No instante que entrei em minha sala comecei a procurar na internet por um detetive particular, mas Aldo me ligou para dar noticias sobre o caso e quando contei o que pretendia fazer me passou um nome de sua credibilidade. Liguei e marquei um encontro para o horário do almoço.

- Boa tarde Doutora Ana. – Disse me estendendo a mão.

- Bom tarde Antonio. Como já sabe seu nome me foi indicado pelo Doutor Aldo como sendo de uma pessoa de máxima confiança. – Retribui o cumprimento.

- Pode estar certa disso, além do mais o Aldo é um amigo de longa data. Farei de tudo para ajudá-la. O que a senhora precisa de mim?

Fiquei mais tranquila ao saber de sua amizade com Aldo, e contei a ele toda a história. Passei os dados de Clara e sua família, e também o nome de Jaqueline que tinha conseguido com Susana e onde trabalhava. Acertamos a forma de pagamento e o valor do serviço. Ele combinou de me ligar ainda aquele dia para me dar noticias.

Depois disso só me restava esperar. Eu tinha que ocupar a cabeça para não enlouquecer, já que sempre que estava parada tudo voltava a minha mente em flashbacks. E isso estava me martirizando.

No final da tarde ele voltou ao escritório tinha notícias sobre Jaqueline, ela havia sido demitida da produtora no sábado, o porteiro contou a todos o que acontecera no barzinho na sexta à noite e o fato parou no ouvido da diretoria.  Mas conseguira seu endereço, sem pensar duas vezes liguei para Aldo que foi me encontrar, e de lá fomos direto para a casa dela. Na verdade não era uma casa e sim uma pensão no centro da cidade, uma espelunca. Assim que viu a identificação do delegado a dona nos levou até o quarto, onde ela estava deitada lendo uma revista. Quando chegamos à porta ela olhou para cima e deu um pulo sentando-se.

- O que é isso? Quem são vocês? Quem deu autorização para entrarem desse jeito? E você o que quer aqui? – Me olhou com raiva

- Isso me deu toda autorização de que preciso. – Disse Aldo mostrando seu distintivo.

- O que vocês estão procurando? – Ela desafiou

- Queremos esclarecer uma história que ouvimos por aí que tem seu nome envolvido. – Aldo retornou

- Não sei do que estão falando. E não me interessa.

- Não? Pois eu tenho uma testemunha que diz o contrário. Aliás, que te coloca bem no centro da história. Você conhece um senhor chamado Carlos Alberto da Silva? Ele jura que são amigos há anos.

Ao ouvir aquilo ela ficou branca como papel.

- Não sei de quem estão falando. Essa pessoa certamente esta mentindo para vocês.

- Sério mesmo? Tá bom. Deixa eu te explicar uma coisa dona Jaqueline, eu posso muito bem me sentar e conversar amigavelmente ou posso leva-la para a delegacia para que preste depoimento sobre o caso.  Você escolhe. Se preferir a segunda opção te coloco frente a frente com o Carlos e também com a Alicia, se lembra dela, ou será que já se esqueceu também?

No instante em que ela ouviu o nome de Alicia arregalou os olhos assustada, e remexeu-se  na cama. Então começou a falar apressada.

- Vocês prenderam Alicia? Não acredito nisso. Ela me jurou que nada poderia acontecer conosco...

- Pois é. Então é melhor você contar tudo o que sabe, por que ela está jogando a culpa do que aconteceu em você.

- Como é que é?  É tudo mentira de vocês. Estão apenas jogando comigo pra ver se eu abro o bico. Não tenho nada a declarar.

- Mesmo? Então te direi o que ela nos falou. Que você contratou os serviços do senhor Carlos para que falsificasse uma carta. Ou melhor, duas. E a forma de pagamento foi conseguir um emprego para ele lá onde trabalhava. E que alem de tudo planejou destruir o relacionamento da doutora Ana.

- Não fui eu. Foi tudo ideia da Alicia. Eu tinha medo, mas ela me prometeu que nada seria descoberto.

- Pra você ver como são as coisas. Então conte sua versão. Defenda-se. Senão teremos que ficar só com a dela mesmo.

- Tudo bem. O que vocês querem que eu diga?

- Como vocês se conheceram?

- Um dia cheguei em casa e ela estava na porta a minha espera. Eu sempre chegava mais cedo do que Clara e ela sabia disso. Já tinha investigado, sabia tudo sobre mim. Então se apresentou como prima dela, falou seu nome, e disse que gostaria de conversar comigo sobre uma coisa que interessaria a nós duas. Eu já sabia quem era ela. Clara havia me contado a história do seu rompimento. Então me deu seu telefone e pediu que eu ligasse se estivesse curiosa com o que ela teria na me propor.

