesa -- Não vou sair daqui pra farra com você mas se quiser dançar comigo a noite toda eu topo!
--Essa postura de mulher séria não combina contigo, Jamila! -- levantou-se também -- A sensualidade faz parte de você! -- aproximou-se sensualmente -- Transborda dos seus poros... -- deslizou um dedo pelo rosto da outra -- Você é toda desejo...
--Com a mulher certa, sou! -- sorriu -- Com as erradas, não mais! -- encaminhou-se para a pista de dança
--Aquela Zinara estragou essa mulher... -- Tatiana resmungava sozinha -- E eu que tava contando com uma noite arretada com ela... -- suspirou e foi dançar
***
--Marco, eu acho que te devo desculpas. -- Janaína dizia para o amigo -- Você e minha sogra tavam lá no maior climão e eu cheguei toda apavorada por causa do temporal que tava se armando e nem percebi nada... -- coçou a cabeça -- Quando dei por mim já era tarde demais... -- lamentou
--Tudo bem. -- respondeu compreensivo -- Sei que você não teve a intenção de atrapalhar e... de fato choveu pra caramba naquele dia!
--Mas e depois? -- deu um tabefe no braço dele -- Foi ou não foi?
--Foi o que, menina? -- perguntou sem graça -- Não aconteceu nada... -- abaixou a cabeça -- De mais a mais a senhora Najla me falou umas coisas naquela língua dela e eu não entendi coisa alguma... -- esfregou as mãos uma na outra -- Eu ia arriscar, né? E aí você veio... -- pausou brevemente -- Mas olha, que língua bonita aquela que ela falou... -- suspirou apaixonado
--Esse lance de vocês aí tá muito parado, Marco! -- deu outro tapa nele -- A gente tem que agitar esse negócio!
--Ah, não, Janaína, não se mete no meu quase namoro! -- ralhou olhando para ela -- Seus métodos não combinam comigo!
--Como não? Eu sei conquistar uma mulher! -- retrucou -- Haja vista que Aisha colou comigo e parou! -- mirou um ponto no infinito -- Lembro bem de como tudo começou... -- viajou no tempo
“Janaína terminava seu plantão como segurança em uma danceteria quando viu Aisha caminhando na rua com roupas curtas. “Nossa, que gostosa!” -- pensou -- "Vou me aproximar!” -- decidiu
Aisha percebeu que alguém a seguia e olhou para trás desconfiada. Viu Janaína e ficou receosa.
--Não precisa ficar com medo, gostosa! -- foi logo dizendo -- Eu sou do bem! -- sorriu
--E o que uma mulher do bem faz a essa hora me seguindo pela rua? -- respondeu sem parar de andar ou olhar para trás -- Estranho... -- passou a mão nos cabelos e sorriu
--Estranho seria se eu não seguisse. -- aproximou-se mais e segurou-a pelo braço delicadamente -- Você me chamou a atenção! -- sorria
--Ah, é? -- reparou na outra de cima a baixo -- E você quer o que? -- perguntou insinuante -- Tudo tem seu preço!
--Mas eu não tô falando com a profissional! -- puxou-a pela cintura -- Tô falando com a mulher!
--Hum, que pegada forte... -- apertou o braço de Janaína -- Nossa...
--Eu quero te comer até cansar! -- afirmou com voz gutural
--Ui! -- gem*u excitada -- Sabe que eu gostei da ideia? -- segurou-a pelo rosto e beijou-a com desejo
--Cara, que beijo! -- a segurança exclamou quando a falta de ar as interrompeu -- E qual é seu nome mesmo? -- perguntou curiosa
--Aisha, e o seu?
--Janaína! -- piscou -- É um prazer!
--Vamos prum motel? -- sugeriu imediatamente -- Lá eu respondo se é um prazer ou não! -- deu um tapinha no ombro da outra -- Mas só pelo teu beijo acho que vai ser têúdêô: TU-DÔ!
--Safada... -- puxou-a para mais um beijo -- E onde tem um por aqui?
--Sei não... Tem que procurar, my darling... -- respondeu melosa
--Então corre pra ver! -- segurou-a pela mão antes de partirem em busca de um motel”
--Aquilo que foi uma coisa forte, intensa, romântica... -- comentou balançando a cabeça -- Ai, ai... -- suspirou
--Ah, foi, muito romântico... -- achou graça -- Eu não me imagino puxando a senhora Najla pela cintura, chamando ela de gostosa e arrastando prum motel! -- levantou-se -- Não é mesmo o meu estilo!
--Mas o teu estilo é lento demais! E o dela idem! -- levantou-se também -- Vamo mesclar um pouco da minha pegada forte com teu rococó meloso pra chegar num ponto ideal! -- sugeriu
--Nada disso! -- apontou para ela -- Não! -- negou enfaticamente -- Esquece, tá legal? -- deu tchauzinho e se afastou
--Pois sim! -- cruzou os braços -- Vou botar um fogo nisso aí ou não me chamo Janaína! -- decidiu -- Enquanto um grande amor não vem, a pessoa pode até ficar comendo mosca, mas depois que aparece... -- sorriu -- tem que pular em cima e créu! -- deu um soco na mão
CAPÍTULO 84 – Visitando o Passado
--Que jantar foi esse, gente? -- Fabrise comentou satisfeita -- Amei! -- limpou os lábios com guardanapo e sorriu para as duas -- O apartamento tá limpo, cheiroso... Cês não querem passar uns dois meses aqui, não? -- convidou brincalhona
--Seria um prazer, mas não vai dar! -- Clarice respondeu brincalhona -- Quisera que minhas férias durassem tanto tempo! -- sorriu
--Nós é que devemos te agradecer pelo pouso, Fabrise. -- Zinara afirmou -- Não tem ideia do quanto é importante e difícil pra mim vir até aqui pra falar com aquele homem. -- pausou brevemente e se levantou recolhendo os pratos -- Agora descanse que a louça é comigo!
--Conosco! -- a paleoceanógrafa levantou-se para ajudar
--Vocês não puderam ver o tal do Viegas hoje, né? -- levantou-se também -- Será que vai dar amanhã? -- tentou ajudar mas as outras haviam recolhido a louça toda -- Ô, gente, eu tô me sentindo uma parasita! -- reclamou achando graça
--Viegas passou muito mal e a enfermeira pediu pra ligar amanhã à tarde pra ver quando dá pra marcar outra visita. -- respondeu ao colocar os pratos dentro da pia -- Quanto à louça, macleech (não se preocupe)! -- a astrônoma piscou para a outra -- Vá descansar e itrouk el baqi a’alateh (deixe o resto comigo). -- recomendou
--Ela quis dizer pra você não se preocupar, descansar e deixar a limpeza com ela. -- Clarice traduziu ao perceber que a aeromoça não entendeu tudo que ouviu -- Zinara tem essa mania de misturar os idiomas de vez em sempre. -- brincou e deu um beliscão de leve no braço da namorada
--E você já aprendeu a traduzir! -- surpreendeu-se -- O amor é tudo, Nossa Mãe! -- brincou -- Zinara, será que você me daria umas aulinhas sobre a língua de Cedro? -- pediu titubeante -- Adoro aprender idiomas e o seu é um dos que mais me intrigam! -- olhou para Clarice -- Com todo respeito, tá, fofa? Sou mega inofensiva! -- deu um tapinha no braço da professora
--Tudo bem! -- achava graça -- Eu empresto minha caipirinha pra você! -- brincou também
--Eita, que eu tô me sentindo mulher objeto! -- comentou divertida enquanto lavava a louça -- Mas pode deixar que te ensino a falar um pouquinho da língua intrigante. -- sorria -- É como se diz lá em Cedro: “Dá teu pão ao padeiro, mesmo que ele coma a metade”. -- afirmou no outro idioma
Fabrise olhou para Clarice esperando tradução.
--Aí, minha amiga... -- riu brevemente -- Laa acrif... (Eu não sei...)
***
Zinara ensinava frases básicas na língua de Cedro para a aeromoça, enquanto Clarice usava seu tablet sentada na poltrona da sala. Conectou o pen drive que a namorada havia lhe dado e decidiu começar a ler o diário dela.
“Acho que vou começar da parte em que ela estudava em Gyn.” -- decidiu -- "Queria entender melhor o contexto da situação de Khaled, das crises, do momento em que Viegas aparece na história...” -- pensava -- "E queria entender porque me parece que Zinara se culpa pelo que aconteceu ao irmão.” -- clicou no diretório raiz e viu que haviam vários documentos Word -- "Cada arquivo foi salvo de acordo com o ano que ela narrou.” -- concluiu -- "Sou péssima com datas! Vamos ver se o que eu quero ler agora é esse aqui.” -- clicou no arquivo
“Eu nunca vou esquecer aquela cena, Kitaabii. O ônibus era uma marinete velha, mas conseguia correr mais que o pobre cavalo de meu irmão. Nós sorríamos um para o outro com os olhos marejados e por um momento me pareceu que Khaled, o meu amado irmão Khaled, estava de volta apenas para se despedir de mim. Quando finalmente pude pegar o buquê, várias caliandras se soltaram e perderam-se em pequenos vôos até cair no chão. A emoção que senti, nem sei descrever. Penso que foi a alegria que Allah (Deus) me trouxe para dar alguma poesia a um dos dias mais tristes de minha história nessa Terra de Santa Cruz!
--Alf sukr! (Milhares de agradecimentos) -- respondi emocionada para meu irmão
--Bismillah! (Nesse contexto, quer dizer boa viagem) -- ele gritou, enquanto o cavalo gradativamente acalmava o trote -- Bismillah, ya habibi!
--Behebbak ya, Khaled! (Eu te amo, Khaled!) -- gritei também
--Behebbik ya, Zinara! -- acenou -- AHAHAH!!!! -- gritou nervosamente”
Emocionou-se. -- Ai, essa é a parte em que ela foi embora da roça. -- passou a mão sobre os olhos -- Quero avançar uns anos à frente. -- falava consigo mesma enquanto clicava em outro arquivo
“Por aquela época, Kitaabii, Shamash e eu já estávamos morando juntas e fazia dois anos e meio que eu não aparecia na roça. Baba me proibiu, eu prometi a mim mesma que não voltaria mais e aí o tempo passava... Escrevi várias cartas para Khaled, mas ele nunca respondeu nenhuma. Ficava sem saber o que esperar.
Então, quando chegaram as férias de dezembro, Shamash me convenceu de que já havíamos perdido tempo demais e que era hora de recomeçar. Fomos para a roça e eu segui viagem orando fervorosamente para que tudo desse certo.”
--Ah, é aqui! -- ajeitou-se no sofá -- Zinara já me contou sobre isso. -- continuava falando sozinha
A paleoceanógrafa continuou lendo os trechos da história que já conhecia.
“Maama, baba, Shamash e eu estávamos sentados à mesa aguardando a chegada de Khaled com Ahmed, Nagibe e Cid.
--É só o tempu dus minino chegá qui eu ponho o armoço, viu, professora? -- maama se justificava -- É qui us menó tão fazendu caticismu e Khaled foi na igreja módi buscá elis, num sabi?
--Tudo bem, querida, não tem problema! -- sorriu para ela
--Deixa eu te contar, que tô morrendo de saudade de meus irmãos! -- eu comentei empolgada -- Escrevi tanta carta pro danado do Khaled e ele nunca que me respondeu!
--Num respondeu porque seu irmão tem muitos problema, fia. -- maama esclareceu -- Quando prosiá cum eli ocê vai sabê!”
--Hum... -- Clarice pensava alto -- As crises devem ter começado por essa época! -- concluiu e voltou a ler
“--Eu vô fazê uma pergunta e ocê vai respundê aqui dianti di mim, di tua maama e di tua professora! -- deu um soco na mesa -- Ocê anda di chamêgu cum homi na cidadi grandi, Zinara? Respondi oiandu nus meus zóio! -- ordenou
Maama morreu de vergonha.
--Juro que não! -- afirmei convicta -- Wallahi! (Eu juro!) Abaixo de Deus e do nome de meus ancestrais! -- olhei nos olhos de baba -- "Com homem, não!” -- pensei
--É verdadi, professora? -- olhou para Olívia
--Eu não estou do lado dela o tempo inteiro, senhor Raed, mas acredito no que Zinara diz. -- olhou para mim -- Ela não vive de chamego... com homem.
E eu tive muita vontade de rir, Kitaabii.”
Clarice riu sozinha. -- Eu não agüento essa história... -- balançou a cabeça achando graça -- Bem, é a partir daqui que começa a parte que eu não conheço. -- passou a mão nos cabelos
--Falou comigo, Sahar? -- Zinara perguntou
--Não, querida. -- sorriu para a namorada -- Tô falando sozinha.
--É assim que começa, tá, amiga? -- Fabrise brincou
Clarice fez uma careta divertida para a aeromoça e voltou a se concentrar na leitura do Yoom Kitaab.
“Quando novamente revi minhas crianças foi uma felicidade só, Kitaabii! Ahmed levou um susto e bateu palmas, Nagibe e Cid se jogaram nos meus braços animadamente e Khaled chorou emocionado. Nós dois nos perdemos em um abraço que pareceu durar uma eternidade e nada foi dito; acho que naquele momento não precisava.
Após o almoço cuidei da louça e maama foi mostrar a roça para Shamash. Alguns conhecidos foram lá em casa me ver e a noite nos surpreendeu comendo milho assado numa fogueira que baba fez no quintal.
Eram quase meia noite quando percebi que Khaled se levantou e saiu de casa. Levantei-me silenciosamente e fui atrás dele, para encontrá-lo sentado na cerca e olhando as estrelas...”
CAPÍTULO 85 – A História de Akhuuya (Meu Irmão)
--Olhando para as estrelas, habibi? -- sentou-se na cerca do lado de Khaled e olhou para cima também -- O céu noturno dessa roça é lindo por demais da conta, né? -- sorriu
--É... -- concordou -- O céu é a casa di Allah... -- respondeu pensativo -- E di quasi toda usritina (nossa família)... -- pausou brevemente -- Im quar istrela será qui Youssef mora?
