Capítulo 33
Os Anjos Vestem Branco - Capítulo 33
Uma semana depois...
-- Calma gente, não adianta vocês prepararem uma festa para ela. A Bruna só fica na cadeira de rodas, não conhece vocês, não fala e pode tornar-se agressiva em alguns momentos. Qualquer contrariedade, por mínima que seja, pode deixava-la muito brava, com idéias até de agressão física.
-- Não se preocupe Adriana, a gente não vai sufocar ela. É só uma festa rave. Coisinha básica.
-- SABRINA! - Priscilla chamou a atenção dela.
-- Desculpa. É que estou nervosa.
-- Estamos todos nervosos nem por isso ficamos falando besteira - Thiago apareceu na sala com um pote de sorvete na mão.
-- Esse sorvete é da Bruna - Victória arrancou o pote da mão dele.
-- Tem uns cinco potes na geladeira - tomou o pote de volta da mão de Victória.
-- Não, não. Está pensando o que? Seu lavador de janela de MSN. Foi eu quem comprou - Sabrina pegou da mão dele - São todos de sabores diferentes. Se você comer, vai ficar faltando um na coleção.
-- Coleção? Sorvete é para comer e não para fazer coleção - roubou da mão dela.
-- Me dá isso aqui. É da Bruna e ponto final - Victória pegou o pote e levou para a cozinha.
-- Credo. A Bruna não é o Monstro da Tasmânia, para comer cinco potes de sorvete.
-- Não é isso. É que assim ela poderá escolher o sabor - Victória retornou à sala com um vaso de flores na mão e colocou sobre a mesa.
-- Tomara que ela peça de jiló - Thiago foi até a mesa de centro e cheirou as flores.
-- Aí a gente usa a sua cabeça para fazer sorvete. Kkkkkk - Sabrina caiu no sofá.
-- Seu pau de sushi - retrucou - continuou a cheirar as rosas. Até que...
-- Vic, o Thiago despetalou a sua rosa - Sabrina dedurou o rapaz.
-- THIAGO.
No apartamento de Nestor.
-- Não saia de perto dela um minuto sequer. Não deixe ela sozinha com ninguém, muito menos com a Victória.
-- Entendi, doutor Nestor - a enfermeira já estava bufando. Era a décima vez que o homem dava essas instruções.
-- Não deixe ela muito tempo na cadeira...
-- O senhor sabia que a Bruna, hoje é de total responsabilidade da Priscilla e que ela pode inclusive sair para passear com a irmã se quiser?
-- Nunca. Ela que não se passe - Nestor abaixou-se para falar com a filha - Vai meu amor, papai vai ficar aqui te esperando.
A enfermeira empurrou a cadeira até a porta e antes de sair ainda ouviu mais uma instrução:
-- Não esqueça de me ligar para dizer como ela está.
Que homem chato. Pensou Sofia.
No apartamento de Victória.
-- Que horas tem Brina?
-- Faz um minuto que você me perguntou, amore, então são 8:45.
-- Ela já deve estar chegando - Victória foi até a sacada para olhar o movimento lá em baixo.
-- Além de sorvete tem mais alguma coisa para se comer nessa casa? - Sabrina sentou no sofá ao lado de Priscilla.
-- Tem - Priscila sorriu - Uma coleção completa de papinhas Nestle.
-- Adoro. Posso pegar uma?
-- Não. Se não vai ficar faltando uma na coleção.
-- Prí essa fala é minha, amore.
Priscilla deu um selinho nela. Sabrina ficou toda boba.
-- Posso pedir você em namoro para a Bruna?
Priscilla deu uma gargalhada.
-- Estão chegando - Victória chegou na sala tão agitada que não conseguia parar de andar.
Priscilla e Sabrina correram abrir a porta e ficaram paradas lado a lado esperando.
Quando a porta do elevador abriu Priscilla correu receber a irmã. Parou diante dela com os olhos cheios de lágrimas. Curvou-se e segurou seu rosto com as duas mãos.
-- Que saudade eu estava de você, maninha -- dava pequenos beijos pelo rosto dela.
Bruna deixava-se receber aqueles carinhos. Olhava admirada para Priscilla. Sem entender.
-- Priscilla vamos entrar - Sabrina tocou em seu ombro.
-- Claro - levantou secando as lágrimas do rosto com as mãos.
Sofia empurrou a cadeira até o interior do apartamento. A enfermeira sorriu com a cara de desolação que todos faziam.
