POV Charlie

- Você não podia ter feito isso – reclamou Max ao meu lado enquanto terminávamos de preparar uma refeição a base de carne defumada, pão e verduras frescas; eu não precisava perguntar para saber do que ela estava falando.

- Ainda não entendi sua irritação por conta disso – falei sem parar de cortar a carne em pedaços menores – Só disse para Jodie convidar uma velha amiga para um almoço.

- Pelo amor de Deus, Charlie! – falou ela se irritando ainda mais e parando de separar os vegetais – Ela é sua Ex!!!! Como acha que Jodie vai ficar??

Max tinha se tornado quase mais alta do que eu, pelas nossas suposições ela deveria estar com algo entre 18 ou 19 anos. Seus cabelos castanhos tinham ficado mais escuros com o tempo e agora eram cortados parecidos com os meus, na altura dos ombros, mas diferente de mim ela preferia que os fios ficassem soltos. O rosto perdeu as formas de criança, ficou mais fino e anguloso, os olhos azuis mais profundos, apesar de continuarem com o mesmo brilho de inteligência aguçada. Ela era tão forte quanto eu, talvez não tanto quanto Jodie, mas lutava tão bem quanto nós duas. Max tinha se transformado numa mulher muito bonita.

- Ela é minha ex sim, mas apenas isso – disse depois de encara-la por alguns segundos – Fora esse fato ela não significa mais nada pra mim, a presença dela não me afeta e nem deveria afetar a Jodie.

- Não entende?? Não viu o jeito que a Jodie ficou??? Charlie eu tenho certeza de que ela tá pensando que você ainda pode sentir algo pela Izzy. E tenho certeza também de que ela está com medo disso! – falou Max com um olhar até desesperado.

Eu soltei a faca e fiz um carinho nos cabelos dela sorrindo.

- Eu sei disso – disse depois de afastar alguns fios que caíram no rosto dela com meu carinho em seus cabelos – Por isso mesmo fiz o que fiz. Jodie precisa ver e sentir que, o que havia entre mim e Izzy, já acabou. Tenho que dar a ela a certeza que eu já tenho há muito tempo de que a amo. De que o que eu sinto é real e não porque tenho ela e não poderia mais ter Izzy. Preciso fazer aquela loira cabeça dura entender que eu a amo de verdade Max. Então não se preocupe, eu não vou magoar a Jodie, nunca conseguiria isso; vou apenas mostrar pra ela que essa insegurança toda a respeito da Izzy não tem nenhuma razão de ser – dei um sorriso enquanto voltava ao que estava fazendo – Além disso, você deveria deixar a minha vida amorosa de lado e cuidar mais da sua.

- Minha o que? – Max disse rindo, mas sua expressão ficou um tanto confusa – Até parece que eu tenho algo como vida amorosa – ela concluiu ainda rindo e desviando o olhar do meu.

- Essa é exatamente a questão – falei disfarçando um sorriso – Não entendo porque você ainda não tem. Pelo tempo que vocês dois tem se olhado eu acho que você e Christopher já deveriam estar namorando.

- Christopher?? O que ele tem haver com isso? Você tá ficando meio louca Charlie? – respondeu ela nervosa – Eu interessada no Christopher? Isso é completamente fora de lógica.

- Disse que se olhavam, não falei que você estava interessada – respondi sorrindo e sem olhar para ela, mas pude ver as bochechas de Max ganharem uma coloração mais avermelhada do que o normal – Olha, ele é um ótimo rapaz; se o fato dele ser meu sobrinho pode estar afetando suas decisões então gostaria de deixar claro que eu ficaria feliz se vocês estivessem juntos. Alias você é uma pessoa muito importante pra mim – digo erguendo meu olhar e encarando seus olhos azuis – E só quero que ambos sejam felizes, se forem felizes juntos eu aprovo e apoio completamente, mas é uma escolha que pertence apenas a vocês dois – disse vendo a vergonha aumentar o rubor no rosto dela – Só te digo uma coisa, muitas pessoas vão se interessar por ele, como já disse é um ótimo rapaz além de muito bonito. Se continuar a fingir que não está interessada, ele pode acreditar e desistir de continuar tentando.

- Tem mais alguém com algum interesse nele?? – ela pergunta arregalando os olhos o que me faz rir por ela ter se incluído no grupo que tem interesses pelo meu sobrinho.

