As Cores do Paraíso - Capítulo 38

 

 

Gabriela acordou, pensou em tudo o que estava ocorrendo e achou estranho, principalmente porque escutou, sem compreender como, Larissa chorando. Ela veio visita-la e chorava muito. Por que não a acordou? Mas está chorando agora! Por que a escutava e não a via?

Ficou com muita pena dela. De Talita e das mães. Novamente estava longe delas. Primeiro estava na mansão do avô, agora no hospital, mas porque estava no hospital? Conforme dissera Munique, ela estava em coma. Porque estava no hospital?

Às vezes, via pessoas diferentes que a orientavam.

-- Calma, Gabriela! Seu corpo físico está em coma e seu estado é grave. Ore, pense em Deus!

Começou a ficar inquieta, a suar, sentiu suas mãos geladas. Passou a respirar com dificuldade e sentiu uma dorzinha no peito. Sentiu um pavor que a paralisou no leito e sentia uma sensação estranha.

Escutou o doutor dizer para Larissa que seu estado era grave, entrou num torpor, num sono estranho, com sonhos confusos.

-- Gabriela.... Fica comigo, meu amor! - Ouviu Larissa gritar.

-- Acho que piorei - pensou. Viu o túnel de novo, a luz, ansiou para ir para aquela claridade brilhante e foi. Munique apareceu novamente, lhe deu a mão e disse:

-- Mantenha-se calma e tranquila.

-- Já estou - respondeu.

-- Vamos aguardar, Gabriela. Tudo tem seu tempo - falou tranquilamente.

-- E esta dor está bem chata! -- resmungou aborrecida.

Munique pegou em sua mão. O que fez Gabriela sentir-se segura.

Outra dor forte, aguda, que deu a impressão de que algo explodia em seu peito; foi apagando, apagando, até que dormiu.

 

 

Na sala de espera Larissa chorava enquanto Talita tentava acalma-la.

-- O médico disse à Luísa, que ela está estabilizada agora. Ela sofreu uma parada cardíaca... -- respirou fundo e aconchegou-a mais contra si - Vamos orar Larissa. Tenta afastar essa sua revolta.

-- Não consigo, Tali - secou as lágrimas - Porque ela está passando por tudo isso?

-- Você quer buscar uma explicação para o sofrimento. Mas Deus não vai nos falar o porquê de estarmos sofrendo. Quando você perceber que os céus estão em silêncio, de uma coisa saiba: Deus está no controle. Nossa vida está nas mãos de um Deus todo poderoso e amoroso. A mulher de Jó se revoltou e desistiu de Deus. Ela se decepcionou e quis arrastar consigo o marido para as profundezas da incredulidade. A mensagem que Deus emitiu a Jó foi a seguinte: "Jó, você não precisa saber todos os porquês do seu sofrimento. Basta que você saiba quem é o Deus em cujas mãos está depositada a sua vida".

Larissa fungou e encostou a cabeça no peito de Talita. 

-- Eu não posso perde-la Tali. Vou enlouquecer se isso acontecer.

Talita encostou sua bochecha no topo da cabeça da ruiva. Não queria nem pensar na possibilidade de ficar sem a amiga-irmã. Olhou para Samanta e Luísa, elas estavam sofrendo muito. Enquanto Luísa tentava se manter forte, para cuidar de sua esposa, Samanta se transformou em um fantasma, estava sem motivação, esperança ou fé.

Talita fechou os olhos, e perdeu-se em si mesma. Queria acordar desse pesadelo.

 

Davi chegou esbaforido. Parou na porta olhando em volta. Parecia procurar alguém em especifico. Quando seus olhos encontraram Samanta em um canto da sala, caminhou receoso até ela.

-- Samanta...

As duas mulheres levantaram a cabeça e olharam admiradas para Davi.

-- O que você faz aqui Davi? - Luísa perguntou. Sua voz era dura e cortante.

-- Luísa, querendo você, ou não, ela é minha neta. Tenho todo direito de estar aqui.

A arquiteta apenas revirou os olhos e fez cara feia. Tinha consciência que não podia proibir o velho de estar alí. Gabriela gostava dele e, por incrível que pareça, o político parecia também gostar dela.

-- Como ela está? - Perguntou preocupado.

Samanta não deu muita atenção, mas Luísa viu sinceridade nos olhos do vô da filha. Ele estava realmente interessado no bem-estar dela.

-- Segundo o médico de plantão, o estado dela é crítico pois perdeu muito sangue. Foi feito a transfusão, mas ela teve convulsões e uma parada cardíaca. Agora estamos procurando doadores para repor o banco.

-- Eu também posso doar - ofereceu-se sem pestanejar.

-- Não... - Samanta sacudiu a mão no ar - Não precisamos de você.

-- Samanta...menos, por favor -- ela apertou os olhos e voltou a falar - Muito obrigada Davi, vamos precisar de toda ajuda possível.

