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EM BUSCA DO TAO por Solitudine

Ver comentários: 8

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Palavras: 17738
Acessos: 10526   |  Postado em: 17/01/2018

Notas iniciais:

“Não guardo segredo,

Mas sou bem secreto,

Bem secreto...

É que eu mesmo não acho,

A chave de mim...”

Sangue e Pudins. Intérprete: Zé Ramalho. Compositores: Abel Silva / Fagner

 

SEGREDOS

 

 

CAPÍTULO 77 – Simbora da Roça

 

Amina e Raed conversavam à noite no quarto.

 

--E aí eu tivi qui dá uns tapa im Ahmed purque num guentei! -- o homem gesticulava -- Eli cunfessô qui tá disimpregadu di novu e já tem trêis semana! -- fez cara feia

 

--Uai? -- espantou-se -- Mais num tava bem na tar da obra?

 

--A obra si acabô, né, muié? -- olhou para ela -- E eli num foi prucurá ôtro trem pra fazê e ficô na mão!

 

--AHHa! -- reclamou

 

--E comu si num bastassi, ficô querendu si ingraçá cum a fia di ya Leda! A tar da Cecília! -- ajeitou-se na cama -- E dêxa eu ti contá, qui moça ofiricida! -- reparava -- Ficô di gracinha cum Ahmed e dispois foi cum Fred... Num gostei dus modu dela, num sabi?

 

--Oxi, dêxi di machismu, bicho besta! -- deu-lhe um tapa na coxa -- Ela é assanhada, mas é sortêra! Pió fica pra Ahmed qui é casadu e num toma tenência!

 

--Ahmed num tá certu, mas eli é homi, é machu! -- esfregou a perna dolorida -- As muié di hoji im dia num sabi si comportá, fica só provocandu...

 

--Num mi venha cum essi discursu besta purque os homi sempri foru sem vergonha e ocês num tem morar pra criticá muié ninhuma! -- protestou de cara feia -- Mania mais infiliz di sempri querê justificá a sem vergonhici dus homi curpandu as muié! Si fossi assim, tudu qui era muié tinha qui saí pur aí pulandu a cerca, purque coisa mais fáci qui pegá um homi num há! -- gesticulava -- Ahmed é safadu, discaradu e tinha qui si colocá nu lugá deli di homi casadu!

 

--Humpf! -- fez um bico -- Eli tinha qui tomá um rumu, sim, mas qui num gostei dus modu daquela moça, issu num gostei! -- cruzou os braços -- Inda bem qui foi-si imbora, sinão pudia di tê mais cumplicação!

 

--Mais ya Leda, Clarice e o mininu ficaru, intão num fala mar da moça modi ninguém iscutá! -- pediu -- Num queru ya Leda aburricida cumigu pur causa docê!

 

Raed não comentou a respeito e voltou a falar dos filhos. -- Nagibe e Cid também vieru cum uma história di qui essi anu foi cumplicadu e tão sem dinhêru! -- reclamou -- Us dois quiria ganhá argum!

 

--E ocê deu? -- perguntou cruzando os braços

 

--Dei foi uma tapa nus pé das oreia di cada um, issu qui eu dei! -- levantou-se da cama -- Vô ti contá, Amina, essis mininu... -- balançou a cabeça negativamente -- Eu tô levandu elis na rédia curta, mas us danadu só qué mesmu é vivê na boa vida, num sabi?

 

--Foru muitus anu di maus custumi, homi... -- reconheceu -- Vai demorá modi elis tomá vergonha... -- ajeitou-se nas cobertas -- Mais elis vai... Si num fô pur bem, vai pur mar! -- deu um soco na mão

 

--Eu num sei comu qui eu pudi sê tão cegu na criação dessis mininu, num sei! -- andava de um lado para o outro

 

--Nóis erremu, mas pudemu cunsertá! E vamu cunsertá, num sabi? -- afirmou convicta

 

--E dêxa eu ti perguntá, quandu é qui o homi créu vai simbora? -- olhou para a mulher de cara feia

 

--Quandu Aisha e Janaína fô! E eu achu qui é dipois di amanhã! -- esclareceu e ficou pensando -- Pur que ocê chama eli di homi créu? -- queria saber

 

--E Najla num vivi cantandu aqueli fanqui di homi créu pur causo deli? -- respondeu como quem diz o óbvio -- Nunca pensei qui fossi ôvi minha irmã cantandu indecença mas agora é só o qui si ôvi! -- gesticulou revoltado -- Homi créu di tirá chapéu!

 

--Dêxi Najla qui ela é muié adurta e mais véia qui ocê! -- não aceitava a implicância do marido -- Mania di si metê im tudu! Nóis num vivi mais im Cedru, não, viu, fi? -- deitou-se -- E vem deitá qui eu queru durmi! -- ordenou

 

--E Zinara, hein, muié? -- voltou para cama -- Ocê acha qui ela tem cundição di í atráis daqueli pesti di dotô Viegas? -- deitou-se e virou de lado olhando para a esposa -- Eu tô preocupadu, num sabi?

 

--Eu cunfio na Virgi e dexei nas mão Dela. Cunfio qui vai dá certu! -- respondeu de pronto -- Inda mais qui Clarice vai mais nossa fia... -- sorriu -- Ela cuida di nossa minina!

 

--Issu é... Vô rezá pra Virgi protegê também! -- ficou pensando -- Ô, Amina, ocê num acha isquisitu o pegadiu di Zinara cum Clarice, não? É uma lambição...

 

--Lambição?! Qui lambição o que? -- perguntou revoltada -- Elas são amiga e as amiga cuida uma da ôtra, homi! -- argumentou

 

Raed achava tudo muito estranho. -- Eu nunca qui veju Zinara cum homi...

 

--E si vissi ia repará, iguar faz cum Cecília! -- retrucou de pronto -- Ia chamá di assanhada, ficá di cara feia... Haja vista o qui já faiz cum Najla e o homi qui ela gosta!

 

--Ah, muié, num é issu! -- protestou -- Inté aqueli amigu di Zinara, o tar du Fred, é isquisitu! -- comentou -- Ocê num viu o modu comu qui eli dançô Catitta? Sortô as franga!

 

--Qui sortô franga, qui nada, homi, aHHa! -- reclamou -- Eli quiria brincá, si divirtí! Ocê qui fica só pensandu im bestagi! -- virou-se para o outro lado -- Vai rezá pra Virgi protegê Zinara qui é o mió qui ocê faiz! E disliga a luz qui eu queru durmi! -- ordenou

 

O homem levantou-se novamente para apagar a luz e se deitou. Antes de rezar ficou pensando em Zinara e Clarice. “Aisha gosta di muié e Janaína é o machu.” -- pensava -- "Mais Zinara num é muié machu e nem Clarice... Hum...” -- virou-se de lado -- "Devi di sê mesmu coisa di muié!” -- concluiu o mesmo de sempre -- "Mais qui aqueli Fred é efeminadu, eli é! E o tar du Gilson devi di sê o machu deli!” -- deduzia -- "Ave Maria! Dêxi eu rezá qui é o mió qui eu faço, num sabi?” -- fechou os olhos para rezar

 

***

 

--Meninas, já sinto saudades de vocês por antecipação! -- Najla exclamou olhando para Aisha e Janaína -- Amanhã é o último dia de vocês aqui e só de pensar nisso parece que tudo fica tão triste... -- lamentou -- Também sentirei saudades do senhor, seu Marco... -- olhou para ele e suspirou

 

--E eu da senhora... -- respondeu tristonho

 

--Não dá vontade de ir embora, não, sabe? -- Janaína comentou pensativa -- Mas, não dá pra ficar de férias, tem que ganhar dinheiro, né? -- suspirou -- Voltar pro batente...

 

--Fred e Gilson vão embora amanhã, Zinara e Clarice viajam logo depois de vocês... -- Najla continuava falando -- Ai, eu sempre fiquei triste com essa sensação de fim de festa...

 

--Mamii, por que você não vai com a gente e passa o mês de janeiro todo lá em Gyn? -- Aisha ofereceu inesperadamente -- Aí a festa continua!

 

--Choo?? ( O que??) -- a ex fazendeira perguntou surpreendida. Janaína arregalou os olhos

 

--Ficava lá em casa, pertinho de mim... -- insistia -- pertinho dos amigos... -- olhou sorridente para Marco -- Ia ser têúdêô: TU-DÔ! -- gesticulou

 

--É... -- o homem sorriu -- Mais perto... -- animou-se -- Pertinho...

 

Sentiu o coração acelerar. -- Mas... -- não sabia o que dizer -- Eu adoraria, habibi, mas não posso ficar um mês dando despesa pra vocês! -- olhava para a filha -- Lembre-se que não tenho renda e não tenho como ajudar no orçamento...

 

--Até parece que você vai dar tanta despesa assim, mamii, faça-me o favor! -- retrucou -- É só por um mês, e o tempo passa tão rápido! -- olhou para a esposa -- Né, amor? -- sorria

 

--É, né... -- Janaína respondeu sem graça -- Tão rápido... -- suspirou

 

--De mais a mais se a gente precisar de uma ajudinha acho que Marco estende a mão! -- piscou para o homem

 

--Aisha! -- Najla ralhou de cara feia -- Isso é coisa que se diga? O que o senhor Marco vai pensar de nós? -- estava envergonhada

 

--Eu penso que concordo com Aisha em tudo que ela disse! -- respondeu empolgado -- Sua presença é mais que bem vinda e certamente se a família precisar de algo, seja do que for, eu corro atrás pra ajudar! -- segurou uma das mãos da mulher -- Por favor dona Najla, aceite o convite de sua filha e ilumine Gyn com sua presença marcante! -- mostrou seu melhor sorriso -- Por favor...

 

“É! Você é um negão de tirar de chapéu, não posso dar mole senão você créu, me ganha na manha e baubau, leva meu coração...” -- ouvia a música dentro da mente -- Ah, eu... -- sentia-se como adolescente apaixonada -- Eu vou... -- sorriu cheia de charme

 

“Um olhar me atira à cama, um beijo me faz amar, não levanto, não me escondo, porque sei que és minha... Dona!!!” -- Marco suspirou -- "Que mulher...” -- pensou

 

--Beleza, mamii! Então já sabe que amanhã é dia de arrumar a mala! -- Aisha bateu uma palma -- Esse mês vai ser o Ó do borogodó! -- estava empolgada -- Ulalá! Uuhu!!! -- comemorou

 

--Fala baixo, menina! -- Najla advertiu achando graça -- Raed e Amina já tão deitados!

 

Marco sentia o coração batendo mais forte e Janaína fazia vários cálculos mentalmente, pensando no dinheiro deveria ganhar para sustentar três pessoas.

 

“Aisha devia ter falado comigo antes!” -- pensava contrariada -- "Ah, mas não quero nem saber! Se faltar dinheiro pra colocar comida dentro de casa e pagar as contas, Marco vai ter que chegar junto!” -- decidiu -- "Não quer pegar minha sogra? Então guenta!” -- deu um soco no braço do amigo

 

--Ei! -- esfregou o braço surpreendido

 

--Fica quieto aí! -- advertiu -- O soco que você não entende hoje, vai entender depois! -- respondeu profética

 

--Eu hein... -- franziu o cenho

 

***

 

--Xiita, deixa eu te contar que esse réveillon na roça foi um arraso! -- Fred gesticulava empolgado -- Gente animada, comida boa e uma natureza linda! Amei!

 

--Eu também gostei e me diverti muito! -- Gilson concordava -- Foi uma festa e tanto! Sem contar que as pessoas daqui são ótimas!

 

--Fico feliz com isso! -- Zinara sorria satisfeita -- Também adorei recebê-los! -- olhou para Fred -- E me diverti muito conhecendo teu lado machão! -- brincou -- Foi tão convincente que eu quase acreditei! -- riu

 

--Cecília acreditou! -- Gilson brincou e riu também

 

--Isso, Zi, tripudia! -- cruzou os braços de cara feia -- Eu venho abrilhantar tua festa, faço um esforço hercúleo pra não despertar suspeitas na tua família e olha só o que recebo: deboche de caipira! -- olhou para o marido -- E você também, viu, fi? -- deu um tapa no braço dele -- Invés de ficar do meu lado é conivente com a sacanagem!

 

--Ai, ai... -- Gilson continuava achando graça

 

--Ma hatha, Fred (O que é isso, Fred), deixa de drama! -- fez um carinho na cabeça dele -- É só uma brincadeira!

 

--Hum! -- fez um bico pirracento

 

--E de mais a mais eu só tenho a agradecer porque graças a vocês, Clarice e eu teremos onde ficar em Coriteba. -- olhava para os dois homens -- Chukran! (Obrigado!)

 

--Não há pelo que agradecer. -- Gilson respondeu solícito -- Como eu te disse, minha irmã é aeromoça, solteira e não gosta de deixar o apartamento sozinho, coisa que sempre acontece. Ela tá pra viajar e adorou a idéia de receber as duas lá. -- cruzou as pernas -- Acho que Fabrise já hospedou gente de todos os continentes naquele cafofo! -- comentou achando graça

 

--Gente, já tá todo mundo deitado! -- Clarice vinha de dentro da casa -- É melhor nos prepararmos pra dormir também! -- advertiu

 

--Pois é, my darling, e amanhã é dia de pôr os pés na estrada! -- Fred se levantou e olhou para Gilson -- Simbora, homem, que a gente vai ter que acordar cedo! -- deu tchauzinho para as amigas -- See you girls tomorrow! (Vejo vocês garotas amanhã!) -- soprou um beijo e entrou na casa -- Bye!

 

--Tá certo... -- levantou-se e olhou para as duas mulheres -- Boa noite, queridas! -- sorriu e entrou também

 

--Boa noite! -- elas responderam em coro

 

--Que pena que não tem barraca de camping hoje... -- Clarice lamentou olhando para Zinara -- Não queria dormir longe de você...

 

--Também não, mas pelo menos em Coriteba... -- levantou-se e caminhou até a outra -- a gente vai poder dormir juntinhas... -- tocou o rosto da namorada com carinho

 

--Na casa da irmã do Gilson, menina? -- deu um tapinha no braço da morena -- Toma jeito, sua caipira danada! -- brincou e sorriu

 

--Eu disse dormir, você é que fica aí pensando em outros trem! -- beijou a testa da namorada -- De mais a mais, o motivo que nos leva pra Coriteba não vai me deixar muito disposta a... -- não sabia como dizer -- Bem... -- deu um suspiro profundo -- Vai ser um sofrimento pra mim, Sahar... -- afirmou com tristeza

 

--Eu tô do seu lado pro que der e vier, meu amor! -- segurou o rosto da astrônoma com as duas mãos -- E vou me esforçar ao máximo pra te dar todo o apoio que precise! -- prometeu

 

--Ana fy knt, wknt fy ly wAllah fyna… (Eu em você, você em mim e Deus em nós...) -- sussurrou a frase delas no ouvido da amada e a abraçou com carinho -- Behebbik ya, Sahar! (Eu te amo, Amanhecer!) -- fechou os olhos

 

--Também te amo, minha caipirinha! -- envolveu o pescoço da astrônoma com os braços e fechou os olhos também

 

CAPÍTULO 78 – Despedidas

 

--Magali, você por aqui? -- Cátia abriu a porta de casa sorridente -- Que surpresa boa! Entra! -- deu passagem

 

--Oi, meu bem. -- deu um selinho e entrou -- Serei bem rápida porque meu dia hoje vai ter que durar 27 horas! -- olhava para a loura

 

--Nossa, mas por que isso? -- fechou a porta e se aproximou sedutora -- Janeiro é mês de férias... -- abraçou-a pela cintura -- Podemos tirar uns 20 dias de descanso... -- beijou-a -- Só fazendo amor até o dia amanhecer... -- sussurrou

 

--Quisera! -- beijou-a também -- Vou viajar e preciso deixar tudo redondinho na minha vida pra poder sumir sem estresse ou qualquer culpa. -- beijou-a novamente e sorriu -- Vim me despedir de você!