--Em uma das mais bonitas, com toda certeza... -- apontou para a Alfa Canis Majoris -- Talvez aquela. -- olhou para o irmão
--Eli tem miricimentu pra issu, iguar us ôtro di usritina... -- abaixou a cabeça e sorriu encabulado -- Dispois qui morrê eu vô mi incontrá cum camm Amin dibaxu da terra... -- passou a mão nas calças -- Nóis dois num tem luiz modi si juntá numa istrela...
Estranhou o comentário. -- Como vai você, akhuuya (meu irmão)? Kifel haal? (Como vão as coisas?) -- perguntou interessada -- Você me parece tão pensativo, tão tristonho...
--Kifel haal? -- repetiu a pergunta da irmã -- Eu num istudu mais, trabaio muitu, cuidu dus animar, ajudu baba, ajudu maama cum us mininu... -- descreveu sua rotina -- É issu...
--Por que não estuda mais? -- surpreendeu-se
--Cansei di brigá quasi todu dia... -- olhou para Zinara -- Num dei conta!
--São os meninos implicando com você? -- perguntou com jeito
--Aywah... (Sim...) -- mirou um ponto no infinito -- É difícir dimais da conta sê diferenti, num sabi?
Sentiu muita pena de Khaled e uma imensa vontade de tomá-lo nos braços, mas sabia que não era o momento. -- Sim, eu sei... Claro que eu sei... -- pausou brevemente -- Por que nunca respondeu minhas cartas? -- perguntou intrigada
--Pra dizê o que? -- olhou novamente para a morena e achou graça -- Qui eu tô sempri brigandu cum essi povu qui mi chama di majnum (louco)? Qui a minha cabeça vivi numa zuêra doida di genti mi dizendu uns trem qui me dêxa nervosu pur dimais da conta? -- pulou da cerca e ficou de pé -- Qui eu sintu sardadi di Youssef qui chega dói? -- emocionou-se -- Qui eu sinto sardadi di Hassan, di Jamal, ya Leila, di giddu Raja, di Zahirah, di Farida... -- caminhou um pouco e parou de costas para ela -- Qui eu sintu sardadi docê e pur issu qui venho toda noiti oiá pru céu, inté quandu chovi?
Zinara sentiu uma dor no coração e pulou da cerca também. -- Também sinto saudade de todos eles! -- afirmou com sentimento -- Também sinto saudades de você, que parece que meu peito vai rasgar, awladii (minha criança)! -- aproximava-se lentamente -- Eu não te abandonei, se é o que pensa! -- falava com carinho -- Saí da roça pra estudar e foi isso... -- tocou de leve a cabeça dele -- Mas meu coração nunca te deixou... -- acariciou devagar
--Ocê nunca mais vai vortá, Zinara! -- olhou para ela -- Tem caminhu qui num tem vorta! Já dizia giddu Raja: “o camelo riu uma vez na vida e rasgou os lábios para sempre”. -- repetiu o provérbio na língua de Cedro
--Posso não voltar pra morar aqui de novo, posso ficar um tempo afastada se brigar com baba e ele me proibir, mas nunca vou abandonar vocês! Abadan! (Nunca!) -- prometeu ao secar uma lágrima dele -- Wallahi! (Eu juro!) -- segurou o rosto do irmão com as duas mãos -- Behebbak ya, habibi! (Eu te amo, querido!) Do jeito como você é! -- olhava nos olhos -- Nunca duvide! -- beijou a testa do rapaz -- E quero muito receber suas cartas e ler sobre seus dias longe de mim! Quero muito!
Abraçou-a com força e fechou os olhos. -- Ocê num vai tê vergonha di eu quandu virá dotôra? -- perguntou como criança
--Oh, awladii... Claro que não... -- sentiu pena dele -- De você eu só sinto orgulho...
Interrompeu o abraço bruscamente. -- Tenha não! Laa! (Não!) -- afastou-se -- Eu num tenhu du que ninguém si orguiá! -- olhou para o chão e passou a mão sobre os olhos -- Sô mutivu di vergonha!
--AHHa, não diga isso! -- ralhou -- “Oh, Aba, por que ele tá tão complexado?” -- pensou intrigada -- "Não acredito que baba tenha dito que ele é motivo de vergonha! Hum... isso é coisa desses moleques que ficam perturbando a vida dele!” -- concluiu -- "Ralã!” -- sentiu nojo daquelas pessoas -- Pare de dizer essas coisas, porque você não tem nada de errado! -- recriminou -- Se são esses moleques que andam te dizendo isso...
--Elis num diz! -- interrompeu-a e olhou para ela -- Eu qui sei... Só eu sei...
--Então se engana! -- aproximou-se novamente e segurou a mão dele -- Você sofre por uma série de coisas difíceis, mas não tem nada errado. -- pausou brevemente -- Você sempre disse que eu sei das coisas, então acredite em mim! -- brincou e sorriu
--Eu sintu uma confusão na minha cabeça... Trem doido, isquisitu... -- olhava para ela -- É dia e noiti... tem veiz qui pára, tem veiz qui num pára... -- deu queixa -- Achu qui eu sô mesmu majnum (louco)...
--Laa! (Não!) Você não é majnum! -- tentava convencê-lo -- Eu sei, shi ghareeb albak (alguma coisa é estranha no seu coração), mas como não ser? -- segurou-o pelos ombros -- Passamos pela guerra, presenciamos misérias, sentimos cheiro de sangue quase todos os dias, ouvimos bombas explodindo... Também sofro com minha consumição, Khaled, e quase não dou conta! -- confessou
--Mas ocê é normar! -- retrucou
--Não sou igual aos outros dessa terra aqui! Eles nunca viveram o que vivemos! -- argumentou -- Você não tem ideia do que vai no meu coração, habibi... -- pensou em como oferecer ajuda -- Olha, já tem um tempo que a professora Olívia me arrumou uma psicóloga pra conversar sobre tudo. E essa psicóloga me ajuda a entender minha consumição, ela me ajuda a saber lidar com esses trem que me corrói por dentro! -- tentava explicar sobre o tratamento que fazia -- Eu vou conversar com ela uma vez por semana e isso chama de análise, sabe?
--Ezzai? (Como pode?) Ocê cunfia di falá teus segredu pruma istranha? -- ficou surpreso -- Deus mi livri!
--Não é uma estranha qualquer, é uma pessoa que estudou para aprender a ajudar os outros! -- explicava de modo simples -- E acredite, tem me feito bem! -- sorriu -- A gente também pode buscar uma pessoa igual a minha psicóloga pra te ajudar! Ajudar você a entender o que sente. -- ofereceu -- Se você quiser, eu falo com a professora Olívia e ela pode tentar achar alguma psicóloga aqui nas redondezas, por que não?
--Num sei... -- balançou a cabeça negativamente -- Num sei... Num cunfiu nissu di piscóluga! -- afastou-se mais uma vez -- Vamu intrá im casa modi durmi! -- foi andando em direção a porta
Zinara suspirou pensativa. -- Eu vou te convencer, Khaled... -- disse para si mesma -- Você precisa de ajuda e eu não vou ficar parada olhando sem fazer nada... -- decidiu
***
--Maama, ontem à noite proseei com Khaled... -- falava enquanto preparavam o café da manhã -- Ele me disse que tem se sentido agoniado com umas vozes que falam dentro da cabeça dele. -- olhou para a mãe -- Ya sayyida (A senhora) notou alguma mudança nos modos dele? -- perguntou intrigada
Amina gastou uns segundos calada antes de responder: -- Dipois di uns tempu, eu bem notei qui o mininu andava isquisitu, mas falava cum Raed e eli dizia qui era cisma e num mi dava nem tchum! -- contava -- Inté qui tevi um dia qui Khaled bateu cum a cabeça na paredi, assim, sem mais nem menu! -- lembrava -- Eli gritô assim: “--Cali a boca, marditu, num queru mais ti oví!” -- repetiu a fala do filho -- E foi um disisperu grandi pur dimais da conta purque eli cortô a sombranceia e nóis tivemu qui corrê atráis di um dotô. -- olhou para Zinara -- Foi daí qui Raed passô a aceitá qui o mininu andava istranhu!
“Baba, como sempre, um ignorante!” -- pensou criticando -- E quando foi que ya sayyida (a senhora) começou a perceber que ele andava diferente? -- acendeu o fogo para ferver o leite
--Coisa di um anu dipois qui ocê foi simbora. -- arrumava a mesa -- Foi quandu eli parô di dizê qui sintia sardadi docê e passô a oiá pru céu toda noiti.
“Quando maama disse aquilo, Kitaabii, senti um peso na consciência como não saberia descrever. Khaled não tinha mais com quem desabafar e já não podia contar com Youssef e eu. Ele não tinha mais com quem andar a cavalo, correr para dentro do mato, nadar no riacho, olhar o pôr do sol sentado na pedra ou simplesmente ficar em silêncio ouvindo o som do vento. Ele não tinha companhia para viver os momentos simples e belos que sempre valorizamos tanto. A solidão era tudo que havia sobrado...
Em poucas horas passadas na roça, Kitaabii, já era claro para mim que quase nada havia mudado na relação entre akhuuya wusritina (meu irmão e nossa família). Baba continuava tendo Ahmed como filho favorito e maama dedicava toda sua atenção aos três mais jovens. Naquela época me parecia que ambos olhavam sem ver o jovem rapaz de 17 anos que tinham dentro de casa. Os meninos não conseguiam se aproximar de Khaled, que também não era capaz de se entrosar com as crianças; era eu quem fazia essa ligação e eu não morava mais lá. Solidão, Kitaabii... foi tudo que restou...
Eu sabia, percebia nitidamente que para Khaled as coisas pareciam ainda piores: ele se sentia rejeitado, abandonado e absolutamente sozinho. E então, quando tudo em sua vida ficou cinza, as vozes vieram e o inferno começou...
Dentro de mim, sem dizer uma palavra, eu culpava baba pelo que acontecia, especialmente depois que maama me disse que ele sequer reparava as mudanças no comportamento de Khaled. Naquela época eu não entendia, Kitaabii, que baba se importava e muito, mas apenas fugia da realidade por não saber como lidar com ela. Eu não entendia muitas coisas, mas permitia-me julgar ainda assim e, devido às mágoas que haviam em meu coração, entendi que baba tinha culpa e o condenei sem pensar duas vezes. Da mesma forma, me condenei...”
--E isso foi tudo que Khaled e maama me contaram, Shamash. -- conversava com Olívia -- Eu tô preocupada com ele por demais da conta! -- olhou para a loura -- Como é que ele vai ficar? -- perguntou angustiada -- Não sei o que fazer!
As duas namoradas caminhavam pela roça. Como estavam longe de casa, seguiam de mãos dadas.
--Pelo que tu me dizes parece que o problema do menino tem duas causas: uma psicológica e outra espiritual. Talvez tenha até mais algum problema que não se saiba... -- considerava -- Que ele precisa de ajuda profissional é inegável, mas não é só a questão dos traumas de guerra. -- olhava para a morena -- Ele tem sofrido um processo obsessivo e deve ser por isso que ouve as vozes dentro da mente. Tu já estudou um pouco sobre isso no centro.
--Ana a’arfa... (Eu sei...) -- respondeu pensativa -- E por tudo isso não sei o que fazer! -- suspirou -- Maama contou que mãe Dézinha morreu há dois meses atrás e o terreiro interrompeu as atividades no mês passado. -- parou de andar -- Não tem como fazer um tratamento espiritual com ele aqui na roça! -- olhou para uma pedra larga -- Vamos sentar, Shamash? -- propôs
--Vamos. -- concordou e se sentou -- Senta, meu bem. -- sorriu para ela
--E será que você conheceria alguma psicóloga por aqui? -- sentou-se -- Porque, deixa eu te contar que nunca nem soube de psicólogo nas redondezas! Antes de ir pra Gyn, nem sabia que existia essa profissão! -- confessou
--Não conheço, teria que perguntar... -- pensou por uns instantes e propôs: -- Se teus pais deixassem o menino passar uns tempos conosco em Gyn, ele poderia ir se tratando no nosso centro e começar um tratamento psicológico ao mesmo tempo.
A jovem sorriu emocionada: -- Você faria isso por ele, Shamash? -- ajoelhou-se diante dela -- Meu coração se encheu de alegria! Yatamanna... (Esperança...) -- segurou uma das mãos dela -- Você é a delícia da minha vida, ya habibi! Lei ma albeineesh hawik ya habibi badree? (Por que meu coração não encontrou com seu amor há mais tempo?)
--Boba, sai desse chão e senta aqui de novo, guria! -- sorriu e corou -- E não me fala assim porque eu não posso te beijar agora! -- pediu em voz mais baixa
--Se ele fosse ficar com a gente, podia se tratar com ya Margarida também! -- levantou-se empolgada -- Ela cuida de mim, então pode cuidar de akhuuya (meu irmão)! -- concluiu
--Justamente por tratar de ti ela não poderia cuidar de teu irmão, mas não seria difícil achar quem pudesse. Margarida saberia quem recomendar. -- esclareceu -- Khaled podia passar uns seis meses lá em nossa casa e depois voltava pra Gyn apenas uma vez por mês. -- analisava a situação -- O início do processo é mais complicado... depois fica tranqüilo, daí.
Ficou pensando na situação e se alarmou com um detalhe. -- E como a gente vai fazer pra ninguém descobrir sobre nós? -- perguntou preocupada -- Se Khaled for pra Gyn, ele vai ver que moramos juntas. -- pausou brevemente -- Quer dizer, ele vai entender como é a forma que nós moramos juntas.
--O apartamento tem dois quartos e mais o de empregada. Tu ficas dormindo em um deles e teu irmão no outro. -- sorriu -- E eu fico com o nosso. -- piscou para a morena -- Afinal de contas sou a mais velha aqui!
--Ai, Shamash, você não sabe o quanto te amo! -- ajoelhou-se novamente diante da loura -- Não apenas por isso, mas por tudo! Ya noori, habibi! Behebbik ya, Shamash! (Você é minha luz, querida! Eu te amo, meu Sol!) -- declarou-se apaixonada -- Oh, enti aghla min ahlmee... (Oh, você é mais linda que meus sonhos...)
