Capítulo 32. Hidden feelings
Uma semana inteira se passou desde a noite incrivelmente maravilhosa e cheia de confusões que Emily havia passado ao lado de Mila.
-- Emily, querida, acorde. -- Katrien adentrou ao quarto em passos apressados. -- Alice já está lá em baixo te esperando.
A ruiva abriu os olhos com dificuldade e após apertá-los diversas vezes, prestou-se a mantê-los abertos.
-- Mas já? -- Murmurou entre um bocejo enquanto se espreguiçava na cama. -- Essa minha amiga precisa parar de chegar antes do combinado. -- Emily levantava da cama trazendo o cobertor junto de seu corpo, arrastando-o como uma capa pelo quarto. O cabelo desgrenhado da ruiva fez a mãe soltar um breve riso, abafado pelas próprias mãos dela. A manhã estava gelada, deixando Emily com calafrios pelo corpo, mesmo usando um pijama de moletom branco. Ela não pensou duas vezes antes de arrastar o cobertor até a porta de entrada do banheiro, deixando-o sobre a mesa de canto.
-- Ou talvez seja você que precise começar a acordar para os teus compromissos Emily. -- Katrien abria a cortina da enorme parede de vidro, permitindo que a pouca luz da manhã de sexta feira invadisse todo o quarto, dando aos olhos da filha não apenas um desconforto pela claridade repentina, mas também a visão do tempo fechado e chuvoso que estava lá fora.
Emily resmungou mais algumas palavras antes de entrar no banheiro, mas todas em tom baixo de mais para que sua mãe ouvisse.
-- Vou preparar teu café enquanto se arruma. -- Ela pegou o cobertor sobre a mesa de canto e o jogou na cama da filha, sabendo que se não o fizesse, a ruiva também não o faria. -- Não demore muito. -- Katrien deixou o quarto, indo ao encontro da amiga da filha que esperava de forma impaciente na sala.
-- Ela ainda estava dormindo, não estava? -- Alice perguntou com convicção, carregando mais afirmação do que interrogação em seu timbre de voz. Observou Katrien terminar de descer as escadas e chegar até ela, carregando nos lábios um sorriso indecifrável nos lábios, deixando a advogada completamente confusa.
-- O que foi? Que cara é essa? -- Alice não se conteve, franzindo a testa e encarando aquela mulher que sempre fora uma segunda mãe para ela.
-- Sabe, desde a primeira vez que eu vi você e minha filha juntas, sem estarem naquele pé de guerra, é claro. -- Katrien deu uma risada curta e nervosa. -- Eu sempre achei que seria você a mulher que, mais cedo ou mais tarde, tomaria o coração dela. -- Alice sentiu sua garganta secar com as palavras da mãe da amiga. Aqueles olhos tão azuis quanto os de Emily cercavam-na, intimidando-a. -- Eu sempre soube, Alice, que se fosse desse jeito, Emily jamais sofreria ou deixaria de ser feliz. -- Katrien se aproximou, sem desprender o olhar da jovem que demonstrava tanta surpresa em seu rosto.
-- Co.. Com.. -- Alice travou ao sentir seu corpo estremecer pelo nervosismo que esse assunto lhe provocava. Desde que Emily fora embora da cidade, ela jamais havia parado para pensar nesse assunto, e ouvi-lo de forma tão repentina trazia-lhe uma série de lembranças ruins e boas, mas especialmente as boas. Alice fechou os olhos, forçando-se a manter a calma e a razão diante da situação em que era colocada, ela respirou fundo, tentando recuperar as palavras que lhe fugiram da boca, mas não obteve êxito até o instante em que sentiu a mão de Katrien tocar seu ombro. – Como é que você pode, ou poderia, naquela época, saber disso? -- Falou enquanto reabria os olhos em um movimento suave e lento, sentindo sua voz vacilar em alguns momentos.
Um sorriso doce formou-se nos lábios de Katrien.