POV Narradora

O clima enquanto comiam era tenso e constrangedor para Izzy e Jodie, apesar de Charlie não aparentar nenhuma mudança de comportamento. Elas estavam sentadas no chão, de frente para uma mesa baixa e retangular. Charlie numa ponta com Jodie à direita, Max à esquerda e Izzy logo a frente; no canto da sala Sam estava deitada dormindo calmamente. Durante toda a refeição o silêncio se fez presente e ninguém parecia ter vontade de quebra-lo, mas quando todas finalmente terminaram isso ficou claramente necessário.

- Bem, não sei o que as duas conversaram no caminho para cá, mas se caso não tiverem falado tudo, porque não nos conta como acabou vindo até aqui, Izzy? – perguntou Charlie com uma expressão calma saindo de seu lado na mesa e se encostando ao velho sofá que estava logo atrás de Jodie e passando o braço direito por cima do estofado e em volta dos ombros da loira.

- Eu só...eu só sai andando – disse Izzy suspirando – Cheguei no ponto em que não havia nada pra mim ao ficar parada, então comecei a viajar. Eu não tinha um destino propriamente dito, apenas....fui andando e acabei aqui por puro acaso. Acho que a história mais interessante é a de vocês duas.

- Na verdade ela é incrivelmente simples – diz Charlie olhando para Jodie e sorrindo sem notar – Jodie me venceu por cansaço digamos – ela riu baixinho encarando os olhos da namorada que a olhava de volta – Quando percebi já a amava, mas confesso que não tenho a menor ideia de como isso aconteceu.

Jodie deu um largo sorriso e roubou um selinho rápido que só fez o sorriso de Charlie aumentar.

- É impressionante como vocês parecem irradiar felicidade – falou Izzy com um sorriso gentil, mas contido – Charlie eu...eu acho que, já que estou aqui, tenho que admitir e reconhecer a você que estava certa. Você também Jodie, vocês duas estavam certas. Me arrependi muito de ter me entregado tanto à Claire. Ela não me amava de verdade; talvez eu também tenha aumentado além do real o meu sentimento por ela, mas o ponto é que vocês duas me alertaram para o fato dela não me amar e eu não acreditei.

- Eu sempre soube que um dia você se arrependeria, não exatamente por ter me trocado, mas pelos motivos que te fizeram escolher entre mim e ela – disse Charlie realmente triste ao ver que aquilo realmente aconteceu como ela previa – No fundo eu gostaria que você tivesse sido feliz com ela.

- Fui uma idiota por trocar você por ela – disse Izzy com um sorriso amargo e sem graça – Mas...nós teríamos terminado em algum ponto. No fim acho que eu e você não serviríamos para ser um casal, mas eu e ela também não era certo. Só me arrependo da forma como terminamos, você não merecia passar por tudo aquilo.

- Isso tudo é passado e já não faz mais diferença na mina vida. Agora mais do que nunca esses acontecimentos deixaram ser relevantes. Acredite, Izzy, falo por experiência própria – disse Charlie com um suspiro – Todos encontramos alguém com quem podemos viver nossas vidas em paz – ela olhou para Jodie com um olhar amoroso e, sorrindo, continuou – No fim sempre achamos a pessoa certa, mesmo que demore ou que tenhamos que sofrer. E, às vezes, mesmo quando já não acreditamos mais que isso pode acontecer.

- É, eu sei disso – respondeu ela encarando a mesa e suspirando.

Charlie encarou a velha amiga com um olhar analítico, Izzy nunca foi de concordar com algo dessa forma, como se não tivesse escolha além de aceitar a situação.

- Você já encontrou essa pessoa não foi? – perguntou Charlie recebendo um olhar confuso de Jodie e um assustado e surpreso de Izzy que logo depois suspirou e concordou com um movimento de cabeça – Porque não está com ela ainda? Porque continua sozinha já tendo achado a pessoa que te faria feliz?

- Porque parece que eu não tenho sorte de ficar com a pessoa certa pra mim – falou ela com um sorriso triste.

Flashback Izzy

Ela estava apenas passando perto de uma pequena vila quando a confusão chegou até ela. Um grupo nômade estava sendo expulso pelos chefes da cidade em uma grande briga, ela foi pega no meio dos dois grupos e apenas se defendeu. Quando os homens da vila correram de volta pra suas casas ela não foi com eles, mas alguns nômades haviam sido acertados por ela e isso causou uma revolta entre eles. Ela foi presa; mãos e pés amarrados, os pés distantes apenas para que ela desse passos pequenos. Pegaram suas coisas e a arrastaram até que montaram acampamento a várias horas daquela cidade.

Nos dois dias que ficou como prisioneira ela notou muita coisa a respeito daquele grupo. Eles tinham um líder, esse homem era jovem e tinha uma irmã. Os homens mais fortes eram os guerreiros e o resto parecia se organizar em volta da proteção oferecida por eles. As tarefas eram divididas e executadas sem reclamações; não haviam muitas crianças, apenas um ou outro bebê ou garotinho.