--Guria, guria... -- corou -- Quando tivermos uma oportunidade de ficar a sós com privacidade... -- não completou a frase
--Eu vou demonstrar cada palavra com atitudes! -- prometeu com intensidade
--Ai... -- suspirou -- Um dia tu ainda me mata disso, minha caipirinha! -- deu um tapinha no ombro dela -- E levanta desse chão! -- fingiu que ralhava
***
--Mais ocê num tá nem murdida di cachorru da muléstia modi vim mi fazê um diachu di um pididu dessi! -- Raed bradava em alta voz -- Ondi já si viu querê qui meu fio vá pra Gyn modi si tratá di duença qui eli num tem? -- gesticulava furioso
--Ele precisa de ajuda, baba! -- Zinara argumentava -- E vai ser bom pra ele!
--Eu quiria í, baba... -- Khaled afirmou receoso
--Quiria, mais num vai! -- respondeu de pronto -- Já num inguli di Zinara tê idu, só qui tivi di dexá purque ya Tereza pidiu e nóis divia favo a ela!
--Ele não vai ficar morando lá, baba! -- a jovem insistiu -- São só seis meses e depois uma vez a cada mês!
--Num vai, Zinara! -- repetiu furioso -- Num vai e fim!
“Eu me controlava, Kitaabii. Não conseguia aceitar que em usritii (minha família) todas as decisões importantes fossem tomadas sempre por um homem ignorante e cheio de preconceitos idiotas. Meu desejo era gritar e falar todas as coisas que estavam entaladas em minha garganta desde a infância, mas eu me controlava...”
--Bestagi di cidadi grandi! -- reclamava -- Agora ocê acha qui todu mundu tem qui í pra cidadi grandi! -- gesticulava -- E qui mi interessa o qui ocê acha? A opinião qui conta aqui é a minha e só!
A morena olhou esperançosa para a mãe e viu que Amina fitava o marido com olhos súplices, mas não tinha coragem de dizer coisa alguma. “Maama nunca defende a gente!” -- pensou magoada -- "Aposto que se fosse Ahmed a coisa seria diferente!”
--Pur que eu num possu í, baba? -- Khaled perguntou chateado -- Eu nunca qui fui pra cidadi grandi! E lá vai tê Zinara e a professora Olívia! -- argumentou
--Ocê num tem pricisão di fazê tratamentu ninhum! -- gritou com o filho
--Calma, seu Raed! -- Olivia tentava apaziguar a situação -- Zinara e Khaled sofrem com as perdas que passaram, assim como o senhor e tua esposa devem sofrer também. -- falava mansamente -- E eles são jovens e os outros jovens são cruéis muitas vezes... -- olhava para o homem -- Khaled até parou de estudar por causa de problemas de briga, daí. -- Raed olhava para ela -- Poderia ser bom pro guri passar um tempinho em outro lugar. Ele não vai ficar solto na rua, garanto isso pro senhor!
--Eu respeitu a sinhora, professora, mais issu aqui é assuntu di famia. -- respondeu em tom mais baixo e grave -- E nessa famia sô eu qui mandu! -- Olívia ficou quieta
“Quando baba falou com Shamash daquele jeito, fiquei ainda mais revoltada, Kitaabii, e as bombas começaram a explodir...”
--Ele tá sofrendo e precisa de ajuda, baba! -- Zinara insistiu contendo a fúria
--Chega, minina! -- olhou para ela de cara feia -- Eli num tem pricisão di í fuçá nada na cidadi grande! -- gritou novamente -- Eli num tem problema ninhum!
--Até quando ya said (o senhor) só vai prestar atenção em Ahmed? -- perguntou furiosa na língua de Cedro -- Será que é tão cego assim que não consegue enxergar o óbvio? Quando vai se lembrar que tem outros filhos além do seu preferido? -- seu tom era acusativo -- Tool a’omrak ghadaar iw zalem, ya said! Ya anaani! (Por toda sua vida o senhor foi opressor! Seu egoísta!)
Raed e Amina ficaram surpresos e escandalizados com os modos de Zinara.
--VOCÊ ESTÁ PENSANDO O QUE, BINTII (minha filha)? -- o homem partiu para cima da filha -- GRITANDO COMIGO? E NA FRENTE DOS OUTROS? -- segurou-a pelo braço com força -- FOI ISSO QUE APRENDEU NA CIDADE GRANDE? -- jogou-a contra a parede -- ACHA QUE PORQUE ESTUDA NA CIDADE PODE FALAR ASSIM COMIGO? -- chutou a perna da jovem -- KIFAYIK IKHDAAA’IK, ANA QALBI NISEEK WI BAAA’IK! (ESTOU FARTO DE SUA ATITUDE, MEU CORAÇÃO JÁ TE ESQUECEU E TE VENDEU!) -- levantou a mão para esbofeteá-la
--NÃO! -- Olívia se desesperou e olhou para Amina, que tremia nervosamente. A professora não entendia o que diziam, mas nem era necessário
Bombas explodem.
“Naquele momento, Kitaabii, meu corpo tremia quase convulsivamente. O ódio tomava conta de mim, bombas explodiam, gritos me atormentavam, mas eu me continha. Lembrava a mim mesma que ele era abuuya (meu pai) e mantinha o respeito, apesar de tudo. Meu desejo era revidar, mas o filho que bate no pai é maldito e eu não queria a maldição. Já me bastava o meu mal...”
--Bate! -- desafiou -- A violência é a única língua que ya said (o senhor) sabe falar direito! -- olhava nos olhos -- Bate igual fez quando eu saí daqui! -- lembrava -- Bate, porque a sua felicidade é fazer mal aos outros! -- voltou a falar na língua local
Raed se espantou com o que viu nos olhos da jovem e paralisou por uns instantes.
--LAA!! (NÃO!!) -- Khaled correu até os dois e se posicionou na frente da irmã -- Não bati nela! AHAHAHAHAH!!!!!!!!!!! -- gritou -- Bati im mim! -- tremia -- AHAHAHAHAHAHAHAH!!!! -- gritou ainda mais alto
Olívia não sabia o que fazer e começou a orar. Amina estava aflita, trêmula e não continha as lágrimas.
--Zogii... (Meu marido...) -- foi o que conseguiu falar -- Laa... -- seu queixo tremia
--AHAHAHAHAH!!!!!!!!!!! -- Khaled gritava
--Vai simbora daqui, Zinara! -- Raed abaixou a mão e falou entre dentes
--Mais hoji é o primêru dia du anu, baba! É dia santu! -- Khaled argumentou nervosamente -- AHAHAHAHAH!!!!!!!!!!!!!!!!!!! -- gritou mais uma vez
“Era a segunda vez que ele me expulsava, Kitaabii. Meus olhos lacrimejaram, mas não me permiti chorar. Olhei para Khaled e o que vi me entristeceu. Pobre awlaadii... parecia mesmo louco...”
--Vai simbora daqui, pesti. -- afirmou entre dentes -- Ocê agora só vivi pra infernizá essa casa!
--Num diz issu, zogii... -- Amina pediu aflita
--LAA!!!!!!!! (NÃO!!!!!!!!) -- Khaled gritava -- AHAHAHAHAH!!!!!!!!!!!
--Que qui tá acunticendu? -- Ahmed chegava com Nagibe e Cid -- Uai! -- arregalou os olhos
--Baba... -- Nagibe estava com medo
Zinara e Raed travavam um duelo com os olhos.
--Vão pru quartu! -- Raed ordenou sem olhar para os filhos, mas percebeu que não se mexeram -- AGORA! -- gritou com raiva
Os meninos se assustaram.
--AHAHAHAHAH!!!!!!!!!!! -- Khaled não parava de gritar
--Pur que eli tá gritandu? -- Cid perguntou apavorado
--Vem, cumigu, criança. -- Amina foi até os filhos mais novos -- Vem... -- olhou para Khaled e Zinara com lágrimas nos olhos e levou as crianças para o quarto
“Ela sempre vai embora quando mais preciso...” -- pensou magoada -- Yahda’u,habibi! (Fique calmo, querido!) -- abraçou o irmão com força -- Calma... -- fechou os olhos
--AHAHAHAH!!!!!! -- começou a chorar -- LAA!!!!!!!!!!!!
--Smalla'Alik! (Deus proteja você!) -- beijou o rosto dele -- Chora não. -- pediu com carinho -- Fica calmo... -- acariciava o rosto do rapaz
--Dexa ela ficá, baba... -- pediu choroso
--Ela vai simbora! -- repetiu resoluto
--Tá tudo bem, habibi... -- continuava acariciando o rosto do irmão, que aos poucos se acalmava -- Não fica nervoso... -- deu um sorriso triste -- Passamos as festas juntos, assistimos o sol se pôr no nosso lugar especial, andamos à cavalo... -- segurou o rosto dele com as duas mãos -- Não foi?
--Foi... -- respondeu balançando a cabeça
--Tá tudo bem... -- secou os olhos dele -- Tudo bem, awlaadii... -- olhou para a loura -- Vamos embora, professora, min fadlik (por favor). -- pediu
Olívia sentia-se muito mal com aquela situação e chorava discretamente. -- Vamos. -- concordou com tristeza -- Eu vou arrumar as nossas coisas. -- respirou fundo e saiu
--E ocê tá isperandu o que? -- Raed insistiu secamente -- Tá demorandu muitu!
--Quer que eu vá embora? -- olhou para o pai de cara feia -- Eu vou!
--Zinara... -- Khaled olhou com tristeza para a irmã -- Laa... -- estava mais calmo
--Aasif, habibi... (Sinto muito, querido...) -- lamentou com tristeza -- Ana behebbak, awlaadii! (Eu te amo, minha criança!) -- beijou a testa dele -- Não duvide nunca! -- desvencilhou-se do irmão com cuidado e olhou para o pai -- Eu não venho pra cá infernizar. Ninguém vem, não é preciso. -- falava com mágoa e rancor -- aš-šeiTaan (Satanás) mora nessa casa! -- acusou -- E é ele quem decide tudo! -- saiu
Raed entendeu o que a morena quis dizer e ficou chocado. Paralisou sem saber o que fazer.
--Feliz anu bão, baba! -- Khaled partiu também, deixando o homem mais velho sozinho com seus pensamentos
“Shamash e eu fomos embora naquele mesmo dia, Kitaabii. Nossa estadia na roça durou pouco menos de um mês... Novamente parti arrasada e me sentindo um lixo. Não fosse pela doce professora, acho que teria ficado deprimida.
Khaled me enviou uma carta no começo de maio e me contou que passava quase todo seu tempo livre sozinho no mato com seus animais. Notei que sua bela caligrafia não era mais a mesma. As letras distorcidas e trêmulas revelavam a agonia marcante daquele jovem tão sofrido. Fiquei muito triste com tudo aquilo e apenas por causa dele decidi engolir meu orgulho e voltar nas férias de julho. Shamash me incentivou bastante mas disse que não me acompanharia e pensei que fosse devido ao escândalo que presenciou da outra vez. Mal sabia eu que era por ter descoberto a doença que encerrou seus dias nesta terra...”
--Eu bem já namoru! -- Ahmed falou orgulhoso para a irmã -- Peguei a minina assim, ó! -- simulava a situação -- E tasquei-lhi um beju na boca! -- sorriu -- Aí ela correu!
--AHHa, mas não é assim! -- ralhou -- E tão novinho e já namora? -- perguntou surpreendida -- Baba sabe disso?
--Eu já tô homi, num sô mais mininu! -- respondeu de pronto -- E baba num sabi di nada, não! E nem ocê vai contá! -- advertiu
--Comu si ocê num contassi essa história di beju pra todu mundu... -- Khaled olhava para o irmão
--Falei pra ocê, Nagibe, Cid e Zinara! -- retrucou -- E mais prus meus amigu di colégiu, os mininu da vila e o fio di seu Ramiro.
--Ou seja, falou pra todo mundo. -- a morena balançou a cabeça negativamente
--Ahmed, vem tomá banhu modi cumê, mininu! -- Amina chamou
--Já vô! -- levantou-se e deu tchau para os irmãos
--Maama dá banho nele até hoje? -- perguntou surpreendida
--Aywah. (Sim.) -- confirmou
--Humpf! -- fez um bico -- Já tá homem e precisa da maama pra dar banho nele! -- recriminou -- Duvido que baba não saiba dessas coisas! Ele finge que não vê, isso sim! -- passou a mão nos cabelos -- Wana amil eh? (Fazer o que?)
--Urtimamenti Ahmed deu pra fazê troça di mim pur causo dissu. -- confessou -- Eli diz qui num namoru ninguém, qui as moça num mi qué e ri di minhas fuça...
--CHOO?? (O QUE??) -- perguntou revoltada -- Quem aquele fedelho recém saído dos cueiros pensa que é? -- revoltou-se -- Baba vê isso e não diz nada?
--Eli num fala essis trem pertu di baba ou maama. -- olhava para a irmã -- É quandu eu tô aqui cum meus bichu e eli cisma di vim mi apurrinhá.
--Quando for assim, meta-lhe um tapa nas fuça pra aprender a ter respeito! -- aconselhou -- Você é mais velho e ele tem que tomar tenência!
--Si eu metê um tapa nas fuça di Ahmed ya sheen theek izziwaya (o que será de mim)? -- levantou-se e foi até o cavalo -- Baba mi comi vivu... -- olhou para a tina de água -- Tá seca. -- pegou um balde
“O pior é que é verdade!” -- pensou contrariada -- AHHa! -- resmungou com desgosto -- Eu ajudo você a encher a tina. -- pegou um balde também
--Fiqui fazendu força, não. -- aconselhou -- Nunca concordei cum essi trem di vê muié fazendu sirviçu pesadu, num sabi?