-- Mas Luísa...

-- Sem, mas, Samanta - falou firme -- Não é o momento de ficarmos remoendo o passado. Nossa filha está correndo risco de morte, nada mais importa.

As palavras de Luísa trouxeram Samanta à triste realidade. Ela abaixou a cabeça, um pouco embaraçada.

-- Luísa, veja o que o meu segurança encontrou na garagem da casa da Gabriela - abriu a bolsa e mostrou o conteúdo - Tem alguma lanchonete aqui? Preciso te mostrar uma coisa...

 

 

Talita sentou ao lado de Alice, preocupada.

-- Como você está meu amor? -- fez um carinho na mão dela e deu um beijo em seu rosto.

-- Assustada - apertou a mão de Talita mesmo sem perceber -- Tenho a sensação de estar vivendo um sonho... ou pesadelo?

-- Também me sinto assim - olhou para Larissa que estava sentada com a cabeça apoiada no ombro de Fernanda - Precisamos convence-la a ir até o apartamento, tomar um banho, trocar de roupa e descansar um pouco.

-- Duvido que ela aceite.

-- Precisamos tentar. Todos nós precisamos descansar.

-- Tali - Fernanda se aproximou das duas - A enfermeira falou que usaram uma grande quantidade de sangue do banco do hospital e que nós precisamos repor o estoque. Vamos doar?

-- Vamos sim - levantou e puxou Alice pela mão - Depois vamos até o seu apartamento Larissa.

A ruiva a olhou sacudindo a cabeça negando.

-- Nada disso.... Daqui ninguém me tira.

-- Larissa me obedeça, se não conto tudo para a Gabi quando ela voltar.

-- Hum. Vamos ver - fez bico e deu de ombros.

 

 

Na lanchonete Davi mostrava os aparelhos para Samanta e Luísa.

-- Isso é incrível - Luísa disse rindo e Samanta também riu - Esse Tobias é um safado.

-- Eu sempre falava e você não acreditava.

-- Desculpa amor, mas só vendo para acreditar.

-- Por isso que naquele dia estava gravando a....

Davi olhou para Samanta e soltou um sorrisinho discreto.

-- É isso mesmo Samanta. A gravação está intacta. Me desculpe por invadir a sua privacidade, mas foi sem querer - tinha os olhos carregados de uma profunda tristeza.

Davi entregou o celular para Samanta.

-- Esse da gravação não é o meu Junior. Esse não é o pai da Gabriela. Junior era um rapaz bom, meigo, carinhoso. Gabriela é muito parecida com ele - suspirou buscando forças para continuar -- Nesse momento com certeza, ele estava possuído pelo demônio.  

Samanta levantou as mãos para cima e deu uma risada debochada.

-- Me poupe Davi. Não me venha com essa história de possessão demoníaca. Vocês e essa mania de sempre colocarem a culpa no diabo. Estou começando a ficar com pena dele.

-- Samanta! - Luísa ralhou com ela.

-- Tudo bem Luísa - Davi tocou a mão da arquiteta sobre a mesa - O demônio a que estava me referindo... era eu... Lúcifer simboliza a nossa inteligência voltada para o mal, contra o amor, contra Deus, isto é, a favor do chamado "pecado".

Samanta e Luísa se olharam admiradas com as palavras do senador. Aquele homem sentado à frente delas não lembrava em nada o Davi Simões de sempre, arrogante e dono da verdade. Ele tinha a voz mansa e os olhos humildes.

-- Junior foi influenciado por mim - continuou - Eu fui o culpado por tudo de ruim que meu filho fez. Eu, com toda a minha intolerância o empurrei a ser algo que ele não era. Não tenho o direito de pedir a você que me perdoe. Mas, mesmo assim pedirei. Gabriela me ensinou muitas coisas e entre uma delas é que: Se você não tem a pretensão de ser infalível, perdoe-se, peça perdão, liberte-se desse lixo chamado culpa, e siga em frente.

-- Ela tem razão. Só não admite erros a pessoa que se julga infalível, perfeita, acima do bem e do mal. E essa, certamente é uma pessoa infeliz. Se quisermos aprender a ser mais leves e menos presunçosos, observemos as crianças. Elas não têm vergonha de pedir desculpas, não guardam mágoa nem rancor.

Quando se machucam, elas choram.... Pedem socorro, reconhecem sua fragilidade...

Se não conseguem alcançar algo, pedem ajuda. Para entender as coisas, perguntam várias vezes. Quando sentem medo, admitem. Pulam no colo mais próximo ou se enroscam no pescoço do amigo ou irmão mais velho.

Isso se chama humildade, isso se chama pureza. Isso se chama sabedoria.

É por isso que as crianças aprendem. Elas não têm vergonha de ser aprendizes da vida.

