Bianca

Estava brincando com Dudinha no jardim e percebi que Marcella se aproximou e ficou nos olhando por um momento, a expressão em seu rosto era de enlevo, mas de repente se transformou em uma máscara de fúria o que me assustou. O que será que havia acontecido para essa mudança tão brusca?

Continuei a brincadeira por mais algum tempo e depois levei a criança para dentro, liguei a televisão e começamos a assistir desenhos, porém eu mal prestava atenção ao que estava passando, meus pensamentos voltados para aquele rosto perfeito.

Isso agora era uma coisa constante, era só ficar parada que minha mente começava a divagar e invariavelmente era para ela que se voltava. Eu tentava pensar em outras coisas, mas não conseguia, começava a ler e não saia da mesma página. Até havia sonhado com ela, e o pior foi que no sonho eu a beijava.

Aquilo estava me incomodando muito, tinha medo do que sentia, e já não sabia mais o que fazer. Estava perdida. Precisava de ajuda, mas por quem deveria procurar? Um padre talvez, já havia um bom tempo que eu não me confessava, porém eu tinha medo do que ele poderia me pedir, e se ele quisesse que eu abandonasse meu emprego? Eu precisava do trabalho, e além do mais havia me afeiçoado demais a Duda, e também a dona Maria Thereza... e não podia mentir pra mim mesma, também sentiria falta dela. Meu Deus, por favor me ajude.

Estava distraída e não percebi que a razão dos meus pensamentos estava parada me observando, quando notei levei um susto e minha respiração se acelerou.

- Dona Marcella, a senhora precisa de alguma coisa? - Perguntei afobada

- Sim Bianca. – Disse e sentou-se ao meu lado pegando a criança que havia cochilado no sofá no colo. – Hoje aconteceu uma coisa muito desagradável. Que me deixou nervosa e muito brava.

- Pude perceber pelo seu rosto que algo não estava bem. – Respondi sem pensar

- Percebeu pelo meu rosto? – Ela indagou

- Sim, sua expressão está carregada. Seu semblante sombrio. Os olhos escuros.

- Poxa você consegue me ler tão fácil assim? Sempre percebe essas coisas ao me olhar?

Corei absurdamente. Eu e minha boca grande. Agora saberia que eu ficava reparando quando ela estava perto de mim.

- Bem... eu... Sabe tenho esse dom, se é que se pode chamar assim. E a senhora é uma pessoa bem expressiva. – Falei encabulada

-Entendi. Mas vamos voltar ao que preciso te falar. Bernardo, que é o pai das meninas, esteve hoje aqui e ameaçou tirar a guarda delas de mim.

- Nossa! Mas ele não tinha fugido com outra mulher?

- Bem pelo jeito você já sabe da história não vou precisar perder um tempo para contar. – Ela retrucou levantando uma sobrancelha.

- Desculpe, eu não fiquei bisbilhotando.

- Sei disso. Esse acontecimento se tornou de domínio público por aqui. Mas respondendo a sua pergunta, sim ele fugiu com outra mulher e também com uma grande quantia em dinheiro que roubou da empresa.

- Meu Deus!! Isso eu não sabia.

- Poucas pessoas sabem desse fato.

- E porque voltou então?

 - Com certeza soube da morte de Marina e quer a guarda das crianças para poder usar o dinheiro delas.

- Jesus! Tem certeza disso dona Marcella?

- Eu conheço muito bem aquele canalha. Não vale o ar que respira!

- Isso não pode acontecer.

- E não vai. Farei o que for possível e o que for impossível para detê-lo. Mas você precisa ficar atenta. Com certeza ele virá mais vezes, pois entrou com um pedido para poder visitar as crianças enquanto o processo corre.

- E o que eu posso fazer? Se ele ganhar o direito de visita não posso impedi-lo de ver as meninas.

- Não, mas pode ficar o tempo todo ao lado delas. Ele não pode ficar sozinho com as garotas. Não confio naquele homem. Por dinheiro é capaz de tudo.

- Claro. Farei isso. Pode deixar.

- Isso são apenas conjecturas. A minha advogada está vindo e vou ver o que se pode fazer nesse caso. Mas melhor me precaver.

- A senhora pode contar comigo.

- Eu sei disso. E como anda seu relacionamento com Zanne? Percebi que ela anda mais calma.

- Ela é um amor de menina dona Marcella. Só está naquela idade complicada. Mas seu coração é bom e puro. Não há maldade dentro dela.

- Você conseguiu descobrir porque ela tem tanta raiva de mim?

- Ainda não. Porém percebi que os atritos entre vocês diminuíram. Acho que logo ela me conta.

- Sim estamos brigando menos. Ela até deitou em meu colo hoje quando fui conversar sobre o que tinha acontecido. Foi inesperado. – Disse sorrindo

- Que bom! Isso é um ótimo sinal. Talvez ela esteja começando a enxergar os fatos.

- Também penso assim. E tudo por sua causa. Você faz muito bem a ela. Sua companhia a mantem tranquila. Muito obrigada Bianca, por tudo.