 

--Como assim?! -- largou a outra e franziu o cenho -- Pra onde você vai que não me disse nada? -- perguntou chateada

 

--Naquela época que a gente ficou meio estremecida eu providenciei essa viagem e acabei esquecendo dela totalmente. -- contava -- Vou passar as férias fazendo um tour pelo nordeste do país.

 

--Como é? -- não acreditava no que ouvia

 

--Vai ser um cruzeiro. -- explicou -- Vou de avião pra cidade do Forte e lá embarco no navio. Ele vai seguir a costa toda até Todos Os Santos e quando chegar lá eu desembarco e pego o vôo de volta pra casa.

 

--Ah, muito bonito! -- pôs as mãos na cintura -- Você lá, toda disponível num cruzeiro de luxo e a namorada fica aqui largada, né? -- fez um drama -- Um monte de gente doida pra pular na primeira cama que aparecer e você tirando onda de mulher solteira! -- reclamava

 

--E por acaso eu não sou solteira? -- cruzou os braços achando graça

 

--É e não é! -- passou a mão nos cabelos e andou em círculos pela sala -- Temos um compromisso até onde eu saiba!

 

--Own, minha querida, sem drama, por favor! -- aproximou-se da namorada e beijou-a com carinho -- Eu não vou pra lá pensando em arrumar alguém pra ficar, quanto a isso pode ter certeza!

 

Desvencilhou-se rapidamente. -- E por que não me chamou pra ir junto depois que se lembrou dessa viagem? -- questionou chateada -- Acho muito estranho você ter pago um pacote em um cruzeiro, que deve ser de luxo, e depois esquecer disso! -- duvidava

 

--Pior que esqueci mesmo! -- garantiu -- Só lembrei quando recebi o e-mail deles avisando que faltava uma semana pra viagem. Aí telefonei pra saber se ainda havia alguma vaga disponível e a resposta foi não.

 

--E quando você vai?

 

--Amanhã. -- respondeu receosamente

 

--O que?? -- perguntou revoltada -- Amanhã?? -- gesticulou furiosa -- E só me avisa hoje???

 

--Calma, querida! -- pediu delicadamente -- Vai ser até bom porque a gente vai ficar com saudade uma da outra e quando eu voltar... a cama vai pegar fogo! -- tentava fazê-la ver a situação por outro prisma

 

--Eu não gostei disso, não, viu, Magali? Não gostei! -- cruzou os braços

 

--Zanga comigo, não, meu bem! -- aproximou-se novamente e beijou-a -- Passa rápido! -- sorria cheia de charme

 

--Humpf! -- fez um bico

 

--Agora deixa eu ir porque ainda tenho que fazer um monte de coisas. -- caminhou até a porta -- O vôo é amanhã à noite mas o tempo é curto pra eu fazer tudo que preciso. -- abriu a porta e soprou um beijo -- Até mais, amor! -- foi embora

 

--É mole? Só me faltava essa! -- fechou a porta revoltada -- Magali solta por aí sem rumo em um navio cheio de gente galinha! Que merd*! -- passou a mão nos cabelos -- Será que ela vai me botar chifre, hein? -- ficou uns segundos pensando na vida -- Se bem que... -- sorriu -- com isso vou poder ficar mais junto de Lúcia e aproveitar minhas férias em clima de lua de mel! -- pensava em voz alta -- Programinhas românticos, sex* gostoso, faço uma média com a bombeira... -- esfregou as mãos -- Aí quando Magali chegar digo pra Lúcia que vou ter que me ausentar a serviço e enquanto isso o couro come na minha cama... -- esquematizava seu plano -- Magali e eu em dias quentíssimos pra matar a saudade com muito sex* e sacanagem... -- animou-se -- É, Cátia... Há males que vem pra bem!

 

***

 

--Como assim vai viajar a serviço, Lúcia? -- Cátia reclamava furiosa -- Ficar praticamente o mês todo fora pra fazer curso? -- não aceitava -- Você trabalha com burocracia, que raio de curso é esse que apareceu do nada?

 

--Você sabe que às vezes faço uns trabalhos de campo e esse curso tem a ver com aqueles sensores que ajudei a instalar no ano passado. -- justificava-se -- Meu comandante me inscreveu e eu tenho que ir!

 

--Mas janeiro é seu mês de férias! -- argumentou -- Você não disse que ia tirar férias junto comigo? -- gesticulava furiosa

 

--E assim fiz, mas o comandante mudou a tabela de férias e agora só saio em julho. -- explicava-se -- Por favor, amor, não fica zangada comigo! -- pedia preocupada -- Tenho que respeitar a hierarquia senão sujo minha ficha e ainda vou presa!

 

--Que merd*, vou te contar! -- reclamava -- Que merd*!

 

--Perdoa, amor, mas eu fui informada sobre isso ontem. -- segurou o rosto da loura com as duas mãos -- Por favor, não fica zangada! -- pediu dengosa -- Vim aqui pra me despedir de você com o coração na mão! -- beijou-a -- Não sabe o quanto que adoraria passar minhas férias do seu lado, mas não vai dar dessa vez! -- beijou-a novamente -- Perdoa, perdoa, vai? -- falava como criança

 

--E você vai quando? -- perguntou chateada

 

--Amanhã. -- respondeu simplesmente -- Pego o ônibus à noite.

 

“Puta merd*!” -- pensou chateada -- "Não vou poder me despedir nem de uma e nem de outra! Não dá pra estar na rodoviária e no aeroporto ao mesmo tempo!”

 

--Deixa eu ir, amor, que tenho um monte de coisa pra fazer. -- beijou-a com carinho e caminhou até a porta -- E ainda tenho que passar na casa da vovó.

 

--E como aquela pobre senhora vai ficar na tua ausência? -- perguntou cruzando os braços

 

--Vou ficar sempre telefonando. -- olhava para a loura -- Mas será que você podia, de vez em quando, dar uma olhadinha nela? -- pediu esperançosa -- Se não te for inconveniente...

 

--Claro que sim. -- respondeu de boa vontade -- Gosto muito dela. -- estava sendo sincera

 

--E ela de você! -- abriu a porta -- E eu te adoro! -- soprou um beijo -- Tchau, amor! -- foi embora

 

--Tchau, né? -- fechou a porta e se encostou na parede -- Cátia, dessa vez você se ferrou! Vai passar janeiro todo na seca! -- suspirou -- Que merd*!

 

***

 

Zinara ninava Ahmed Mateus carinhosamente. Já havia se despedido de seus outros sobrinhos, bem como das duas sobrinhas.

 

Quando percebeu que o bebê dormia colocou-o deitado na cama dos pais e se ajoelhou para fazer uma oração por ele. Khadija entrou no quarto silenciosa e ficou olhando.

 

--Oh, ya gamil (minha linda)! -- sorriu para a menina e falou baixinho -- Vem com a camma, tacaalii? (vem?) -- abriu os braços e a garota veio -- Vamos deixar nosso awlaad (bebê) dormir. -- levantou-se com a sobrinha no colo e saiu do quarto

 

--Baba trôxi eu módi vê camma Zina. -- Khadija falou -- Dispidi di novu!

 

--Que bom que ele trouxe! -- beijou a cabeça da menina -- camma Zina vai morrer de saudade de você, sabia? -- sorria para ela

 

--Eu também, mais num dêxa di trazê eli pra nóis! -- pediu -- Usritina (Nossa família) tem qui ficá cumpleta!

 

--Choo? (O que?) -- não entendeu -- Eu não vou buscar uma pessoa de usritina, ya habibi, vou apenas procurar alguém que preciso ver. -- tentava explicar

 

--Traz eli. -- insistiu -- E tudu vai dá certu! -- olhava para a tia

 

A morena ficou intrigada com o pedido da criança, mas compreendeu que Khadija era muito jovem pra entender o que ela tinha que fazer.

 

--E vorta pra cá! -- pediu

 

--Macleech, el helwa dii! (Não se preocupe, meu doce!) -- sorria -- Eu volto, inshallah (se Deus quiser)! -- beijou o rosto dela e a abraçou com força -- Behebbik ya, habibi! (Eu te amo, querida!)

 

--Behebbik ya, camma Zina! -- beijou o rosto da tia

 

CAPÍTULO 79 – E Quando Menos Se Espera... Alguém Chega Para Surpreender

 

Jamila encerrava o dia de trabalho em seu escritório quando um e-mail de uma pessoa desconhecida chama sua atenção.

 

--“Leia, é sobre o caso contra Mike Ametista!” -- a advogada leu o título em voz alta -- José de Arimatéia... -- não conseguia associar aquele nome com qualquer um de seus conhecidos -- Vamos ver o que ele diz. -- clicou para abrir o e-mail -- Hum... -- cruzou os braços e ficou olhando para a tela do computador

 

“Prezada doutora Jamila,

 

Nem sei por onde começar, mas vamos lá. Sei que não nos conhecemos mas busquei seu contato na internet e achei esse endereço de e-mail. Tomara que dê certo, porque tenho muito a lhe falar.

Foi por um acaso que tomei ciência que a senhora Aisha Raja Cezário move um processo contra Mike Ametista. Minha mulher e eu somos donos de um salão de beleza aqui na Capital e compramos revistas sobre celebridades para as clientes lerem. Uma delas comentou sobre uma nota fofoqueira que falava sobre a contínua queda das ações das empresas do Ametista e mais o processo movido por dona Aisha questionando o caráter legal da venda de sua fazenda. E foi a partir daí que tudo começou...

Eu me lembrava desse nome, porque meu pai foi advogado do pai dela e foi ele quem instruiu o senhor Cezário a fazer o que fez. Aliás, papai teve um derrame há dois anos atrás e hoje é um homem muito doente e cheio de arrependimentos. Ele mora comigo e quando contei-lhe sobre isso, imediatamente me pediu para procurar saber sobre o caso porque ele quer ajudar a senhora Aisha. E nas minhas buscas, soube que a senhora conduz o caso e por isso entro em contato.

Seguem meus telefones e peço que me procure, por gentileza. Papai ainda é lúcido e pode esclarecê-la sobre tudo que precisar saber sobre o que aconteceu naquela época.

Espero que a senhora receba esta mensagem e entre em contato comigo, porque gostaria muito que papai morresse em paz com sua consciência. Todos sabemos que ele se despede um pouco a cada dia e creio que deve ser horrível o sofrimento moral que ele experimenta. Acho que deve ser ainda pior que o sofrimento físico...

Sem mais,

José de Arimatéia Ramalho”

 

--Gente, mas é inacreditável! -- Jamila estava boquiaberta -- Sei não... -- pegou um papel e anotou os telefones do homem -- mas tô quase acreditando que Deus existe...

 

***

 

Marco e Najla conversavam na praça de alimentação do Shopping da Estação, em Gyn.

 

--Não sabe o quanto fico feliz em tê-la aqui na cidade, dona Najla. -- sorria -- É um prazer poder usufruir de tão agradável companhia! -- olhava timidamente para ela

 

“Oh, Aba, que homem cavalheiresco!” -- pensou embevecida -- Da mesma forma é um prazer pra mim... -- abaixou a cabeça envergonhada -- É maravilhoso poder ficar perto de minha filha e... do senhor. -- sorriu

 

--A senhora podia voltar em junho! -- sugeriu animado -- Ou antes, se não lhe fosse inconveniente!

 

--Smallah! -- exclamou achando graça -- Mal cheguei e o senhor já pensa no meu retorno! -- sorriu para ele

 

--Claro! Tem que... planejar as coisas, né? -- respondeu encabulado -- Quando menos se esperar, janeiro acaba! E eu desejo que a senhora venha aqui de vez em sempre!

 

Najla ficou uns segundos calada até que desabafou com certa timidez: -- A minha situação é muito difícil, seu Marco. Muito difícil... -- mirou um ponto no infinito -- Hoje vejo que sempre fui mimada, desde a infância... -- pausou brevemente -- Imagine uma pessoa habituada a ter de tudo, a tempo e a hora... Imagine só... -- sorriu e balançou a cabeça negativamente -- A vida prega peças na gente... Hoje sou uma pessoa que depende da bondade alheia, tem ideia do que isso representa? -- olhou para ele com tristeza -- Raed e Amina é que me sustentam. Especialmente agora que Zinara não tem mais dinheiro pra ajudar usritina (nossa família)... -- assumiu -- Sem eles, eu não sou ninguém!

 

--Eu sei de sua situação... -- respondeu com delicadeza

 

--Aisha me convidou pra vir pra cá na maior boa vontade, e eu aceitei porque sinto muitas saudades dela e... -- abaixou a cabeça mais uma vez -- do senhor também...

 

--Eu também morro de saudades, dona Najla! -- segurou uma das mãos dela -- Não sabe o quanto!

 

--Mas apesar de ter aceitado o convite de minha filha, -- a mulher continuava -- sou objetiva o suficiente a ponto de me perguntar: qual a fonte de renda dela? -- ajeitou o lenço nos cabelos -- O magro dinheirinho que ganha vendendo bombons, doces e quentinhas. E isso é muito pouco! -- Marco nada respondeu -- Janaína também não ganha muito e eu percebo o quanto ela se preocupa com minha presença aqui! Não por me antipatizar, mas por ter medo que passem necessidade por minha causa!

 

--Dona Najla, escute! -- pediu -- Eu sei de tudo isso e Janaína teve uma conversa comigo onde nós... -- pensava em como dizer -- acertamos algumas coisas. -- pausou brevemente -- Não fique preocupada por causa de...

 

--Seu Marco! -- interrompeu-o com educação -- O que eu quero dizer é uma coisa só, simples e direta! -- não sabia como chegar aonde desejava -- Pense bem antes de me fazer certas propostas e de querer que eu... -- respirou profundamente -- Não sou mulher de aventuras!

 

--Tampouco eu sou homem de bagunça! -- retrucou de pronto -- Se assim fosse não teria ficado sozinho por todos esses anos!

 

--Seu Marco, pense bem! -- insistiu -- Eu sou uma mulher pobre e acabada! Nada me sobrou dos tempos de glória: nem beleza e tampouco dinheiro! -- afirmou diretamente -- Há muitas mulheres por aí doidas pra encontrar um bom homem e manter um relacionamento sério! E muitas delas são jovens e bonitas! -- recolheu a mão que ele segurava -- Sei como são os homens, sei que vocês não dão o mesmo valor ao relacionamento que nós damos... -- pausou brevemente -- Um homem é sempre um homem e digno de valor, já uma mulher perde esse valor à medida que envelhece e os encantos se vão com o tempo... É assim que todas as sociedades funcionam, infelizmente...

