Marcella

Acordei e senti meu corpo frio, abri os olhos já pressentindo que Bianca não estaria ali. Estava certa, apenas o lençol amassado ao meu lado denunciava que não fora um sonho o que havia acontecido entre nós. Tínhamos conversado por muito tempo, trocando promessas e juras de um amor que eu nunca havia vivenciado ou sentindo antes. Nossos olhares expressando tudo o que as palavras não conseguiam dizer. Nossos lábios se procurando a todo instante, ora com pequenos toques, ora com beijos inebriantes. Nossos corpos colados nos aquecendo, minhas mãos procurando suas curvas macias em breves carinhos. E quando essas carícias se tornaram mais íntimas eu a tinha amado mais uma vez, sentindo o seu gosto explodir em minha boca enquanto o deleite invadia o meu ser.

Lembrei-me do instante em que a vi parada na porta sob a luz do luar, eu estava me arrumando para encontrá-la, quando virei e me deparei com aquela imagem, por um momento achei que estava sonhando. Tão linda! Etérea na camisola de seda branca. Era o meu anjo estava ali, mas dessa vez era um anjo sedutor. Imediatamente meu corpo se acendeu. Caminhei até ela ainda sem acreditar no que meus olhos viam. Mas ao tocá-la, já não me importava mais se era sonho ou realidade só a excitação era palpável.

No instante que meus lábios tocaram os seus e roubaram a doçura deles soube que era um caminho sem volta, ela seria minha e eu dela. A busca por seus caminhos de forma lenta e delicada, foi para mim uma tortura, pois o desejo que me consumia era tão grande que minha vontade era possuí-la furiosamente para saciar meu tesão de forma imediata e voraz.

Fazer amor com Bi foi o momento mais perfeito da minha vida. Sentir seu corpo nunca antes tocado corresponder aos meus afagos, a sua entrega total e absoluta a mim, a satisfação incontida, os sussurros e gemidos que encheram meu quarto, o cheiro do sex* que se espalhou pelo ar, os orgasmos intensos, tudo isso me fez crer ainda mais na existência do paraíso.

Já havia feito amor antes, mas era praticamente uma criança, não tinha as mesmas manhas, e nem o mesmo sentimento profundo e devastador. Havia pressa e urgência, sem a paciência que traz a plenitude. O amor como tudo o mais na vida amadurece, se transforma, agiganta.  Agora era uma mulher feita, e meus sentidos estavam todos despertos. Agora eu sabia como fazer uma mulher chegar ao êxtase.

Olhei para o relógio de cabeceira, ainda eram cinco horas da manhã. Com certeza ela havia voltado para seu quarto e assim quando Duda acordasse estaria ali. Eu sabia que Bianca estava certa, mas queria que pudesse ter ficado ao meu lado o resto da noite, para que quando eu acordasse pudesse tê-la novamente. Minha fome dela parecia não ter fim. Eu a queria de todas as formas possíveis, mas sabia que era preciso calma, afinal além de ser virgem ela não possuía muitas informações. Sentir seu gosto e seu cheiro, poder roçar meu corpo ao dela havia de alguma forma conseguido apaziguar um pouco do meu desejo, mas queria estar dentro dela, sentir seu calor. Só de imaginar meu corpo ganhou vida própria, meu sex* intumesceu e se umedeceu.

Ajeitei-me melhor na cama e contive a vontade de ir até dela, sabia que Bianca não ficaria feliz com aquela atitude. Ainda precisava me acostumar com o fato de mantermos nosso romance escondido. Como gostaria de poder espalhar minha alegria aos quatro cantos. De repente um calafrio percorreu meu corpo e uma antiga lembrança invadiu minha mente.

- O que você esta fazendo Marcella? Enlouqueceu? – Viviana falou assustada me empurrando após sentir meus lábios nos dela.

- Me desculpe Vivi, eu ... é que... eu sinto muito, mas não resisti. – Falei super sem graça.

