Agora sim, inédito! Vejam se não perdi a mão, tem mais de ano que não tocava nessa história! Todo comentário é bem vindo!
Obrigada pela ajuda, Eduarda.
CapÃtulo 10
Capítulo 18: Confusões
Quando acordei a casa estava em completo silêncio. Na sala a Júlia assistia o Lucas dormir com tanta ternura no olhar, que eu mesma me senti tocada com tanto carinho. Depois ela o pegou no colo, com cuidado, e só então se deu conta da minha presença.
- Boa noite, bela adormecida. – ela falou divertida.
- Boa noite, princesa encantada. – respondi com um sorriso, entrando na brincadeira.
- Princesa, eu? Acho que você ficou com sérias sequelas dessa sua doença do sono. Vou levar esse mocinho pra cama, já volto. – e assim ela foi em direção ao quarto… do Lucas. Ainda era estranho pensar nisso, mas estávamos ali na casa de uma quase deconhecida recebendo os cuidados, a atenção e o carinho que nunca tivemos antes.
Fui até a varanda, com a cabeça rodeada por aqueles pensamentos. Eu me sentia confusa, nunca pude contar com ninguém para cuidar do Lucas. As vezes a Neide ficava com ele, mas confiar mesmo em alguém, dividir problemas, esperar ser ajudada, nada daquilo era comum para mim. Mas a Julia, mesmo antes de eu conhecê-la, já me passava aquela sensação de conforto inexplicável.
- Por que princesa encantada? – disse a Julia já do meu lado, interrompendo meus pensamentos.
- Digamos que você me salvou da madrasta má. – continuei a brincadeira, olhando diretamente pra ela e para aqueles olhos sempre tão confiantes.
- Mas não consegui impedir que ela fizesse mal a você e ao Lucas. – ela falou devolvendo o olhar e com um pesar evidente.
- Mas estava lá, quando chamei, digo... – eu queria contar à ela sobre aquele dia que desmaiei na praia, respirei fundo e continuei - tem uma coisa que você não sabe. Na noite em que aconteceu aquilo ao Lucas eu saí andando por aí, sem rumo, e acabei vindo parar aqui, na praia, porque no fim das contas esse era o único lugar que eu ainda me sentia segura. E mesmo você não estando lá eu sabia, não, eu sentia que poderia contar com você, então antes de adormecer eu pedi com todas as minhas forças para que você estivesse por perto.
- Isso é perto o suficiente? – ela perguntou tocando uma das minhas mãos.
Não era. E me inquietava não saber explicar porque, mas eu a queria por perto, queria que ela continuasse a me fazer sentir segura, com aquelas palavras, com aquele olhar, com aquele abraço.
- Isso, é perto o suficiente. –respondi apertando seu corpo contra o meu, sendo imediatamente correspondida.
Eu não saberia dizer quanto tempo aquele abraço durou. Ela afastou o corpo só um pouco, para me olhar, e perguntou se estava tudo bem. Nunca estive melhor, eu pensei. Assenti apenas movimentando a cabeça, porque os olhos dela com aquele poder inexplicável de me invadir me deixavam paralisada, mas ao mesmo tempo inquieta, enfim, uma confusão de sensações.
- Vamos assistir um filme? Tomar sorvete? Qualquer coisa que faça você esquecer as coisas ruins que você passou. – ela sugeriu com um sorriso lindo.
Aquela noite eu conheci um pouco mais da Júlia, uma pessoa extremamente sensível e forte. Ela me contou, com paixão do trabalho, e de como amava ajudar as pessoas e, sob essa perspectiva fazíamos quase a mesma coisa, ela através do Direito e eu da Saúde. Tínhamos em comum também um certo incomodo de falar de nossas famílias, então fizemos um acordo silencioso de que aquele era um assunto desimportante. Passamos a noite assistindo curtas, ouvindo alguns cd’s e dvds e assim acabamos adormecendo.
No dia seguinte eu e a Lívia acordamos quase no mesmo momento, uma em cada ponta da cama. Ficamos apenas nos olhando por um bom tempo, depois falamos ao mesmo tempo:
- Seus olhos...
- Tem uma cor diferente... O seus também. – ela falou.
Ficamos assim, só nos olhando, por um tempo que eu não saberia definir. A Julia me despertava sentimentos muito confusos. Eu sentia carinho, gratidão, eu me sentia protegida ao lado dela, mas alguma coisa no jeito que ela me olhava me deixava muito desconsertada. É como se ela pudesse olhar dentro de mim, e aquilo fazia meu estômago revirar, mas não de um jeito ruim... não sei explicar. E antes que eu pudesse pensar a respeito o Lucas entrou no quarto choroso chamando por mim.