 

--Sei que muitos homens são pequenos o suficiente pra corresponder exatamente ao que a senhora diz e entendo que seu ex marido tenha lhe marcado bastante, mas, por favor, entenda uma coisa: -- segurou o queixo dela com delicadeza -- nem todos são iguais! Há homens que sabem amar e sabem dar valor a uma mulher e geralmente são aqueles que as mulheres magoam. -- pensava na ex esposa -- Eu não me importo com sua pobreza e nem com o fato da senhora não ser mais a Miss Cedro 68! -- afirmou com verdade -- Aliás, pelas coisas que me diz, a mulher que vejo hoje diante de mim é muito mais interessante que a jovem que arrebatava a todos com sua beleza! -- segurou as duas mãos dela -- Eu lhe digo que talvez a senhora nunca tenha sido tão rica quanto é hoje e que o que lhe sobrou foi muito: um espírito lindo, nobre e radiante! -- olhava nos olhos -- Não lhe prometo casamento, pois não sei no que tudo isso pode dar, mas estou disposto, estou de peito aberto, sem truques ou armações! -- sentiu o coração acelerar -- Eu quero tentar com a senhora, eu quero novamente aquecer a minha alma com esse sentimento que me invade, encanta e assusta ao mesmo tempo! -- declarou-se -- Eu quero namorar com a senhora, dona Najla! -- pediu -- Não apenas pra ter alguém em minha cama, mas porque desejo uma mulher maravilhosa como a senhora na minha vida! E isso é muito sério pra mim! -- garantiu -- E à propósito... eu a considero linda! -- sorriu

 

--Oh, habibi, ana cawza!! (Oh, querido, eu quero!!) -- parecia-lhe que o coração estava a ponto de saltar do peito -- Hatee booseh, min fadlak! (Beije-me, por favor!) -- pediu embevecida

 

“Oh, minha nossa, o que será isso que ela falou?” -- pensou sem entender -- "Bem, seja lá o que Deus quiser!” -- aproximou-se lentamente para beijá-la

 

--Ah, então é aqui que vocês estão! -- Janaína surpreendeu os dois, que se ajeitaram nas cadeiras nervosamente -- Simbora pra casa, minha gente, tá armando um temporal sinistro lá fora! -- advertiu

 

--‘aaaSifa? (Temporal?) -- Najla perguntou sem graça

 

--Temporal? -- Marco também não sabia onde colocar as mãos

 

--É... temporal... -- notou o constrangimento dos dois -- Sorte que eu tive que dar uma passada aqui pra ir no banco e... -- coçou a cabeça -- "Eita, acho que cortei um clima...” -- deduziu

 

--Então vamos embora! -- Marco se levantou e estendeu o braço -- Por favor, dona Najla. -- pediu

 

--Ah, sim. -- levantou-se também e deu o braço ao homem -- Yaalah! (Vamos lá!) -- seguiram apressadamente para a saída do shopping

 

--Quando Aisha souber que dei esse furo... -- falava consigo mesma -- vai me comer o fígado!

 

CAPÍTULO 80 – Tesouros

 

--Que coisa, né, amor? -- Clarice falava para Zinara -- Mal chegamos e Fabrise já foi viajar! -- comentou

 

--Sabe que eu fiquei até sem graça? -- confessou -- Embora a moça tenha sido educada e simpática por demais da conta, foi um trem esquisito a gente chegar e ela sair em menos de duas horas depois! -- olhava para a amada -- Eu me senti uma abusada!

 

--Também fiquei sem graça, mas senti sinceridade da parte dela. -- acariciava o rosto da namorada -- E nós vamos cuidar desse apartamento bem direitinho! -- sorriu

 

--Aywah! (Sim!) -- concordou -- E vamos fazer um jantar gostoso pra receber ela quando voltar! -- propôs  -- Que acha, Sahar?

 

--Concordo! -- beijou-a e ficou olhando carinhosamente para a morena -- Você é sempre tão fofinha, meu bem! -- sorriu -- Tomara que ela não se apaixone por você também!

 

--Oh, el helwa dii... (Oh, meu doce...) -- sussurrou -- Dayman betkhaleeeni mebtsmeh… (Você sempre me faz sorrir…) -- beijou-a -- Mesmo quando meu coração fica pequenininho como tá agora... -- confessou

 

As duas namoradas estavam deitadas na cama, uma de frente para a outra.

 

--A viagem toda eu percebi que você estava em todos os lugares, menos vivendo o hoje... -- aproximou-se mais -- O passado visitou sua memória o tempo inteiro, não foi?

 

--Foi... -- afirmou simplesmente -- Pensei muito em Khaled, Youssef e em várias coisas que vivemos... Momentos salpicados no tempo e no espaço formando o quebra cabeças de nossas vidas...

 

--Não quer dividir essas lembranças? Me contar estas histórias? -- pediu delicadamente -- Se não for muito doloroso pra você eu adoraria ouvir.

 

Sorriu. -- Seria uma honra dividir essas lembranças com você, Sahar. -- acariciava as costas dela -- Nem todas são dolorosas... muitas são até lindas... -- suspirou -- Pelo menos eu sinto assim. -- pausou brevemente -- Acho que nossos verdadeiros tesouros são as coisas boas que cabem na memória e no coração!

 

--Então me conta. -- insistiu -- Tô aqui pra te ouvir! -- olhava nos olhos -- Adoraria saber tudo sobre você! -- afirmou enfática -- De minha parte, já te contei tudo que mais julgava importante e pessoal. Já me mostrei pra você por inteiro!

 

--Ana a’arfa, Sahar... (Eu sei, Amanhecer...) -- respondeu com carinho -- Mas confesso que nestes últimos dias somente momentos difíceis têm me visitado o pensamento... Não queria te contaminar com minha melancolia...

 

A paleoceanógrafa se aproximou ainda mais e respondeu com muita intensidade: -- Eu já estou contaminada de Zinara da cabeça aos pés e de corpo e alma! E cada vez mais desejo me impregnar de você, meu amor! -- falava com sentimento

 

A astrônoma sabia que Clarice era uma pessoa mais que merecedora e digna de se compartilhar qualquer coisa sagrada e pôde mesmo sentir a força das palavras que ouviu. Sem hesitar, decidiu viajar no tempo junto com a mulher que amava com toda pureza e calor.

 

--Eu comecei lembrando de uma das diferenças culturais que nos chocou por demais da conta! -- achou graça -- Tudo começou por causa do filho de um dos ex empregados de camma Najla... -- rememorava

 

“--Khaled! Zinara! -- Raed ralhava zangado -- Ma hatha?! (O que é isso?!) Por que vocês estão arranhados desse jeito? -- perguntava na língua de Cedro -- AHHa! -- reclamou

 

--Aba (Meu Pai), vocês estão machucados! -- Amina olhava preocupada para os filhos -- Ya wail... (Que pena...) -- desejava tomá-los nos braços mas não o fez por causa do marido

 

Youssef se aproximou da mãe agoniado e parou silenciosamente ao lado dela. Queria entender o que aconteceu com os irmãos, desejava tocá-los, no entanto sabia que somente Raed tinha o direito de questionar ou fazer qualquer coisa naquele momento.

 

--Espero uma resposta! -- o homem insistiu de cara feia

 

Os irmãos se entreolharam e decidiram falar a verdade. -- Nós brigamos com Tonio, baba! -- Zinara não conseguia pronunciar corretamente o nome ‘Toninho’ -- Com ele e mais itneen sibyaan (dois garotos)...

 

--Briga em nome da honra! -- Khaled complementou -- Gaatak niila, Tonio! (Vá para o inferno, Tonio!) -- gritou -- AHAHAH! -- gritou de novo

 

Todos falavam na língua de Cedro.

 

--CHOO??? (O QUE???) -- arregalou os olhos -- EZZAI?? (COMO PODE??) -- olhou para a filha e segurou-a pelo braço chacoalhando -- Meninos tocaram seu corpo?? Como pôde deixar acontecer?? -- estava possesso

 

--Baba... -- a garota sentia o braço doer

 

O homem foi até Khaled e o segurou pelo braço também. -- Como pôde deixar que meninos tocassem o corpo dela?? -- perguntou ameaçadoramente -- Zinara foi desonrada!!

 

--Eram talat sibyaan (três garotos), baba!! Eu não tinha como proteger... -- argumentou -- AHAHAHAH!!! -- gritou nervosamente

 

--Não bate neles, baba! Laa! (Não!) -- Youssef pediu agoniado -- Min fadlak, baba, min fadlak! (Por favor, papai, por favor!)

 

--Não bata, zogii (meu marido)!! -- Amina pediu abraçada a Youssef -- Min fadlak! (Por favor!) Em nome de Allah! -- implorou

 

Raed soltou os filhos e gastou uns segundos calado para se acalmar. -- Esse é Tonio bin Tião (Tonio filho de Tião)??? -- Raed perguntou e os filhos balançaram a cabeça confirmando -- Mas o que houve? -- queria saber -- Bitichkii min eh? (Qual o problema?)

 

--Tonio chamou eu e Youssef de mukhannath (efeminado)! -- Khaled falou -- E disse muitas ofensas! Os amigos dele também disseram!

 

--CHOO???? (O QUE????) -- Raed protestou novamente furioso -- Ralã (expressão de desgosto), quem ele pensa que é? -- estava possesso

 

Amina e Youssef também se escandalizaram.

 

--Eu entendi o que eles diziam e traduzi tudo, baba! -- Zinara garantiu -- Quer dizer, ouvi também umas palavras que nunca nos foram ditas! -- comentou -- Acho que eram 'ulalaat il-adab (rudes) palavras!

 

--CHOO??? -- o homem continuava enfurecido -- E por que aquele ibn ig-gazma (filho de um sapato) ofendeu a honra de usritina (nossa família) desse jeito?? -- tinha fogo nos olhos

 

--Porque Tonio disse que usritina é estranha! -- Zinara respondeu de pronto -- Disse que homens não beijam homens e que Khaled e Youssef se fazem carinhos demais.

 

--Mas que tipo de awlaad (menino) é esse?? -- Raed gesticulava com ódio -- Khaled e Youssef são irmãos, são homens, não há mal nisso! Feio seria se beijassem meninas em público! Isso sim é indecente e escandaloso! -- andava em círculos nervosamente -- Gaatak niila, Tonio! (Vá para o inferno, Tonio!) GAATAK NIILA!!! -- gritou

 

--Acho que nessa terra os homens não se beijam, baba. -- Khaled esclareceu -- Só vejo as mulheres fazendo isso. -- comentou -- É estranho!

 

--Aywah! (Sim!) -- Amina concordou falando baixo -- Elas me seguram pelo ombro e beijam o vento perto de meu rosto. De um lado e de outro. -- referia-se aos ‘beijos de comadre’ -- E beijam os homens da mesma forma. E os homens beijam elas... -- olhou para o marido -- Mas eu nunca deixei nenhum homem fazer isso comigo! Wallahi! (Eu juro!) -- garantiu

 

--Infeliz do homem que tentar fazer isso com você, porque eu acabo com ele!! -- Raed respondeu enfurecido -- E se eu souber que você deixou acontecer, te jogo no vento, Amina! Te jogo no vento! -- olhou para os filhos novamente -- E foi por essas ofensas que vocês brigaram com os malditos! -- concluiu

 

--Mas antes eu disse muitas coisas, baba! -- Khaled respondeu firme -- Eu falei assim: -- reproduzia suas próprias falas -- "Inta ghaawiz iD-Darb bi-sittiin gazma, ya ibn il-Homaar!! (Você merece ser chutado por 60 sapatos, seu filho de um camelo!!!!)” -- gesticulou -- "Eu cuspo sobre o nome de seus ancestrais! E Zinara também cospe!”

 

--E eu traduzi tudo para eles entenderem! -- a menina garantiu -- Então Khaled e eu cuspimos no chão e riscamos os pés na areia!

 

--Fizeram muito bem! -- Raed gostou do que ouviu -- Ofenderam usritina (nossa família) e saíram duramente ofendidos! -- balançou a cabeça positivamente

 

Youssef e Amina concordavam com Raed.

 

--Só que eles nem se importaram! -- Khaled continuava contando a história -- Riram de nós e vieram bater me chamando de... -- olhou para a irmã -- Como se diz mukhannath na língua daqui? -- não lembrava -- Aquela palavra que eles ficavam me dizendo?

 

--Viadim. -- respondeu titubeante -- É uma palavra feia.

 

--Então acabou que a briga aconteceu, baba. -- o menino explicou -- E foi isso.

 

--Eram três contra um, baba, por isso também briguei. -- Zinara justificou-se -- São covardes e nem têm honra!

 

--Claro que não têm honra! Vocês cuspiram sobre os ancestrais deles e eles riram!! -- Raed estava escandalizado -- Além de terem ofendido usritina nojentamente! -- foi pegar o chapéu -- Amina, cuide dos dois! -- ordenou -- Eu vou agora mesmo ter uma conversa de homem com Tião! Quero lavar a honra de usritina!

 

--Cuidado, zogii (meu marido)! -- a mulher pediu aflita -- Cuidado! Se o filho não tem honra, o pai também não tem! -- quase chorava -- E, min fadlak (por favor), não cometa um ato impensado!

 

--Eu não sei como vai ser criar Zinara, Youssef e Khaled nesse país! -- o homem desabafou antes de sair de casa -- O povo daqui não respeita os ancestrais e não segue os anciãos! Homens e mulheres se tocam demais em público e os filhos não obedecem aos pais! -- balançava a cabeça contrariado -- Ralã! -- reclamou com desgosto e foi embora”

 

--Acho que quase ninguém nesse país pensaria que as coisas que Khaled falou eram tão ofensivas quanto vocês consideravam! -- Clarice comentou -- Cuspir no chão e riscar com o pé? -- acabou achando graça -- Imagino que às vezes vocês deviam ficar escandalizados com o que viam acontecer...

 

--Pois é... -- sorriu -- A gente percebia as coisas boas daqui, dessa cultura de Terra de Santa Cruz, mas ficava meio escandalizado em certos momentos. -- mãos se encontraram e entrelaçaram os dedos -- Mas veja que hoje em dia maama dá beijo de comadre em todo mundo e nem liga. E ai de baba que reclame! -- riram

 

--E o que aconteceu no papo de homem entre seu pai e o tal do Tião? -- perguntou curiosa

 

--Ih, foi um fuzuê que ninguém deu conta! camma Najla teve que fazer pressão no ex marido pra demitir seu Tião, porque senão a coisa acabaria em tragédia!

 

--Nossa! -- surpreendeu-se -- E os meninos deixaram vocês em paz depois dessa confusão toda? -- perguntou curiosa

 

--Laa... (Não...) -- balançou a cabeça negativamente -- Khaled brigou muitas vezes com Toninho e com outros garotos por várias razões. Especialmente porque sempre o chamavam de majnum (louco)... -- comentou com tristeza -- Ele não tinha amigos, sabe? -- brincava com os dedos da namorada -- Somente Youssef e eu éramos seus companheiros inseparáveis... Foi assim durante toda a vida dele...

 

“--Hoji é a tar da festa qui o povu da cidadi si apronta pra í. -- Amina comentou animada -- Vamu, Raed? -- pediu esperançosa -- Nóis vai cum nossus fiu!

 

Zinara, Youssef e Khaled ficaram empolgados e aguardaram excitados pela resposta do pai.

 

--Num tem issu di festa, não, muié! -- respondeu de cara feia -- Num fica bem muié casada nessas festa e di mais a mais tem Ahmed, Nagibe e Cid tudu piquenu aí procê cuidá!

 

--Mais, baba, nóis fomu tudu juntu na festa da igreja! -- Zinara argumentou -- Foi mumtaz (excelente)!

 

--Arguém ti pidiu opinião, minina? -- retrucou de cara feia -- E festa di igreja é um trem, festa comu a di hoji é ôtro trem! -- pausou brevemente -- Si Youssef e Khaled quisé í eu inté dêxu, mas ocê fica!

 

--Sem Ya aini (Meus olhos) num tem graça, baba! -- Youssef protestou -- Laa! (Não!)

 

--Num tem! -- Khaled também pensava da mesma forma -- Laa!

 

--Ocês são homi, ocês pódi! -- reafirmou -- Zinara é moça e fica feiu!

 

A jovem achava aquilo ridículo, mas não protestou em respeito.

 

--Eu num vô. -- Youssef decidiu -- Queru não.

 

--Nem eu! -- Khaled afirmou chateado -- Sem Youssef e Zinara num queru í.