Ver uma das pessoas que você mais ama incondicionalmente no mundo, em uma cadeira de rodas e as olhando como se não as conhecesse é a maior sensação de impotência, fragilidade e desespero que se experimenta na vida.
-- Então pessoal, que tal se vocês se apresentassem e conversassem com ela? - A enfermeira incentivou, já que ninguém falava nada.
Victória ajoelhou-se em frente a cadeira e pegou as mãos dela entre as suas próprias mãos trêmulas.
-- Meu amor, tenho sofrido como nunca sofri em toda minha vida. Eu te amo muito para viver sem você - pegou a caixinha com o anel de cima da mesa e abriu para ela ver - Esse é o anel de noivado que você comprou para mim, meu anjo.
Bruna ameaçou pegar a caixinha e a enfermeira sorriu.
-- Ela está com agnosia visual que é a incapacidade de reconhecimento visual de objetos. Ela enxerga, mas não sabe o que é.
-- Eu sei - Victória colocou o anel na mão dela.
-- Bruninha - Sabrina puxou a cadeira para perto do sofá - Eu sou a Brina, a pessoa mais querida, mais meiga, mais divertida, que você já conheceu.
-- E a mais chata também, Bruna. Eu sou o Thiago, a bicha mais disputada do Rio. Eu fui praticamente um professor para você.
-- Não liga para eles, meu amor - Priscilla empurrou Sabrina - A gente vai fazer de tudo para te ajudar a sair dessa. Não é mesmo Victória?
-- É isso aí - a morena passou a mão pelo rosto pálido da loirinha.
Estava muito difícil para Victória suportar aquela situação sem chorar. A pessoa que fazia juras de amor eterno sempre que estavam juntas, que a levava ao céu quando faziam amor. Agora sequer olhava para ela. Estava mais preocupada em olhar para a tela de um desenho qualquer que decorava a parede.
Bruna estava muito magra e com aparência doentia. Tinha um olhar perdido, distante, vazio. Usava um bonezinho cor-de-rosa e uma camiseta também rosa. E ela ainda conseguia estar linda.
-- Interessante, perdi a conta de quantos casos como esse vivenciei lá no Sontag. E agora estou assim, sem saber como agir.
Sofia sentou no sofá menor, de frente para os amigos de Bruna.
-- Vocês estão me decepcionando. Pela maneira que recepcionaram ela aquele dia, achei que hoje estariam em festa. Os sobreviventes de TCE podem apresentar deficiências e incapacidades temporárias ou permanentes, interferindo nas atividades e habilidades normais. A Bruna está com algumas incapacidades físicas, cognitivas e comportamentais/emocionais. Mas acredito que esse quadro é temporário. Lógico que essa afasia total (abolição total de todas as formas de linguagem), a amnésia e as dificuldades motores que ela está apresentando assustam muito, mas temos que fazer a nossa parte. Desanimar não ajudará em nada.
Victória levantou envergonhada.
-- Que tal um sorvete? Vou buscar para você - caminhou rápida em direção a cozinha.
-- Na próxima visita a gente vai passear de pick up Brú... e a Brina vai deixar você dirigir - falou no ouvido da loirinha.
-- Bruninha você me dá um dos seus potes de sorvete? - Thiago abaixou-se e perguntou para ela, que nem olhou para ele - Obrigado, você é um amor. VIC ELA ME DEU UM POTE - saiu berrando.
-- Posso pegar um potinho de papinha? - Sabrina levantou o rosto dela com a mão e esperou um pouco - VALEU GAROTA!
-- São uns loucos - Victória sentou na frente dela - Olha, de brigadeiro, o sabor que você adora - Victória enchia a colher com sorvete e colocava na boca da garota.
Sofia observava a cena com atenção. Ela tratava a menina com tanto carinho. Porque será que o doutor Nestor a odiava tanto?
-- O doutor Nestor te odeia. Porque? - Não resistiu a curiosidade.
-- Porque antes de conhecer a Bruna, eu tive um caso com ele - Victória foi sincera.
-- Está explicado.
-- Eta coisa gostosa essa papinha - Sabrina puxava Priscilla pela mão a levando até a irmã - Está vendo como as coisas mudaram por aqui Bruninha? A sua irmã agora está na minha.
-- Como assim está na sua Sabrina? - Thiago voltava da cozinha e não se acreditou no que ouviu.
-- Na minha, gostando de mim, apaixonada, de quatro. Entendeu Thiago?
Priscilla a olhou de cara feia.