- O que foi, meu amor? – perguntei preocupada ajudando ele a subir na cama onde estávamos.
- Eu... – O Lucas parou por um instante no meio da cama, olhando pra mim e para a Julia, acabou abraçando-se a ela – tive um pesadelo – disse depois de se aconchegar no abraço dela.
- Lucas, o que eu te falei sobre os pesadelos? Não é de verdade, você não precisa ficar com medo. – ela falou muito calma enquanto abraçava ele.
- Eu sei... mas eu tava sozinho naquela casa, com elas... Eu tenho medo de voltar pra lá. – ele falou choroso.
- Nós não vamos voltar. – eu disse fazendo carinho na sua cabeça.
- E eu não vou ficar sozinho né?
- Claro que não... ninguém vai. – respondeu a Julia olhando diretamente pra mim.
E de novo aquele olhar que me deixava inquieta, me dizendo que por alguma razão todos nós deveríamos permanecer juntos. Eu sabia que era isso que ela queria, que o Lucas queria, acho que até o que eu queria, mas para mim tudo aquilo era muito... inusitado, como tudo perto dela, como as coisas que eu sentia quando ela me olhava. Balancei a cabeça e me ofereci pra fazer café para todos. A Julia sugeriu que assistíssemos os filmes que ela e o Lucas tinham comprado no outro dia e assim passamos a manhã toda entre filmes e lanches.
A tarde a Julia nos convidou para almoçar e fomos à um lugar ótimo ali mesmo na praia. O Lucas tinha se enturmado com outras crianças que brincavam em um parque no restaurante e enquanto eu o observava feliz, mais uma vez pensei em como toda aquela situação era surreal. O Lucas estava mais tranqüilo, mais feliz e mais comunicativo, depois de passar uns dias com a Julia. Eles tinham uma cumplicidade admirável, principalmente porque meu irmão sempre teve dificuldades de se aproximar e confiar nas pessoas. Durante toda a manhã não paravam de conversar sobre os filmes que assistiam, e eu ficava admirando o carinho e a paciência que a Julia tinha com ele.
- Me diz o que ta te incomodando. – disse a Julia tocando na minha mão.
- Hã!? – me assustei com o toque, que me tirou do mundo dos pensamentos em que eu estava mergulhada.
- Você ta com uma carinha. – ela disse rindo. – Ta preocupada com alguma coisa?
- Você acredita que as pessoas elas... mudam a vida da gente? – perguntei expressando a confusão que eu estava sentindo.
- Sim, todo o tempo. Algumas mais que outras.
- Eu estava tentando entender porque você. – falei sem reservas o que eu estava pensando.
- Agora eu que fiquei confusa.
- Porque você mudando a minha vida e a do Lucas desse jeito, em tão pouco tempo e... as vezes eu acho que a gente só te da trabalho, mas mesmo assim você parece feliz de ter a gente por perto.
- E estou. Eu não sei te explicar porque eu, como também não sei explicar porque vocês, enfim, porque nos encontramos e todas essas coisas que aconteceram mas... estamos felizes não estamos?
Eu ri do jeito que ela tentava explicar o óbvio. Às vezes parecia que ela pensava de uma maneira simples, como as crianças, sem as complicações que a gente insiste em colocar.
- E também vocês não estão me dando trabalho nenhum. É natural que a gente cuide de quem a gente gosta, ou de quem precise, eu não vejo problema nisso. Confesso que não entendo porque te incomoda tanto essa nossa... ligação. - ela completou depois de uma pequena pausa.
- Eu confesso que também não entendo. Eu.. Você... – eu queria falar pra ela das coisas confusas que eu sentia perto dela, mas não conseguia expressar.
- Vamos fazer assim: vamos deixar as coisas acontecerem. Você volta ao trabalho, organiza sua vida, eu te ajudo com o Lucas e enquanto isso vocês ficam la em casa. Sem pressão, ta?- sugeriu de uma forma doce.
- Certo. – falei vencida. Não tinha porque eu querer me preocupar com coisas que eu nem sabia definir.
- Você é bem cabeça-dura.
- Só um pouquinho. Mas você tem bons argumentos.
- Ócios do ofício. Depois de passar tanto tempo tentando convencer as pessoas dos seus pontos de vista acaba sendo autom...
Ela parou de falar de repente olhando para o homem que vinha em direção a nossa mesa.
- Julia. – o homem falou em voz grave.
- Oi. Eu... não sabia que você tava na cidade. – ela falou visivelmente atônita.
- Cheguei hoje. Queria conversar com você. – ele falou firme.
- Hoje? – ela perguntou seca.
Ele então olhou pra mim, depois para o Lucas que tinha acabado de chegar correndo e queria mostrar alguma coisa para a Júlia.