 

--Intão fica todu mundu im casa! -- Raed encerrou o assunto e saiu da sala -- Amina, vai vê o qui hôvi purque Nagibe tá chorandu e Cid também! -- ordenou -- Ahmed, cadê ocê? -- chamou pelo outro filho

 

Amina obedeceu e rapidamente correu para ver os filhos mais jovens.

 

--Ocê pudia í, Khaled. -- Zinara falou -- Pudia í e tarvez inté fizessi amigu na festa! Era só si introsá cum o povu.

 

--Num si prenda pur causu di nóis! -- Youssef aconselhou -- Zinara é muié, eu sô cegu, mas ocê tem liberdadi pra í prondi quisé, num sabi?

 

--Meus amigu são ocês e meus animar e tá di bão tamanhu! -- argumentou de pronto -- Num queru sabê di mais ninguém! Essi povu só sabi mi vê iguar majnum (louco) e ri di minhas fuças sem razão! -- comentou com certa mágoa -- Num queru sabê delis pra nada! -- levantou-se e foi para o quarto

 

--Todu dia si faiz vendavar nu coração di Khaled... -- Youssef comentou pensativo -- Eli num tem paz e o povu num intendi a agonia du espíritu deli...

 

--Também num tenhu paz, Youssef... -- Zinara confessou -- mas Khaled é diferenti... -- sentia pena do irmão -- Khaled é... -- não sabia explicar -- Ele deseja ser inteiro, -- falou na língua de Cedro -- mas a cada dia que passa corta um pedaço da alma... Ele é o sahara (deserto) clamando por chuva, mas no sahara nunca pode chover...”

 

--Khaled tinha uma relação muito especial com os animais... -- lembrava nostalgicamente -- Ele sabia acalmar os cavalos, gostava de cuidar dos porcos e deixava o chiqueiro impecável, conversava com as galinhas e reconhecia cada uma delas por algum nome que inventava... -- mirava um ponto no infinito -- Ele imitava os passarinhos com perfeição e muitos pousavam no dedo dele e depois iam embora.

 

--Ele devia se sentir aceito pelos animais, não é? -- concluiu -- Por isso se sentia tão à vontade com eles.

 

Olhou para Clarice concordando. -- Exatamente isso... -- pausou por uns instantes -- Sabia que ele tinha um tucano de estimação?

 

--Em Guaiás tem tucano?! -- espantou-se

 

--No coração de Terra de Santa Cruz ainda se veem muitos animais exóticos ou selvagens a depender de onde você esteja. -- explicou -- O tucano vinha, pousava no braço de Khaled, ele dava frutinhas pra comer e aí o bicho ia embora... Às vezes vinham dois, três, cinco tucanos... A gente ficava eufórico! -- suspirou -- Coincidência ou não, depois que akhuuya (meu irmão) morreu, nunca mais se viu tucano algum lá na roça... -- pausou brevemente e depois de uns instantes lembrou-se de um fato e sorriu -- Houve uma vez, na fazenda de camma Najla, que o coronel Cezário anunciou uma festança pra comemorar não sei o quê e aí nós ficamos sabendo que ele planejava matar um boi e mais sete galinhas. -- olhava para a amada -- Khaled se desesperou e nos convocou pra libertar os bichos e fazer um movimento revoltoso! -- riu -- E nós infernizamos a vida naquela fazenda...

 

“--Socorro, acodi aqui!! -- a cozinheira gritava -- As criança sortaru as galinhas e as bicha tá tudu doida correndu!

 

--Mas o que é isso?! -- Najla chegou na cozinha revoltada -- Quem deu ordem pra vocês soltarem as galinhas?? -- olhava para os animais correndo apavorados sem rumo certo -- Axra min kida mafiiš!! (Não há merd* pior do que essa!!)

 

--Dêxi elas im paz, camma! -- Khaled defendia os animais -- Jathara, Naíma, Safia, Sayde, -- olhava para as galinhas -- Xerazade e Sâmi, fujam, mininas, fujam ocês tudu! -- ordenava guiando os bichos para a porta -- Fogi dajaaj (galinha)!

 

--Que inferno! -- as mulheres tentavam capturar as galinhas sem sucesso -- Crianças loucas! -- Najla reclamava

 

--Fogi ocês tudu! -- Youssef ordenava também -- Fogi dajaaj (galinha)!

 

--Dona Najla! -- um empregado entrava na cozinha correndo -- Arguém sortô o boi qui o coroné separô pra matá e ninguém tá dandu conta módi prendi o bichu di novu, num sabi? -- noticiou aflito -- É cada chifrada qui chega dói!

 

--Nóis sortamu eli! -- Zinara assumiu -- Nóis queremu us bichu vivu! -- reinvidicou

 

--E a gente vai comer o que na festa, posso saber? -- cruzou os braços furiosa

 

--Comi arroiz, brócu, batata, arfaci! -- sugeriu aflito -- Mas num mata us bichu, camma! -- Khaled pulava diante da tia -- Dêxi Azim vivê! -- pediu

 

--Quem é Azim, menino?! -- não entendia

 

--É al toor (o boi), camma! -- Youssef esclareceu -- Dêxi eli vivê! -- insistiu -- E as galinha também pricisa vivê! Jathara, Naíma, Safia, Sayde, Xerazade e Sâmi são nossas amiga!

 

--Num mata us bicho, camma! -- a menina pedia pulando

 

--Num mata us bicho, camma! Num mata, num mata, AHAHAHAHAHAH!!!!!!!!!! -- Khaled gritava

 

--Num mata, num mata!!! -- Zinara e Youssef pediam em coro

 

--Al-jaHiim!! (Inferno!!) AHHa! -- Najla praguejou agoniada -- Tá bom, tá bom, dessa vez passa! Os bichos ficam vivos! -- decidiu

 

--SMALLAH!!!!!!! -- as crianças se abraçaram comemorando -- AHAHAHAH!!! -- gritaram alegremente

 

--Youyouyouyouyou!! -- Zinara cantou

 

--Mas da próxima vez eu vou dar queixa pra Raed e os três vão levar uma sova daquelas! -- ameaçou

 

--E vai sirvi o que na festa, dona Najla? -- a cozinheira perguntou desnorteada

 

--E nóis faiz o que, patroa? -- o empregado não sabia como lidar com a situação

 

--Vamos pedir pro compadre Adicley pra ele matar um boi e sangrar umas galinhas lá na fazenda dele. -- decidiu -- Afinal de contas ele deve muita coisa a meu marido. -- balançou a cabeça contrariada -- O que eu não faço por usritii (minha família)? -- saiu da cozinha aborrecida

 

E os irmãos comemoravam sua vitória pulando abraçados na cozinha.”

 

--Hahahahahaha! -- Clarice ria -- Isso deve ter sido engraçado...

 

--Não pra camma Najla! Tampouco pro coronel. -- achou graça -- Mas nem sempre deu certo e muitas vezes os bichos foram pra panela. Aí, em protesto, a gente não comia. -- parou para pensar -- Acho que fiquei vegetariana por causa disso. -- concluiu

 

--Sabe... quando você fala no Youssef eu imagino um menino radiante, esperançoso e cheio de paz, mas quando fala no Khaled... -- pensava em como dizer -- ele me parece um menino nervoso, inquieto e que gritava muito... Talvez, por não saber se expressar de outra forma...

 

--E sempre foi assim, desde pequeno... Ele nasceu em um período muito violento e os gritos... -- não conseguiu completar a frase -- Com certeza ficou muito pior depois que Youssef sofreu aquela violência e acabou cego. Ele se sentia culpado...

 

--Por que ele tinha ido pra mais longe brincar com os magnetos e vocês foram buscá-lo, não foi isso? -- a astrônoma confirmou balançando a cabeça -- Você me contou.

 

--Khaled tentou arrancar os próprios olhos uma vez. Não gosto nem de pensar... -- desvencilhou-se com cuidado e sentou na cama -- Quando Youssef não pôde freqüentar a escola junto com a gente, pensei que Khaled... -- olhava para as mãos -- Ele sofria muito... Às vezes me parece que bem mais que o próprio Youssef, que nunca reclamou de ter ficado cego.

 

--Coitado... -- comentou penalizada e sentou-se também -- Deve ter sido um trauma absurdo pro Khaled... além dos outros tantos...

 

--Quando Hassan se matou... -- sentiu as emoções convulsionarem no peito e olhou nos olhos da amada -- Escute, Sahar, quero lhe contar algo que nunca disse a ninguém! -- anunciou -- Sa'ban ‘alay... (É difícil para mim...)

 

--Fale, amor! -- sentou-se de frente para a morena e envolveu as pernas em sua cintura -- Desabafa comigo que eu cuido de você se precisar de um colo!

 

Beijou-a ternamente e depois de uns instantes calada voltou a falar: -- Além de Youssef e eu, somente Hassan e Jamal foram amigos de Khaled. Pena que morreram ainda na infância... -- pausou brevemente e segurou as duas mãos da outra mulher -- Foi Khaled quem encontrou o corpo de Hassan boiando no tanque de tinta azul, nas primeiras horas da manhã de um dia que foi terrível... -- falou com muito pesar -- E minutos depois eu chegava com um saco de peles...

 

“--AHAHAHAHAHAHAHAHAH!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! -- os berros pavorosos do menino pareciam ecoar por toda parte -- AHAHAHAHAHAH!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

 

--Khaled!! -- Zinara deixou o saco no chão e correu para junto dele -- Shoo sarlake? (O que acontece com você?) Por que grita desse jeito?

 

--Que se passe-t-il? (O que está acontecendo?) -- dois supervisores chegavam correndo

 

--Hassan... -- apontou desesperado para o tanque de tinta -- Hassan... -- chorava -- AHAHAHAHAHAHAH!!!!!!!!!!!!!! -- gritava

 

--Oh, Aba! (Oh, Meu Pai!) -- olhou para o cadáver e se abraçou com o irmão -- Oh, Aba, por que?? -- perguntava emocionada -- Por que??

 

--AHAHAHAHAHAHAH!!!!!! -- Khaled não parava de gritar -- HASSAN!!!! LAA!!! (NÃO!!!) -- gritava -- SADIK HASSAN!!!! SADIK HASSAN!! (AMIGO HASSAN!!! AMIGO HASSAN!!!) -- não se conformava”

 

--Khaled ficou tão louco naquele dia que nem saberia te dizer como! -- contava -- Vários supervisores e trabalhadores do curtume vieram ver o que se passava e naquele tumulto akhuuya (meu irmão) se desvencilhou de mim e desapareceu correndo para longe. -- seus olhos marejaram -- Eu fiquei desesperada sem saber o que fazer, menti pra baba quando me perguntou por ele e quase surtei de tanta agonia... -- derramou uma lágrima -- À noite ele reapareceu. Irreconhecível, devo dizer. -- outra lágrima escapou de seus olhos -- E ficou quase uma semana sem dar uma palavra.

 

--Oh, meu amor... -- estava emocionada também -- Sinto muito... -- seu coração doía de pesar

 

--Dois dias depois, o homem que abusava de Hassan foi assassinado por um jovem de Cedro... -- recebia um carinho bem vindo da namorada -- Disseram que ele fugiu do acampamento pra escapar da morte e que fez isso pra lavar a honra dos homens de nosso país. -- Clarice delicadamente secava seus olhos -- Decretaram luto no acampamento em respeito a morte de Gerard... -- achava absurdo -- claro que não seria pelo pobre Hassan... -- pausou brevemente -- Khaled ficou muito esquisito e... acho que um pedaço dele morreu depois daquilo tudo...

 

Clarice derramou uma lágrima discreta.

 

Emocionou-se novamente. -- Quando Youssef morreu, -- continuava perdida em suas lembranças -- Khaled gritava como louco... e mais um pedacinho dele se foi... -- novamente derramou uma lágrima -- Ele foi perdendo um pouco de si ao longo da vida, e com isso, perdendo a razão...

 

--E foi depois disso que... depois da morte do irmão que... -- perguntava cheia de jeito -- começaram as crises que o levaram até Viegas?

 

Zinara sentiu uma dor no peito e desvencilhou-se para levantar. Caminhou até a janela e olhou para fora. -- Laa. (Não.) -- respondeu com tristeza -- Foi depois que... talvez o último pedacinho que faltava... foi embora...

 

--E que pedacinho foi esse, amor? -- olhava para ela

 

--Eu! -- afirmou com muito remorso

 

***

 

--Professora, eu fiz a revisão bibliográfica do tema que me sugeriu e fiquei impressionada! -- Vanessa falava para Cátia -- Como pode o Continente Negro estar se dividindo em dois e a imprensa não noticiar isso com a relevância que o fenômeno merece? -- revoltava-se

 

--Não sei, querida. Talvez por ser o Continente Negro e não Urubba... não sei... Seria leviano de minha parte dar uma resposta. -- cruzou as pernas -- Mas o fato é que esse fenômeno tá acontecendo com uma velocidade incomum em geologia! -- afirmou enfática -- Acredita-se que como consequência teremos o surgimento de uma ilha gigante e uma boa parte do deserto vai virar fundo de mar!

 

--“E o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão!” -- Vanessa anunciou profética -- Minha falecida tia vivia dizendo isso... -- lembrou pensativa -- Enfim, -- abriu um documento Word -- queria lhe mostrar meus apontamentos e uma simulação inicial que fiz sobre o fenômeno.

 

--Pois não. -- olhou interessada para a tela do laptop

 

--No nordeste do Continente Negro, por conta de intensas movimentações da crosta na região de Aethiops, provoca-se a fissuração do solo desértico, gerando falhas que progridem rapidamente. Os vulcões também estão muito ativos, o que aumenta ainda mais a atividade sísmica na região, e com isso, aos poucos, a água do mar poderá avançar sobre a terra, penetrando pelas fissuras em progressão. -- explanava suas observações -- O processo começou de forma acentuada em 2005, após a erupção do vulcão Dabbahu, que abriu uma fenda no solo. A depressão, apesar de não ter água, está localizada abaixo do nível do mar, o que poderá levar ao surgimento de um novo oceano em pouco tempo. -- mostrou algumas imagens -- A situação é tão crítica assim, porque a única barreira natural que evita que as águas do Mar Rubro penetrem o continente sem qualquer obstáculo é apenas uma baixa cadeia de pequenas colinas de 25 metros de altitude. -- olhou para Cátia -- Pesquisadores envolvidos nas investigações do fenômeno acreditam que essa terra cederá eventualmente, e o mar entrará e começará a criar um novo oceano.

 

--Eu concordo. -- balançou a cabeça

 

--Segundo vários pesquisadores, cujos nomes listei ao final desse resumo, o processo acabará dividindo o Continente Negro e formando uma grande ilha. -- apresentou uma nova imagem -- Embora tudo isso possa levar milhões de anos pra se concluir, um monitoramento feito em um período de apenas dez dias verificou a expansão da fenda em oito metros!

 

--O que é uma velocidade completamente incomum! Extremamente elevada! -- a loura comentou

 

--Agora quero lhe mostrar a simulação. -- abriu um software e rodou uma rotina resumida -- A grande fratura geológica da região apareceu pela primeira vez há milhões de anos, resultando no Mar Rubro e no Golfo de Éden. -- clicou na animação -- A  segunda fratura, que se estende por 7.000km do sul da Aethiops até Musa Al Bik, é conhecida como o Grande Vale do Raft, que é repleto de vulcões, depressões e lagos. -- olhou para a professora -- Creio que daqui há milhões de anos a partir de agora, o Vale do Raft também será preenchido com água salgada. -- as duas assistiram à simulação

 

(Nota da autora: Uma boa tradução do artigo original encontra-se em http://thoth3126.com.br/africa-esta-se-dividindo-em-duas-surgira-uma-nova-e-enorme-ilha/)

 

--Muito interessante! -- a geofísica afirmou ao final -- Você analisou o fenômeno de curto prazo, que é a inundação de uma região de Aethiops, e simulou um evento de longo prazo, que seria a inundação do Vale do Raft... -- balançava a cabeça -- Gostei da abordagem, mas quero ver seu texto com um vocabulário mais técnico. -- pediu -- E também penso que devemos batalhar uma bolsa para você passar uns meses em Aethiops estudando o fenômeno de perto.