Samanta também sentia a mesma necessidade de Simão. Aquela situação estava prejudicando a sua alma. Como pediria perdão de suas próprias faltas, se ela mesma não perdoava aos outros?

-- Claro que te perdoo Davi.... Quem sou eu para não perdoar?

Davi segurou a mão de Samanta e sorriu. Era como se tivesse tirado o peso do mundo das suas costas.

-- Obrigado.... Agora vamos ver a gravação... - ligou o vídeo e assistiram juntos o que poderia ser a prova de que Samanta agiu em legitima defesa.

A única imagem que tinham era a do teto branco, mas o som era perfeito.

Samanta gritava.

Davi Junior: -- Sua vagabunda nojenta. Achou que me enganaria pelo resto da vida? - Barulho de coisas caindo -- Quer dizer que esconderam a minha filha por todos esses anos em uma cidadezinha do interior?

Samanta: -- Como você descobriu? - Chorava.

Davi Junior: -- Sua querida Luísa estava sendo seguida e levou o detetive exatamente até onde a menina está - riso debochado - Nesse exato momento Gabriela está sentada na praça com uma amiga.

Samanta: -- Seu nojento...deixa a minha filha em paz - barulho de tapas. Pareciam estar travando uma luta corporal violenta.

Barulho de porta abrindo e a voz de Munique soou alto.

Munique: -- Larga essa arma.

Davi Junior: -- Ora, ora... mais uma para morrer...

De repente o som alto de tiros ecoou pelo local...

Samanta: -- NÃOOO...

Davi desligou o celular e entregou para Samanta.

-- Isso é tudo. Agora entregue para o seu advogado e deixe que ele se encarregue de sua defesa. Pelo que percebi foi meu filho quem atirou primeiro - lamentou de forma triste.

Luísa levantou sorrindo.

-- Acho que essa prova vai ser fundamental e decisiva. As coisas parecem estar entrando nos trilhos. Só falta minha filha vencer essa provação que Deus colocou em seu caminho e voltar para nós.

-- Ela vai - Davi também levantou - Vamos. Precisamos de notícias.

 

 

Gabriela acordou sentindo-se bem. Haviam tubos e aparelhos conectados ao seu corpo. Munique estava sentada ao lado do seu leito, sorriu e a cumprimentou: -- bom dia, Gabriela! Como se sente?

-- Saí do coma? O que me aconteceu?

-- Não. Você ainda não saiu do coma. Necessitamos de coragem e incentivo dos que amamos e se isso acontecer, é como receber um empurrão, um alento que nos dá vontade de estar bem para agradá-los - Munique pegou em sua mão e apertou.

-- Não estou recebendo esse incentivo?

-- Calma. Quando perceberem que nada na vida acontece por acaso e para tudo tem um motivo e uma solução. Dobrarão os joelhos e pedirão por você.

Não conseguia se mexer nem falar, mas via e ouvia. Munique afastou-se para um médico com voz agradável parar ao lado de seu leito. Sentiu quando ele pegou em sua mão.

-- Vamos lá, Gabriela, acorde! Daqui a pouco vou deixar uma pessoa muito especial entrar para te visitar. Sei que você é muito trabalhadora, não vá agora dar uma de preguiçosa - deu uma risada - Brincadeirinha. Sei que você é bem folgada. Mas, vamos reagir!

Gabriela tentou mexer-se, mas não conseguiu. Aproximou-se dela outra pessoa que a limpou, mas essa não conversou com ela e sim com uma outra enfermeira que estava no quarto.

-- Será mesmo, Dirce, que as pessoas em coma ouvem o que conversamos?

-- O doutor Cláudio acha que sim. Ele é espírita! Talvez seja por isso que ele é tão bondoso e caridoso. Conversa com os doentes em coma como se eles o escutassem. -- Acho que é por isso que o doutor Cláudio está sempre nos pedindo para termos pensamentos alegres, otimistas e tratarmos muito bem esses doentes.

De fato, doutor Cláudio, agora Gabriela sabia seu nome, era muito simpático. Continuava falando com ela, incentivando-a a reagir. Queria atendê-lo, mas não sabia como.

 

Chegou a visita especial. Era Larissa. Fez um carinho e a beijou, foi uma sensação agradável, muito gostosa. Falou com ela, disse que tudo estava bem e que a amava mais que tudo na vida.

Ainda viu Larissa passar as mãos nos seus cabelos, ajeitou-a na cama e a chamou: -- Gabi, meu amor! Volta pra mim. Eu a amo demais - começou a chorar compulsivamente.

Não chora, amor. Começou a sentir sensações estranhas que a deixavam confusa; desejava que passasse logo, mas não passava. Achava que não merecia estar ali se sentindo bem e os seus amigos, mães e Larissa, sofrendo por causa dela. Queria ir para perto deles; queria tanto, tanto que... uma lágrima rolou do seu olho.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Fim do capítulo