CapÃtulo 4 Descobertas
Passaram-se vários minutos desde que Malvina dissera para que a esperasse na varanda, e nada dela aparecer, já estava ansiosa com o pedido de acompanhá-la no passeio, com sua demora acabei ficando nervosa também.
Andava de um lado para o outro na varanda, ouvindo o som irritante dos meus próprios passos, no momento que percebi a presença de mais alguém na varanda, parei e fixei meus olhos no "intruso", para instintivamente prender o ar.
Malvina estava parada diante de mim, usando trajes tipicamente masculinos, ao menos ali em Goitacases eram considerados masculinos, mas sabia que era moda na Europa e certamente ela adquirira no período que viveu em Lisboa. A calça num claro estilo de montaria, muito semelhante a que os homens usavam para cavalgar, porém um tanto mais justa, marcando despudoradamente suas pernas. Completando suas vestimentas, ela usava uma camisa feminina branca, e botas de montar pretas assim como a calça, e um chapéu panamá.
Fiquei ali, analisando-a minuciosamente enquanto ela me observava de forma divertida. Fui arrancada dos meus devaneios com o relinchar de "Trovão", um dos cavalos do comendador Almeida, meu antigo senhor. Voltei minha atenção e meus olhos para o animal, quebrando o contato visual que mantinha com minha senhora, era Miguel meu pai, quem trazia Trovão até o pé da escada.
--Vamos Isaura...
--Sim senhora...
Acompanhei-a até onde meu pai estava, feito um autômato, despertando do meu estado letárgico, apenas quando vi a senhora Malvina montar Trovão de forma ágil, e estender a mão para mim.
--Venha...
O que? Como assim "venha"? Por acaso ela queria que eu montasse em Trovão? Justo ele que era o cavalo mais intempestivo que a fazenda possuía? Retesei meu corpo, esbugalhando involuntariamente os olhos, fazendo com que minha senhora gargalhasse.
--Não tenha medo Isaura! Sou uma amazona exímia.
Me deixei levar pelo seu olhar, que naquele instante era intenso, profundo, estava grudado no meu. Ainda que timidamente, me aproximei de Trovão, aceitando a mão estendida de Malvina.
Malvina acomodou-me em sua frente, senti seus braços rodearem minha cintura, para que pudesse controlar Trovão, meu corpo estava tenso, não me sentia digna de estar ali, tão próxima do corpo macio e cheiroso de minha senhora. Fiquei imaginando o que o senhor Leôncio faria se nos visse naquela situação, mas também, o que tinha demais naquilo? Trovão afastou-se a galope pela estrada, saindo da mesma mais adiante, se embrenhando no pasto vasto que cobria os campos.
Nossas respirações acompanhavam o trotar de Trovão, nossos corpos em atrito o tempo todo, eu podia sentir sua respiração em meu pescoço, causando-me um leve desconforto.
--Diga-me Isaura...pra onde devemos ir?
Arrepiei-me, sua voz era ligeiramente rouca, no entanto sendo pronunciada em sussurros tornava-se absurdamente provocante. Suspirei antes de respondê-la, até porque estava perdida e não sabia por onde começar.
--Bom...se seguires por aquela direção...chegaremos até o lago.
Malvina não respondeu, apenas guiou Trovão pela direção onde eu havia apontado. Rapidamente chegamos ao topo de um monte, alguns metros abaixo havia uma estrada que passava ao pé do monte, e do outro lado ficava o lago curvilíneo. O lago era lindo, mas não era próprio para banho, pois a água era funda apesar de ser um lago estreito que se perdia por debaixo das árvores que o cercavam mais adiante, havia uma pequena ponte que cortava o lago, por onde Malvina guiou Trovão, deixando-nos em uma espécie de ilha coberta pela grama verde.
Malvina desmontou Trovão, ajudando-me logo em seguida a fazer o mesmo, deixando o cavalo arisco, solto para fazer o que bem entendesse, afastei-me me protegendo do sol forte, ficando sob a sombra fresca de um coqueiro. Minha senhora estava a beira do lago, observando minuciosamente todos os detalhes daquela paisagem exuberante e exótica.
--O que há além da mata?
Voltei minha atenção a minha senhora, que naquele instante encarava-me inquisidora. Entristeci-me levemente, para então responder sua pergunta.
--Se seguirmos o curso do lago, depois da mata chegaremos a senzala.
Percebi a confusão nos traços perfeitos do rosto de minha senhora.
--Como assim senzala? Há uma senzala na fazenda?
Fiquei confusa com aquela pergunta, afinal era óbvio que havia uma senzala ali, afinal eu era uma escrava, as pessoas que trabalhavam nos porões da casa grande eram escravos, as pessoas que trabalhavam nas plantações eram escravos, por acaso ela pensava que todos viviam na casa grande assim como eu?
--Sim senhora, é onde os escravos ficam durante a noite.
Ela voltou ligeiramente o olhar para mata, como se imaginasse o que encontraria além do horizonte.
--Eu não sabia que havia uma senzala aqui na fazenda, na verdade não sabia que ainda haviam escravos por aqui.
Como é? Certo que ela vivera os últimos anos na Europa, e a escravidão fora extinta por lá há um bom tempo, mas aqui não, ainda era bem real, a única liberdade que conhecíamos era a alforria.
--Eu também sou escrava senhora...vivo na casa grande porque fora da vontade de minha antiga senhora, esposa do comendador Almeida. Seu esposo mencionou na noite passada, que eu vinha das senzalas...
Desviei os olhos das esmeraldas de minha senhora, a humilhação sofrida por parte de meu senhor voltara com força total, fazendo com que meus olhos ficassem rasos de lágrimas.
--Leôncio é um homem muito preconceituoso, tinha este tipo de atitudes até mesmo na Europa, tratava qualquer tipo de empregado como um escravo, imaginei que não passasse de mais um preconceito dele...acreditei que tu fostes alforriada...
--Não senhora...
Minha senhora aproximou-se de mim, fazendo com que meu coração batesse descompassado mais uma vez, seu perfume confundia todos os meus sentidos, fazendo com que eu me recriminasse mentalmente por tais sentimentos libidinosos.
--Leve-me até lá Isaura.
Estremeci ao ouvir meu nome sendo pronunciado pela sua voz rouca e compassada, só consegui imaginar um tal de " pai nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome...", afinal aquela vontade insana de tocá-la só podia ser obra maligna.
Respirei fundo, e com um manear de cabeça concordei em levá-la até a senzala.
Fim do capítulo
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