 

--Ai, professora, jura?! -- arregalou os olhos excitada

 

--A equipe que chefia essas pesquisas é da Saxônia e a líder do grupo é minha amiga pessoal. -- afirmou para impressionar -- Acho que você não vai me decepcionar se eu pedir a ela que te inclua em alguma expedição lá pra setembro ou outubro. -- fez um charminho com os cabelos

 

--Ai, que maravilha!! -- bateu palminhas -- Professora, eu te acho o máximo! -- puxou a loura para um beijo no rosto e sorriu

 

“Ô, menina, não provoca que eu tô carente...” -- pensou -- Não me agradeça. Faça um trabalho bem feito e honre os pesquisadores deste país!

 

--Pode acreditar! -- prometeu -- Eu vou dar tudo de mim pra essa pesquisa e pra senhora, professora! -- falou empolgada

 

“Não futica a pantera, menina! Não me promete essas coisas que a periquita já tá até piscando o olhinho...” -- pensou ao se ajeitar na cadeira -- "Ah, mas eu vou arriscar porque essa garota me dá muito mole!” -- decidiu -- Vanessa, me responda uma coisa... -- debruçou-se sobre a mesa -- Até onde você tá disposta? -- perguntou cheia de duplo sentido

 

--Totalmente disposta! Eu quero fazer um trabalho diferenciado e aprender bastante com a senhora e seus colegas daqui e da Saxônia! -- não percebeu a malícia da pergunta

 

--Por favor, querida, já te pedi pra me chamar de você! -- pôs uma das mãos sobre a coxa da jovem

 

--É que eu fico... não quero parecer abusada, sabe? -- ficou sem graça

 

“Enquanto isso eu tô doida pra usar e ser usada e abusar e ser abusada!” -- pensou cheia de fogo -- "Olha como a danada não tira minha mão da coxa!” -- constatou vitoriosa -- E outra coisa, meu bem...Você é solteira, namora...? -- sorriu

 

--Sou noiva! -- respondeu empolgada -- Caso no mês que vem, por que? -- não entendeu a pergunta

 

--Noiva?! -- ficou sem graça e recolheu a mão -- Ah, eu perguntei porque... -- pensava no que dizer -- será que seu noivo não vai reclamar de você ficar uns tempos fora do país? -- disfarçou

 

--Ah, não existe isso entre nós. Nem ele me controla e nem eu faço isso com ele. -- respondeu de pronto -- E com essa viagem vai dar uma saudade gostosa, sabe? O reencontro vai pegar fogo! -- deu um tapinha no braço de Cátia

 

--Ô, se pega fogo... -- respondeu decepcionada

 

--Eu sou fiel, amo meu noivo e ele sabe disso. Também acredito que ele seja fiel e não fico procurando fundamento. -- desligou o computador e se levantou -- Bem, sei que a senhora... que você é muito ocupada e não vou mais tomar seu tempo. -- sorria -- Fiquei muito feliz e prometo que vou estudar muito, me aplicar e não decepcioná-la com meus resultados! A oportunidade de ser uma aluna sua é um verdadeiro tesouro na minha carreira!

 

Cátia envergonhou-se por sua momentânea falta de ética e se recompôs. -- Acredito em você e sei que vai fazer bonito! -- levantou-se também -- Vá estudando, termine de cursar as matérias que te faltam e vamos entrar em contato com o pessoal da Saxônia. -- sorriu -- Temos que começar a fazer a ligação entre você e eles, né?

 

--Claro! -- estava radiante -- Vou aproveitar e pegar umas aulinhas de reciclagem no Saxão. -- foi até a porta -- Tchau, professora! -- acenou -- E mais uma vez, obrigada! -- foi embora

 

--De nada... -- suspirou -- No trabalho tudo certo, mas na vida... -- passou a mão nos cabelos -- E pega ninguém no mês de janeiro... -- reclamou consigo mesma

 

***

 

--Mamii, você não sabe! -- Aisha comentava empolgada -- Jamila me ligou e disse que bateu um papinho básico com ninguém mais, ninguém menos que José de Arimatéia! -- anunciou

 

--E quem é esse? -- ficou sem entender

 

--O filho do ex advogado de papi! -- respondeu de pronto -- Disse que ele botou pra fora cada babado mais forte que o outro! -- gesticulou -- Coisa do tipo: os bastidores da venda da fazenda de Najla: tudo que você sempre quis saber mas não tinha pra quem perguntar!

 

--Smallah! -- arregalou os olhos -- Agora eu lembrei! Ele é filho do safado do Paulo Ramalho!

 

--Esse mesmo! -- concordou -- Acredita que o véio tá dobrando o cabo e o medo da morte fez ele querer consertar os erros do passado? -- deu um tapinha no joelho da mãe -- Ele quer nos ajudar no caso com o Ametista! Quer fazer a gente recuperar o tesouro perdido!

 

--Oh, Aba, que noticia maravilhosa! -- pôs as mãos sobre o peito -- E agora, faz o que? -- estava ansiosa

 

--Jamila quer marcar uma reunião com nós duas e Ramalho pai e Ramalho filho. Um verdadeiro Grande Encontro, por assim dizer! -- cruzou as pernas -- Depois disso ela vai bolar uma estratégia e marcar uma entrevista com o advogado do Ametista. Sabe do pulo do gato? -- passou a mão nos cabelos -- Pois é isso! Com esse baita trunfo na manga ela pretende fazer uma proposta que será a cartada final!

 

--Aisha, você não poderia ter me dado notícia melhor! -- sorria -- Vou ligar pra Amina e Raed e contar tudo a eles. E vou ligar pra Zinara também! Vamos fazer uma corrente forte!

 

--Corrente têúdêô: TU-DÔ, mamii! -- deu força -- Bota os santo e a turma do Bem toda no encalço do Ametista pra ele devolver a fazenda pra gente!

 

--E quando vai ser essa reunião? -- segurou as mãos da filha -- Gente, eu tô até de perna bamba! Se não tivesse sentada acho que caía no chão! -- riu de nervosa

 

--Vamos aguardar Jamila, mamii! Mas confia, que vai dar tudo certo!

 

--Inshallah! (Se Deus quiser!) -- olhou para o alto -- Ai, eu também tenho que dar a notícia pro seu Marco!

 

--Seu Marco... -- soltou as mãos da mãe e sorriu maliciosamente -- Janaína me disse que sem querer interrompeu o maior climão entre vocês anteontem! -- fez cara feia -- Aliás, botei ela de castigo por causa disso! -- gesticulou -- Eu hein! Faço tanto esforço pra que se dê uns tiros na curnicha e Janaína me dá uma dessa!

 

--Aisha! -- deu um tapa no braço da filha -- Que negócio é esse de tiro em curnicha, aHHa? -- reclamou -- Somos pessoas de respeito! -- ajeitou-se toda

 

--São de respeito mas ninguém é de ferro! -- passou a mão no braço dolorido -- Tem que deixar o amor acontecer, mamii! -- olhava para ela -- Dá pra sentir a tensão no ar e vocês só ficam naquele lesco lesco de dá bracinho pra cá, dá bracinho pra lá e mais uma troca de elogios que nunca termina! -- a ex fazendeira corou -- Diz pra mim: -- aproximou-se mais -- esse namoro sai ou não sai?

 

--Ah, ele me pediu pra namorar e eu disse que sim... -- abaixou a cabeça -- Mas fiquei tão nervosa e emocionada que esqueci a língua daqui e falei na língua de Cedro... -- sorriu -- E acho que ele não entendeu nada! -- riu

 

--Então façamos assim: -- levantou delicadamente o rosto da mãe -- eu convido ele pra um jantar aqui em casa, jantar que Janaína vai fazer, -- enfatizou o detalhe -- falamos do caso do Ametista e então...

 

--Aisha, espere! -- interrompeu a filha -- Eu mudei de idéia, não quero que ele saiba! -- decidiu -- Não quero que a possibilidade de me ver novamente como dona de fazenda afete as atitudes dele comigo! Ele sabe que você processa Ametista mas não tem idéia das chances que temos, nunca nem conversamos sobre tais detalhes. -- explicava sua decisão -- Quero que ele continue pensando que não tenho como deixar de ser sustentada por usritina (nossa família), senão passarei a vida na dúvida quanto a verdade dos sentimentos dele para comigo!

 

Aisha pensou um pouco e concordou. -- Tá certa... -- balançou a cabeça -- Janaína não comenta sobre isso com os outros, que eu sei. Vou reforçar com ela pra que continue assim. -- pausou brevemente -- Mas eu vou arquitetar outro plano pra esse amor acontecer! -- prometeu

 

--Que é isso, menina? -- levantou-se rapidamente -- Deixe as coisas como estão e ore a Deus pra que a ideia de Jamila dê certo! -- queria mudar de assunto -- E que eu contenha minha vontade de esganar Paulo Ramalho, mesmo sabendo que ele tá bem mal! -- revirou os olhos

 

--Pode deixar! -- achou graça -- Eu também não vou deixar você matar o veio, até porque precisamos dele vivo! E bem vivo! -- brincou

 

--Agora deixa eu... -- não sabia o que dizer -- cuidar da louça! -- correu para a cozinha

 

--Ai, ai, mamii... -- achava graça -- Mas que eu vou botar um fogo nesse teu caso, isso vou! -- sorria -- Falou em sacanagem, é comigo mesma!

 

***

 

--Eita, qui é hoji qui Zinara e Clarice vão ficá cara a cara cum o bicho ruim, num sabi? -- referia-se a Viegas -- Já rezei pur dimais da conta pra dá tudu certu!

 

--Vai dar, Amina, vai dar, sim! -- Leda afirmou convicta -- Também rezei! De mais a mais, Clarice tem uma paciência de Jó, nem parece que é minha filha! -- gesticulou -- Ela ajuda a controlar Zinara, se for necessário.

 

--Cunfiu nissu! -- respondeu de pronto -- E intreguei nas mão da Virgi. Também pidi lá nu centro módi mãe Agda nus dá umas ajuda cum as reza dela e ela garantiu qui os espíritu vai clariá us caminhu!

 

--E vão, sim! Zinara é boa moça e tem muita proteção, tenho certeza. -- pausou por uns instantes e reparou nas crianças brincando no quintal -- Fico feliz em ver o Di tão animado brincando com Khadija e os filhos de Ahmed. -- sorriu -- Esse menino precisava de novos ares pra se livrar da áurea ôgrica que paira na casa dele!

 

--Áuria o que?! -- não entendeu

 

--Deixe pra lá! -- fez um gesto despreocupado

 

--Ya Leda, discurpi lhi falá, mas ya Rafi ligô pra dizê qui vem aqui hoji módi vê a sinhora, num sabi?

 

--Mas ô inferno da minha vida! -- reclamou -- E aquele velho tarado quer o que? -- cruzou os braços

 

--Achu qui é fazê a corti à sinhora, uai, purque eli dissi qui vinha modi conquistá um tisôru. -- respondeu de pronto -- Vem eli e o fio mais véio, conformi diz a tradição.

 

--Sei... tradição de sacanagem... -- fez um bico -- Amina, tracemos um plano! -- segurou a outra pelo braço -- Vamos colocar água pra fever e faremos um café tão quente a ponto de quase derreter o bule. Aí, a gente serve pro perna fraca e o bicho queima a língua toda!

 

--Ave Maria! -- arregalou os olhos

 

--Quero deixar aquela praga impotente de vez! -- gesticulou

 

--Café quenti tira as putença dus homi? -- surpreendeu-se

 

--Ah, minha filha, -- olhava para ela -- quando o pinto dá a última golfada fica a língua como órgão de trabalho! Café quente queima ela e danou-se tudo! É o fim! -- esclareceu

 

--Né não, uai! -- discordou de pronto -- E os dedu? -- considerou

 

--Queima tudo na xícara!

 

--Queima, não, ya Leda! O pires e as asa grossa das minha xícra num dêxa passá a caluria, num sabi?

 

--Hum... -- concordou -- Tem razão... -- balançou a cabeça pensativa -- Acho que vou bolar outra estratégia... -- considerou

 

CAPÍTULO 81 –  Viegas

 

--O senhor Viegas não é um paciente comum. -- a enfermeira caminhava seguida por Zinara e Clarice -- Ele tem crises violentíssimas, fica totalmente insano e daí passa muito tempo sedado, depois experimenta momentos de lucidez e passa horas estudando. Nessas ocasiões ninguém diz que é tão desequilibrado! -- pausou brevemente -- Ultimamente ele tem demonstrado interesse pelo Espiritismo, doutrina de Kardec, essas coisas... -- falou com um certo desprezo

 

--E ele não recebe visitas? -- a paleoceanógrafa perguntou curiosa

 

--Então... essa é outra particularidade dele. -- chegaram em um grande jardim cheio de flores e árvores -- Ele recebe a visita de um perito da Polícia a cada seis meses.

 

A astrônoma ouvia calada. Sentia o coração batendo acelerado e buscava manter-se firme diante do imenso desafio que tinha pela frente.

 

--Ninguém mais vem vê-lo? Filhos, esposa, parentes... -- Clarice continuava perguntando

 

--Não. Além da Polícia ninguém mais vem. -- parou de andar -- Vocês foram as primeiras em todos esses anos. -- apontou para um homem idoso sentado em um banco de madeira -- E deram sorte porque ele tá numa fase boa. -- olhou para as mulheres -- Tá estudando.

 

Zinara logo reconheceu Viegas e um imenso mal estar tomou conta de si. Percebeu que o homem estava bem mais magro, visivelmente velho e acabado, além de calvo. Os óculos de lentes grossas o ajudavam a ler um livro de Kardec e ele parecia totalmente imerso na leitura. Talvez buscasse explicações para o que se passava em sua vida, talvez buscasse um caminho para dar um fim ao seu sofrimento.

 

--Será que... -- a morena olhou para a enfermeira -- nos daria alguns minutos? -- pediu com educação -- São muitos anos e... não é fácil reencontrar um... -- não sabia como se referir ao homem -- conhecido em tais condições... -- deu um sorriso amarelo -- Preciso de uns instantes pra me preparar psicologicamente.

 

--Entendo. -- achou o pedido estranho -- Volto daqui a vinte minutos. -- fez um gesto de cabeça e se afastou

 

--Como você tá, amor? -- Clarice perguntou com carinho

 

Zinara segurou a mão da namorada e se afastou do campo de visão de Viegas. -- Reza comigo, Sahar? -- segurou as duas mãos dela -- Meu espírito ficou agoniado! Ana ma a’ad albi yithadda! (Não pude acalmar meu coração!)

 

--Sim, meu bem. -- aproximou-se mais e fechou os olhos -- Vamos pedir a Deus que ajude você a passar por isso. E lembre-se: eu tô do seu lado!

 

--Sorte a minha! -- fechou os olhos também -- Behebbik ya, Sahar!

 

***

 

“A distância entre nós era pequena, Kitaabii, mas parecia que o tempo corria em câmera lenta. Era como se eu andasse sobre um campo minado e o som discreto de meus passos ecoasse em meus ouvidos como bombas...”

 

Bombas explodem...