--Carreguei muito balde d’água, habibi. Não vou morrer por causa de mais um. -- piscou para ele -- Além do mais seu cavalo merece! -- brincou
--Chukran! (Obrigado!) -- deu um sorriso
--E quanto as moças, um dia há de aparecer alguém especial pra você! -- sorriu também
--Eu num vô atráis di moça ninhuma. -- respondeu envergonhado -- Quem vai namorá cum majnum? -- perguntou com tristeza
Interrompeu o que fazia e olhou seriamente para ele. -- Você não é majnum! -- assegurou de cara feia -- Eu sou mais velha que você e te proíbo de ficar dizendo isso!
--É o qui todu mundu pensa, intão vira verdadi, num sabi?
--Laa! -- discordou -- Que se dane o que os outros pensam! Você não pode concordar com isso! -- voltou a carregar água e gastou uns segundos calada -- Alguma vez... -- pensava em como perguntar -- você já gostou de alguma moça de um jeito especial? -- pausou brevemente -- Não fique com vergonha de me dizer, isso não é nada de mais. -- pediu
--Já. -- respondeu de cabeça baixa -- Mais ela tem namoradu. -- não quis entrar em detalhes e Zinara respeitou isso
Ao terminarem de encher a tina, a morena percebeu que o irmão estava com uma das mãos feridas. -- Ma hatha? (O que é isso?) -- apontou para o ferimento -- Andou brigando com os malditos moleques? -- perguntou intrigada
--Mais num foi pelu motivu di sempri. -- esclareceu -- Peguei dois mulequi lá atrás... -- não sabia como dizer -- Uai... -- coçou a cabeça -- Elis quiria... fazê da vaca muié e eu num dexei, num sabi?
--Ezzai?? (Como??) -- ficou em estado de choque
--Tem homi duenti assim, Zinara. -- esclareceu -- Mais aqui eu num dexu ninhum botá um dedu nessis bichu! -- garantiu -- Só si fô pur cima du meu cadávi! -- gesticulou
--Eu não sabia que existia isso... -- ainda estava escandalizada -- Ralã! -- exclamou com nojo
--Nem eu! Só sôbi quandu vi acunticendu. -- sentou-se -- Fui na casa di ya Ramiro e vi o fio deli fazendu as coisa... -- abaixou a cabeça -- cum uma galinha. -- esfregou as mãos -- Aí eu dei-lhi uma sova!
--Ave Maria! -- arregalou os olhos -- Bem feito que o safado apanhou! -- sentou-se também
--No finar eli inganô qui dei uma sova neli pur sê majnum e todu mundu acriditô. -- pausou brevemente -- Menus baba e maama, purque eu contei o mutivu.
--Fez bem! -- balançou a cabeça positivamente -- E nunca faça uma coisa dessas! -- aconselhou
--Deus mi livri, uai! -- olhou para a jovem -- Eu num sô dessi tipu di homi! -- afirmou convicto
--Eu sei, habibi! -- fez um carinho na cabeça dele -- Você é honrado! -- reparava no irmão -- Professora Olívia e eu pusemos seu nome no tratamento à distância lá no centro. Oramos todos os dias pra você melhorar! -- sorriu -- Fico feliz, porque me parece melhor!
--As voiz inda mi azucrina, mais diminuiu um tantu. -- segurou a mão da irmã e sorriu -- Fiquei muitu, muitu filiz pur dimais da conta di ocê tê vortadu! -- pausou brevemente -- Eshtaqto elaiki katheeran... (Senti tanto a sua falta...)
--Voltei por você, awlaadii! Al’afw! (Não há porque agradecer!) -- respondeu com carinho -- Tamally waheshny! (Sinto muitas saudades!)
--Prometi qui nunca mi abandona? -- pediu como criança
--Wallahi! -- prometeu -- Sob Deus e o nome de nossos ancestrais!
***
“Na véspera de vir embora tive uma discussão séria com baba porque bati em Ahmed e ele não gostou do que fiz. Não pude suportar ver aquele garoto abusado desrespeitando Khaled e agi com energia; talvez até demais. Foi primeira e última vez que agredi um irmão.
Durante a discussão baba e eu nos exaltamos muito e dissemos coisas terríveis, Kitaabii. O ambiente ficou tomado por vibrações negativas e de repente me pareceu que todos estávamos completamente desequilibrados. Khaled ficou nervoso e gritava angustiosamente, maama chorava, Nagibe e Cid ficaram assustados e Ahmed falava desaforos para mim como se estivesse louco.
Hoje, ao me recordar destes momentos, meu coração se enche de tristeza e vergonha. Oh, xajlaan, oh, xajlaan... (Oh, vergonha, oh, vergonha...) Por que fazemos coisas tão idiotas, Kitaabii? Por que criamos razões para sofrer?”
--Ocê pensa qui é grandi coisa purque istuda umas bestagi na cidadi grandi, mais pra mim ocê num passa di uma muié qui num sabi si colocá nu seu lugá! -- falava exaltado
--Se o meu lugar é abaixo de ya said (senhor) então eu nunca vou me rebaixar a tal ponto! -- respondeu no mesmo tom -- Eu não aceito mais viver sob sua ignorância e estupidez!
--AHHa, mais eu vô ti quebrá nu meiu! -- avançou em cima da filha
--LAAAAAAAAAAAAAA!!!!!! (NÃOOOOOOOOOOOOOOOO!!!!) -- Khaled não o deixou se aproximar da irmã -- AHAHAHAHAHAH!!!!!!!!!!!!!!! -- gritava
--Somi da minha casa, pesti, somi da minha casa! -- bradou furioso -- Ocê num é bem vinda aqui! -- gritou
--Não, zogii!!! -- Amina pediu aos prantos -- Não ixpursa nossa fia di novu!
--Eu cuspu nu nomi di Zinara Raed! -- cuspiu no chão -- Vai simbora! -- riscou o chão com o pé
--AHAHAHAHAHAHAH!!!!!!!! -- Khaled gritava agoniado
“Talvez você não entenda o que aquela atitude representava, Kitaabii, mas o que baba fez foi uma ofensa das mais graves. Não respondi a ele, não consegui.
Lembro bem que peguei minha mochila e saí para dormir no meio do mato. Não havia como ir embora antes da hora, então decidi que dentro daquela casa eu não passava mais um segundo sequer. No dia seguinte Khaled veio se despedir de mim e não dissemos coisa alguma; apenas nos abraçamos com força. E foi triste, Kitaabii... Uma despedida bem dolorosa...
Eu não sabia, sequer imaginava o que viria depois e se Allah me desse a chance de voltar no tempo, teria agido de modo bem diferente. Se eu não tivesse discutido com baba daquele jeito, não teria esgotado todas as chances de levar Khaled para se tratar em Gyn. Se eu não tivesse me deixado tomar por meu orgulho, teria voltado atrás em certas posições... Mas não... naquela época eu não via o que hoje percebo com clareza... Naquela época, Kitaabii, meus olhos estavam cegos...
Decidi que não voltaria na roça por um bom tempo. Shamash insistiu para que eu mudasse de ideia, mas não reconsiderei.
Abandonei Khaled, Kitaabii... Oh, sim, estou chorando neste momento... Descumpri minha palavra e o abandonei... Justo eu, que por toda vida sofri por me sentir abandonada. Oh, khaayen, oh, khaayen... (Oh, traição, oh traição...)
É verdade, eu assumo, não reconsiderei. E foi o maior erro de minha vida.
Existe perdão para esta alma suja, Kitaabii? A’aleem Ilaah... (Só Deus sabe...)”
--Meu Deus... -- Clarice tinha os olhos marejados -- Zinara... -- olhou para a astrônoma e sentiu muita pena -- Quanto de você foi perdido nessas batalhas tão árduas? -- falava consigo mesma -- Agora acho que começo a entender o contexto dessa história...
Fabrise tentava escrever o próprio nome na caligrafia de Cedro, enquanto a astrônoma se divertia com seus garranchos.
--Você não abandonou ninguém, meu amor... Você era tão frágil quanto seu irmão... -- secou os olhos com uma das mãos -- Mas eu vou estar do seu lado, meu bem. Vou te ajudar a ver o que ainda não consegue! -- prometeu
CAPÍTULO 86 – Um Dia é da Caça e o Outro...
Cátia azucrinava noite afora à caça de mulher.
--Oi, linda! -- segurou uma jovem pela cintura -- Já que você tá fazendo nada aí sozinha, vem fazer nada aqui comigo? -- sorriu -- Tô louca pra te conhecer melhor! -- caprichou no tom mais sedutor que podia
--Ai, tia, foi mal. -- desvencilhou-se dela -- Mas eu prefiro alguém mais assim da minha idade, valeu? -- deu tchauzinho e se afastou
--Tia?! -- perguntou revoltada -- Puta merd*, sacanagem! -- fez cara feia e virou o copo para beber de um gole só -- AH! -- exclamou ao sentir a garganta queimar
Não se dando por vencida, a loura olhava para todas ao mesmo tempo, buscando alguém para jogar na cama.
--A noite lés anda fraca, vou te contar! -- reclamava consigo mesma -- Oi! -- abordou uma mulher que passava dançando com um copo na mão -- Delícia, hein? -- falou com voz cafajeste
--Tô acompanhada, neném! -- apontou para a namorada -- Fui!
--Porr*! -- resmungou entre dentes
Após abordar mais duas mulheres sem sucesso, Cátia sentou-se e pediu outra bebida.
--Sozinha por que quer ou por que não encontrou alguém interessante o suficiente? -- alguém perguntou
A geofísica olhou na direção da voz e surpreendeu-se com uma jovem mulher branca, de cabelos castanhos e olhos azuis. O rosto de traços delicados e sem maquiagem davam-lhe um ar quase angelical. Seus lábios esboçavam um sorriso simpático adornado por belos dentes branquinhos.
--Encontrei agora! -- puxou uma cadeira para a jovem se sentar -- Por favor, querida! -- pediu sorridente
--Obrigada! -- aceitou e se sentou
--Qual o seu nome, meu bem? -- perguntou reparando-a de cima a baixo -- Eu me chamo Cátia! -- estendeu a mão para cumprimentar -- É um prazer te conhecer! -- afirmou sedutoramente
--Justine. -- apertou a mão da outra -- Encantada!
Beijou a mão da mulher. -- Você aceita uma bebida? -- ofereceu cheia de charme -- Também quer comer alguma coisa? Fique à vontade comigo! -- caprichava nos olhares
--Aceito uma bebida. -- sorriu e tirou o blazer -- Queria uma dose de White Label, se não incomoda. -- pediu ao cruzar as pernas
Cátia reparou no generoso decote da moça e em suas coxas grossas. -- Eu não me incomodo com nada, gatinha... -- respondeu quase babando -- Se você quer uísque, -- chamou o garçom -- vai beber uísque. -- sorria -- Pra uma mulher como você, não se diz não!
--Obrigada! -- sorria -- Você é muito fina e gentil. -- elogiou -- Passaria a noite inteira conversando com você... -- falou cheia de dengo
"E eu passaria a noite inteira comendo você!” -- pensou cheia de malícia -- A noite começou agora, minha linda! E eu quero muito te conhecer melhor... -- olhou para o garçom que acabava de se aproximar -- Uma dose de White Label pra ela, por favor. -- voltou a olhar para a moça -- "Hoje me dei bem! Vou jogar essa garota numa cama não demora muito...” -- planejava -- Mas, por favor, querida... fale de você! -- cobriu uma das mãos da jovem com a sua própria -- Quero saber tudo sobre Justine! -- sorria sedutoramente
***
--Hum... -- uma irritante dor de cabeça incomodava a geofísica -- Que dor miserável! -- reclamou ao abrir os olhos -- Onde eu tô? -- sentou-se com dificuldade -- Ai... -- passou a mão nos cabelos -- Onde eu tô? -- olhava para todos os lados
Cátia acabou reconhecendo o quarto de motel no qual deu entrada com Justine e achou estranho não perceber nenhum vestígio da presença dela.
--Que horas são? -- olhou intrigada para o relógio -- Onze e meia da manhã?! -- estranhou -- Mas cadê...? -- não entendia -- Justine! -- chamou pela outra -- Justine! -- ninguém respondia -- Que merd*! -- deu um soco no travesseiro -- A garota foi embora, eu dormi demais e ainda vou pagar uma fortuna nesse motel! -- reclamou para si mesma e levantou-se devagar -- Caraca, parece que fui atropelada por um caminhão! -- caminhou vagarosamente até o banheiro -- Eu não bebi tanto assim... -- estranhava a situação -- E por que será que não me lembro da trans*? -- olhou para o espelho e se surpreendeu com o que viu
Um recadinho escrito com batom deixou a loura de cabelos em pé: “BOA NOITE, CINDERELA! UHAUHAUHAUHA!”
--Ah, não acredito! -- sentiu o coração acelerar e voltou correndo para o quarto -- Não acredito, não acredito! -- ficou furiosa enquanto procurava por suas coisas sem encontrá-las -- A piranha me roubou o dinheiro e ainda levou tudo meu! -- continuava procurando -- Nem a roupa a vagabunda deixou! -- sentou-se desanimada sobre a cama -- E agora, meu Deus? -- abraçou-se consigo mesma -- Como é que eu vou sair dessa? -- estava a ponto de chorar -- Peço ajuda a quem? Ligo pra quem? -- não sabia -- Que vergonha...
***
--Caraca, fala sério, se cara de pau tivesse um nome, seria Cátia Magalhães! -- balançou a cabeça negativamente e achou graça -- Só rindo! -- riu brevemente
--Se você topou vir me ajudar pra ficar fazendo hora com a minha cara, pára esse carro e me deixa descer! -- reclamou olhando para a outra -- Já disse que te pago o que tô devendo!