- Não, acho que você está ocupada. Posso ir na sua casa? – ele apesar de firme estava reticente, como observando as reações da Júlia.
- Sim, nos falamos. – ela respondeu sem nem olhar para ele. – Eu vou só ver o que o Lucas quer e já volto ta? – falou pra mim antes de sair com ele.
Eu fiquei sem entender o homem me analisando dos pés a cabeça, antes de falar.
-Desculpe a falta de educação, minha e da minha filha, sou Luís. – apresentou-se me estendendo a mão.
- Lívia. – respondi o cumprimento ainda tentando entender porque ela foi tão seca com o próprio pai.
- Você e a minha filha são... – ele ficou um pouco constrangido, como tentando achar as palavras.
- Amigas, pai. Não surta. – falou a Julia se aproximando.
- Eu não... desculpa... - ele falou constrangido.
- A Katia acabou de me ligar, eu vou precisar resolver uma coisa do trabalho agora. Eu tenho que ir pra casa, porque ela vai passar lá para me buscar, você vem ou prefere ficar aqui um pouco mais com o Lucas?
- Eu... – eu fiquei olhando dela para o pai, e depois para o Lucas, sem entender o que foi a cena de segundos atrás. Sem entender nada.
- A gente pode ficar só mais um pouco, eu queria um sorvete? – pediu o Lucas.
- Pode, eu acho. Ta tudo bem, Julia?
- Está. Aqui a chave, e já acertei a conta, em casa a gente conversa direitinho sobre... isso. – disse apontando para o pai.
- Ta.
Ela saiu andando rápido e o pai logo atrás.
- A Julia tava estranha. – falou o Lucas.
- Muito estranha.
***********
- Julia, espera. – falou meu pai segurando meu braço.
- O que é que você quer hein!? – falei sem paciência.
Desde que vi meu pai vindo em nossa direção ali no restaurante eu fiquei completamente surpresa. Não nos vemos há pelo menos uns sete anos, e confesso que imaginava que não nos veríamos mais. Desde que a minha mãe morreu não nos entendíamos nunca, principalmente porque o meu pai não conseguia lidar muito bem com a minha sexu*l*idade. Assim, fomos nos afastando até que saí de casa, sem que ele fizesse nada para impedir ou manter qualquer contato depois disso. Assim perdi minha mãe e meu pai quase na mesma época.
- Calma. Já disse que quero conversar. – ele falou tranqüilo.
- Eu vou precisar resolver algumas coisas do trabalho agora. Você me liga e vemos um dia para “essa conversa”. – frisei, as últimas palavras.
- Eu... não tenho seu telefone. – ele falou constrangido, com a cabeça baixa.
Eu ri.
- Francamente... – sussurrei. Pedi um papel e uma caneta para um garçom que passava e anotei meu telefone para ele. – Pronto, o telefone da sua filha. – falei cheia de sarcasmo já saindo apressada do restaurante.
- Nossa, cansei de te esperar la na porta do teu apartamento, se atrasou no almocinho de família? – falou a Kátia dentro do carro, já na porta do restaurante.
- Sem gracinhas, que hoje não to pra isso. – falei entrando dentro do carro.
- Nossa, que mal humor. A comida tava ruim ou você já cansou de brincar de ca... Meu Deus! – ela falou olhando meu pai sair do restaurante.
- Pois é. Eis o motivo do meu atraso.
- E do seu mau humor. Quer conversar?
- Depois. Vamos ao trabalho.
Passamos o dia todo organizando os interrogatórios de várias famílias que tinham acabado de chegar do interior do estado. Elas moravam em varias áreas de conflitos agrários e nos próximos dias iriam depor nos processos que estavam em andamento. Acabei tendo que levar uma família inteira comigo, para casa, por falta de lugar para organizar todo mundo no NAP.
A Lívia e o Lucas assistiam televisão no meu quarto.
- Boa noite.
- Boa noite, Julia, você demorou. – falou o Lucas animando, empendurando-se no meu pescoço.
- Boa noite, espero que você não se importe. O Lucas queria assistir Procurando Nemo, de novo. – falou a Lívia com aquele velho constrangimento.
- Claro que não. Eu queria pedir uma coisa pra vocês dois.
- O que foi? – perguntou o Lucas curioso.
- Eu vou precisar hospedar umas pessoas aqui com a gente, essa noite. É uma família que veio de muito longe, eles não tem onde ficar. Prometo que é só uma noite.
- Claro, Julia, a casa é sua. – respondeu a Lívia prontamente.
- Eles podem ficar la no meu quarto e eu fico aqui com vocês. - sugeriu o Lucas.