 

“Cenas de meu passado pipocavam em minhas memórias e os gritos de Khaled me deixavam tensa.”

 

--AHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAH!!!!!!!!!!! -- ouvia a voz do irmão dentro da mente -- AHAHAHAHAHAH!!!!!!!!!!!!!!

 

Bombas explodem...

 

“E lá estava ele, Kitaabii. Não havia mais como desistir, era tudo ou nada.”

 

--Viegas, você tem visitas. -- a enfermeira anunciou sem mesuras -- E não é o seu velho conhecido da Polícia.

 

--O que?! -- interrompeu a leitura mas continuou olhando para o livro

 

--Estas duas moças vieram te ver. -- a enfermeira indicou as outras

 

“Meu coração disparou absurdamente, Kitaabii. Senti as pernas fraquejarem e uma agonia na cabeça.”

 

Viegas olhou para as mulheres e paralisou ao dar de cara com a morena. -- Eu não acredito... -- derrubou o livro no chão -- Zinara! -- levantou-se -- Zinara Raed, irmã de Khaled Raed!

 

--Lissa faker, ya ibn il-Homaar? (Você lembra, seu filho de um camelo?) -- perguntou sem pensar

 

Apesar do tom contido ao perguntar, Clarice notou o rancor na fala da astrônoma, mesmo sem entender o que ela dizia.

 

--Essa língua... Quantas vezes ouvi frases ditas na bela e melodiosa língua de Cedro... -- aproximou-se de Zinara -- Não sabe o quanto desejei vê-la de novo! Não tem ideia... -- sorriu emocionado

 

“Aquele dente de ouro, Kitaabii... e tantas lembranças ruins que me vieram. Imediatamente recordei o dia em que nos conhecemos: ele estendeu a mão para mim, sorriu e o dourado me chamou atenção. Ficou sendo a marca registrada de Viegas em meu subconsciente.

 

Por um momento senti vontade de socá-lo para ver aquele maldito dente ser cuspido no chão. Desejava desmanchar aquela imagem que tantas vezes me agonizou os pensamentos. No entanto, graças a Deus, permaneci inerte e contive meu ódio mantendo-me em silêncio.”

 

--Bem, acho que vou deixá-los à vontade. -- a enfermeira respondeu desconfiada -- Qualquer coisa, é só chamar. -- olhou para as mulheres -- Vocês têm uma hora, nada mais que isso. -- retirou-se apressadamente

 

--Também vou deixá-los conversar a sós. -- Clarice decidiu -- Vou dar uma volta pelo jardim. -- recolheu o livro caído no chão e o entregou ao dono

 

--Não, Sahar, min fadlik (por favor). -- pediu sem desviar os olhos de Viegas -- Preciso que fique aqui. Não há nada que deseje que se mantenha em segredo pra você.

 

--Tudo bem, eu fico. -- percebeu que o homem também se mantinha fixo em Zinara -- Vamos sentar? -- propôs sem saber o que dizer

 

--Vamos. -- o psiquiatra concordou -- Tem um bom lugar ali! -- apontou para uma mesinha -- Precisamos aproveitar bem o tempo e eu tenho muita coisa pra falar. -- afirmou com certa humildade -- Por favor, Zinara, me ouça. Noto que ainda me odeia, mas é muito importante! -- pediu

 

A morena balançou a cabeça, sentou-se e nada respondeu. Apenas ouvia o som das bombas e os gritos de Khaled ao fundo. Sentia-se muito mal e angustiada. “Oh, Aba, me ajude, por favor, eu Lhe imploro!” -- rogava mentalmente -- "Preciso acalmar meu coração e silenciar o meu espírito sofredor...”

 

***

 

--Ao longo dos meus anos de psiquiatria tive tantos pacientes como nem saberia enumerar. -- guardou os óculos no bolso -- Mas houve alguns que me marcaram de uma forma especial, como foi o caso de Khaled... -- Zinara e Clarice ouviam com atenção -- Lembro quando seus pais, -- apontou para a morena -- chegaram receosos no meu consultório acompanhados por aquele jovem, dono do olhar mais profundo e expressivo que já vi na vida... -- viajou no tempo

 

“--Nossu fio tem umas crisi, uns ataqui di consumição ondi eli grita e si agunia comu num sei dizê, num sabi? -- Raed explicava -- A coisa tem pioradu tantu qui eu dicidi oví us conseiu di um cunhicidu qui mi recumendô procurá o sinhô modi fazê o mininu curá.

 

--Não se preocupe, senhor Raed. -- sorriu solícito -- Seu filho está em boas mãos. -- olhou para o jovem -- Por hoje vamos fazer a ficha dele e nos conhecer melhor. A partir da semana que vem as sessões serão particulares, ou seja, apenas Khaled e eu.

 

O jovem olhou nos olhos do médico e nada respondeu.”

 

--Eu tive muita dificuldade pra fazê-lo confiar em mim e falar de si. Khaled era arisco demais... -- continuava rememorando -- Havia momentos em que ele só falava na língua de Cedro e eu não entendia patavina. Confesso que até me interessei por estudar o idioma de vocês, mas não evoluí. É muito difícil. -- pausou brevemente

 

“Ele confiou em você e foi traído!” -- Zinara pensava -- "Ya gazma yibn ig-gazma! (Seu sapato, filho de um sapato!)” -- buscava controlar sua fúria -- "Maldito!”

 

Viegas, Clarice e Zinara estavam sentados em uma espécie de mesa de pique nique semi depredada que se encontrava no jardim do manicômio. As duas mulheres estavam de frente para o homem.

 

--Khaled me secretou coisas que nenhum de vocês jamais soube... Coisas que nesses últimos anos eu me sinto na obrigação de dizer pra você, pra seus pais... -- olhava para a astrônoma -- Coisas que fizeram toda diferença naquele psiquismo desequilibrado pela dor e pelo trauma da guerra... -- esfregou as mãos -- Hoje meus estudos espíritas me levam a crer que talvez Khaled queira que eu confesse os segredos que ele manteve presos dentro de si por toda vida... mesmo que isso seja contra a ética da profissão.

 

“Ética! Que piada, Viegas!” -- pensou sarcasticamente -- Que coisas seriam essas? -- a morena perguntou intrigada

 

--Além da saudade dos entes queridos, da culpa pela cegueira de Youssef, do desespero pelo que aconteceu com a senhora Leila, Khaled sentia uma imensa culpa pelo que aconteceu a seu primo Hassan...

 

--Choo? (O que?) -- não entendeu -- Como assim? -- debruçou-se sobre a mesa e sentiu uma das mãos da namorada em seu ombro

 

--O que acha que aconteceu com Hassan? -- respondeu com uma pergunta

 

--Ele se matou! -- emocionou-se e pausou brevemente para se recompor -- E Khaled encontrou o corpo boiando num tanque de tinta do curtume. -- passou uma das mãos sobre os olhos

 

--Ele foi morto, minha cara. -- afirmou com jeito -- Pelo mesmo homem que o abusava sexualmente.

 

--CHOO?! ( O QUE?!) -- levantou-se agoniada

 

--Querida... -- Clarice levantou-se também e ficou acariciando suas costas suavemente -- Fique calma, habibi... -- pediu com carinho

 

--Ele foi morto. -- repetiu pesaroso -- Khaled viu quando o pedófilo chegou com o corpo enrolado em um carpete e o despejou no tanque de tinta. Foi um dos traumas mais violentos da vida dele...

 

--Ah... -- não sabia o que dizer -- Laa acrif... (Eu não sei...) -- desvencilhou-se da namorada e afastou-se da mesa, andando em círculos -- Por que ele nunca disse nada? Por que escondeu isso? Ana la afham! (Eu não entendo!)

 

--Hassan havia pedido a ele pra que o ajudasse com uma tarefa, não me lembro bem qual seria... -- explicava -- E Khaled não quis ir, por estar muito cansado e com as mãos cheias de feridas. -- pausou brevemente -- Por isso Hassan foi sozinho e o pedófilo aproveitou a oportunidade e... -- suspirou -- E deu cabo da vida do menino. -- lamentou

 

Zinara mordeu o lábio inferior e derramou uma lágrima. Sentiu uma tristeza imensa. -- Pobre Hassan, pobre awlaad (criança)... -- emocionou-se mais uma vez -- E pobre Khaled... Ele se sentiu culpado por mais uma desgraça... -- concluiu ao derramar mais uma lágrima -- Oh, Aba, então foi por isso que ele ficou daquele jeito... -- passou a mão nos cabelos e voltou a andar em círculos

 

--Gerard sabia que seu irmão viu o que ele fez e, talvez temendo uma revolta do seu povo, resolveu dar cabo de Khaled também. Daí, dois dias depois, armou uma cilada pra pegá-lo. -- continuava revelando os segredos do jovem -- Seu irmão, embora tivesse permanecido calado, sabia que o pedófilo viria atrás dele e quando aconteceu... -- pensou em como dizer -- Às vezes o mais forte subestima o mais fraco...

 

--O que quer dizer? -- Zinara aguardava tensa pela resposta -- Essa sua história me soa muito estranha! Sem sentido! -- não queria aceitar

 

--Khaled soube se defender e fez justiça com as próprias mãos! -- afirmou de súbito

 

“Meu coração pareceu parar de bater, Kitaabii. O que ele estava dizendo? Que akhuuya (meu irmão) tinha as mãos sujas de sangue? Que foi Khaled quem tirou a vida de Gerard?”

 

Sentia uma dor imensa. -- Laa! (Não!) -- protestou -- Khaled era uma criança, ele não poderia...

 

--Ele pôde! -- interrompeu-a -- E ele fez. -- levantou-se também -- O homem que fugiu do acampamento foi apenas um álibi que veio bem a calhar. -- esclareceu

 

--Não é possível! -- voltou a andar em círculos -- Ezzai? (Como pode?) -- Clarice novamente se aproximou -- Sahar... -- olhou para ela com tristeza

 

--Você não sabe que Khaled aprendeu algumas coisas com seu tio Amin?

 

--Calma, meu bem... -- Clarice segurou uma das mãos da morena -- Calma...

 

Zinara ouvia os gritos do irmão dentro da mente e se lembrou de uma triste conversa que tiveram no passado.

 

“--Khaled, ma hatha?! (Khaled, o que é isso?!) -- perguntou intrigada -- Você parece nervoso! -- olhava para o menino -- O que houve? -- colocou o balde cheio de água no chão -- O que fizeram com você? -- segurou as mãos dele -- AHHa! -- reclamou ao ver sangue nos dedos do irmão

 

--camm Amin... -- estava trêmulo -- Ele fez... eu... matar... -- recolheu as mãos -- Ele ensinou... Ana xaafa... (Estou com medo...)

 

--Choo?? (O que??) -- não entendeu -- Como?

 

--Eu matei al Hayawaan (o animal)... -- confessou chorando -- Eu não queria, mas ele me obrigou! -- tremia ainda mais -- Eu não queria... Ana behebbak, al Hayawaan! (Eu amo você, o animal!) -- olhava para a irmã -- Não queria... -- chorava -- AHAHAHAHAH!!!! -- gritou desesperado

 

--Calma, ya habibi! -- puxou-o para um abraço -- Calma... -- acolheu-o em seus braços -- Você não teve culpa, akhuuya (meu irmão), não teve...”

 

--Então... Ele... -- sentia-se perdida -- Oh, Aba... (Oh, Meu Pai...) Meu Khaled, awlaadii (minha criança)... -- fechou os olhos -- "O que é isso que sinto agora, meu Deus?” -- perguntava-se

 

--Zinara... -- Clarice acariciava o rosto da amada sem saber o que dizer

 

--Com o passar dos anos, Khaled se via perseguido pelo homem que matou. -- continuava contando -- Ele via o rosto de Gerard, ouvia sua voz dizendo coisas dentro da mente e ficava ainda mais confuso. -- deslizou as mãos sobre a mesa -- Naquela época eu não acreditava em processos obsessivos e entendia que tais alucinações deveriam ser tratadas a base de remédios de uso controlado... -- suspirou -- Khaled vivia arrependimentos atrozes por ter se transformado num assassino...

 

--NÃO OUSE CHAMÁ-LO ASSIM! -- avançou em direção ao psiquiatra com o dedo em riste no rosto dele -- VOCÊ DOPAVA ELE COM AQUELE MALDITO COQUETEL E ACABAVA COM O COITADO NAQUELAS INFELIZES SESSÕES DE ELETROCHOQUE! -- acusou agressivamente

 

--Calma, querida, calma! -- a paleoceanógrafa segurou-a pelos ombros buscando acalmá-la -- Por favor, não faça nada pra se arrepender depois! -- pediu aflita

 

--Prozac, Zoloft, Paxil, Celexa, Valium, Ritalina, Ambien, acha que eu não lembro? -- perguntou agressivamente -- O assassino aqui é você, desgraçado! -- falava com ódio -- Gaatak niila, Viegas! (Vá para o inferno, Viegas!) Gaatak niila!! -- chorava

 

--Amor, por favor! -- Clarice buscava acalmá-la -- Não! -- pedia aflita

 

--Sim, eu sou um assassino! -- concordou emocionado e envergonhado -- E escondi de vocês uma coisa muito importante! -- preparava-se para falar

 

--Você roubou de nós algo ainda mais importante, miserável! -- segurou-o pelo colarinho -- Você tirou ele de nós! -- chorava com tristeza e revolta -- Meu Khaled, meu menino... awlaadii (minha criança)... -- estava a ponto de bater no homem -- Pra mim ele sempre seria um menino...

 

--Zinara, não! -- Clarice tentava afastá-la do homem

 

--Parem com isso! -- dois enfermeiros se aproximavam correndo

 

A morena soltou o homem e se afastou agoniada. Olhou para Clarice e seguiu rapidamente em direção a saída.

 

--O que aconteceu aqui? -- um dos enfermeiros perguntou de cara feia -- Ela não podia fazer isso com o paciente!

 

--Chama a polícia! -- o outro ordenou

 

--Não façam isso! -- pediu ao derramar uma lágrima -- Foi culpa minha! -- Viegas assumiu -- Eu a ofendi! -- mentiu para proteger Zinara -- Moça, -- olhou para Clarice -- convença ela a voltar aqui. -- pediu com olhos marejados -- Há mais coisa que eu preciso revelar! E é muito, mas muito importante! -- enfatizou

 

Clarice não disse coisa alguma e correu atrás de sua amada. “Deus, por favor, ajude Zinara a se acalmar!” -- pedia mentalmente -- "Eu Lhe imploro, por favor, ajude!” -- estava emocionada também

 

“Eu saí do manicômio como se estivesse louca, Kitaabii. Uma vez na rua, corri sem destino certo. Uma parte de mim, a que mantinha certa lucidez, tinha pena de Clarice que deveria estar aflita naquele momento. Outra parte, a dominante, apenas ouvia gritos, choro e bombas...”

 

Bombas explodem...

 

“As crises de Khaled, seus momentos de depressão, os gritos... As sessões de eletrochoque... Eu lembrava daquele sofrimento, Kitaabii, e me sentia culpada, dilacerada por dentro, suja e cruel. Enquanto Khaled sofria, eu vivia na cidade porque precisava estudar. Não acompanhei seu martírio de perto como deveria, não segurei sua mão à noite para que dormisse e nem atendi quando ele me chamava. Estava longe, não poderia ouvir...

 

Até hoje às vezes me pergunto até que ponto fui certa ou errada quando saí da roça para estudar em Gyn. Às vezes me pergunto se devia mesmo ter ido para São Sebastião por causa da faculdade. Às vezes me pergunto se não fui egoísta por buscar construir uma carreira que julguei ser o caminho honesto para crescer, progredir e ajudar usritii (minha família).