Logo no primeiro dia os homens tentaram algo contra ela, mas mesmo amarrada Izzy conseguiu bater em vários deles, quando um dos guerreiros tentou algo e acabou apanhando tanto quanto os outros as coisas se complicaram. O chefe do grupo veio no segundo dia e, por vários minutos, conversou com os homens e encarou Izzy, a irmã dele sempre por perto olhando-a também. Ela pensou que nunca antes vira uma mulher tão bonita.

O nome dela era Violet, tinha olhos castanhos escuros e cabelos negros ondulados que chegavam até a metade das costas quando soltos, 169cm de altura, pele morena e bronzeada dando um tom dourado a ela. Mas não havia apenas beleza física, seu olhar era astuto, às vezes dizia algo ao irmão para ajuda-lo, mas o que fez Izzy se fascinar foi o olhar firme e destemido daquela mulher. Ela não era de uma beleza impressionante apenas por conta de suas características físicas, havia algo na presença dela que a fazia bela.

No final daquele dia o chefe mandou que apenas as mulheres se revezassem para trazer comida para Izzy. Ele proibiu que qualquer um tentasse algo com a prisioneira alegando que tinha interesses próprios. Seu olhar não era desejoso de todo, ela via inteligência se sobrepujando à própria vontade. Aquele homem reconhecia que ela era uma lutadora valiosa, talvez estivesse tentando força-la a trabalhar para ele, talvez quisesse convencê-la ou apenas dobrá-la à sua vontade; ela nunca chegou a descobrir.

Nos três dias que se seguiram Izzy foi arrastada atrás do grupo por horas e mais horas. Quando montavam acampamento ela ficava horas esperando que alguém lhe trouxesse algo para comer, pela manhã, antes de partirem, ela também recebia uma pequena porção de comida, apenas o bastante para se manter viva; Violet veio em uma noite e uma manhã. As outras mulheres nunca voltavam depois da primeira vez, Izzy sempre as encarava com um olhar penetrante e sério, sempre parecendo um predador prestes a capturar sua presa, isso assustava as outras mulheres, menos Violet. Na quarta noite ela retornou, mas assim que deixou o prato de comida com um copo de água em frente à Izzy um dos guerreiros entrou na tenda também.

A boxeadora o reconhecia, durante as caminhadas já vira ele e Violet juntos, se beijando, às vezes ele a tocava de forma provocativa; eles pareciam ter algum tipo de relação. Ele a puxou e a beijou, ela aceitou mesmo não parecendo querer e logo tentou se afastar, mas ele a agarrou com uma expressão irritada. Ele não se importava nem um pouco com a presença da prisioneira assistindo a cena e continuou tentando agarrar a garota a força. Ela ameaçou contar ao irmão e fazer com que o guerreiro fosse punido se a forçasse, mas ele riu dizendo que, por ser o melhor guerreiro, o irmão dela não faria nada.

“Seu irmão não pode me negar isso. Sou o mais forte, quero você, então eu terei você. Vai ser minha mulher querendo ou não”, era o que ele dizia enquanto jogava Violet no chão prendendo-a sob seu corpo e tampava sua boca mantendo sua cabeça no solo. Izzy não pode apenas assistir, há tempos vinha tentando soltar as mãos das amarras, aquela cena apenas deu a ela mais uma motivação. Antes que ele conseguisse descer os jeans da garota Izzy tinha conseguido soltar as mãos e os pés das cortas; sua mão ainda segurava o pedaço de corda que prendia seus pés quando ela acertou o calcanhar contra o rosto do guerreiro jogando-o para o lado e tirando-o de cima de Violet que se afastou rápido do homem.

Izzy se ergueu ao mesmo tempo em que ele, o sangue escorria do nariz do guerreiro manchando a regata que ele vestia. Uma faca surgiu na mão dele, Izzy se desviou dos golpes e, com um soco forte e certeiro, o fez soltar a lâmina. Ele tentou agarrá-la, mas a garota era muito mais rápida, se esquivou, passou por baixo dos braços do homem e logo estava às costas do mesmo. Sentia tanta raiva que não raciocinava, apenas odiava com todas as forças aquele homem covarde. Ela jogou a corda que ainda tinha nas mãos em volta do pescoço dele e puxou com força fazendo o material arranhar a pele dele.