--Qual é, Cátia? Deixa de drama! -- Lilian retrucou -- Você não podia esperar que eu ficasse calada depois de tudo que rolou hoje, né? -- olhou rapidamente para a loura -- Imagina só a situação: Cátia Magalhães, professora universitária da Federal, pesquisadora consagrada mundo afora, malandra, esperta, -- acentuava propositadamente o sotaque -- vai prum motelzinho de quinta categoria com uma desconhecida e cai no velho golpe do boa noite Cinderela! -- riu novamente
--Podia acontecer com qualquer uma... -- resmungou olhando para a rua
--Aí, a poderosa Cátia, -- continuava falando -- lembrou do número de uma ex amante que manteve por uns anos até dispensá-la por causa de uma professora, que acabou lhe dando um belo pontapé na bunda! -- elevou um pouco o tom de voz -- E aí essa ex amante tava no meio do almoço dela e teve que comer correndo, ir pra casa voando, pra catar roupa da namorada, e aí encontrar com a professora Cátia no motel.
“Não me lembra que eu tô usando roupa cafona daquela baranga!” -- pensou contrariada -- Se é pra ficar jogando na minha cara, pra que aceitou me ajudar? -- perguntou impaciente
--Eu não estaria aqui perdendo horas de trabalho e nessa mobilização toda se não te devesse favor. -- respondeu de pronto -- Você foi uma canalha comigo, mas também me ajudou quando mais precisei. -- pausou brevemente -- Não sou ingrata!
A geofísica nada respondeu.
--Mas a pior parte foi prestar queixa na delegacia. -- parou no sinal fechado -- Cara, que merd* foi aquela? -- riu de novo -- Você foi a piada do dia!
--Nem toca nesse assunto porque aquilo foi... -- balançou a cabeça contrariada -- Eu me senti pessimamente mal sendo feita de chacota por aquele bando de imbecis! -- falou com desgosto -- Só não disse nada porque ainda podia ser presa!
--Pois é, Cátia... -- voltou a andar -- Um dia é da caça, o outro da caçadora. Bom pra você aprender!
--Nunca mais bebo nada que gente desconhecida venha me oferecer!
Lilian riu gostosamente. -- Você não aprende mesmo, né? -- parou o carro e olhou para a loura -- Tão inteligente pra umas coisas e tão idiota pra outras!
--Qual é, Lilian, parou o carro pra me dar liçãozinha de moral? -- perguntou revoltada -- Quer saber? Eu vou embora! -- tentou abrir a porta do carro
--Você fica e me ouve! -- travou as portas -- Porque já tá mais do que na hora de alguém te dizer umas verdades! -- afirmou com firmeza
Ficou indignada. -- Quem você pensa que...?
--Cala a boca e me ouve! -- interrompeu-a com rispidez e pausou brevemente para se recompor -- Às vezes, a gente vem tão desgovernada que a vida tem que dar uma porr*da pra abrir nossos olhos! -- sentou-se de frente para a ex -- E olha só pra você! Há quantos anos você não faz outra coisa senão trabalhar e pular de cama em cama, colecionando amantes como se isso fosse um troféu?
Ajeitou-se no banco do carro. -- Sei que fui errada com você... -- tentou se explicar
--Você foi e é errada com todo mundo! -- interrompeu-a mais uma vez -- Inclusive com você mesma! -- olhava nos olhos -- Gente que se coloca na sua posição, que se acha garanhona, pegadora, gostosona, nada mais é do que gente que não se respeita e não respeita ninguém! -- acusou -- Quantos corações você feriu? Com quantas pessoas fez sex*? Será que sabe o nome de todas elas? -- desafiou -- Uma coisa que começo a perceber, Cátia, é que não existe liberdade sem responsabilidade! Sexo é coisa séria, amor é coisa sagrada! Seu corpo é como um templo e ainda assim você o divide com qualquer criatura de rosto bonito que apareça na sua frente!
--Também não é assim... -- protestou envergonhada
--Ah, não? -- riu ironicamente -- Você é uma conquistadora, meu bem! E morre de orgulho disso! -- passou a mão nos cabelos -- Acho que todo mundo que tem essa necessidade de conquistar, como você tem, no fundo é uma pessoa insegura e medrosa que tem medo de amar e se esconde atrás da máscara de Don Juan! -- Cátia ficou quieta -- Pára e pensa na vida, meu bem: você não tem família, não tem um amor, não tem bons amigos! -- falou a verdade sem rodeios -- Por que me ligou pra ir te ajudar? Eu respondo: porque não havia ninguém mais! Diz se é mentira minha?
--Ah, eu... -- não sabia o que dizer
--A gente colhe o que semeia, Cátia, e você só semeia coisa boa no trabalho! Na sua vida privada, você só faz é merd*! -- ajeitou-se no assento -- Pra dizer a verdade, até o trabalho fica comprometido quando você faz certas coisas. -- destacou -- Hoje mesmo você faltou! -- ligou o carro -- Abre o olho, fica esperta e muda! -- aconselhou -- Porque senão teu destino é acabar velha, ferrada e sozinha! -- voltou a andar
A geofísica não teve palavras para se defender. Sabia que Lilian estava certa e sentiu-se muito mal. Imediatamente pensou em Magali e Lúcia e o mal estar tornou-se ainda pior. Não sabia o que fazer, não sabia até quando conseguiria manter aquela situação com as duas. Na verdade, ponderando sobre o que ouviu, sentiu-se na obrigação de ser honesta. Mas como? Falar a verdade seria difícil e doloroso.
Chegando em casa, Cátia tomou um banho, fez um lanche rápido e se deitou mesmo sem sono. Abraçou-se com seu travesseiro, chorou por muito tempo e fez algo que não fazia há muitos anos: orou.
CAPÍTULO 87 – Armadilhas de Amor
--Aisha, mas por que vocês têm que dormir fora? -- Najla perguntava intrigada -- Nunca vi alguém ter que fazer isso porque vendeu salgadinhos pra festa de criança!
--Acontece que a festa é em Tabatinga, mamii! Como é que dá tempo de ir lá, preparar tudo e voltar num horário decente? -- pôs as mãos na cintura -- Têm um monte de notícia aí mostrando que os assaltos nas estradas de Guaiás estão o Ó! -- fez um gesto afetado -- Além do mais nem sei se teria ônibus!
--Mas por que você tem que fritar os salgados no salão de festa da mulher? -- não entendia -- Será que não dava pra simplesmente entregar, receber o dinheiro e cair fora?
--Claro que não, mamii, ela quer que eu decore mesa, arrume guardanapo, toalha, cobre mancha, faça arranjo com legumes e mais aquela frescurada toda, né? O bom de ter sido rica é que a gente manja dessa baboseira toda e o povo dá o maior valor! -- achou graça -- Além do mais fui eu quem indiquei a moça dos docinhos pra ela e a gente tá trabalhando junta! Não posso deixar a colega em situação ruim, porque se depois precisar de um apoio, ferrou! -- explicava-se
--Eu sou a segurança da festa! -- Janaína lembrou -- Vou ficar de plantão na porta até às três da manhã!
--Festa de criança terminando às três da manhã? -- arregalou os olhos -- AHHa, mas que negócio é esse??
--Ih, mamii, tá por fora, viu? Hoje em dia festa de criança tem de tudo, até salão de beleza!
--É... -- suspirou -- Se não tem jeito, né? Fico eu aqui pra dormir sozinha... -- lamentou -- Só ainda não entendo porque as duas têm que ir agora, às duas da tarde!
--Porque tem o trânsito e mais um monte de coisa pra fazer! -- Janaína respondeu -- E a gente não tem carro, né? Vamo ter que pegar o busão! -- revirou os olhos -- Simbora, Aisha, que a gente já tá atrasada! -- olhou para a mulher
--É só por hoje, mamii, relaxa! -- soprou um beijinho -- Vai brincar na internet!
--Valeu sogrona! -- deu tchauzinho -- Até amanhã! -- abriu a porta e saíram
--Até... -- respondeu desanimada -- Agora que voltei a ter gente ao meu redor, odeio ficar sozinha... -- resmungou
***
--Ué, quem será? -- Najla foi ver quem tocava a campanhia -- Um minutinho! -- abriu a janela e a cortina -- Ai! -- fechou a cortina rapidamente -- "Oh, Aba, ele não pode me ver desmantelada desse jeito!” -- pensou nervosamente
--Senhora Najla? -- chamou envergonhado -- Vim em má hora? -- perguntou sem graça
--Não, é que eu... -- andava em círculos pela casa -- tô procurando a chave! -- mentiu -- Um minutinho, seu Marco! -- correu para o banheiro
--Nossa, será que dei rata e vim em má hora? -- perguntava-se preocupado
Após alguns minutos, Najla abria o portão toda bem arrumada. -- Olá, seu Marco! Boa tarde!
“Meu Deus, que mulher...” -- suspirou apaixonado -- Boa tarde... Dona...
“Um olhar me atira à cama, um beijo me faz amar, não levanto, não me escondo, porque sei que és minha... Dona!!!”
“Ai, ele veio todo lindo, todo arrumadinho e cheiroso como sempre!” -- suspirou -- É...
“É! Você é um negão de tirar o chapéu, não posso dar mole senão você, créu! Me ganha na manha e baubau, leva meu coração...”
--Por favor, entre! -- a ex fazendeira convidou sorridente
--Perdoe vir assim, dona Najla, mas Janaína me pediu pra consertar o chuveiro de vocês que parece que queimou... -- entrou quando ela deu passagem
--O chuveiro? O senhor veio consertar o chuveiro? -- não sabia -- "Nossa, mas é janeiro, quem tá tomando banho quente aqui?” -- pensou desconfiada -- "Isso tá me cheirando a armadilha de Aisha!” -- concluiu
--Sim, eu vim... -- respondeu sem graça -- E, cadê ela? -- perguntou cismado quando Najla fechou a porta de casa
--Janaína? Saiu com Aisha e só voltam amanhã. Foram trabalhar numa festa de criança. -- apontou o sofá -- Por favor! -- ofereceu e ele se sentou
“Isso é armadilha de Janaína...” -- concluiu -- É... e como vai a senhora? -- não sabia o que dizer ou fazer
--Ótima, graças a Deus! -- sorriu -- E o senhor?
--Melhor agora... -- sorriu também
--Não sabia que consertava chuveiros. -- comentou
--Conserto qualquer coisa dentro de uma casa. -- afirmou todo prosa
“Gente, que homem é esse?” -- pensou impressionada -- E o senhor veio tão bem arrumado que nunca pensei que fosse pra trabalhar! -- abaixou a cabeça envergonhada
--Ah... -- ficou encabulado -- É que... eu sabia que a senhora deveria estar em casa e... não podia me apresentar de qualquer jeito...
--O senhor nunca se apresenta de qualquer jeito!
--Tampouco a senhora! -- mordeu o lábio inferior -- Sempre uma deusa!
Ficaram uns segundos calados pensando no que dizer.
--Aceita um chá, torradas... um bolinho? -- ofereceu -- Fiz um ontem à tarde!
--Obrigada, mas não. -- recusou gentilmente -- Estou satisfeito. -- esfregou as mãos uma na outra -- E o... chuveiro? -- olhou para ela -- Funciona ou não?
--Nem sei quem tem tomado banho quente... não posso dizer. -- cruzou as pernas -- Vai ver Janaína se equivocou...
--É que ela disse que não esquentava... -- ajeitou-se no sofá
--Não posso garantir que não esquente. Sinto um calor tão grande que nem quero saber de banho quente! -- sorriu
--Eu também! Muito calor... -- levantou-se nervosamente -- Talvez eu devesse... ir lá ver de perto.
--Talvez... -- levantou-se também -- Ver de perto... -- repetiu inconscientemente as últimas palavras do homem
--Dona Najla! -- olhava nos olhos dela
--Sim! -- respondeu enfeitiçada
--Sobre aquele dia... -- aproximou-se um pouco -- em que Janaína chegou de repente e... -- não conseguiu continuar
--Sim... -- aproximou-se um pouco mais
--Eu lhe fiz uma proposta... -- aproximou-se mais também
--E eu respondi... -- não conseguia desviar o olhar
--Não sei que me disse... Será que poderia...? -- seus olhos miravam os lábios da mulher
--Posso! -- puxou-o para um beijo apaixonado
Najla e Marco abraçaram-se com força e beijaram-se com desejo, medo, carinho, paixão e ansiedade. Não sabiam ao certo até onde ir, mas abriram mão do pensar para apenas sentir.
CAPÍTULO 88 – Outra Vez, Viegas...
--Fico feliz que tenha voltado, Zinara. -- Viegas olhava para a astrônoma -- Quando soube que estava aqui meu coração disparou! -- confessou -- Ainda tenho o que lhe dizer e tentarei não ofendê-la com minhas palavras.
--Peço desculpas por minha atitude na primeira visita. -- ajeitou-se na cadeira desconfortável -- Mas é difícil ouvir certas coisas. Sa'ban ‘alay... (É difícil para mim...)
--Eu sei... juro que sei... -- olhou para Clarice -- E acho que devo agradecê-la também -- sorriu -- Não tem ideia do bem que está fazendo!
--Não me agradeça. -- fez um gesto despreocupado -- Zinara viria de uma forma ou de outra.
“Talvez não, Sahar. Talvez não...” -- pensou -- Eu não quero ser rude, mas... será que poderíamos ir direto ao assunto que precisa tratar comigo? -- pediu
Viegas analisou o rosto da morena e perguntou curioso: -- Antes me responda apenas a uma pergunta, por favor. Por que veio me procurar? Não deve ter sido fácil me encontrar aqui. -- estava intrigado
--Não foi mesmo! -- concordou -- E eu vim porque... foi um pedido de alguém muito especial. -- respondeu simplesmente
--E o que busca? -- insistiu -- Respostas?
--Algo mais que isso. Só que não sei se... -- balançou a cabeça negativamente -- "Não sei se consigo te perdoar!” -- completou a frase em pensamento -- Laa acrif... (Não sei...)
Viegas suspirou e balançou a cabeça pensativo. -- Creio que não deseje que eu lhe reporte fatos da época em que Khaled se tratava comigo. -- especulou -- Detalhes do tratamento, quero dizer.