 

Até que ponto não foi uma fuga, Kitaabii? Até que ponto vai minha responsabilidade sobre o que aconteceu?”

 

Bombas explodem, gritos, sofrimento...

 

“Às vezes me pergunto se inconsciente eu criei o câncer que me consome para punir a mim mesma por ter ficado tão longe quando deveria ter estado mais perto...

 

Responda, Kitaabii! Responda, porque essas dúvidas me consomem há anos...”

 

Zinara corria desnorteada por uma triste rua de Coriteba.

 

***

 

Zinara e Clarice estavam na cama. A astrônoma repousava no aconchego do colo de sua namorada, que lhe afagava os cabelos.

 

--Somente você pra acalmar meu coração, Sahar... -- confessou com os olhos fechados -- Somente você...

 

--Já passou a dor de cabeça, amor? -- beijou a testa dela -- E a cólica?

 

--Aywah, habibi. (Sim, querida.) -- suspirou -- Graças a Deus e a você. Chukran! (Obrigada!) -- sorriu

 

--Não me agradeça porque não tenho esse poder, meu amor. -- beijou a cabeça da morena e passou uns segundos calada -- E como você se sente agora? -- perguntou com jeito -- Depois do reencontro com Viegas, depois de ouvir o que ele falou?

 

Abriu os olhos e suspirou. -- Sinto uma tristeza imensa... -- desvencilhou-se com jeito e sentou na cama -- Não queria que Khaled tivesse tantos traumas e tampouco que suas mãos estivessem sujas de sangue... -- olhava para as próprias mãos -- O maior desejo de baba era que nenhum de nós nunca... -- não completou a frase e olhou para Clarice -- Eu nunca vou dizer a ninguém de usritii (minha família) que foi Khaled que matou aquele homem. Abadan! (Nunca!) -- prometeu -- Mesmo sabendo que ele fez isso por legítima defesa! Wallahi! (Eu juro!)

 

--É um segredo que morrerá com nós três: Viegas, você e eu! -- afirmou com muita verdade -- Não há porque expor seu irmão depois de tantos anos. Ainda mais uma pessoa que não tá aqui pra se defender!

 

Balançou a cabeça concordando. -- Não o julgo, mas lamento demais... -- voltou a se deitar -- E a conclusão inevitável de tudo isso é uma só: não sei como um dia serei capaz de perdoar esse homem... Viegas! -- pronunciou o nome com desprezo -- Sei que preciso, Youssef pediu, mas acho que é demais pra mim! -- assumiu -- "Mas até que ponto eu condeno Viegas pelo que ele fez? Até que ponto eu não estaria apenas jogando nas costas dele minha própria culpa?” -- pensou em desabafar sobre tudo que sentia, mas não teve coragem -- Vem aqui, Sahar? -- pediu com carinho -- Tacaalii? Min fadlik! (Vem? Por favor!)

 

Clarice sorriu e se acomodou nos braços de seu amor. -- O tempo vai te ajudar, meu bem. -- abraçou a cintura da amante -- Você já escalou outras montanhas difíceis! Esta será mais uma!

 

Zinara gostou da figura de linguagem e sorriu. -- Inshallah! (Se Deus quiser!) -- pausou brevemente -- E... perdoe-me por ter saído correndo como louca pelas ruas, deixando você tão aflita e preocupada! -- estava envergonhada -- É a segunda vez que faço isso na sua presença, -- lembrava do que aconteceu durante a visita do Papa -- mas perco a razão... Eu não sou muito normal...

 

--Não diga que não é muito normal! -- ralhou com jeito -- E não precisa se desculpar. Eu entendo! Juro que entendo!

 

A morena beijou a cabeça da amada e ficou quieta.

 

--Viegas me pediu muito humildemente pra te convencer a voltar a procurá-lo. -- a paleoceanógrafa comentou -- Parece que há mais coisas a serem ditas e são coisas importantes! -- a astrônoma permaneceu calada -- Eu não o conheci na época em que ele tratava de Khaled, mas tenho certeza que aquele homem que te marcou tanto não existe mais! Viegas mudou, meu amor! E ele quer reparar seus erros! -- tentava fazê-la ver o psiquiatra com outros olhos -- Talvez a loucura de Viegas seja nada menos que um violento processo obsessivo, onde os espíritos de pacientes desencarnados busquem por vingança!

 

--Possivelmente... -- considerou -- Talvez Khaled seja ou tenha sido um deles... -- conjecturava -- Mas naquele momento os obsessores não estavam lá. Do contrário, Viegas estaria em crise e nós sentiríamos a perturbação.

 

--Talvez Youssef tenha preparado os caminhos... -- especulou -- Tem muita gente orando pra que tudo aqui dê certo e os Emissários do Bem não ficam indiferentes.

 

--É verdade... -- acariciava os cabelos de Clarice -- É verdade... -- concordava pensativa -- Sahar... Que sorte a minha que Deus me permitiu amanhecer nestes dias... -- abraçou-a com força e carinho -- Ana kol elly etmaneeto ya habibi fed-donya deefe hawak shofto w Haseeto awel ma ‘aeineek betnaady! (Tudo que eu desejei do mundo inteiro eu encontrei e senti no seu amor desde que seus olhos me chamaram!) -- afirmou apaixonadamente

 

Sorriu e levantou a cabeça para olhar o rosto da outra. -- Até mesmo quando sofre você quer me derreter, não é, sua caipira danada? -- brincou para descontrair

 

--Não é isso, Sahar! -- segurou o rosto dela -- Eu apenas me declaro pra você porque te amo e desejo que saiba o quanto sua presença me faz bem. Se não estivesse aqui, nem sei como eu estaria agora! -- confessou com gratidão -- Não sei porque quis vir, é um desgaste emocional enorme, mas eu só tenho que agradecer! Muito obrigada! Chukran, ya habibi! Rahimaka Allah! (Obrigada, querida! Deus te abençoe!) -- beijou-a com amor

 

--Al’afw! (Não há porque agradecer!) -- respondeu sorrindo

 

--E ainda fala a língua de Cedro! -- beijou-a novamente -- Behebbik ya, Sahar! (Eu te amo, Amanhecer!) -- declarou-se mais uma vez

 

--Ana fy knt, wknt fy ly wallh fyna! (Eu em você, você em mim e Deus em nós!) -- recitou a frase delas e a beijou

 

CAPÍTULO 82 – A Sabedoria dos Cabelos Brancos

 

Raed olhava sem ver a paisagem diante de si, totalmente perdido em seus pensamentos. Sentado em um banquinho de madeira, escutava o barulho dos pássaros que se despediam fazendo algazarra nos céus de Guaiás.

 

--Ocê tá si alembrandu daquela época, num é? -- Amina se aproximou devagar -- Daquelis tempu difícir das crisi di Khaled... -- puxou um banquinho e se sentou

 

--Eu pidi a Virgi pra Zinara cunsigui prosiá mais o médicu miserentu modi fazê cunformi Youssef pidiu. -- respondeu sem olhar para a esposa

 

--E nissu acabô si alembrandu daquelis tempu e chorô... -- concluiu

 

--AHHa, muié, qui é issu? -- ajeitou-se todo e fez cara feia -- E eu lá sô homi di chorá? Raed Raja chorá é coisa difícir pur dimais da conta! -- gesticulou -- E eu só chorei lá im São Sebastião purque a visita do Santu Papa mi emocionô, foi issu! -- permanecia sem olhar para Amina -- Aprindi inda mininu qui homi num chora, num sabi?

 

--Meus cabelu brancu já mi insinaru qui nem tudu qui si aprendi é certu... -- tocou o rosto dele com delicadeza -- Num é vergonha prum homi chorá, zogii (meu marido)... Khaled era teu fio... nossu fio...

 

--Cadê ya Leda? -- perguntou para desconversar -- Ocê e ela vivi num prosiadu só e agora fica a muié aí sozinha! -- levantou-se rapidamente -- Ahmed já chegô da loja? Sabi si ganhô o impregu? -- não sabia o que fazer com as mãos -- Cadê us mininu tudu?

 

--Ya Leda tá si divirtindu cum Ahmed Mateus e o netu dela tá brincandu cum us ôtro fio di Ahmed, qui inda num vortô. -- prestava atenção no homem -- Ela sabi qui eu vim prosiá mais ocê e num si amufina cum issu. -- bateu no banquinho que ele deixou -- Vorta aqui, homi? Venha? -- pediu gentilmente -- Vem prosiá mais eu.

 

Raed hesitou um pouco mas acabou fazendo o que Amina pediu. Sentou-se de cabeça baixa e passou uma das mãos sobre os olhos discretamente. -- Eu mi alembrei di nossu mininu... -- balançou a cabeça e sorriu -- Como si hovéssi argum dia im qui num mi alembrassi di Youssef ô Khaled... -- pausou brevemente -- Ô argum dia im qui num mi alembrassi di Hassan, Jamal, Leila, baba, Zahirah, Farida, maama... -- emocionou-se -- É muita sardadi prum homi só... Eu sempri mi alembru...

 

--Também mi alembru di todus elis e di maama, baba... Só qui alembrá di meus fio é a sardadi qui mais mi dói. -- afirmou melancolicamente

 

--Perdê um fio é dô pur dimais da conta... E no casu di Khaled foi... -- seus olhos marejaram -- inda pió...

 

--Ocê si senti curpadu, num é, Raed? -- olhava para ele -- Curpadu pelu qui acunticeu cum o mininu...

 

Olhou para a mulher e respondeu com uma lágrima.

 

--Mas ocê num é! -- afirmou com delicadeza -- Ocê quiria ajudá nossu fio e nunca qui ia sabê qui o médicu mais famosu e recomendadu pelu povu era um marditu safadu!

 

--Zinara mi avisô qui tinha arguma coisa isquisita cum o tratamentu e eu num oví... -- controlava-se para não chorar

 

--Purque pra ocê ela era só uma minina qui num pudia sabê mais qui um médicu! -- argumentou -- Eu num dizia nada, mais também ficava aguniada sem sabê quem tava cum a razão!

 

--Eu num levei im cunsideração o qui ela dizia pur causu di meu orguiu di homi. -- assumiu envergonhado -- E quandu eu mi apercebi dus trem, já era tardi dimais... -- lamentou -- Eu fui curpadu, sim, Amina! -- derramou outra lágrima -- Eu fui...

 

--Intão eu também fui curpada pur tê ficadu quéta, comu sempri fiquei quéta na maió parti di minha vida... -- sentiu uma pontada de dor

 

--Ocê não... Eu! -- bateu no peito -- As dicisão sempre foru minha! -- levantou-se novamente

 

--Raed... -- Amina se levantou também -- ocê inda guarda nu peitu a mágua das coisa qui Zinara ti dissi quandu Khaled morreu, num é? -- queria saber

 

--Pur que buscá essis assuntu, muié? -- fazia força para não se entregar à imensa vontade de chorar que tomava conta de si

 

--Ocê também num perduô ela pur tê ficadu longi naquelis tempu, num foi? -- insistia

 

--Amina... -- secou os olhos com as mãos novamente

 

--Mi diz, homi! -- pediu

 

--Laa acrif! (Eu não sei!) -- respondeu chorando ao se virar de frente para a mulher -- Eu num sei... -- soluçava -- Eu também dissi tanta coisa pra ela, eu num dexei ela vortá pra casa nu natar, eu sempri... eu sempri fiz tudu erradu... -- chorava como um menino

 

--Tacaalii? (Vem?) -- abriu os braços e o acolheu com carinho -- Ô, zogii (meu marido)... -- acariciava a cabeça dele -- Eu também mi arrependu di muita coisa, homi, mais agora num adianta mais, já passô...

 

--Eu tenhu tanta sardadi... Quiria tantu qui meus fio vortasse a sê mininu... -- continuava chorando -- E Zinara inda tá duenti...

 

--E é pur issu qui ocês têm qui prosiá mais, si isforçá mais modi dá um fim nessa consumição toda... -- aconselhava -- Zinara também senti curpa, homi. -- acariciava as costas dele -- Ela também sofri qui chega dói... E ela também si arrependi pelu qui feiz e falô...

 

--Zinara nunca qui dissi issu... -- objetou falando como criança

 

--Ela num pricisa dizê... Tem coisa qui uma maama simplismenti sabi...

 

***

 

Clarice e Zinara passeavam de mãos dadas no Memorial Al Arb.

 

--Adoro os parques de Coriteba! -- a astrônoma comentou sorridente -- E hoje o dia tá tão lindo, né? Jayed jedan! (Muito bom!)

 

--Sim! -- concordou animada -- E passear num parque desses revigora a alma! Receber as boas energias da natureza, fluídos de vida, de paz...

 

--Acho que graças às orações e a esse ambiente já me sinto bem melhor! -- olhou para Clarice -- E ver o amanhecer todo dia tão de perto também tem me feito um bem indescritível! -- sorriu e beijou-lhe o rosto rapidamente

 

A paleoceanógrafa sabia que ela era o amanhecer sobre o qual Zinara se referia. -- Hum, minha fofinha! -- beliscou o braço da morena de leve -- Não fica me dizendo essas coisas que eu morro de vontade de te beijar e aqui não pode!

 

Suspirou. -- Também adoraria al bousa ala shafayef (um beijo nos lábios) agora! Se o parque estivesse vazio...

 

“Gente!” -- arregalou os olhos -- "Justo Zinara teria coragem de fazer aqui, ao ar livre, assim, no meio do parque?” -- pensou surpreendida -- "Acho que minha bousa enlouqueceu essa mulher!” -- ficou toda prosa

 

--Sabe, Sahar? Depois de três dias longe de Viegas acho que posso tentar conversar com ele novamente de modo equilibrado. -- anunciou -- Telefono amanhã e pergunto se será possível vê-lo amanhã mesmo ou depois. -- pausou brevemente -- Isso é, se me deixarem voltar depois do que fiz... -- comentou envergonhada

 

--Viegas disse pro enfermeiro que te ofendeu e por isso você reagiu mal. -- lembrava -- Acho que vai dar tudo certo. De mais a mais, orei muito pra que os dois ficassem bem e que um novo encontro fosse possível.

 

--Também orei... -- pausou brevemente -- Além do mais já estamos há seis dias na casa de Fabrise e não posso me dar ao luxo de ficar enrolando pra resolver isso.

 

--Você não tá enrolando! É uma situação extremamente difícil e delicada! -- argumentou -- Por isso não se resolve rápida e objetivamente. -- passou a mão nos cabelos -- Fabrise volta amanhã, né?

 

--Aywah! (Sim!) Parece que chegará à tarde. -- bateu com o ombro no da namorada de leve -- Vamos fazer aquele jantar pra ela?

 

--Claro! -- concordou de pronto -- Vamos fazer aquele peixinho grelhado com a salada de quínoa? Daquela receita que te comentei! -- lembrava

 

--Seus desejos são ordens, Sahar! -- beijou o rosto dela novamente

 

--Adoro quando você fica assim, sabe? -- abraçou-se no braço da morena

 

--Assim como? Aos seus pés?

 

--Feliz, sua boba! -- achou graça -- Sofro muito quando você fica triste!

 

Zinara parou de andar e segurou uma das mãos de Clarice. -- Você é uma pessoa boa, Sahar! Seu coração é puro e cheio de amor! -- olhava nos olhos -- Por isso se importa, por isso se envolve tanto! -- tocou o rosto dela com devoção -- E é por ter recebido a honra do seu amor que desejo compartilhar tudo de mim! -- pegou um pen drive no bolso da calça -- Aprendi com Zahirah que era importante escrever sobre os dias, sobre nossa vida, mas depois que ela se foi, perdi o hábito de manter um Yoom Kitaab (Livro dos Dias) e passei longos anos sem escrever. -- entregou o pen drive a namorada -- Voltei a registrar minhas memórias e fiz uma espécie de versão resumida, dentro das possibilidades. -- sorriu -- Do que escrevi até agora, tá tudo aí. Queria que lesse... gostaria muito...