-- Eu via a forma como você olhava para a minha filha, Alice. Seu olhar tomava um brilho completamente diferente toda vez que você a encontrava, e eu simplesmente sabia que esse não era um brilho qualquer. Seus olhos, seu rosto, seus gestos... -- Katrien passou a mão no rosto da jovem. -- Você mudava só de estar no mesmo ambiente que ela. Ainda muda, para falar a verdade. -- Katrien olhava com muita atenção todas as reações da jovem, reações essas que não escondiam, em momento algum, o nervosismo e também os sentimentos que todas aquelas palavras traziam para ela. Alice sentiu-se acuada pelas verdades ditas pela mãe da amiga, verdades que ela insistia em omitir não só para ela mesma, mas também para todos a sua volta. -- Eu só nunca entendi uma coisa, uma única coisa sobre você. -- Katrien repensava na possibilidade de fazer ou não a pergunta que sempre tivera em seus pensamentos, até o instante em que Alice incentivou a fazê-la:
-- E o que seria? -- Aquelas palavras, ditas em baixo tom, demonstravam a insegurança e também o receio do que poderia ouvir.
-- Você não... -- Katrien umedeceu os lábios enquanto reformulava a pergunta, tentando ser o mais objetiva possível. -- Porque você nunca disse isso à Emily? – Seu olhar se perdeu dentro da imensidão daqueles olhos em tom quase dourado que Alice tinha. Ela se abstraiu da realidade em que estava por um longo tempo, até que inconscientemente, suas palavras acabaram fazendo-a de desentendida.
-- Isso o quê? -- Ela abaixou o olhar, evitando o contato intenso que a mãe da amiga mantinha com ela.
-- Que você a ama. -- A sinceridade de Katrien fez o coração da jovem acelerar em ritmo descompassado, enfraquecendo suas pernas e deixando suas mãos trêmulas.
-- Você já amou alguém Katrien? -- Ela levantou o olhar. -- Digo, é claro que já. Elliot foi seu companheiro por anos. O que estou tentando dizer é... -- Alice sentiu seu coração apertar, causando-lhe uma desconfortável dor a cada batida. -- Você já amou tanto alguém a ponto de desistir desse amor? -- Katrien franziu a testa, confusa com as palavras da jovem. -- Emily nunca sentiu-se dessa forma ao meu respeito. Ela nunca me amou desse jeito, e insistir nessa história só traria sofrimento a ela e a mim. A ela, porque conhecendo-a tão bem quanto eu conheço, ela se sentiria culpada por não conseguir retribuir esse sentimento. E a mim... Bom, pra que me dar esperanças a toa, certo?! -- Alice tentava por a razão acima de qualquer sentimento que pudesse instintivamente querer voltar a aflorar. -- O que estou tentando dizer, mãe. -- Alice referiu-se a ela como se fosse sua própria mãe, transmitindo o carinho que sentia por ela com um único gesto. -- É que se eu insistisse nesse amor, Emily e eu jamais seriamos tão amigas quanto somos hoje. -- A razão de Alice se esvaiu no momento em que as lembranças de sua amizade com a ruiva vieram à tona, fazendo com que lágrimas dolorosas brotassem de seus olhos, mas ela se recusou a deixá-las cair. -- E eu percebi que... -- Sua respiração ficou pesada. -- Que eu prefiro tê-la dessa forma à não tê-la comigo. -- Alice fechou os olhos, tendo a certeza de que se não o fizesse as lágrimas escapariam de seus olhos.
Katrien sentiu seu coração apertar quando finalmente entendeu os motivos pelos quais a jovem havia guardado esse sentimento por tantos anos. Ela sempre soube dos sentimentos de Alice por Emily, mas depois que a filha fora para Ouro Preto, as oportunidades de ter essa conversa com Alice simplesmente não existiram, sendo hoje, o único dia em que ela pôde questioná-la.