Zinara sorriu ironicamente. -- Lembrar do modo como você o drogava com um coquetel pesadíssimo, que transformou akhuuya (meu irmão) em uma espécie de zumbi? Lembrar das sessões de eletrochoque? Dos gritos que ele dava? Lembrar da metodologia maravilhosa das camisas de força e dos ‘sossega leão’? -- fez aspas com os dedos -- Não, eu dispenso! -- afirmou secamente
“Daquela vez era menos difícil estar ali diante dele, Kitaabii, mas as emoções ainda turbilhonavam dentro de mim. Pensar que Khaled passou por tudo aquilo e eu acompanhei tão pouco do que se deu, me dava uma sensação terrível de culpa e mágoa. Eu condenava aquele psiquiatra infeliz pelo que fez e a mim mesma pelo que não fiz.”
--Quando me formei, -- mirou um ponto no infinito -- eu acreditava que Wundt, Pavlov, Watson, Skinner, estavam completamente certos com sua teoria Behaviorista. -- sorriu pensativo -- Eu acreditava que se podia modificar o comportamento humano com condicionamento repetitivo. Mesmo que para isso os métodos fossem um tanto... pesados. -- pausou brevemente -- Por isso militei muitos anos em favor dos eletrochoques! -- justificava-se
Zinara e Clarice ouviam caladas.
--Uma coisa leva a outra e minhas pesquisas sobre eletrochoques me levaram aos ‘choques químicos’. -- fez aspas com os dedos -- Receitando um comprimido conveniente eu poderia terminar uma sessão que seria longa em apenas 10 ou 15 minutos! Com isso o uso do meu tempo seria muito mais eficiente e eu poderia atender mais pessoas por dia!
--E foi quando descobriu isso que você se transformou num canalha ou já era assim desde a época inicial do amor pelos eletrochoques? -- perguntou de súbito
--Querida... -- Clarice cobriu uma das mãos de Zinara com a sua própria -- Não... -- pediu com o olhar
--Tudo bem. -- Viegas ficou sem graça -- No princípio eu errava por ter uma visão muito limitada de ciência e dos assuntos da alma. Depois eu deixei a ganância me transformar num monstro insensível. -- confessou arrependido -- Eu comecei a misturar remédios pesados, buscando potencializar os efeitos de cada um, e em pouco tempo me tornei conhecido pela quantidade de drogas prescritas em meu receituário.
--E a partir desse momento deve ter começado a ganhar dinheiro pra receitar mais. -- Zinara concluiu -- Ralã! -- resmungou com desgosto
--Sim... Inclusive ganhei jantares, viagens e idas a congressos em várias partes do mundo. -- abaixou a cabeça -- Morro de vergonha disso...
--E onde quer chegar nos dizendo essas coisas? -- foi direto ao ponto -- Aasif (Sinto muito), mas sua trajetória de vida não me interessa!
Sorriu e olhou para a morena. -- A sinceridade sem rodeios do povo de Cedro, a forma direta de falar o que se pensa... -- cruzou os braços e se apoiou no encosto da cadeira -- Seu irmão era igualzinho. -- lembrava -- É um traço forte do seu povo, que a gente daqui às vezes interpreta como um pouco de rudeza. -- pausou brevemente -- Mas não eu. -- garantiu -- Essa transparência de vocês me deixava muito à vontade e me inspirava simpatia a ponto de ter aberto exceções pra Khaled.
--Como assim, exceções? -- não entendeu
--Será que se lembra de... Georgina Mendes? -- perguntou olhando para a mulher
--Georgina Mendes... -- Zinara reconheceu aquele nome e buscava em sua mente a lembrança exata
“--Eu tô filiz pur dimais da conta qui ocê veio, Zinara! -- Khaled sorria -- Dispois di quasi trêis anu longi, só as carta num dava conta, não!
--Poucas cartas, né, ya habibi? -- brincou -- Você raramente me escreve!
--É qui quandu eu ficu mar, num dá... -- justificou-se -- Mais agora eu tô mió! -- afirmou animado
--Que bom, awlaadii! Jayed jedan! (Muito bom!) -- não conseguia concordar -- "Khaled me parece tão estranho... Envelhecido, mal tratado, cheio de cacoetes... Que tipo de tratamento é esse que ele faz?” -- pensou preocupada
--Queru qui ocê cunheça meu piscatra! O dotô Viegas! -- comentou animado -- É ele qui mi trata!
--Vamos nos conhecer, sim! -- balançou a cabeça positivamente -- Ana cawza! (Eu quero!)
--E ocê também pricisa di cunhici a garota mais ispeciar du mundu! -- segurou as mãos da irmã -- É a muié da minha vida! -- falou em voz baixa
--Tá namorando? -- perguntou surpresa e animada -- Que bom! Quem é ela?
--Georgina Mendes! -- anunciou orgulhoso -- Mais só ocê sabi, purque é segredu! -- olhava para todos os lados para ver se alguém ouvia
--Eu não conheço ela, pelo menos não me lembro desse nome... -- pensava nas pessoas que conhecia -- E por que é segredo? -- não entendia -- Há quanto tempo namoram?
--Há uns trêis mêis! Pur issu qui ocê num sabia, purque faz mais di trêis mêis qui num ti iscrevu! -- aproximou-se mais da irmã -- E é segredu purque ela pidiu pra sê!
--E por que isso? -- perguntou desconfiada -- Bitichkii min eh? (Qual é o problema?)
--Macleech, ukhtii! (Não se preocupe, minha irmã!) Ela é boa moça! -- garantiu -- Tô só isperandu miorá um pôcu mais modi pidi ela im casamentu, num sabi? -- anunciou empolgado -- Vô pidí pra baba í cunversá cum o baba dela modi falá di minhas intenção, iguar reza a tradição di Cedro!
--Casar?! -- estava atônita -- Calma, Khaled, casamento é coisa séria, tem que se pensar com cuidado e...
--Zinara! -- interrompeu-a levando-a para trás do cercado -- Num possu demorá a casá purque sinão seria um trem disonradu!
--Por que? -- continuava sem entender
--Eita... -- coçou a cabeça -- Comu dizê? -- ficou envergonhado -- Nóis feiz aquilu... -- falou bem baixinho
--Choo? (O que?) -- não acreditava -- Quer dizer que...?
--Eu amu Georgina! -- afirmou com verdade -- Queru fazê dela minha muié cum honestidadi! E casá e tê uns mininu! -- fazia planos -- Eu sei qui ela também ama eu!
Zinara ficou preocupada. -- Eu quero conhecer essa garota, Khaled! O mais rápido possível!”
--Ela foi a primeira e única namorada de Khaled! -- respondeu olhando para o médico -- Lembro bem de quem é... -- balançou a cabeça -- É que desde que ouvi falar dela as pessoas a tratavam tanto pelo apelido pejorativo, que acabei esquecendo o nome com o passar do tempo. -- pausou brevemente -- E eu já ouvia falar dela desde antes de sair roça, desde antes de Khaled sonhar em se apaixonar!
--Perereca! -- Viegas citou o apelido -- Khaled não aceitava que a chamassem daquele jeito. -- lembrou
--Também nunca concordei com aquilo! -- parou para pensar e perguntou desconfiada: -- Não me diga que foi você quem colocou aquela canalha na vida dele?
Achou graça. -- Não! -- negou tacitamente -- Juro que não! -- dizia a verdade -- Sabe... somente depois de muito esforço de minha parte é que Khaled me contou sobre essa garota. Ele me disse que a conheceu em uma das vezes em que andava a cavalo. -- contava -- Ela se aproximou dele pra conversar e desde aquele dia os dois passaram a se encontrar no mesmo lugar. -- lembrava -- A coisa foi indo até que ela tomou a iniciativa e os dois se beijaram. Pouco tempo depois veio a intimidade.
--Ela só queria se aproveitar dele. -- cruzou os braços contrariada -- Depois que passou a novidade, já tava pronta pra jogar fora! -- afirmou entre dentes -- Bint kalb! (Filha de um cachorro!) -- resmungou
--Como sabe que ela planejava isso? -- Clarice perguntou curiosa
--É uma longa história, Sahar, mas eu vou resumir. -- preparava-se para contar -- Georgina tinha muita má fama na região, porque diziam que ela gostava por demais da conta de... -- pensava em como dizer -- garotos virgens e homens casados. -- explicava para a namorada -- Contavam que ela ia pro meio do mato com os caras e aí... fazia tudo e mais um pouco. -- lembrava das fofocas daquele tempo -- Diziam que o local preferido era um descampado perto do rio e foi daí que veio a história do apelido de perereca. -- passou a mão nos cabelos -- Os jovens das redondezas procuravam por ela pra ter a primeira vez, assim como os homens casados iam atrás pra pular a cerca. Daí você sabe como o povo é: se Georgina fosse homem, seria o garanhão da roça, mas, como era mulher, era mahdia (prostituta).
--Khaled sabia dessas histórias sobre ela? -- perguntou curiosa
--Não, Clarice. -- Viegas respondeu de pronto -- Khaled não tinha vida social e era muito alheio a várias coisas. Quando ele soube, já estava apaixonado. -- pensou no jovem e sorriu com carinho -- E não deu a mínima pra isso!
--Pois é. -- Zinara concordou -- Quando Khaled me apresentou a ela eu levei um susto. -- olhava para a namorada -- Eu e ela, devo dizer, porque Georgina não sabia que ele iria aparecer comigo, ao invés de ir sozinho.
--Que situação... -- o médico comentou
--Desde o começo eu fiquei cismada com a história dela querer guardar o namoro em segredo. Fiquei matutando mais ainda quando vi que Georgina era a tão falada Perereca. -- a astrônoma continuava contando -- Então dei meu jeito de encontrá-la sozinha e surpreendi a safada no maior amasso com um homem casado, que quase saiu correndo quando me viu. -- pausou brevemente -- Quer dizer, ele saiu correndo do jeito que deu: ridfaan (bunda) de fora com as calças na mão!
--Gente! -- arregalou os olhos -- Em tão pouco tempo de namoro ela já traía seu irmão?
--Eu segurei a bicha pelo braço e falei pra ela com a cara mais feia do mundo: “-- Agora nós vamos ter uma conversinha de mulher pra mulher, viu, fi? Tiizak Hamra, ya bint kalb! (Seu rabo é vermelho, sua filha de um cachorro!) -- repetia suas próprias palavras
“-- Podi í mi sortandu, sua lôca! -- Georgina gritou com raiva -- Ocê num tem nada cum minha vida!
--Eu quero entender direitinho o que você pretende com Khaled, porque namoro sério com certeza não é! -- encarava a outra de cara feia
--E nunca qui quis! -- tentava se desvencilhar -- Eu só quiria vê cumé qui seria metê cum mininu tão diferenti, num sabi?
Seu coração encheu-se de raiva. -- Ele se apaixonou por você, ya’aadiim (sua sem vergonha)! -- gritou -- Como pôde ter se aproveitado desse jeito? -- sacudiu a moça e a empurrou com força -- Maldita! -- derrubou-a no chão
--Eu num sabia qui eli ia si prendê! -- retrucou di pronto -- Quandu vi eli chegá cocê modi mi apresentá, chega fiquei nu quimba! -- levantou-se com dificuldade -- Ia di sê nossu úrtimu incontru! -- revelou -- Já ia terminá!
--Pois você vai fazer o que eu vou te dizer, -- aproximou-se com o dedo em riste -- do contrário, vai se arrepender por demais da conta! -- ameaçou -- Eu vou te perseguir até an-naar (o inferno) e tua orelha vai torcer sem sair sangue! Faço tua cara virar pras costa! -- seu olhar era furioso
--Ave Maria! -- afastou-se assustada
--Você vai dizer pra ele que o ama, mas que não tem condições de manter esse relacionamento! -- continuava falando -- Vai dizer que se acha indigna de continuar com ele e por isso precisa terminar.
--Mais num é verdadi... -- retrucou
--Vai dizer que nunca irá esquecê-lo! -- segurou-a novamente pelo braço -- E que ele foi a pessoa mais especial que passou pela tua vida! O teu grande amor!
--E pra que tudu issu? -- não entendia -- Pareci inté qui eu sô o homi e eli a muié! -- falou com deboche
--Faça exatamente como te falei! -- ordenou de forma assustadora -- Do contrário, não vá reclamar depois! -- sorriu maquiavélica -- Sabe o que dizem do povo de Cedro, não é? Somos todos terroristas e assassinos!”
--Eu sempre odiei esse estereótipo da minha gente, mas naquelas circunstâncias usei o preconceito ao meu favor. -- encerrou a história -- E ela fez a coisa exatamente do jeito que mandei!
--Foi muito astuto de sua parte. -- Viegas prosseguiu o relato -- Porque Khaled acreditou naquela história. Ele tinha pena por ela se sentir daquele jeito e imaginou que a fama de prostituta tivesse complexado a garota. -- pausou brevemente -- Se não tivesse mandado Georgina agir como agiu, creio que o rapaz teria entrado na mais profunda depressão que poderia haver.
--Mas como Khaled ficou depois desse término? -- a paleoceanógrafa perguntou e logo se arrependeu -- Desculpem, acho que não deveria me meter nisso! -- ficou vermelha
--Baseeta, Sahar. (Sem problemas, Amanhecer.) -- respondeu com carinho -- O que se pode dizer? Ficou arrasado!
--Ela o dispensaria de qualquer jeito, então repito dizendo que você agiu bem. Foi essencial pra não destruir a auto estima dele, que era quase nenhuma. -- o médico dizia para a morena -- Mas Khaled não a esqueceu... e depois eu soube que nem ela o esqueceu também...
--Como assim? -- Zinara novamente não entendeu
--Georgina procurou por ele. -- revelou -- Quase um mês antes da... -- não sabia como dizer -- da morte dele.
--Procurou?! -- ficou chocada -- Ezzai? (Como pode?) Ele tava internado naquela clínica infernal!
--Eu não sei como, mas ela apareceu lá. -- respondeu honestamente -- E foi aí que abri uma exceção.
--Que seria...? -- temia pelo pior
--Permiti que Khaled e ela ficassem a sós... -- passou a mão na cabeça -- em uma sala... e eles...