 

--Será uma honra, meu amor! -- guardou na bolsa como se fosse um tesouro -- Juro que vou ler com muita atenção!

 

--Sou muito melhor escrevendo que falando. Quer dizer, não digo que eu escrevo bem, mas é que... Acho que é a forma de expressão mais fácil pra mim. -- pausou brevemente -- Quero que saiba quem realmente sou, o que vai na minha alma e no meu coração...

 

--Mesmo sem ler, já sei muita coisa de você, meu bem. -- tocou o rosto da astrônoma com delicadeza -- Mas também sei que há muito de Zinara que você não mostra pra ninguém... -- acariciava de leve -- Você vive cheia de segredos e, às vezes, me parece que escondeu tudo tão bem guardadinho aí dentro, que não sabe mais onde encontrar a chave pra abrir o cadeado...

 

--Abre pra mim? -- pediu humildemente

 

--Ana cawza! (Eu quero!) -- não resistiu mais e beijou-a nos lábios, sem se importar com a presença alheia

 

E ninguém, dentre os poucos presentes no parque, deu atenção...

 

Mas os dois corações viraram um só.

 

 

Fim do capítulo


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Comentários para 22 - SEGREDOS:
Samirao
Samirao

Em: 09/10/2023

Ce quer? Deixo o cadeado escancarado! Huahuahua 


Solitudine

Solitudine Em: 11/11/2023 Autora da história
kkkkkkkkkkk


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Samirao
Samirao

Em: 09/10/2023

Somos nós cheias de segredos habibem... cadê a chave dos cadeados??


Solitudine

Solitudine Em: 11/11/2023 Autora da história
Também procuro! kkkk


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Femines666
Femines666

Em: 16/03/2023

A história do Khaled corta a alma da gente. E Zinara, que pessoa linda! Só mesmo Clarice tem grandeza pra ela!

E tantos segredos! Ansiosa acompanhando!


Resposta do autor:

Obrigada por gostar e se envolver com as personagens. 

Khaled é o reflexo de muitas pessoas ao redor do mundo. Infelizmente.

Beijos,

Sol

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Alexape
Alexape

Em: 31/12/2022

Meu Deus coração à mil! Viegas, quanta merda você fez!! PS: Perdi comentários e me estressei. Volto amanhã. Feliz ano novo!


Resposta do autor:

kkkkkk Sem estresse!

Viegas teve muitos motivos para se arrepender e sofrer.

Feliz 2023!!!

Beijos,

Sol

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Seyyed
Seyyed

Em: 19/09/2022

Mil emoções diferentes num só conto num só capítulo. Podia dizer muita coisa mas tô puta com Viegas. Que mais ele esconde? Kaled matou o pedófilo? Desculpa mas BEM FEITO LI tão rápido na ansiedade que vou até reler


Resposta do autor:

Olá querida!

Khaled fez o que seus confusos sentimentos mandaram. Mas é uma razão a perturbá-lo porque ninguém sai impune de um assassinato ainda que por legítima defesa. Não é Deus a punir, mas a consciência e as energias da Vida. Só que ninguém está esquecido por Ele.

Esse capítulo é bem intenso.

Beijos,

Sol

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Zaha
Zaha

Em: 09/04/2018

Sadikii, volteiiiiiiii!!!!


Nossa, ainda bem que esse capítulo teve parte engraçada..dona Leda alegra tudo.
Vou te dizer...a parte de Khaled me afeta um monte...
Cada parte que leio da infância  de Zinara fica martelando na minha cabeça por meses...
É tão triste  pensar no que aconteceu com Khaled   Que se meteu no seu mundo e de lá n saiu mais. E que não conseguiu se relacionar com outras pessoas, fazer amizades. Um espírito tao sensível e atormentado pelas experiencias duras que teve q passar entao tenra idade. 
 Zinara e  Youssef foram sem dúvida sua maior perda, a quem estavam profundamente ligados, Zinara sempre deu essa sensação de proteção pra ele, de fortaleza , acho que até fez o papel de  mãe, para os dois, e acho que Youssef lhe trazia um pouco de paz com seu jeito calmo e doce.  
 Aí Youssef se foi e depois Zinara foi estudar longe...quem poderia aguentar com tanta dor ,perdendo a única q estava perto de entender sua dor? Eu vejo assim...
Nao tem como um nao colocar seu coração nessa estória/ história 
Dedico esse capítulo a  memória de todos os khaleds , todo meu carinho e minhas melhores vibrações de amor, forca e conforto a seus espiritos, tanto pros encarnados ou desencarnados.

Raed chorado... que homem forte que sofreu viu,sim,ele se mostra duro e frio, mas por dentro tem um bom coração e ama do seu jeito ...

Perder dois filhos e ver sua única filha doente, é dor por demais da conta!! Ainda se sentir culpado por não ter feito diferente. Ninguém teve culpa, nem ele, nem Zinara. Cada um atuou de acordo com o que pensava ser o melhor naquele momento e envolvidos cada um com  seus sentimentos. 
As vezes pensamos no " se fizéssemos isso", " se fizéssemos aquilo", e sofremos mais por algo que não voltará. Naquele tempo Raed era outra pessoa, devemos deixar o passado e olhar pro agora e  o que podemos fazer com as consequências de nossas ações. Admitir e perdoar é o primeiro passo e depois de um longo processo, substituir essa dor por amor e nos perdoar TB para que possamos viver em paz.(queria dizer de outro jeito, mas saiu assim.....)
Zinara é uma mulher cheia de dores, culpas, ressentimentos ...cheia de câncer. Ele n está apenas no pâncreas ....necessita 
deixar ir todos esses sentimentos e emoções tóxicas e perdoar quem a fez mal de alguma forma

Zahira foi uma luz na vida de Zinara , lhe deu muito amor, passou valores fortes, ensinou ver as coisas de um jeito mais agradável ..embelezou a vida dela mesmo no meio da guerra .
 Olívia foi outra é acalmou as bombas por um tempo, primeiro amor(Zahira n conta  rs e n sei MT oq dizer de Olívia rs, mas sei q foi um anjo pra Zinara num momento que precisou muito, estava sozinha em "outro mundo").
Clarice, tirou Zinara da escuridão, encheu ela de amanheceres lindos. Esse amor lindo delas que muitos querem, mas não encontram... Clarice com seu coração puro, sua alma leve mostrou a Zinara outra realidade... Esse amor que dar forças pra seguir e superar, amor que a fez confiar a ponto de poder falar de seus sentimentos e querer mostrar seu interior através do seu diário .

 Espero que ela possa parar de esconder seus sentimentos, ao menos pra Clarice ...se bem , que fará ainda. Essa mania de sofrer sozinha....e com isso fazer piradices!!!! Rummm
Sou péssima c as palavras e certamente n cheguei c a intensidade que gostaria, mas o significado é igual...
Amiga querida, te envio vibrações de amor, cuidado e esperança para os momentos que logo virão , te envio reposição energética TB.
Te deixo meu carinho sincero   Beijo de luz e até breve!
Ps: Queria dizer umas coisas sobre a forma de lidar c a dor no caso de Khaled e os irmaos, mas esqueci o que li de um escritor espírita sobre a formacao da personalidade mesmo antes do espírito se ligar ao corpo, durante a gestacao e tinha visto um teoria psico tb sobre a formacao da personalidade durante a gestacao..eram essas duas visoes e queria articular com o que li aqui . Deixar essas minahs analises loucas,mas esqueci. Ce n lembra o nome do livro nao, fi??! Ce já leu tudo, né?! rs Tipo:saiu em pdf ou impresso, ce ta lendo rsrs.2020 vc me diz!! Vai tá mais tranqui a coisa até lá! OJALÁ!! ...kkkkkkk. Espero q tenha copiado o texto certo desde meu e-mail. Fiz 3 comentários diferentes..kkkkkkk 
Fui!

Resposta do autor:

Nossa, Lailinha, você agora foi perfeita! Como poderia adivinhar que eu responderia somente em 2020? Já vi que minha lerdeza neste mundo lésbico virtual anda, além de tudo, previsível! kkkk

O drama da família de Zinara, com as crianças marcadas e traumatizadas pela guerra, e os adultos despedaçados sem saber o que fazer, é mais real que qualquer coisa que se possa pensar. Acho que os dramas têm se intensificado nestes tempos, inclusive com o surgimento de grandes pandemias e o planeta, vez por outra, convulsionando.

Zinara (e eu) temos esta mania de, como você diz. sofrer sozinhas. São coisas a se trabalhar... Mas, certamente, ela é mais explosiva em suas atitudes impensadas.

Achei interessante colocar estas questões para vocês fazerem uma auto análise e verem até onde se martirizam e como lidam com o sofrimento e com os sucessos. Não somente a fase ruim pode ser mal vivenciada!

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Gabi2020
Gabi2020

Em: 17/05/2020

Olá Solzinha tudo certo?

 

Muito sábia dona Amina, passou anos e anos à sombra do marido e depois de muito tempo deu o grito de liberdade e hoje quem anda Quanto a Raed, ele sabe.

 

Sahar e Zinara...

 

Cátia se ferrou legal e nem tenho pena.

 

Dona Najla e seu Marco, que bonito o amor deles, bonitinho eles envergonhados.

 

A história de Khaled é uma das mais tristes que já ouvi.

 

 

 

 

Beijos 


Resposta do autor:

Olá Gabinha,

Ya Amina aprendeu a se ver como alguém digna de espaço de fala, vontades, desejos e direitos, não só deveres. O resto veio por acréscimo. E ya Raed sabia que tudo era justo e devido, por isso se curvou à realidade tão facilmente.

Cátia não é para se ter pena mesmo. Ela planta, ela colhe. Funciona assim com todos nós, mas ela tem plantado um bocado mal.

Khaled é uma página de triste.

E Zinara e Clarice são duas meninas grandes conhecendo o amor de verdade pela primeira vez.

 

Beijos,

Sol

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Sem cadastro
Sem cadastro

Em: 09/04/2018

Sadikii, volteiiiiiiii!!!!


Nossa, ainda bem que esse capítulo teve parte engraçada..dona Leda alegra tudo.
Vou te dizer...a parte de Khaled me afeta um monte...
Cada parte que leio da infância  de Zinara fica martelando na minha cabeça por meses...
É tão triste  pensar no que aconteceu com Khaled   Que se meteu no seu mundo e de lá n saiu mais. E que não conseguiu se relacionar com outras pessoas, fazer amizades. Um espírito tao sensível e atormentado pelas experiencias duras que teve q passar entao tenra idade. 
 Zinara e  Youssef foram sem dúvida sua maior perda, a quem estavam profundamente ligados, Zinara sempre deu essa sensação de proteção pra ele, de fortaleza , acho que até fez o papel de  mãe, para os dois, e acho que Youssef lhe trazia um pouco de paz com seu jeito calmo e doce.  
 Aí Youssef se foi e depois Zinara foi estudar longe...quem poderia aguentar com tanta dor ,perdendo a única q estava perto de entender sua dor? Eu vejo assim...
Nao tem como um nao colocar seu coração nessa estória/ história 
Dedico esse capítulo a  memória de todos os khaleds , todo meu carinho e minhas melhores vibrações de amor, forca e conforto a seus espiritos, tanto pros encarnados ou desencarnados.

Raed chorado... que homem forte que sofreu viu,sim,ele se mostra duro e frio, mas por dentro tem um bom coração e ama do seu jeito ...

Perder dois filhos e ver sua única filha doente, é dor por demais da conta!! Ainda se sentir culpado por não ter feito diferente. Ninguém teve culpa, nem ele, nem Zinara. Cada um atuou de acordo com o que pensava ser o melhor naquele momento e envolvidos cada um com  seus sentimentos. 
As vezes pensamos no " se fizéssemos isso", " se fizéssemos aquilo", e sofremos mais por algo que não voltará. Naquele tempo Raed era outra pessoa, devemos deixar o passado e olhar pro agora e  o que podemos fazer com as consequências de nossas ações. Admitir e perdoar é o primeiro passo e depois de um longo processo, substituir essa dor por amor e nos perdoar TB para que possamos viver em paz.(queria dizer de outro jeito, mas saiu assim.....)
Zinara é uma mulher cheia de dores, culpas, ressentimentos ...cheia de câncer. Ele n está apenas no pâncreas ....necessita 
deixar ir todos esses sentimentos e emoções tóxicas e perdoar quem a fez mal de alguma forma

Zahira foi uma luz na vida de Zinara , lhe deu muito amor, passou valores fortes, ensinou ver as coisas de um jeito mais agradável ..embelezou a vida dela mesmo no meio da guerra .
 Olívia foi outra é acalmou as bombas por um tempo, primeiro amor(Zahira n conta  rs e n sei MT oq dizer de Olívia rs, mas sei q foi um anjo pra Zinara num momento que precisou muito, estava sozinha em "outro mundo").
Clarice, tirou Zinara da escuridão, encheu ela de amanheceres lindos. Esse amor lindo delas que muitos querem, mas não encontram... Clarice com seu coração puro, sua alma leve mostrou a Zinara outra realidade... Esse amor que dar forças pra seguir e superar, amor que a fez confiar a ponto de poder falar de seus sentimentos e querer mostrar seu interior através do seu diário .

 Espero que ela possa parar de esconder seus sentimentos, ao menos pra Clarice ...se bem , que fará ainda. Essa mania de sofrer sozinha....e com isso fazer piradices!!!! Rummm
Sou péssima c as palavras e certamente n cheguei c a intensidade que gostaria, mas o significado é igual...
Amiga querida, te envio vibrações de amor, cuidado e esperança para os momentos que logo virão , te envio reposição energética TB.
Te deixo meu carinho sincero   Beijo de luz e até breve!
Ps: Queria dizer umas coisas sobre a forma de lidar c a dor no caso de Khaled e os irmaos, mas esqueci o que li de um escritor espírita sobre a formacao da personalidade mesmo antes do espírito se ligar ao corpo, durante a gestacao e tinha visto um teoria psico tb sobre a formacao da personalidade durante a gestacao..eram essas duas visoes e queria articular com o que li aqui . Deixar essas minahs analises loucas,mas esqueci. Ce n lembra o nome do livro nao, fi??! Ce já leu tudo, né?! rs Tipo:saiu em pdf ou impresso, ce ta lendo rsrs.2020 vc me diz!! Vai tá mais tranqui a coisa até lá! OJALÁ!! ...kkkkkkk. Espero q tenha copiado o texto certo desde meu e-mail. Fiz 3 comentários diferentes..kkkkkkk 
Fui!

Resposta do autor:

Nossa, Lailinha, você agora foi perfeita! Como poderia adivinhar que eu responderia somente em 2020? Já vi que minha lerdeza neste mundo lésbico virtual anda, além de tudo, previsível! kkkk

O drama da família de Zinara, com as crianças marcadas e traumatizadas pela guerra, e os adultos despedaçados sem saber o que fazer, é mais real que qualquer coisa que se possa pensar. Acho que os dramas têm se intensificado nestes tempos, inclusive com o surgimento de grandes pandemias e o planeta, vez por outra, convulsionando.

Zinara (e eu) temos esta mania de, como você diz. sofrer sozinhas. São coisas a se trabalhar... Mas, certamente, ela é mais explosiva em suas atitudes impensadas.

Achei interessante colocar estas questões para vocês fazerem uma auto análise e verem até onde se martirizam e como lidam com o sofrimento e com os sucessos. Não somente a fase ruim pode ser mal vivenciada!

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