-- Essa garota de quem você está falando por um acaso sou eu?
-- Claro que não amore, foi só um delírio de minha parte.
-- Acho bom.
No prédio em que Nestor mora...
O médico estacionou o carro na garagem e após acionar o alarme se dirigia calmamente em direção ao elevador.
-- Nestor.
Ouviu alguém o chamar e virou-se. Alguém estava parado, na penumbra de um canto da garagem. Como uma estátua, como um fantasma. Um arrepio correu por todo o corpo de Nestor, que sentiu todos os pelos do seu corpo se levantarem.
As luzes da garagem começaram a ascender e apagar freneticamente. Nestor se encolheu no canto, olhando para a figura que continuava no escuro. Estava desesperado, com medo, sem saber para onde correr. As luzes pararam de piscar.
Nestor se levantou, devagar, tremendo como nunca tinha feito na vida, não de frio, mas de medo.
-- Quem é você? - Perguntou com a voz tremula.
A figura deu um passo à frente mostrando-se na claridade.
-- Eu sou aquela que vai mandá-lo ao inferno...!
No apartamento de Victória...
-- Infelizmente temos que ir - Sofia sentia-se triste em tirar a menina do meio daquelas pessoas que tanto a amavam - Ela deve estar cansada.
-- Maninha, a gente vai te tirar de lá. Eu prometo. O seu lugar é ao meu lado, meu anjo - Priscilla beijava o rosto da irmã - A gente nunca ficou tanto tempo separadas, não é mesmo? Eu e a Vic, vamos cuidar de você - abraçou Bruna com todo carinho do mundo.
Priscilla jogou-se nos braços de Sabrina em prantos, pedindo que ela a apertasse forte.
Foi a vez de Victória se despedir.
-- Meu amor -- ela abaixou-se na sua frente, pegou-a no rosto com as mãos, e com brilho nos olhos a beijou - Vou esperar o tempo que for necessário. Nós vamos vencer juntas. O amor vence qualquer obstáculo, ele ultrapassa qualquer barreira... - levantou e dirigiu-se a Sofia - Cuida bem dela para mim tá.
-- Não precisa nem pedir Vic - sorriu sincera.
-- Até semana que vem minha loira. Te amo, viu - Sabrina a beijou.
Thiago também a beijou, mas não conseguiu falar nada. Estava muito emocionado.
Mais tarde no apartamento de Nestor.
-- O que aconteceu Marga?
-- Ainda não sei Sofia. O porteiro o encontrou desmaiado lá na garagem e chamou a ambulância. A pouco liguei para perguntar dele e falaram que foi apenas um mal súbito.
-- Gente, mais essa agora. Ele tem algum problema de saúde que possa ter causado esse desmaio?
-- Que eu saiba não - Marga levantou as sobrancelhas e franziu a testa - Quando se tem a consciência pesada é assim mesmo, começa a ter uns trecos.
-- Consciência pesada? - Estava curiosa.
-- História longa, minha filha.
Bruna começava a ficar agitada. Sofia achou melhor leva-la para descansar.
-- A Bruna teve um dia muito cansativo hoje. Vou leva-la para o quarto. Outra hora sentamos para conversar. Boa noite.
-- Boa noite.
No Sontag...
-- Que loucura Nestor. Tire essas ideias da cabeça.
-- Era ela Guilherme. Eu tenho certeza -- caminhava pela sala, com olhos esbugalhados - Essa mulher até depois de morta vai infernizar a minha vida. O que ela quer? Comandar o Hospital lá do além?
Guilherme riu.
-- Acho melhor você procurar um psiquiatra. Conheço um ótimo.
-- Não fale isso nem brincando. Não estou ficando louco.
-- Claro que não. Ficar vendo gente morta é tão natural. Eu, por exemplo, vejo o tempo todo.
-- Você está duvidando de mim Guilherme?
-- Claro que não. Só acho que você deve estar passando por um momento de estresse muito grande. Perdeu a esposa, a filha com todos as consequências do TCE. Penso que deveria procurar a ajuda de um profissional.
-- Talvez uma missa resolva. Ela vivia metida com aquele pessoal espirita, só podia dar nisso mesmo.
Saiu pelo corredor falando sozinho. Nestor estava começando a ficar perturbado.
Apartamento de Victória. Dia seguinte.
-- Quer dizer que a noiva do Chuck voltou a atacar? - Adriana E Victória conversavam enquanto tomavam o café da manhã na cozinha.
-- Não estou sabendo de nada - Victória olhou admirada para ela.