E enquanto dizia essas palavras colocou a mão sobre a minha em um simples gesto de agradecimento. O clima da sala mudou no mesmo segundo. Um tremor percorreu instantaneamente meu corpo, como se eu tivesse levado um choque. Fixei meus olhos em sua mão e quando levantei a cabeça notei que ela estava me encarando com uma interrogação muda presa no olhar de um cinza profundo e intenso. Será que ela havia percebido o tremor? Meus lábios secaram e passei a língua neles sem sequer pensar no que estava fazendo.

Então algo impensável aconteceu, ela levou a mão até minha face e sem parar de me encarar deslizou a ponta dos dedos pelo contorno do meu rosto até chegar aos meus lábios onde os deslizou suavemente. Eu não conseguia sequer respirar, seu rosto foi mansamente se aproximando do meu, eu sabia o que ela ia fazer, mas não conseguia me mover, sua boa estava praticamente na minha quando de repente Duda começou a chorar.

Foi como se saíssemos de um transe, dei um pulo e ela se afastou sem graça. E começou a acalmar a menina. Quando ela parou de chorar, Marcella ficou em pé e me entregou a bebê.

- Desculpe Bianca, eu sinceramente não sei onde estava com a cabeça. Eu te garanto que isso não acontecerá novamente. Eu não sei nem o que te falar. Foi um lapso. Acho que eu fiquei ... Enfim, me perdoe. – Ela passou as mãos pelos cabelos, era perceptível como aquilo a tinha afetado.

- Tudo bem. – Sussurrei.

- Eu vou para o escritório. Com licença.

Deu meia volta e foi embora da sala rapidamente, meu coração ainda estava aos pulos. Fechei os olhos. Eu estava ficando completamente louca. O que havia sido aquilo? Ela ia me beijar, e eu ia deixar. “Sim, e mais do que deixar você queria muito que isso tivesse acontecido” meu subconsciente começou a me dizer. “Você desejou esse beijo e ficou chateada por que ele não aconteceu”, continuou ele.

- Não, não, não...- Falei sozinha

- Não Bi? O que foi Duda fez? – Duda falou olhando interrogativamente pra mim.

- Não foi nada minha princesinha, está tudo bem. – Respondi beijando sua testa.

O que estava acontecendo comigo, eu sempre fora uma pessoa normal, e agora isso? Eu tinha virado uma, sei lá que palavra usar, anormal??? Invertida? Possuída? Na minha próxima folga eu iria até a biblioteca, precisava descobrir como deixar de sentir aquelas coisas. Devia existir uma cura para aquilo. O pior de tudo é que meu corpo respondia de uma forma surreal, senti o bico dos seios intumescerem, uma comichão no ventre, o meu sex* molhado, minha pele queimando e uma angustia que me consumiu, como se eu estivesse precisando de algo sem saber exatamente o que.

Resolvi subir para o quarto de Maria Eduarda e coloca-la para brincar com seus brinquedos, mas antes que chegássemos, ouvi dona Maria Thereza começar a gem*r sem parar e me encaminhei até os seus aposentos. A senhora estava curvada sobre o leito, com as mãos sobre a barriga e branca como papel. Coloquei a criança no chão e corri até ela.

- Dona Maria Thereza, o que está acontecendo? – Falei me abaixando para ampara-la.

- Filha, essa dor está acabando comigo. Eu não sei o que acontece, eu melhoro e depois de um tempo as dores voltam. Já fiz vários exames e nada foi encontrado. Não há diagnostico para o que tenho.

- Nossa. Mas tem que haver alguma coisa errada. Já repetiram os exames? Isso não é certo. Há quanto tempo a senhora sente essas dores?

- Desde o começo do ano. Nunca tinha sentido nada. Tinha a saúde perfeita apesar da minha idade. Aos oitenta anos muitas coisas param de funcionar, mas eu não podia reclamar. E de repente isso começou a acontecer.

- Quer que eu chame um médico? Ou a dona Marcella?

- Não, por favor. Não incomode a Cella. Ela já tem coisas demais para resolver. Eu já estou melhor. As dores diminuíram.

- Tem certeza?

-Tenho sim, minha querida. Agora pegue a Duda antes que ela termine de tirar o resto das minhas camisolas da gaveta.- Falou sorrindo

Olhei em direção da menina que tinha aberto a última gaveta da cômoda e estava tirando peça por peça de roupa lá de dentro e jogando no chão. Corri até lá e peguei a criança no colo.

- Desculpe senhora, eu vou arrumar a bagunça que essa mocinha fez. – Disse enquanto fazia cócegas em sua barriga fazendo a pequena rir alto.

- Não se preocupe com isso Bianca. Eu peço para Amanda arrumar. Só de ouvir essa risada pura e limpa já estou me sentindo muito melhor. Traga essa bagunceira até aqui para que eu possa beijá-la.

Caminhei até a cama e coloquei o bebê em seus braços. Imediatamente Dudinha abraçou a bisavó.

- Bisa Duda ama cê!

- Também te amo meu anjinho! – A senhora respondeu beijando sua bochecha rosada, e acariciando seus cachos. – Agora vai com a Bi. A Bisa precisa descansar.

Eu a peguei de seus braços, e encarei o rosto da senhora que ainda estava pálido. Fiquei preocupada. Senti um aperto no peito. Alguma coisa naquilo estava errada, mas não sabia o que. Aquilo meu deu medo. Muito medo.

Fim do capítulo