- Como assim? Não resistiu a que? – Ela estava confusa.

- Eu ... Vi, você nunca percebeu? Não sabe o que sinto por você? – Perguntei com a boca seca.

- O que você está dizendo? Nunca percebi o que? – Me olhava de um jeito estranho.

- Eu sou apaixonada por você. Não, apaixonada não, eu te amo Vi! – Respondi de uma vez, afinal de que adiantaria mentir?

- Você está doida? Nós somos garotas. Que história é essa agora? – A expressão em seu rosto era de incredulidade misturada a algo parecido com nojo.

- Não fale assim, por favor. Faz com que eu pareça um monstro ou um ser extraterreno. Sou apenas eu: Marcella. A mesma pessoa de sempre. – Estava chateada.

- Mas você acabou de dizer um disparate. Quer que eu fale como?  Você está me assustando. Por que esta falando essas coisas? – Continuou ela

- Por que um disparate? Só porque não te vejo apenas como uma amiga? Porque nutro desejos diferentes das demais meninas? Então ser homossexual é pra você um absurdo? – Falei extremamente insatisfeita com a sua observação.

- Como assim homossexual? O que está acontecendo aqui? – Seus olhos ficaram enormes.

- Sim, é exatamente isso que eu sou. Lésbica se você preferir. E o que está acontecendo é que estou me abrindo com você. – Retruquei erguendo o queixo.

- Eu nunca imaginei. Você sabe que isso é anormal não é verdade? E é condenado por Deus. – Ainda estava abismada com a descoberta.

- Menos, por favor, Viviana. Eu sou muito normal como você bem sabe, afinal já convive comigo há seis meses. Acredito que nunca tenha visto nenhuma anteninha verde na minha testa. Além disso, nenhum tipo de amor é condenado por Deus. – Perdi a paciência diante daquela declaração.

- Está escrito na bíblia. Eu já li sobre isso. – Ela devolveu rapidamente

- Ah, sim e tem muitas outras coisas escritas na bíblia! Como o pedido de sacrifícios de animais para louvor a Deus. Isso no antigo Testamento. E também a poligamia. – Minha voz se elevou.

- Fale mais baixo quer acordar a casa toda? – Me repreendeu.

- É que esse assunto me incomoda. As pessoas não percebem que muitas das coisas escritas são parábolas, e outras manipuladas. Só enxergam o que querem ver. – Voltei a falar baixo.

- Ou então pra que possamos esconder nossos pecados utilizamos esses argumentos. Marcella você tem que parar com isso! Tem que procurar ajuda! Escute-me. Eu falo para o seu bem.  – Ela colocou as mãos nos meus braços.

- Procurar ajuda? Parar com isso? Você quer dizer que eu devo morrer e nascer novamente como hetero? Porque essa é a minha essência. Sou o que sou. Eu não escolhi ser assim, nasci dessa forma. E não sou doente, se é isso que esta sugerindo. Mas pelo que vejo uma forma diferente de amar é uma coisa condenável para você. – Disse abaixando a cabeça para que não visse meus olhos úmidos.

- Eu não consigo entender. Desculpe-me. Pra mim isso é errado. Foi assim que fui criada. Estou desorientada. Não quero magoar você, porém...

- Eu já entendi. Não precisa dizer mais nada. Talvez seja melhor nos afastarmos. Não quero te causar problemas. E nem deixá-la confusa com a minha ... maneira deformada de amar.– Estava muito triste com a reação dela.

- Eu acho que você tem razão, melhor ficarmos distantes por enquanto, principalmente pelo fato de achar que está apaixonada por mim. – Sua voz era um murmúrio.