- Seu quarto? – perguntou a Lívia de novo constrangida.
- Sim, dele. Lívia, por favor… - pedi cansada.
- Ta. Desculpa. Deixa eu te ajudar a organizar todo mundo. – ela ofereceu solicita.
Seu Pedro ficou na sala e dona Raimunda e as crianças no quarto do Lucas, já era bem tarde quando terminamos de arrumar tudo. Demorei mais tempo do que precisava no banho. Para pensar na loucura toda daquele dia: os olhos da Lívia, meu pai, a teimosia da Lívia... com ela era um passo pra frente, dois pra trás. Lembrei da conversa do restaurante.
- Me diz o que ta te incomodando. – perguntei diante daquela expressão pensativa dela.
- Hã!? – ela falou como se despertasse.
- Você ta com uma carinha. – falei rindo. – Ta preocupada com alguma coisa?
- Você acredita que as pessoas elas... mudam a vida da gente? – ela perguntou, confusa, olhando diretamente pra mim.
- Sim, todo o tempo. Algumas mais que outras. – respondi tranquila
- Eu tava tentando entender porque você. – ela falou pensativa.
- Agora eu que fiquei confusa.
- Porque você mudando a minha vida e a do Lucas desse jeito, em tão pouco tempo e... as vezes eu acho que a gente só te da trabalho, mas mesmo assim você parece feliz de ter a gente por perto.
- E estou. Eu não sei te explicar porque eu, como também não sei explicar porque vocês, enfim, porque nos encontramos e todas essas coisas que aconteceram mas... estamos felizes não estamos? – tentei explicar da maneira mais simples possível. A verdade é que pra mim tudo aquilo era simples, a gente que tava tentando complicar, ela com desconfianças e eu com excesso de expectativas. Não me importava de ter que conquistar sua confiança.
- E também vocês não estão me dando trabalho nenhum. É natural que a gente cuide de quem a gente goste, ou de quem precise, eu não vejo problema nisso. Confesso que não entendo porque te incomoda tanto essa nossa... ligação. – falei sinceramente.
- Eu confesso que também não entendo. Eu.. Você... – ela tentava falar, mas parece que se debatia consigo mesma, com seus pensamentos, com seus sentimentos. Pensei outra vez que ela deveria ter muita dificuldade para confiar nas pessoas.
- Vamos fazer assim: vamos deixar as coisas acontecerem. Você volta ao trabalho, organiza sua vida, eu te ajudo com o Lucas e enquanto isso vocês ficam la em casa. Sem pressão, ta? – falei o mais tranquila possivel tentando passar confiança a ela.
- Certo. – ela falou vencida.
- Você é bem cabeça-dura. – comentei descontraída.
- Só um pouquinho. Mas você tem bons argumentos. – ela entrou na bricadeira.
- Ócios do ofício. Depois de passar tanto tempo tentando convencer as pessoas dos seus pontos de vista acaba sendo automático e...
Foi quando meu pai apareceu. Mal pude acreditar que ele estava ali mesmo depois de tanto tempo. Mas não queria mais pensar nisso, na verdade, se fosse possível, eu não queria mais pensar em nada.
Saí do banho e os dois já dormiam. Tentei deitar o mais silenciosamente possível no lado da cama que o Lucas organizou pra mim, fazendo questão que eu ficasse ali com os dois, mas a Lívia acabou acordando. Os olhos mais escuros que o normal. Apenas ficamos nos olhando, ela de um lado, eu do outro, o Lucas entre nós.
- Você ta bem? – ela sussurrou tocando minha testa, como desfazendo uma ruga imaginária.
- Não sei direito. – respondi sinceramente. – To cansada, eu acho.
- Descansa, então.– falou fazendo mais um carinho - Boa noite.
- Desculpa pelo meu pai, ou melhor, pelo jeito que fiquei perto dele. Ele tem mania de achar que todas as mulheres que estão perto de mim são… que eu tenho algum envolvimento com elas, isso me irrita muito. É como se ele me reduzisse ao simples fato de eu gostar de mulheres. Eu… a gente não se da bem por isso. Desculpa.
- E-entendo – ela mal conseguiu disfarça que gaguejou com a informação - tudo bem. Você é… gay? – ela perguntou enquanto retirava a mão que até a pouco me fazia um delicado carinho na testa.
- Sim. – respondi simplesmente tentando interpretar aquela… repulsa? – Você ta bem? – perguntei repetindo o mesmo gesto dela, desfazendo a ruga imaginária na testa dela. Ela apenas sorriu e assentiu.
- Desculpa. – ela pediu constrangida.
- Não vou te atacar nem nada, não se preocupe. – falei divertida. Ela corou e escondeu o rosto no travesseiro.