Alice sentiu seu rosto ser tocado pelas mãos mornas e delicadas de Katrien, que afagaram-na enquanto as lágrimas escapavam-lhe dos olhos que se abriam com tanta recusa.
-- Eu queria que minha filha pudesse enxergar com tanta clareza quanto eu. -- Katrien secava as lágrimas da jovem com seu polegar.
Alice puxou todo o ar que podia, engolindo o choro até que posteriormente recuperasse o equilíbrio do seu estado emocional. Ela forçou um sorriso na tentativa de ocultar o quanto sentia por saber que Emily jamais a enxergaria dessa forma.
-- É melhor do jeito que está. -- Mentiu.
Katrien suspirou, tentando se conformar com as palavras da jovem.
-- É por isso que eu sei que você faria Emily feliz. -- Katrien desviou o olhar. -- Enfim... Você já a faz feliz. Do seu jeito, mas faz, e enquanto isso for suficiente para vocês, eu farei com que seja para mim também.
-- Obrigada Katrien, de verdade. -- Alice deu um beijo na testa da mulher mais baixa. – É muito importante para mim... -- Deu um meio sorriso. -- Sentir que você ao meu lado, me apoiando.
Seus olhos se encontraram com os de Katrien, e aqueles olhos azuis acolhedores lhe traziam um sentimento de conforto e de confiança gratificadores.
-- Ela é mesmo uma fofa, não é?! -- Emily terminava de descer as escadas em passos galopantes, quando ouviu, por alto, as ultimas palavras de Alice.
Katrien observou a feição de total espanto que se formou no rosto da jovem ao ouvi-la, fazendo-a se precipitar para tomar as rédeas da situação.
-- Mamãe não te ensinou que é feio ouvir a conversa dos outros? -- Falou com sarcasmo.
-- Credo mãe. Eu não estava ouvindo conversa nenhuma. -- Resmungou já fazendo um bico nos lábios, mas ele se desfez completamente ao ver a cara da amiga. -- Alice, o que foi? Parece que viu uma assombração. -- Emily caminhou até ela, mas Alice afastou-se ao virar de costas para a ruiva, tentando responder em seguida, mas suas palavras soaram baixas de mais para que pudessem ser ouvidas.
Alice pigarreou antes de repetir as palavras.
-- Você aparece do nada feito uma assombração, como quer que eu não me assuste?! – Emily prendeu o riso. Talvez a amiga estivesse certa.
-- Okay. Não está mais aqui quem falou. -- Emily deixou-as sozinhas ao se dirigir para a cozinha.
Alice virou-se repentinamente para Katrien.
-- Você acha que ela ouviu alguma coisa? – Alice sussurrava em tom quase inaudível.
-- Me diz você. Ela parece ter ouvido alguma coisa? -- Katrien pressionou a jovem, fazendo-a pensar acima de qualquer nervosismo que poderia estar a afligindo. -- Desatenta do jeito que é, eu realmente duvido disso. -- Alice riu.
Emily sentou-se na bancada da cozinha, seu coração pulsava de forma completamente descompassada e acelerada, a pouca conversa que havia ouvido, mesmo que sem querer, delas deixou-a completamente confusa e ao mesmo tempo transtornada. Ela tentava assimilar as informações, mas todas as conclusões que conseguia chegar lhe faziam querer não ter ouvido sequer uma única palavra.
-- Não. É claro que não. -- Emily percorria a borda da bancada com as mãos, em movimentos nervosos e desorientados. -- Eu saberia... Eu... -- A ruiva cerrou os dentes. Sua respiração pesada começava a incomodar, mas ela não conseguia parar de discutir com a sua própria razão. -- Eu definitivamente saberia. -- Afirmou sem muita convicção.
A ruiva levantou-se, caminhando até a geladeira, decidida a esquecer esses pensamentos que não faziam sentido algum enquanto tomaria café.
-- Eu saberia, certo? -- Murmurou.
