Música do capítulo: Só sorriso - Dani Black.
Prepararadas para conhcer o pai da Alice? Argh, acho que não!
Boa leitura!
Capítulo 3 - Seja uma boa menina
Passei o sábado inteiro em casa, mais dormindo que acordada pra falar a verdade. O som ficou ligado o tempo todo, me levantei algumas vezes pra comer e beber algo. A agitação do meu sábado se resumiu a isso. Domingo acordei com uma sms de Eduarda me dizendo pra não esquecer do trabalho de história que era para o dia seguinte. Dei um tapa na minha própria testa como castigo por ter esquecido. Respondi pedindo que ela me enviasse as questões do tal trabalho, por e-mail, no que fui atendida prontamente. O trabalho consistia em assistir um filme e responder algumas questões acerca do mesmo. Nesse momento já passava das 11:00hrs e resolvi que era melhor levantar. Tomei um banho pra despertar de vez e troquei de roupa. Escolhi um short jeans e uma blusa larguinha de manga comprida na cor branca. Liguei o computador, imprimi as questões e fui até a cozinha.
Entrei na cozinha tentando me lembrar de um sonho que ficou na minha cabeça. Eu não lembrava muito bem como tinha sido, mas tinha total certeza que Maria Luiza estava nele. Lembrava dos seus olhos. Eles estavam por toda parte no sonho, como se ela sempre estivesse me observando. Abri a geladeira e me servi de um copo bem generoso de coca-cola. Pensei em como seria tê-la sempre me observando. Será que a sensação que causava em mim passaria com o tempo? Será que seus olhos iam manter a vivacidade com que me encaravam? Ou melhor, ainda teriam interesse em me encarar? Percebi que desde que a conheci minha cabeça estava cheia de questões. Eu que nunca pensava muito sobre nenhuma pessoa, não parava de me questionar sobre essa menina. Uma questão estava na beirada dos meus pensamentos, como se estivesse batendo a porta. Não sou de ter medo então a deixei entrar. Grande erro pois ela se acomodou numa espécie de sala de estar do meu cérebro. Quase pude vê-la se esparramar no meu sofá e cruzar as pernas confortavelmente. Pois bem, deixei a tal questão escapar de meus lábios:
-- O que eu quero com Maria Luiza? -- Disse como se conversasse comigo mesma. Não tinha sequer notado a presença de Fátima no cômodo.
-- Como é, menina? -- Agora que já a tinha visto foi uma escolha não cumprimentá-la e não responder sua pergunta. Estava num dos transes que as vezes me acometiam. Sóbria ou chapada. Sabe a expressão perdida em pensamentos? No meu caso era quase literal, eu realmente me perdia dentro da minha própria mente. E escolhia ignorar tudo que estivesse fora dela por algum tempo. Às vezes achar o caminho de volta era complicado.
Fui caminhando em direção a sala, meio no automático e achei o caminho de volta da pior forma possível. Distraída com minhas divagações sobre Maria Luiza, bati na mesinha de centro. Dei aquele chute que só pega o mindinho. Oh, céus, que dor! Arremessei o copo de refrigerante que estava na minha mão na parede mais próxima furiosamente e usei todos os palavrões que conheço. Possivelmente tenha inventado alguns na hora do desespero.
Me joguei no sofá após recolher o papel com as questões que acabei jogando no chão e levantei os olhos a tempo de ver Fátima entrando meio ofegante na sala.
-- Jesus, Maria e José! Nunca ouvi tanto palavrão na minha vida, Alice! Onde você está aprendendo essas coisas? Seu pai não ia gostar de ouvir isso não. -- Ela me disse com a mão sobre o peito. Estava parecendo horrorizada.
-- Nunca ouviu é? Então desapareça da minha frente e só volte com gelo se não quiser ouvir mais alguns. -- Ela ficou me olhando de boca aberta -- Vai, Fátima! -- Gritei.
-- Valha-me, Deus! -- Murmurou saindo rapidamente em direção a cozinha. Depois voltou com o gelo e eu coloquei no dedo.
Pedi para que me trouxesse o telefone e a agenda. Liguei para a locadora e pedi o filme do trabalho de história. Fiquei por ali vendo TV até o filme chegar. Assisti e respondi sem maiores dificuldades. Fui para o meu quarto e entediada, liguei para Matheus. Ele disse que tinha algum compromisso imbecil de família, acho que aniversário da mãe. Desliguei sem me irritar e deitei ouvindo música. Não aguentava mais dormir então usei o tempo para minha atividade favorita: pensar em Maria Luiza.