- Como eu sou boba. Me desculpa? É que eu nunca conheci ninguém… como você, você é tão bonita e… eu acho que eu to falando besteira. – ela afundou o rosto no travesseiro.
- Ta mesmo. – apenas ri. – Infelizmente você só ta repetindo os esteriotipos que todo mundo repete por ae, mas na vida real não é bem isso.
- Desculpa, mesmo, isso é horrível da minha parte. – ela tava tão constrangida que seu rosto ia mundando de cor quanto mais ela tentava se explicar, mas eu estava cansada demais para interpretar os atos da Lívia àquela hora.
- Eu preciso dormir agora, boa noite. – falei virando pro lado, aquele realmente tinha sido um dia longo.
***********
Gay? Então a Júlia é… fiquei tão atônita com a notícia que nem consegui disfarçar. Primeiro que deixei de fazer carinho nela, imediatamente, pensando que ela pudesse sei lá, interpretar de outra forma, e eu não sou… E la estava eu repetindo, automaticamente, os esteriotipos que todos reproduzem, que o pai dela repete e ela detesta, como acabou de desabafar. Eu estava me sentindo ridícula com meu próprio comportamento. A Júlia encerrou a conversa com um rápido “Eu preciso dormir agora, boa noite.”
Quase não preguei o olho a noite toda, pensando em como eu havia sido uma idiota com a Júlia. A gente sempre abre a boca para dizer que não tem preconceito, que não temos nada com a vida de ninguém, mas na prática acabamos com palavras ou com um gesto de reprovação. Lembrei da expressão da Júlia ao ver o pai, e depois quando me pedia desculpas, e imaginei que ela deveria ter sofrido muito com atos parecidos com o meu. Atos de rejeição. Me senti envergonhada com meu comportamento.
Foi pensando nisso que levantei cedo. Na sala, Seu Pedro, o hóspede da Júlia, já estava acordado, a roupa de cama cuidadosamente dobrada sobre o sofá, ele estava na varanda apreciando a vista.
- Bom dia, senhor.
- Bom dia. – ele respondeu tímido. – Muito bonita essa vista.
- É sim. – concordei também apreciando o mar agitado daquela manhã.
- A senhora nos desculpe pelo incomodo, por mim a gente se apertava la onde os outros ficaram, mas a dona Júlia fez questão de nos trazer.
- Imagina, não é incomodo nenhum. – tranquilizei-o.
Depois o senhor passou a contar como a Júlia se empenhou no processo da comunidade em que vivia, de como ela sempre foi muito atenciosa e preocupada com todos. Ele me explicou que eles se surpreenderam porque nunca imaginavam que mais ninguém pudesse se preocupar em querer ajudá-los, em mudar as suas vidas, ainda mais uma pessoa tão diferente deles, como a Julia e todos que trabalhavam no NAP. Enquanto conversávamos toda a família dele se juntou a nós, já todos arrumados e prontos para sair. Aproveitei que os deixei tomando café e fui acordar o Lucas. Ele levantou sem reclamar e fiquei pensando, por um instante se chamava a Júlia também, ela dormia pesadamente, e seu celular já havia despertado duas vezes, sem que ela sequer se mexesse.
- Júlia? – chamei bem próxima, mas ela continua ressonar bem baixinho.
- Julia? – chamei tocando-a no rosto.
Ela abriu os olhos devagar, o azul ainda mais azul, entre assustada e sonolenta ela perguntou:
- Que horas são?
- Quase 7h. Desculpa acordá-la, mas seu celular já despertou algumas vezes.
- Nossa! Obrigada por você ter me chamado, já está tarde. – ela disse se levantando rápido. – E o Lucas?
- Já ta no banho. – era engraçado como ela ia de um lado pra outro do quarto, ainda zonza de sono.
- Você começa hoje no hospital né? Vai ficar lá até horas ? Quem vai buscar o Lucas? Puxa vou ficar o dia todo em audiência! Seu Pedro, dona Raimunda, as crianças? – ela perguntou de uma vez, ainda andando de um lado pra outro.
- Júlia, calma! – disse segurando-a pelos braços, para que parasse quieta, por mais que fosse engraçado ela adando de um lado para o outro. – Bom dia, Julia! – disse sorrindo, ela sorriu de volta, relaxando um pouco. – Eu volto ao hospital hoje, mas só pela manhã, então assim que sair pego o Lucas na escola. Seus hóspedes já acordaram e estão te esperando, pra você salvar o mundo deles hoje! – disse piscando.
Ela sorriu, o corpo relaxou um pouco mais, depois segurou as minhas mãos e agradeceu:
- Obrigada, por salvar o meu. – ela falou beijando uma de minhas mãos.