O homem tentou jogá-la conta o poste que mantinha a tenda erguida, mas Izzy apoiou um dos pés no mesmo e impulsionou os dois para frente outra vez, depois disso seu outro pé acertou a parte de trás do joelho dele de forma que ele caiu ajoelhado. Os pulsos vermelhos dela ganharam mais contraste quando as mãos ficaram brancas com a força exercida na corda, seus braços expostos pela camisa de mangas curtas tinham os músculos retesados em esforço até que, em desespero, o guerreiro duas vezes maior que ela tentou segurar a corda e, logo depois, ficou sem reação caindo aos pés de uma garota ofegante e surpresa.

Seu choque não durou muito, logo ela correu para ver se Violet estava bem, ela não havia se machucado mais do que a batida da cabeça no chão, mas estava em choque com o que havia acabado de acontecer. Izzy lhe afagou os cabelos tranquilizando-a e depois de alguns segundos ela reagiu erguendo as calças e encarando Izzy com um olhar assustado enquanto lhe dizia em sussurros que ela tinha que fugir logo, sair dali o mais rápido possível antes que alguém descobrisse o que havia ocorrido. Mas a boxeadora não queria deixar a garota lá, tinha medo do que poderia acontecer com Violet se fugisse depois desse incidente. Mas a nômade mandou ela se preocupar consigo mesma dizendo que ficaria bem e que ela não deveria se preocupar com alguém que a havia mantido presa. Em meio a esses argumentos Violet se calou e encarou os olhos verdes de Izzy com uma curiosidade cheia de fascínio.

“Porque me defendeu?”, perguntou ela descrente ao se dar conta daquele simples fato.

“Não podia deixar que ele te fizesse mal, além de que seria errado não ajudar”, respondeu Izzy com um olhar sincero.

Violet se ergueu deixando Izzy ajoelhada e surpresa, foi até o corpo do guerreiro e constatou que ele não respirava, um calafrio lhe percorreu o corpo. Izzy tocou-lhe os ombros e ela pareceu suspirar, virou-se para sua salvadora e, com um olhar sério e decidido segurou uma das mãos dela levando-a até um canto da tenda onde as coisas de Izzy estavam intocadas. “Tome”, disse ela entregando a mochila, “meu irmão pretendia organizar um julgamento e tentar ganhar sua confiança para que trabalhasse para ele, então suas coisas estão todas aqui ainda. Pegue tudo e fuja, direi que Norton tentou abusar de você, que me ameaçou para não gritar e que brigaram e, ao se defender dele, você o matou e logo depois fugiu. Te darei algum tempo, direi que ele me jogou ao chão e que, ao bater a cabeça, eu desmaiei e quando acordei novamente você já tinha sumido”

Izzy ainda tentou argumentar, mas era uma solução perfeita e ela teve que concordar. Colocou a mochila nas costas e, abriu um buraco na tenda com a faca que estava no chão, olhou em volta constatando que não havia ninguém e que, na escuridão da noite de lua nova, tendo a luz das fogueiras longe, seria fácil sumir. Com um suspiro ela decidiu não olhar para trás, mas antes que se colocasse para fora da tenda uma mão lhe agarrou o ombro fazendo-a se virar. Violet estava ajoelhada atrás dela, segurou o rosto da boxeadora com ambas as mãos e lhe beijou com delicadeza fazendo Izzy esquecer o resto do mundo. Depois do beijo a nômade agradeceu por ela tê-la salvado e disse que nunca a esqueceria.

Após aquela noite Izzy nunca mais deixou de pensar na morena e se martirizava todos os dias por não tê-la convencido a fugir junto com ela

Flashback Izzy off

- Ela me implorou para fugir e não voltar – disse Izzy com uma expressão de sofrimento - Como a grande imbecil que sou eu prometi a isso a ela. Tentei me manter longe, mas acabei perdendo o rastro do grupo, nunca mais achei eles.

- Devia ir atrás dela – disse Jodie segurando uma das mãos de Izzy em sinal de apoio e conforto – Não deixa acabar assim, eu achei a Charlie, você pode achar essa tal Violet. Só não pode deixar terminar sem saber se ia ser feliz com ela ou não.

- Não tenho a sua coragem minha amiga – respondeu Izzy com um sorriso triste.

- Dê mais créditos a si mesma – disse Charlie sorrindo – Eu achei que não pudesse amar de novo, mas Jodie apareceu e hoje sei que teria coragem pra qualquer coisa desde que conseguisse ficar ao lado dela. Se acha que pode amar essa garota de verdade, não desista sem tentar. Vá atrás dela, enfrente todos que ficarem no caminho de vocês, se ela valer a pena mesmo você vai encontrar no que sente toda a coragem que precisa. 

Fim do capítulo