Fátima me fez uma salada com peixe grelhado deliciosa para o almoço. Depois fui ler algumas coisas da escola e resolvi ir ao cinema. Peguei a sessão das três e as seis já estava voltando pra casa depois de passar na livraria do shopping e comprar dois livros. Quando abri a porta do apartamento já me veio a sensação estranha. O perfurme dele me invadiu com tudo. Nausea instantânea. Pierre estava sentado no sofá da sala com uma xícara de café na mão esquerda. Ele sorria pra mim.
-- Olá, Alice. Como está? -- Disse. E como sempre não fazia a menor questão de saber.
-- Bem. -- Respondi simplesmente e continuei meu caminho em direção ao quarto.
-- Espera! -- Alterou levemente a voz -- Vim aqui para saber de você, não me venha com desfeitas. -- Apesar da voz doce, senti a ameaça nas entrelinhas.
Me sentei na ponta do sofá, procurando me manter o mais afastada dele possível. Dei uma rápida olhada no seu rosto de perfil. Pierre era bonito, sem dúvidas. Sua pele era bem alva, seu cabelo preto estava sempre muito bem cortado e seus olhos eram verdes. Seu nariz arrebitado dava-lhe um ar indiscutivelmente soberbo. Cada maldito movimento dele me assustava, sua voz me enchia de calafrios e eu não lembrava porque. Era um homem alto de 1.90 e sempre estava vestido socialmente. Era dono de um grande hotel, em frente a praia de Copacabana e de uma galeria de arte de muito renome, localizada também na capital carioca, mas no bairro do Leblon.
Sentei o mais longe que pude dele, com as pernas em cima do sofá abraçando-as. Devia estar parecendo um bichinho acuado. Ele me olho nenhum um pouco satisfeito com minha posição.
-- Bem, estou feliz que pararam de ligar da sua escola. Não está faltando e nem dormindo nas aulas. E as notas continuam altas. Parece que entendeu que não tenho tempo pra estas baboseiras. -- Ficou me olhando e esperando resposta.
-- Si-sssim -- Respondi gaguejando.
-- Não me diga que essa gagueira está voltando. -- Ué, eu já tinha sido gaga? Quando? Fiz cara de interrogação e ele se apressou em dizer. -- Deixa pra lá, deixa pra lá. Esse ano é ano de vestibular, né? Onde fará Turismo e Hotelaria? -- O nervosismo anterior estava superado.
Começou a tagarelar sobre as universidades públicas do Brasil ou a possibilidade de estudar no exterior. Ele não me enganou. Tinha algo aí. E algo me dizia que tinha a ver com minha mãe. Mas qual o problema em dizer que eu havia sido gaga enquanto criança? Pierre estava escondendo algo e eu descobrira o que é.
-- Alice? Acorde, menina! Perguntei como está seu inglês! -- Pierre me arrancou de meus devaneios.
-- Está ótimo, Pierre. Inclusive tenho que ir estudar. Prova essa semana. -- De onde saiu tanta coragem? Deve ter sido a necessidade de sair dali.
-- Está certo. Tenho mesmo que voltar ao hotel. -- Ele se levantou e Fátima entrou na sala. Na frente dela o teatro começou. Se virou em minha direção, me enlaçando num abraço tão vazio que senti meu coração endurecer mais um pouco, como em todos esses anos.
-- Seja uma boa menina. -- Sussurrou antes de me largar. Dessa vez a lembrança que sempre me escapava voltou com força. Me joguei de volta no sofá e Pierre saiu fechando a porta atrás de si.
Quando ele sussurrou essas palavras lembrei de um cemitério. Ele me disse a mesma coisa há muito tempo atrás.
Ainda tentando lembrar mais sobre o passado, observei Fátima indo em direção a cozinha. Perguntei antes que se afastasse.
-- Fá, Pierre me contou que eu fui gaga durante um tempo quando eu era criança. .. Você se lembra? -- Comentei da forma mais desinteressada que eu pude.