--Choo?? (O que??) -- continuava chocada
--Eu nunca vou esquecer do que Khaled me disse quando falou sobre ela... -- viajou no tempo -- Nunca ouvi ninguém falar de sex* daquela maneira...
“--O que você sentia quando estava com ela, meu rapaz? -- Viegas perguntava -- Não tenha vergonha de falar abertamente. Sou homem também, sei como são essas coisas. -- tentava deixá-lo à vontade
--Uai... -- corou e abaixou a cabeça -- Eu gostava di prosiá mais ela e nóis tudu gosta dus animar, num sabi? -- sorriu -- Eu gostava pur dimais da conta di butá ela na minha garupa e cavargá pelos campu, sintindu o ventu balançandu os cabelu... -- seus olhos marejaram -- Eu gostava pur dimais da conta di sinti a peli dela na minha, o chêru bão dela... -- olhou para o outro -- Quandu uma muié qué ocê comu homi, é comu si ela ti dissessi: Vem pra dentru di mim, pra dentru di meu corpu, di minha arma... E intão nóis vai sê comu um! -- derramou uma lágrima -- Georgina mi oiô e mi viu. Ela gostô deu, do jeitu qui eu sô! Foi a única pessoa qui num é di usritii (minha família) qui nunca mi chamô di majnum! -- passou a mão sobre os olhos -- Quando nóis tava juntu, ela mi chamava di meu morenu e eu mi sintia filiz pur dimais da conta! -- abaixou a cabeça novamente -- Ela dizia qui eu era bão! -- comentou todo prosa
--Então... você não se importava que ela tivesse mais experiência que você? -- perguntou com jeito
--Ela num cunhicia eu antis... -- respondeu de pronto -- Mais dispois qui cunhiceu, o coração dela era só meu! Issu qui interessa, num sabi?
--O que o sex* representa pra você, Khaled? -- estava curioso -- Amor?
--É o únicu momentu im qui eu mi sintu um homi normar, comu quarqué um ôtro! -- afirmou pensativo -- É amô, é fogu e dá paiz...
--Ainda teria coragem de casar com ela? -- arriscou
--Inquantu eu tivé vivu, coragi eu tenhu pur dimais! -- afirmou convicto -- Quiria casá mais ela e tê meus mininu... -- desejou sonhador”
--Foi por isso que eu pensei que... -- tentava se explicar -- não haveria mal em quebrar o protocolo e deixar que tivessem uns momentos juntos...
A astrônoma ficou pensando na situação e então respondeu balançando a cabeça: -- Khaled passou por coisas terríveis e naquela época sofrimento era a palavra de ordem na vida dele... -- considerou -- Se pôde viver momentos de felicidade antes de encerrar aquela triste vida neste planeta, então... acho que foi melhor assim. -- concordou com o que o médico havia feito
--Era assim que eu pensava até que... -- ajeitou-se na cadeira e esfregou as mãos sobre a mesa -- Tudo que se faz gera consequências, não é? -- abaixou a cabeça
Zinara ficou alarmada. -- E que consequências foram essas? -- perguntou nervosamente
--Calma, querida! -- Clarice acariciou as costas dela -- Seja lá o que for, já aconteceu e nada que faça poderá mudar. -- falava mansamente -- O que podemos fazer é tentar consertar ou ajudar, se for o caso, mas, por favor... -- beijou o ombro dela -- fique calma! -- pediu
A morena ficou esperando Viegas responder.
--Mais tarde ela veio me procurar dizendo que... tinha ficado... -- não conseguia falar
--Está querendo dizer, -- desvencilhou-se da amada e se levantou -- que Georgina ficou grávida? -- sentiu o coração disparar
--Sim... -- respondeu sem graça -- Ela tinha certeza que era de seu irmão!
--Eu não acredito... -- afastou-se da mesa e andou em círculos nervosamente -- Karaahiyya! (Que ódio!) -- chutou o chão -- E nunca soubemos de nada! -- reclamou
--Meu bem... -- Clarice levantou-se também e se aproximou com cuidado -- Calma, deixa ele terminar de falar... -- pediu
--Eu ofereci de ajudá-la a abortar... -- continuava receoso
--MA HATHA?! (O QUE É ISSO?!) -- tentou avançar sobre ele mas foi detida pela namorada
--Por favor, por favor!! -- pedia nervosamente segurando-a pelos ombros
--Sahar, ele matou ibn al-akhii (meu sobrinho)!! -- argumentou
--Não, eu não matei!! -- levantou-se com medo -- Ela não aceitou fazer o aborto e o menino nasceu em setembro de 2002! -- olhava para as mulheres -- O ano em que você se formou...
“Eu não acreditava no que ouvia, Kitaabii. Parecia que o mundo tinha virado de cabeça para baixo! O que Viegas estava me dizendo? Como poderia ser?
Então foi por isso que Georgina foi embora da roça e nunca mais voltou. Nem me passava pela cabeça a hipótese de que tivesse ficado grávida... E grávida de akhuuya (meu irmão)!
Meu raciocínio demorava a entender o que ouvi. Khaled tinha um filho, Kitaabii! Um filho, um menino de onze anos de idade... E somente agora estávamos cientes disso!
Onze anos e nada pudemos fazer por ele em todo esse tempo...”
Bombas explodem...
--Não acredito que por onze anos ficamos alheios ao fato de que Khaled teve um awlaad (filho)! -- falava com os olhos marejados -- Não acredito que o tempo todo você furtou de maama e baba a felicidade de saber que havia um Hafiid (neto)! -- tentava se aproximar, mas Clarice não deixava
--Meu Deus, Zinara! -- assustou-se com o jeito dela
Bombas explodem. Os gritos de Khaled preenchem minha alma.
--Você tirou de mim a chance de conhecer ibn al-akhii (meu sobrinho)!! -- acusava furiosamente -- Wisix! (Sujo!) Ya zayy iz-zift Tabiib, xara Tabiib!! (Seu médico de lixo, médico de merd*!!) -- desvencilhou-se da namorada e segurou o homem pelo pescoço -- XARA TABIIB!! (MÉDICO DE MERDA!!) -- gritou
Bombas explodem, gritos, dor, escuridão.
--Eu tive medo de contar pra vocês porque seria uma situação terrível pra mim!! -- tentava se justificar -- Como explicar o fato de que deixei uma visita íntima acontecer? -- buscava se desvencilhar da mulher -- Eu tinha um contrato na clínica psiquiátrica e descumpri uma cláusula! -- sentia dor física e moral -- Seria um golpe e tanto na minha carreira!!
--Zinara, pelo amor de Deus, daqui a pouco alguém vai chegar aqui e ver isso! -- Clarice desesperou-se -- Solta esse homem, pelo amor de Deus! -- pedia aflita
--Desgraçado! -- empurrou o médico e se afastou agoniada
--Será possível que nada e nem ninguém era mais importante que sua maldita carreira? -- a paleoceanógrafa perguntou escandalizada e ao mesmo tempo nervosa com a situação -- Como pôde? -- olhava para ele sem acreditar
--Minha nossa... -- Viegas buscava se recompor
“Oh Aba, me ajude, eu Lhe imploro!” -- Zinara orava mentalmente -- "Preciso me acalmar, preciso muito...”
“Eu queria que as bombas deixassem de explodir, Kitaabii. Por que até hoje elas me perseguem?”
--O que acontecia aqui? -- uma enfermeira se aproximou desconfiada -- Ouvi vocês discutindo de novo. -- reparava nos três -- Acho melhor encerrar essa visita agora! -- decidiu
--Não, por favor! -- o homem pediu -- Tenho que dizer a ela onde encontrar o menino! -- olhava para a enfermeira -- Não sei se terei tempo de fazer isso em outra ocasião!
--Sabe onde ele vive? -- Zinara perguntou em choque
--Por favor... -- mais uma vez Clarice acariciava-lhe as costas -- Fique calma, meu bem... -- sussurrou baixinho
--Georgina tinha parentes em Maurítia. -- passou a mão no pescoço dolorido -- Ela foi pra lá ainda grávida e depois do parto me escreveu uma carta. -- tirou um papel do bolso -- Por isso que sei que é um menino e que nasceu bem. -- estendeu para a morena, que a recebeu imediatamente -- O endereço é esse aí!
--E quem garante que eles moram lá até hoje? -- lia o envelope -- São quase doze anos, Viegas! -- olhou para ele
--Seja lá como for, a visita acabou! -- a enfermeira segurou o homem pelo braço -- E eu agradeceria se nunca mais voltassem aqui! -- falou de cara feia
--Ela precisa voltar! -- o homem retrucou de pronto -- Quero que me procure depois que encontrar o menino! -- argumentava -- Quero que me diga que me perdoou!
Zinara balançou a cabeça negativamente. -- Impossível te perdoar!
--Vamos! -- puxava o paciente pelo braço -- E a saída é por ali! -- apontou a direção para as duas mulheres -- Passar bem! -- despediu-se
--Se você me perdoar, Zinara, Khaled também vai me perdoar! -- falava alto enquanto era arrastado -- Ele sempre seguiu você! -- começava a se exaltar -- Por favor, eu te peço, encontre o menino e venha aqui me dizer que estou perdoado! -- tentava se desvencilhar da enfermeira -- Eu preciso disso! Não agüento mais viver assim! Não agüento!!!
--Vamos embora, querida. -- a paleoceanógrafa pediu -- Vamos embora.
--Eu preciso disso, Zinara!! Tenha piedade! Piedade! -- continuava gritando -- AHAHAHAHAH!!!! -- gritou como Khaled fazia
A enfermeira chamou por outros colegas e em poucos minutos havia um grupo de homens ao redor de Viegas. Zinara e Clarice tiveram que sair e não chegaram a ver o momento em que o psiquiatra foi sedado à força e transportado para um quarto em uma cadeira de rodas.
--Sinto dor, Sahar! -- pôs a mão sobre a testa -- Sinto dor... Sudaagh! (Dor de cabeça!)
--Cuido de você, habibi! -- deu o braço a ela -- Vamos pra casa, meu bem! -- falava com carinho -- Acabamos de fazer o que deveria ser feito em Coriteba. Hora de voltar pra roça.
“Agora eu entendia porque Youssef me pediu para procurar aquele homem, Kitaabii. Ele queria que eu buscasse limpar a última nódoa em meu coração e ao mesmo tempo trouxesse ibn al-akhii (meu sobrinho) para junto de usritii (minha família). Eu estava decidida a procurar pelo menino, com toda certeza, mas este perdão que me faltava dar, ficaria como uma dívida não saldada desta existência que contava por seus últimos dias.
Não sou perfeita, não pretendo ser... Viegas não era digno de nada bom que pudesse lhe dar. Reconheço minha culpa, reconheço a culpa de baba, mas a culpa daquele médico das trevas era imensamente maior que a de todos nós.
Gaatak niila, Viegas! Gaatak niila! (Vá para o inferno, Viegas! Vá para o inferno!)
Estou amarga, Kitaabii. Amarga como fel. Minha cabeça dói, sinto náusea e uma sensação de cansaço terrível. Quero dormir, quero descansar. Nessas horas penso que o melhor para mim seria mesmo partir...
Yekfak dell lbka ya ghini, yekfak ham da lHal... (Já basta de choro, já basta deste tempo de tristeza...)”
Fim do capítulo
Músicas do Capítulo:
Najla Suspira com:
Meu Ébano. Intérprete: Alcione. Compositores: Nenéo / Paulinho Rezende
Marco Suspira com:
Dona. Intérprete: Roupa Nova. Compositores: Sá & Guarabira
Comentar este capítulo:
Samirao
Em: 09/10/2023
Fiz merda pq eu mistura minhas conta com a sua... huahuahua
Fiquei puta porque o Lettera cortou az estrelinha e comeu tuas estrelas! Todos os contos tinham 5!!!!
Solitudine
Em: 11/11/2023
Autora da história
kkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Sabe que agora que você falou percebi isso? É verdade. Não sei como as estrelas sumiram. E em um conto com tanta astronomia perder estrela é algo complicado! rs
Beijos,
Sol
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Samirao
Em: 09/10/2023
Lembro que vc mandou esse CAPS em primeira mão pra jujuba de presente que ela te pediu e eu morri de ciúmes huahuahua por onde anda ela habibem?
Solitudine
Em: 11/11/2023
Autora da história
Sim, eu lembro!!!
Eu não sei. Ela, Gabi Regi, Fátima, Ju Eidrian... estão sumidas. A vida anda mais corrida que nunca para todo mundo!
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Alexape
Em: 01/01/2023
Gatona como foi de passagem de ano? Por aqui foi simplório. Comi, bebi e dormi.
Que personagem rico esse Khaled. Ele mexe no fundo da minha alma...
Resposta do autor:
kkkkkkkk Minha passagem de ano foi boa, graças a Deus. Mas tudo ficará melhor, se Deus quiser!
Sim, Khaled é uma personagem riquíssima! Fico feliz que ele te toque.
Beijos,
Sol
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Seyyed
Em: 20/09/2022
Leda me diverte velhinha foda hahaha A história de amor da Aisha com Janaína é paiaça hehe Esses diários da vida da Zi emocionam qualquer um. A história dos três irmãos é linda mas muito pedreira e o Raed era um ogrão bem merda. Zi não devia se sentir tão culpada ela sempre foi um peixão num aquário não cabia na roça ela era do mundo porra! E Raed não conseguia aceitar isso de uma filha mulher. Dá muita peninha dela e do Kaled e até da Amina que vivia esmagada pelo medo. Eu vejo coisas do tipo até hoje... ic
Eu eu eu Cátia se fu@#& toma totoma hahaha
Puta que pariu! Tem um garoto perdido por aí graças ao Viegas. Se eu fosse Zi quebrava ele na porrada!!
Resposta do autor:
Leda é uma unanimidade. Quem não gosta dessa velhinha?
A história de Aisha e Janaína reflete a doideira das duas, uai! rs
Esses fatos que a guerra trouxe, com tanto sofrimento e o que veio depois ferem demais. Inclusive alguém como Raed que escolheu a rudeza para se defender e muito errou neste processo. E estes machismos que você vê até hoje, infelizmente nos rondam sempre. Especialmente hoje, nestes tempos difíceis e da tanta ignorância no nosso Brasil.