Alice chegou de mansinho na cozinha e recostou na bancada, observando o impasse em que Emily estava ao segurar a porta da geladeira e olhar de forma estagnada para o seu interior.
-- Sabe, deixar a geladeira aberta tanto tempo assim não é muito bom. -- Ela riu ao ver a ruiva dar um pulo de susto, ao ser desperta do transe pelas suas palavras.
Emily fechou a porta da geladeira lentamente em um movimento suave, enquanto revirava os olhos, desgostosa, para Alice. Sua feição completamente aborrecida fez com que a amiga soltasse boas gargalhadas, contendo-as com as mãos ao perceber que a seriedade de Emily não havia se alterado em nenhum momento.
-- Ops. -- A feição de “sinto muito” de Alice foi de fato um tanto fofa, amolecendo a ruiva. -- Má hora para a revanche? -- Emily deu um meio sorriso, sem mostrar os dentes, enquanto arqueou suas sobrancelhas e confirmou a pergunta da amiga em um simples movimentar de cabeça. -- É, deve ser ruim mesmo tomar um susto no meio de uma difícil decisão: Leite ou suco hoje?! -- Implicou.
-- Idiota. -- Emily pegou o pano de prato sobre a mesa de vidro e o atirou na amiga. Caíram na gargalhada juntas.
-- Desculpa. Eu não resisti. -- Alice pôs o pano sobre a bancada, observando a amiga se aproximar e sentar no banco ao lado. -- Você parecia tão concentrada em... -- Emily sentiu sua respiração vacilar no instante em que voltou a pensar no motivo de estar parada igual a um dois de paus na frente da geladeira, desprendendo-se completamente da conversa.
-- Emily, você está prestando atenção? -- Alice olhava dentro daquela imensidão azul que eram os olhos da ruiva, mas a amiga parecia estar com os pensamentos distantes dali. -- Alô, Terra chamando Emily. -- Ela passou as mãos em frente os olhos da amiga, despertando-a do transe.
A ruiva suspirou, forçando um sorriso nos lábios.
-- Desculpa, eu realmente estou... -- Alice interrompeu.
-- Perdidamente apaixonada pela Mila. É, eu sei. -- Sorriu.
-- Não. Não é isso... Eu... -- A ruiva foi interrompida novamente.
-- É claro que é Emily! Quando é que você vai parar de negar isso para você mesma?! -- Alice repreendeu-a com o olhar, balançando sua cabeça negativamente.
-- Quando for verdade ué. -- Limitou-se a dizer.
-- Só espero que você não comece a enxergar esse sentimento quando já for tarde de mais. -- Alice tocou o antebraço da amiga. -- As pessoas não esperam para sempre, Harley.
Emily sentiu seu olhar ser hipnotizado pelo da amiga, que fitavam-na com tanto apreço e carinho. Seu coração palpitou no peito, trazendo-lhe uma desconfortável sensação de que aquelas ultimas palavras não se aplicavam somente para Mila.
-- Mila e eu?! -- Emily forçou um sorriso. -- Não vai rolar.
Alice manteve seu olhar fixo nos da amiga, não conseguindo evitar a expressão de interrogação em seu rosto.
-- Como assim não vai rolar? -- Perguntou com certa indignação. -- Vocês estavam bem até ontem!
-- Nós estamos bem, mas.. -- Emily preferiu deixar essa conversa para depois. -- Falamos sobre isso depois, afinal, se eu não engolir esse pão em cinco minutos não chegaremos à tempo para buscar as encomendas e levar para a fazenda. -- A ruiva deu a primeira mordida no sanduíche feito com pão australiano.
-- Essa com certeza é uma verdade. -- Alice sorriu. -- Mas não pense que irá escapar dessa conversa durante a viagem, Harley. -- Ela se levantou após roubar uma maçã do cesto de frutas. -- Vou buscar a sua mala e te encontro no carro. -- Informou, já levando a maçã até a boca.
Fim do capítulo
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