-- Não chama seu pai pelo nome, menina. Isso é falta de respeito. Logo com seu Pierre que sempre que pode tá aqui contigo, todo cuidados com você. Trabalha demais o coitado. E faz vistas grossas pra tuas farras, né? Só pra não te desagradar. -- Tive que revirar os olhos e fazer uma careta estranha.
-- Okay, Fátima, mandamos canonizar semana que vem. Você lembra ou não? -- Minha paciência não é lá das maiores.
-- Ta bom, ta bom. Deixa eu ver. Lembro sim, Licinha! Acho que foi o susto e a tristeza de perder sua mãe. Você parecia aterrorizada o tempo todo. Aí ficou gaguejando sem parar. Todo mundo se preocupou, menos o seu pai. Um dia ele te levou pra passear, você voltou e ficou umas 2 semanas quietinha sem dizer nada. Quando falou não gaguejou mais. -- Ela disse me olhando e percebi que não sabia de nada mais.
Levantei e fui para o meu quarto. Às dez da noite estava mentalmente exausta. O som estava baixinho e resolvi me focar na letra e parar de pensar sobre meu passado. Me reconheci nela. A voz do Dani Black me esbofeteou na cara.
Quando eu olho pra você
Vejo silêncio e lágrima
Incrustados num mundo de solidão
O que se mostra o que dá pra ver não é lástima
Do que de fato habita o seu coração
Tanta coisa parada sem par
Tanta coisa presa
Na tristeza de se refrear
O que a vida mais preza
A certeza de ser fiel
A própria natureza
Como você poderia saber
Se nesse mundo seu
Você não dá motivos ao sol
Pra clarear nova era
Você não ouvidos ao som
Que anuncia a quimera
Você não agoniza de amor
Mas já não sabe onde mora
É só sorriso mas não consegue chorar
Isso não ameniza seus ais
Não põe as mágoas pra fora
Não abandona a casa da dor
Quem quando dentro ignora
Você não admite sofrer
Mas já se vê sem escolha
É só sorriso mas não consegue chorar
Essa música me fez pensar no que de fato estou fazendo com a minha vida. Será que essa minha falta de lembranças é resultado de uma interiorização de mágoas? Uma coisa me pareceu clara: aconteceu algo tão traumático no passado que me fez reprimir todas as minhas memórias, além de me causar esse pavor irracional de Pierre. A chave para isso era com certeza morte da minha mãe.
Adormeci pensando numa forma de resolver esse mistério. Não esperava que um sonho me ajudasse a lembrar.
"Da minha altura só conseguia ver suas pernas, mas eu sabia que era Pierre com uma de inseparáveis calças pretas. Ele me levava pela mão, andávamos entre o que hoje sei que sao túmulos. Chegamos até um e paramos. Era uma plaquinha simples no chão, meus olhos estavam embaçados de lágrimas e não lembro do que estava escrito. A voz de Pierre me causou sobressalto.
-- Aqui que sua mãe esta. Não escute Fátima. Ela não está dormindo, está morta. Você entende o que estou dizendo? Sua mãe está enterrada aí e não sairá. --Disse se ajoelhando na minha frente, com a cabeça de lado, me avaliando.
Chorei muito. Nunca me senti tão só. A voz dele me causava arrepios, como hoje em dia.
-- Não sei se acredita ter visto algo, mas você imaginou. Sabe, filhinha, você não vai querer acabar como sua mãe. Você é uma menininha esperta. -- Sorriu cruel e se aproximou. -- Seja uma boa menina. -- Me abraçou."
Agora abri os olhos com Fátima me chamando pra escola. Olhei para o teto absurdamente desperta. Não foi só um sonho, foi uma lembrança.
Tomei banho e saí sem comer nada. Caminhei até a escola no automático. Entrei direto na sala e segundos depois a professora entrou fechando a porta. Continuava a pensar no sonho quando reparei a inspetora pedindo autorização para entrar. Sendo atendida, o fez sendo seguida por uma menina cujos olhos eu reconheceria em qualquer lugar.
Maria Luiza foi apresentada a turma e a professora pediu que ela sentasse onde quisesse. Acompanhava cada passo seu e percebi que se aproximava de mim. Fiquei surpresa quando se sentou ao meu lado sendo beneficiada pelo atraso de Duda.
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Fim do capítulo
Oi, gente!
Mais um capítulo, espero que tenham gostado!
Beijos carinhosos!
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