Cátia se lascou! kkkkkkk
Creia que Zinara quebraria o médico se não fosse a paciência de Clarice. rs O menino se perdeu, mas agora basta encontrá-lo.
Beijos,
Sol
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Zaha
Em: 19/05/2018
Oie Sadiki!!
Estou aqui de novo. Confesso que estava morta de medo de ler esse capítulo, mas afinal nao foi tao tenebroso!!
Essa Ya Leda me mata!! Tava precisando desanuviar minha mente..rs
Janaína é uma ogra conquistando, se é que se pode chamar isso de conquistar!Kkkkk.
Pra Fabrise Zinara ensina...rum hahahaa(só os fortes entenderao)
Meu coração já começou a chorar com Khaled "É difícir dimais da conta sê diferent, num sabi" Khaled sempre toca minha alma.. essa frase me impactou bastante!
Essa tb " sinto tanta saudadi docê e por isso que venho toda not ,oiá pro céu."
Khaled é tão sensível! Me identifico muito com ele E de uma maneira que, talvez, vc nao entenda!...Nem o conheci, mas já o amo!!!
Parece que Lilian atingiu a alma de Cátia ,será que vai tomar um rumo na vida? Vai deixar de fugir dos seus traumas e aprenderá a lidar de forma saudável e madura com seus dilemas? Até quando vai ficar desequilibrando sua energia tendo sexo sem responsabilidade? Nessa promiscuidade e atraindo e imprimindo tantas coisas em seu perispírito..levará várias reencarnações para curar as impressoes que deixa e ainda reequilibrar o chakra sexual..espero q dessa vez tome jeito!!! Já n tá engraçado dona Cátia ....um é responsável por suas ações e pelas dores do outro TB. Leva uma carga pesadíssima!!! (eita que hj tô falando umas coisas....rs)
Viegas está arrependido, acho que isso já nos diz que ele é sim merecedor de sentimentos bons e do perdão de Zinara.
Estamos aqui para ajudar o outro a evoluir nesse mundo de expiações e tanta dor. Os mais avançados ajudando os mais ignorantes.
Como podemos criticar o outro qndo nós mesmo estamos aqui nesse mesmo lugar. E como podemos fazer isso qndo n sabemos se já fomos assim ou fizemos pior? Que eu saiba Zinara em outra vida usou sua inteligência de forma não apropriada. Viegas n usou seus conhecimentos assim TB?Para benéfico dele?Pode ter sido pior, mas devemos buscar dentro de nós a forma de entender o comportamento dos outros e um jeito de perdoar senao nunca seremos livres. Uma reforma íntima é importante. Pra n deixar pra dps o q podemos fazer nessa vida..n é fácil,mas temos que seguir lutando!!
Zinara tem criticado bastante os de fora, sua família, Viegas, mas TB poderia ter feito muitas coisas ,mas deu prioridade a coisas q beneficiava a ela TB, n?! Afinal, todos somos culpados dos nossos atos. Deus criou a lei, mas ela age por sim mesmo, ele n interfere. Sei que parece duro isso,principalmente quando estamos dentro de determinada situacao e vc diria; Fácil falar, vc n ta nela ou pq n pensamos em todo o conhecimento que temos para usar pq n queremos, deixamos esse sentimento no dominar... mas se trata disso, buscar limparmos, ter tolerância , ainda que doa muito, devemos tratar de perdoar ou estarmos aberto a um dia perdoar...
N é a frase essa ideal a qual já comentei por aqui: Um espírita de verdade não é aquele que tem conhecimento,mas o que prática o ensinado.
Me pergunto se Zinara vai conseguir seguir e deixar o passado onde deve estar..perdoar, soltar..nada volta, então pq voltar a apertar as feridas ? Deixar que cicatrize, com paciência, tolerância, compaixão, dedicação, persistência.
Clarice é a mulher ideal para ella.Tev uma vida mais leve, um enterno familiar cheio de amor e com sua presença deixa as coisas mais leves, mais fácil de lidar para Zinara..ainda que só a mesma pode parar as bombas dentro dela.
É tao díficil nos colocar no lugar do outro, mas qndo nos colocamos e compreendemos a incapacidade do outro, podemos perdoar pq sabemos que fez as coisas de acordo com sua visao de mundo , e se um é espírita, de acordo tb com seu grau evolutivo. Nao mudamos ou a "despertamos" odiando e sim mostrando benevolência, outra realidade e, claro se a pessoa reconhece, pq pra mudar temos que reconhecer nossos erros primeiro e se perguntar: Me faz bem isso, faz mal aos outros?
No caso de Viegas ele se arrependeu, n consegui entender muito bem a razao que o levou a se arrepender, mas acho que Zi deveria perdôa-lo! Repito!(como se eu n soubesse o q passará)
Não quis ser pretenciosa ou julgar , apenas uma análise, dessa vez nao psicológica e sim espiritual,de acordo com o q penso e aprendi ao longo dos anos e que tento usar no meu dia-a -dia. Vai que alguém ler e n me conhece..kkk
Tao tb serve pra isso, refletir, pensar onde estamos parados, estamos tao longe assim da vida e sensacoes, sentimentos dos personagens? Pensar e ver onde erramos e encontrar uma forma como resolver. Aqui nao sao conhecimentos vázios ou pra dizer: Que lindo, aprendi muito. Aprender é usar, assim que espero que as pessoas facam que passem por aquí aproveite esse ensinamento, sabemos tao pouco da vida...eu bem que queria ter lido isso nos meus 20 anos...
Podemos levar a vida dessa família caipiresca para qualquer experiência/situacao de nossas vidas. Pq eles sofreram e levam a guerra dentro de si,mas tb temos nossa guerra e sofremos. Poderia dizer: vai comparar com eles? N podemos dizer q eles sofreram mais pq isso vai de cada um..uma pessoa que passou por menos pode ter lidado muio pior c a situacao que um sobrevivente de guerra...vai da construcao da psique e do espírito! Falei muito..já sabe que qndo fico down só sai essas coisas!! kkkkkkk
Simbora Zinaraaaaa!!!!!!
Fica com Deus Sadiki linda! Que estejas rodeada das mais lindas vibracoes de amor do altíssimo.
Curiosidade e preocupacao pelo seu emocional: Ta namorando, fi? Precisa, visse?!! Caso esteja, mando um abraco cheio dos mais lindos desejos pra relacao de vcs..
Um abraco carinhoso e apertado de 20 segundos!
Beijao, voltaaaaaaaa logoooooo!!
Resposta do autor:
Você, como boa psicóloga que se prepara a ser, já percebeu que o Tao é antes de tudo uma auto análise das personagens centrada na narrativa de Zinara? Pelos seus comentários, percebo que sim.
Ei, você reclama com ciúmes de Fabrise, mas percebi que até as danças já andou aprendendo!
Samira veio me perguntar quem é Andreia. Depois soube que é coisa sua! kkkk
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Jamilinha
Em: 21/05/2021
Eu só vim aqui pra te dar coments e estrelinha onde não tinha! Huahuahuahua Mas não gostei do casal do final!!!
Resposta do autor:
Eu sei que você fica chateada com falta de comentários e de estrelas, mas com três perfis aqui, eu vou acabar ficando com fama de picareta. Ai, ai garota... Não precisa tentar me turbinar.
Beijos! Sol
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Sem cadastro
Em: 19/05/2018
Oie Sadiki!!
Estou aqui de novo. Confesso que estava morta de medo de ler esse capítulo, mas afinal nao foi tao tenebroso!!
Essa Ya Leda me mata!! Tava precisando desanuviar minha mente..rs
Janaína é uma ogra conquistando, se é que se pode chamar isso de conquistar!Kkkkk.
Pra Fabrise Zinara ensina...rum hahahaa(só os fortes entenderao)
Meu coração já começou a chorar com Khaled "É difícir dimais da conta sê diferent, num sabi" Khaled sempre toca minha alma.. essa frase me impactou bastante!
Essa tb " sinto tanta saudadi docê e por isso que venho toda not ,oiá pro céu."
Khaled é tão sensível! Me identifico muito com ele E de uma maneira que, talvez, vc nao entenda!...Nem o conheci, mas já o amo!!!
Parece que Lilian atingiu a alma de Cátia ,será que vai tomar um rumo na vida? Vai deixar de fugir dos seus traumas e aprenderá a lidar de forma saudável e madura com seus dilemas? Até quando vai ficar desequilibrando sua energia tendo sexo sem responsabilidade? Nessa promiscuidade e atraindo e imprimindo tantas coisas em seu perispírito..levará várias reencarnações para curar as impressoes que deixa e ainda reequilibrar o chakra sexual..espero q dessa vez tome jeito!!! Já n tá engraçado dona Cátia ....um é responsável por suas ações e pelas dores do outro TB. Leva uma carga pesadíssima!!! (eita que hj tô falando umas coisas....rs)
Viegas está arrependido, acho que isso já nos diz que ele é sim merecedor de sentimentos bons e do perdão de Zinara.
Estamos aqui para ajudar o outro a evoluir nesse mundo de expiações e tanta dor. Os mais avançados ajudando os mais ignorantes.
Como podemos criticar o outro qndo nós mesmo estamos aqui nesse mesmo lugar. E como podemos fazer isso qndo n sabemos se já fomos assim ou fizemos pior? Que eu saiba Zinara em outra vida usou sua inteligência de forma não apropriada. Viegas n usou seus conhecimentos assim TB?Para benéfico dele?Pode ter sido pior, mas devemos buscar dentro de nós a forma de entender o comportamento dos outros e um jeito de perdoar senao nunca seremos livres. Uma reforma íntima é importante. Pra n deixar pra dps o q podemos fazer nessa vida..n é fácil,mas temos que seguir lutando!!
Zinara tem criticado bastante os de fora, sua família, Viegas, mas TB poderia ter feito muitas coisas ,mas deu prioridade a coisas q beneficiava a ela TB, n?! Afinal, todos somos culpados dos nossos atos. Deus criou a lei, mas ela age por sim mesmo, ele n interfere. Sei que parece duro isso,principalmente quando estamos dentro de determinada situacao e vc diria; Fácil falar, vc n ta nela ou pq n pensamos em todo o conhecimento que temos para usar pq n queremos, deixamos esse sentimento no dominar... mas se trata disso, buscar limparmos, ter tolerância , ainda que doa muito, devemos tratar de perdoar ou estarmos aberto a um dia perdoar...
N é a frase essa ideal a qual já comentei por aqui: Um espírita de verdade não é aquele que tem conhecimento,mas o que prática o ensinado.
Me pergunto se Zinara vai conseguir seguir e deixar o passado onde deve estar..perdoar, soltar..nada volta, então pq voltar a apertar as feridas ? Deixar que cicatrize, com paciência, tolerância, compaixão, dedicação, persistência.
Clarice é a mulher ideal para ella.Tev uma vida mais leve, um enterno familiar cheio de amor e com sua presença deixa as coisas mais leves, mais fácil de lidar para Zinara..ainda que só a mesma pode parar as bombas dentro dela.
É tao díficil nos colocar no lugar do outro, mas qndo nos colocamos e compreendemos a incapacidade do outro, podemos perdoar pq sabemos que fez as coisas de acordo com sua visao de mundo , e se um é espírita, de acordo tb com seu grau evolutivo. Nao mudamos ou a "despertamos" odiando e sim mostrando benevolência, outra realidade e, claro se a pessoa reconhece, pq pra mudar temos que reconhecer nossos erros primeiro e se perguntar: Me faz bem isso, faz mal aos outros?
No caso de Viegas ele se arrependeu, n consegui entender muito bem a razao que o levou a se arrepender, mas acho que Zi deveria perdôa-lo! Repito!(como se eu n soubesse o q passará)
Não quis ser pretenciosa ou julgar , apenas uma análise, dessa vez nao psicológica e sim espiritual,de acordo com o q penso e aprendi ao longo dos anos e que tento usar no meu dia-a -dia. Vai que alguém ler e n me conhece..kkk
Tao tb serve pra isso, refletir, pensar onde estamos parados, estamos tao longe assim da vida e sensacoes, sentimentos dos personagens? Pensar e ver onde erramos e encontrar uma forma como resolver. Aqui nao sao conhecimentos vázios ou pra dizer: Que lindo, aprendi muito. Aprender é usar, assim que espero que as pessoas facam que passem por aquí aproveite esse ensinamento, sabemos tao pouco da vida...eu bem que queria ter lido isso nos meus 20 anos...
Podemos levar a vida dessa família caipiresca para qualquer experiência/situacao de nossas vidas. Pq eles sofreram e levam a guerra dentro de si,mas tb temos nossa guerra e sofremos. Poderia dizer: vai comparar com eles? N podemos dizer q eles sofreram mais pq isso vai de cada um..uma pessoa que passou por menos pode ter lidado muio pior c a situacao que um sobrevivente de guerra...vai da construcao da psique e do espírito! Falei muito..já sabe que qndo fico down só sai essas coisas!! kkkkkkk
Simbora Zinaraaaaa!!!!!!
Fica com Deus Sadiki linda! Que estejas rodeada das mais lindas vibracoes de amor do altíssimo.
Curiosidade e preocupacao pelo seu emocional: Ta namorando, fi? Precisa, visse?!! Caso esteja, mando um abraco cheio dos mais lindos desejos pra relacao de vcs..
Um abraco carinhoso e apertado de 20 segundos!
Beijao, voltaaaaaaaa logoooooo!!
Resposta do autor:
Você, como boa psicóloga que se prepara a ser, já percebeu que o Tao é antes de tudo uma auto análise das personagens centrada na narrativa de Zinara? Pelos seus comentários, percebo que sim.
Ei, você reclama com ciúmes de Fabrise, mas percebi que até as danças já andou aprendendo!
Samira veio me perguntar quem é Andreia. Depois soube que é coisa sua! kkkk
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Solitudine Em: 14/06/2024 Autora da história
E quem não quer conhecer esse menino? rs