E mais um daqueles momentos estranhos que eu devo ter ficado com cara de boba, observando seu gesto, a ponto do seu sorriso se desfazer e ela começar a se desculpar. “Deus! Qual o meu problema!?”
- Não! – disse segurando as suas mãos, que ela tirava das minhas. – Por favor, eu que te devo desculpas, eu não sei o que ta acontecendo comigo, de verdade… Não é repulsa. Eu… - não conseguia entender porque inconscientemente eu estava fugindo dos contatos com a Julia – não quero que fique um clima estranho entre nós semrpe que nos tocarmos. Eu gosto… - nossa eu tava muito confusa – de você, de contato, de carinho… me ajuda!? – pedi socorro.
Ela só balançou a cabeça em sentido afirmativo bem devagar. Ela me olhava de um jeito intrigante, como se quisesse me ler. Mas a minha confusão era evidente.
- Não tenta… nem eu entendo. – confessei minha confusão. – Vai para o banho, eu já te atrasei demais. Vamos esquecer esse meu comportamento estranho ta!? – falei dando um beijo no rosto dela e saindo quase correndo do quarto.
***********
Não era repulsa, então o que era!? A Lívia saiu do quarto, após me dar um rápido beijo no rosto, como para reafirmar que não era repulsa. Mas eu já sabia, as coisas que ela falou e os olhos dela só me diziam uma coisa: confusão, mas eu não sabia exatamente o porque de toda aquela confusão que transbordava dela de uma forma tão espontânea, tão verdadeira. Lembrei de como ela acalmou a minha confusão assim que acordei, eu só queria achar um jeito de acalmá-la também, mas de que!? Como!?
Deixei para pensar nisso outra hora, eu tinha muito trabalho pela frente àquele dia, e precisava me concentrar nele. Quando eu saí do quarto, já pronta pra sair, não encontrei mais a Lívia, nem o Lucas, sinal de que ela estava mesmo fugindo de mim, mas deixaria para pensar nisso depois.
O dia foi cheio, um dia inteiro só para oitiva de testemunhas, mas era melhor assim, todas de uma vez, já que moravam no interior e, dificilmente, acharíamos outra ocasião para ouvi-los assim, todos de uma vez. Encerrados os depoimentos no fórum ainda tivemos que auxiliar todos para que voltassem ainda aquela noite para suas casas. Quando voltei para casa já passava da meia-noite. A Lívia dormia com o Lucas, no quarto dele. Fiquei um pouco só observando-os e lembrando do que havia acontecido de manhã.
- Que mulher confusa. – constatei com um sussuro entes de sair do quarto.
Eu estava exausta, mas não consegui dormir logo. Fiquei vagando pela casa pensando em um jeito de dissolver a confusão da Lívia. Ok! Não era repulsa, então o que era? Achei o carderno que usávamos na praia. Escrevi.
Será que o barco tem medo de ser engolido pelo Mar? Ou é o mar que tem medo de ser desvendado pelo barco? Os medos convergem em uma grande tempestade, e em meio a confusão eles não se reconhecem mais. Mas um barco persistente resiste bravamente até as mais crueis tormentas, porque ele sabe que logo logo o sol nasce de novo e o mar volta a sua habitual calmaria. Eu espero a tempestade dos seus olhos passar.
***********
Fugi da Julia deliberadamente. Já estava cansada das minhas gafes sem qualquer explicação, e saí quase correndo de casa áquela manhã. Eu precisava trabalhar, ocupar a mente povoada de confusão. O hospital sempre foi o melhor remédio para eu me desligar do meu mundo, ali eu emergia no mundo particular de cada uma daquelas pessoas que precisavam de ajuda. Não havia mais eu, ou minhas confusões, apenas elas.
A tarde com o Lucas poderia ter sido tranquila se eu não tivesse ficado numa expectativa permanente de a qualquer momento a porta abrir e Julia passar por ela com aqueles olhos inquisitores, que me invadiam sem pedir permissão. Mas as horas se passaram e ela não chegou. Fui colocar o Lucas para dormir e acabei adormecendo. Eu estava cansada de tanto que minha cabeça deu voltas e voltas aquele dia, simplesmente só acordei de manhã.
A Julia dormia espalhada na sua cama. Ao lado o nosso velho caderno.
(…)
Eu espero a tempestade dos seus olhos passar.
Ao ler aquelas palavras foi como se nos reconectassemos. A Julia era a mesma pessoa que me fazia sentir segura, que me deixava confortável para dividir, confiar, compartilhar, mesmo que mal nos conhecessemos. Mas ali, com aquelas palavras, eu sentia o quanto ela podia me compreender.