-- Michelle me contou que ontem, Nestor chegou de ambulância no Sontag. Segundo Guilherme ele foi encontrado caído no estacionamento do prédio aonde mora. Ele contou a Michelle que Nestor deu de cara com o fantasma de Débora lá na garagem -- Ela riu e revirou os olhos, dando uma mordida na fatia do bolo - logo imaginei que fosse a louca da Sabrina.
Victória a encarou pensativa por algum tempo depois perguntou.
-- Quando foi isso Adriana?
-- Ontem à noite -- levou a xícara aos lábios e sorveu um grande gole do café.
-- Péraí - deu uma pausa e colocou a mão sobre os lábios - A Sabrina não saiu daqui ontem o dia inteiro. Inclusive está dormindo lá no quarto de hóspedes.
Se olharam sem entender o que estava acontecendo.
Enquanto isso em uma lavação de carros próximo ao Sontag.
-- Bom dia. Sou o delegado Cicero - mostrou o distintivo e a carteira funcional.
-- Bom dia doutor - cumprimentou assustado - Aconteceu alguma coisa?
-- Não sei. Estou aqui para descobrir - olhou ao redor analisando o ambiente - Você conhecia a doutora Débora?
-- Conhecia. A doutora Débora sempre deixava o carro aqui para a gente lavar.
-- Inclusive no dia do acidente. Não é mesmo?
-- É verdade. Ela deixou o carro pela manhã e veio buscar atarde. Nós tiramos o estojo de cds do porta luvas do carro e esquecemos de colocar de volta - jogou a esponja que tinha na mão em um canto e olhou fixamente para o delegado - Alguns dias depois do acidente, um homem esteve aqui fazendo as mesmas perguntas que o doutor fez. Ele disse que era um conhecido da doutora, então entregamos o estojo de cds para ele.
-- Estou interessado no tempo que o carro ficou parado aqui dentro. Quero conversar com todos os funcionários - foi até a porta e berrou - Bocão vamos interrogar o pessoal.
No apartamento de Victória.
-- Não acredito que alguém teve a mesma ideia que eu, amore - Sabrina estava inconformada - E ainda por cima com uma performance bem melhor - lamentou-se.
-- Não fica assim Brina. Vem cá com a Prí - bateu com a mão na perna para ela colocar a cabeça.
-- Agora estou melhor - ajeitou-se.
-- Que nojo - Thiago fez uma careta como se estivesse nauseado.
A campainha tocou e Victória saiu do quarto para atender.
-- Oi Dulce. Entra.
-- Oi Vic. Oi pessoal.
-- Senta aqui Dulce - Sabrina levantou para dar lugar para ela.
-- Priscilla, seu pai agendou uma nova reunião com os diretores do hospital.
-- Ele não perde tempo, Dulce - Victória falou irritada - Vai aproveitar que a Bruna está sem condições de contestar.
-- Nós não podemos permitir isso, Dulce - Priscilla levantou irritada e deu um chute de leve na perna de Sabrina.
-- Ai, eu não tenho culpa - reclamou esfregando a mão na canela.
-- Desculpe. Precisava extravasar.
-- Por isso estou aqui. Vamos entrar com um pedido de adiamento. Não sei quanto tempo vamos ganhar com isso. Mas, vamos tentar enrolar o máximo possível, quem sabe nesse espaço a Bruna recupere a memória.
-- Nesse caso seriam: 20% meu, 20% da Bruna e mais 10% que teríamos direito da parte da mãe - Priscilla olhou para Dulce - Ficariam 50 a 50.
-- Mas não esqueça que com o retorno da memória da Bruna, viria também a senha do cofre. Você acha que algum diretor ficaria do lado de Nestor, sabendo que ele está roubando o Sontag?
No hospital Sontag.
-- Bom dia doutor, Nestor. Vai querer lavar o carro hoje?
Nestor saiu do carro e jogou a chave nas mãos do homem.
-- Completa.
-- Deixa comigo - entrou no carro e saiu dirigindo o automóvel de Nestor.
O médico caminhou alguns metros e ouviu uma voz de homem falar:
-- Eu sei o que você fez.
No próximo capítulo:
Priscilla saiu do banho enrolada na toalha e com os cabelos ainda molhados. Sabrina engoliu em seco... como ela é maravilhosa... obrigado meu Deus, não merecia tanto...
Minha vó sempre dizia: "Até a araruta tem seu dia de mingau. "
Fim do capítulo
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