- Eu não acho apenas Vivi, eu sei que estou. Mas percebo o meu erro em te contar isso. Deveria ter permanecido te amando calada no meu canto. – Comentei

- Na verdade Marcella, e me perdoe a sinceridade, acho que você não deve sair contando isso por aí. Muitas pessoas não vão entender, e outras vão te condenar, não que eu esteja fazendo isso, apenas estou confusa, não esperava saber disso assim, dessa forma. Contudo você deve entender que não é todo dia que encontramos pessoas assim como você. E não quero que se machuque ou que algo de ruim possa te acontecer. – Ela disse em um rompante.

- Oras, muito obrigada pelo “pessoas assim como você.” Fique tranquila, eu sei como é a visão hipócrita da sociedade, e não me importo com o que pensam. Minha família me aceita como eu sou e é isso que tem verdadeiro valor para mim. - Argumentei orgulhosa.

- Sua família sabe? E aceita? Mas como? – Espantou-se novamente.

- Eu tenho o amor incondicional de todos os que amo , que sabem quem eu sou, conhecem meu caráter e é por ele que me julgam e não por quem eu levo pra cama. – Fui grosseira de propósito.

- Você já foi pra cama com uma mulher? – Horrorizou-se

- Sim. E foi muito bom. Mas acho que você não gostaria de saber os detalhes não é mesmo? – Ironizei.

- Claro que não! – Tornou rapidamente.

- Então vamos parar com essa conversa. Melhor voltar a dormir. E fique sossegada que não vou te agarrar. Não cometo um mesmo erro duas vezes. – Me virei de lado e fechei os olhos a mágoa me dominando a ponto de doer.

Ela também se virou, mas percebi que assim como eu ela não conseguiu dormir o resto da noite. Mal o dia amanheceu eu me levantei, me troquei e fui embora imaginando que nunca mais voltaria a ser amiga de Viviana novamente.

Naquela época eu havia recebido um conselho, mas minha arrogância e minha juventude me fizeram passar por cima do que havia escutado sem perceber que mesmo com toda a ignorância de Vivi sobre o assunto ela havia conseguido enxergar a verdadeira capacidade do mal que existia no mundo. Talvez se tivesse me mantido calada e apenas guardado o que sentia para mim mesma nada daquela tragédia tivesse acontecido.

Levantei-me e atravessei a porta de correr indo para a sacada. Aquela lembrança me trazia um gosto amargo à boca. Dessa vez ouviria Bianca. Se ela queria assim devia ter um bom motivo para isso, e eu a respeitaria. Em pouco tempo o sol nasceria e com ele um novo dia, assim eu devia fazer, deixar o passado para trás e viver o novo. Um dia por vez.

Permaneci um tempo parada ali observando enquanto o dia clareava e quando o sol começou a despontar voltei para meu quarto já mais calma, deitei e voltei a dormir. Em meu sonho estava sentada em lugar tranquilo à beira de um riacho, passarinhos cantavam e o perfume de flores pairava no ar. Estava maravilhada com a paz que sentia, tudo ali era a perfeição. De repente um senhor sentou-se ao meu lado e permaneceu em silencio junto comigo durante um bom tempo, apenas contemplando aquele lindo cenário. Então ele começou a falar e sua voz era mansa e doce.

- Minha filha querida, sei que se sente perdida e desorientada, e às vezes até se revolta com as coisas que lhe aconteceram, mas lembre-se tudo tem um propósito. Nada acontece sem que haja um motivo de ser.

Olhei para ele e mergulhei no lago de serenidade de seus olhos azuis. Nunca havia visto aquele senhor em minha vida, porém parecia que o conhecia há desde sempre.

- Por mais que se sinta só em determinados momentos, isso não é uma verdade, sempre estarei ao seu lado para ajudá-la e ampará-la. Confie. Tudo dará certo. Não desanime nem perca a fé. – Continuou ele

Ele então pousou a mão em minha cabeça e fez uma linda oração. Meu coração se desanuviou instantaneamente. Ao final deitei em seu colo e ali permaneci durante o resto do meu sono, recebendo carinho e conforto para minha alma, estava ficando cada dia mais clara.

Fim do capítulo