O mar passou tanto tempo sozinho que as vezes estranha os barcos que se arriscam em navegá-lo. Mas que sorte a minha, achei um persistente. E eu sei que a tua persistencia desfará qualquer tempestade.
A Julia realmente tinha o sono pesado, nos arrumamos sem que ela acordasse. E eu passei o resto do dia pensando nela, nas suas palavras e na minha confusão. Para completar, o trabalho àquela manhã estava uma loucura, muitos casos difíceis e algumas faltas de pessoal me obrigaram a estender um pouco mais o expediente. Liguei pra Julia.
- Julia?
- Livia? Nem sabia que você tinha telefone.- ela brincou
- Tenho. Peguei seu número aqui no hospital, espero que você não se importe.
- Claro que não. Aconteceu algo?
- Na verdade sim. Eu vou ter que ficar mais tempo do que o previsto no hospital hoje. Você pode ir buscar o Lucas?
- Eu já estou aqui na escola dele para buscá-lo. Imaginei que pudesse encontrar vocês dois aqui, e poderíamos ir almoçar. Mas você ta sempre fugindo de mim. – ela falou divertida.
- Puxa, dessa vez não foi de propósito adoraria almoçar com vocês dois.- confessei
- E das outras vezes foi de propósito?- ela me perguntou ainda em tom de brincadeira. Fiquei em silêncio um instante e falei a primeira coisa que veio a minha cabeça:
- Você me deixa confusa.
- Confusa como? – ela perguntou curiosa.
- Como se eu não tivesse controle dos meus atos, como se eu não tivesse controle de nada.
Ela gargalhou do outro lado da linha me deixando ainda mais atordoada.
- E você não sabe o que isso significa?
- Você sabe?
- Tenho um palpite.
- Me conta. – pedi quase em desespero.
- Vou fazer melhor, vou te mostrar. Hoje você janta comigo, sem fugas. – senti uma vertigem só de ouvir aquilo. Que loucura!
- Eu acho que não posso recusar.
- Não, você não tem essa opção.
- Certo, então até a noite.
***********
Acordei no meio do dia já. E minha confusa hóspede também tinha deixado um recado para mim: Persistência. Assim pensei que poderia surpreender ela e o Lucas na saída da escola, levá-los para almoçar e vencer esse constrangimento que de repente se estabeleceu entre nós. Mas em vez disso recebi uma ligação dela, não viria, mas resolvi levar na esportiva. Um passo pra frente, dois passos para trás.
- Eu já estou aqui na escola dele para buscá-lo. Imaginei que pudesse encontrar vocês dois aqui, e poderíamos ir almoçar. Mas você ta sempre fugindo de mim. – falei divertida.
- Puxa, dessa vez não foi de propósito adoraria almoçar com vocês dois.
- E das outras vezes foi de propósito? – resolvi continuar brincando. Ela ficou em silêncio por um instante e disparou:
- Você me deixa confusa.
- Confusa como? – perguntei curiosa, uma idéia se formando na minha cabeça, bem devagar, se encaixando com o que ela ia dizendo:
- Como se eu não tivesse controle dos meus atos, como se eu não tivesse controle de nada.
Não contive a gargalhada. Será possível que a Lívia estava atraída por mim e nem sequer se desse conta!? Não era só pretensão minha, pois aquela confusão, o jeito desconcertado que ela ficava perto de mim, quando eu olhava pra ela. Resolvi perguntar:
- E você não sabe o que isso significa?
- Você sabe? – ela perguntou rápido, quase como uma criança curiosa.
- Tenho um palpite. – eu teria que pagar pra ver.
- Me conta. – ela pediu com um fio de voz, eu tava me divertindo com aquela ingênuidade, não era possível que fosse real.
- Vou fazer melhor, vou te mostrar. Hoje você janta comigo, sem fugas. – fui absolutamente direta.
- Eu acho que não posso recusar.
- Não, você não tem essa opção.
- Ok, até a noite.
Um passo pra frente: ela aceitou meu convite. Almocei com o Lucas e acabei pedindo umas dicas do que a Lívia gostava de comer, iria levá-la para jantar aquela noite e tirar minhas dúvidas sobre o que estava acontecendo com ela… conosco. Pedi uma força pra Fernanda, pra ela ficar com o Lucas enquanto saíssemos, quando ela chegou aproveitei pra fazer mais um pedido
- Tem mais uma coisinha… me empresta seu carro!?
- Nossa a coisa é séria mesmo. – e ela caiu na gargalhada.
- Fernanda, sério. É mais confortável e mais seguro, enfim, quero evitar qualquer contra-tempo essa noite. – quase supliquei.
- Sim senhora. Mas porque tanta expectativa numa noite?
Eu confesso que estava mesmo ansiosa para talvez, quem sabe, porque não, confirmar as minhas expectativas!? Eu sempre achei a Lívia linda, além da sensação boa de estar perto dela, mas confesso que bloqueei qualquer expectativa de um envolvimento entre nós para evitar decepções, um comportamente básico no manual de sobrevivência, tópico “Relacionamentos”. Mas agora eu não poderia ignorar os sinais. Eu estava terminando de me arrumar quando a Lívia bateu no quarto.
- Boa noite. – falei com o meu melhor sorriso.
Ela me olho dos pés a cabeça e tentou falar:
- Você ta… Eu acho que não tenho roupa pra te acompanhar não.
- Imagina. Eu te espero la na sala, tome o tempo que precisar. Hoje você não foge de mim.
Fim do capítulo
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spectro
Em: 19/04/2016
Dyyyyyuy olha a inti rsrsss amando poder te ver postando aqui no lettera e mais ainda por poder ler o final de palavras ao mar
Resposta do autor em 20/04/2016:
Olha eu prefiro só Dy mesmo, só coloquei o sobrenome pq não dava pra ficar só duas letras, então fiz uma homenagem a Lilli Elbe recém retratada em A Garota Dinamarquesa! Estou amando por reencontrar tantas leitoras por aqui!
sofiagayer
Em: 14/04/2016
ainnn que liiiiindas... adorei! não vejo a hora de saber mais sobre esse jantar!
Resposta do autor em 20/04/2016:
Lindas mesmo! Ainda vem mais coisa bonita por ae ;)
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IARA
Em: 14/04/2016
Tô explodindo de felicidade, faz tanto tempo que espero por esse capítulo, vc foi a primeira escritora que mandei email lá no fatorx....só não enchi sua caixa de msg porque achei que tinha desistido dessa história. Fiquei mto feliz de ver que vc voltou, aguardarei ansiosa cada postagem, amo essa história e amei o novo capítulo....que venham mais. Bjs e parabéns pela linda história
Resposta do autor em 20/04/2016:
Olha, não vou mentir, que em algum momento eu desisti sim, mas graças a pessoas como você, que não desistiram, e encheram minha caixa de mensagem, aqui estamos, de volta, buscando um final feliz para essa história! Obrigada pelo carinho!
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crisley
Em: 14/04/2016
Dy, minha querida, obrigada por responder meu email, só que eu já tinha te achado aqui no lettera kkk, estou acompanhando e não tenha dúvidas estarei esperando ansiosamente pelo px capÃtulo, amo sua estória, um grande bj
Resposta do autor em 20/04/2016:
Ahhh! Eu tentei responder a todo mundo que um dia me pediu pela continuação, que bom que já tinha me achado! Continua conosco! Beijos!
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Sem cadastro
Em: 13/04/2016
Acho que agora a Lívia vai começar a entender o que sente pela Julia. Cabeça dura esse Bela Adormecida kkkk
Acho que elas ainda vão demorar a dar o primeiro beijo.
Adorei o capítulo novo e você não perdeu a mão.
Beijos
Resposta do autor em 20/04/2016:
Muito cabeça dura! E além disso, ela ainda vai descobrir muita coisa sobre si mesma que ainda não teve como descobrir, com a vida que levava. Que bom que gostou! Beijos.
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bia32
Em: 13/04/2016
Esse capÃtulo foi excelente! A Livia vai passar pela aquela conhecida crise da aceitação mas estou torcendo pelo amor delas!. Me tornei sua fã querida autora, vc me deixa ansiosa pelo próximo capÃtulo sempre!
Resposta do autor em 20/04/2016:
Obrigada! Acho que além dessa tal crise tem o fato da Lívia estar se descobrindo enquanto pessoa, enquanto mulher, que pode ter vontades, desejos, uma vida para além dos problemas do dia a dia. Que honra ter você como fã, espero não decepcioná-la!
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Mille
Em: 13/04/2016
A Julia agora vai marcar colado, mais do jeitinho dela para não fazer a Livia fugir dela.
A idéia de retornar a escrever no carderno foi bem interessante e seja essa forma da Julia tirar os medos, confusões da Livia.
Nem parece que ficou parada.
Bjus e parabéns adorando sua história e até o próximo.
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josi08
Em: 13/04/2016
Nossa nem parece que vc fico um tempao sem postar.....Que capítulo ein....agora a Livia ta eh feita pq a Julia tem q ir pra cima sem assustar mais tem q mostrar a Livia q ela ja ta caidinha pela Julia...ahora que to mais anciosa ainda pelos próximos capitulos....
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Nay Rosario
Em: 13/04/2016
Expectativas. *_*
Não parece que ficou "mais de ano" parada não, moça.
Até.
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