- E quando você fez isso? – Antonio questionou

- Foi quando Clara foi pra chácara. Fiquei com muita raiva do que essa aí e a mãe dela aprontaram. – Me lançou um olhar de fúria incontida.

- Eu não aprontei nada. Foi minha mãe que convidou. Fiquei tão surpresa quanto vocês.

- Não acreditei na época e continuo não acreditando. Você queria seduzi-la. Roubá-la de mim. Eu não estava suportando ver a alegria dela. – Chispas voavam em minha direção

- Como assim? Você nunca teve nada com Clara! E se ela estava feliz é porque queria esse encontro tanto quanto eu. – Respondi alterada.

- Vamos voltar ao que interessa. – Aldo apaziguou.

- E como Alicia soube da volta da prima ao Brasil? – Perguntei

- Porque “doutora” ela tem uma pessoa que te segue há anos. Sabia? Você é vigiada noite e dia! – Riu-se de mim

- Como é que é? Você só pode estar brincando. – Estava atônita

- Isso mesmo. Alicia é obcecada. Diz que é o grande amor da sua vida. Não sei o que viu em uma pessoa tão sem graça! Ela jura que nunca te esqueceu e que você nasceu pra ser dela.

- Continue dona Jaqueline, a  história esta muito interessante.

- Bom ela me contou que se apaixonou pela “doutora”, na época uma adolescente bobinha, desde a primeira vez que a viu, e enquanto frequentava a casa de sua prima tentando fazer com que Ana se atraísse por ela, teve a chance de roubar alguns papeis de carta, que pretendia utilizar em um plano para separar as duas. Mas uma oportunidade melhor apareceu segundo me disse, num dia em que estavam em um hotel fazenda. Alicia contou que tentava convencê-la do que sentia quando viu Clara se aproximando, então rapidamente teve uma ideia, tirou a camiseta, sentou-se no colo da sua pretendida e roubou um beijo da idiota  que nem percebeu o que estava acontecendo.

Eu fiquei boquiaberta. Então ela tinha visto a aproximação da prima. Tudo fora armação. Já naquela época. Meu Deus! E eu achando que Clara tinha pego a cena sem querer. Que demônio!

- Saiu tudo do jeitinho que queria, alias até melhor, pois ela não imaginou que a menina fosse embora deixando a namorada desesperada para trás. Daquele dia em diante foram diversas as vezes que tentou se aproximar e ganhar o amor da adolescente magoada, só que nenhuma delas deu certo. Ana só a agredia, humilhava e escorraçava. Tinha ódio pelo que havia acontecido. A culpava pela perda do seu amor. Mas não desistiu, ela queria por que queria Ana pra ela.. Ela sabia onde a prima estava, e mantinha contato com a tia como quem não quer nada. Foi assim que soube que Clara estava pensando em voltar, porém àquela altura, ela já tinha uma carta na manga. – E sorriu maliciosa.

- E qual seria esse coringa? - Aldo questionou

- Disse que sempre manteve uma daquelas maquinas fotográficas descartáveis à mão, pra utilizar quando precisasse. Um dia, ficou sabendo que os pais da garota iam a uma festa e ela estaria sozinha, ligou para casa da Ana e percebeu que estava bêbada demais. Não pensou duas vezes, pegou a máquina e foi bater em sua porta. Quando a bebum atendeu, já começou a xingar, mandar tomar no cu e tudo o mais que sempre fazia, porém passou mal e correu pra vomitar, ela aproveitou a chance, entrou, ajudou e quando a “doutora aí” dormiu, tirou toda sua roupa, despiu-se e deitou na cama com ela. Tirou um monte de fotos das duas juntas dando a impressão que elas tinham trans*do. Depois se vestiu e foi embora como se nada tivesse acontecido. No começou ela pensou em usar as fotos para chantagear a nossa querida advogada aqui. Porém quando soube que Clara pretendia voltar, enviou uma carta dizendo que estavam juntas e que eram amantes, colocou as fotos dentro e pronto.

Ao ouvir aquilo a bílis subiu até minha garganta. Era inacreditável. Como uma pessoa podia ser tão maquiavélica? Apertei tanto as mãos, que mesmo minhas unhas sendo rentes feriram a minha carne.

- Onde estão essas fotos? – Eu praticamente grunhi

- Com Clara.

- Mentira. Ela procurou e não encontrou.

- Sim eu tinha escondido, mas já coloquei no lugar. Alicia me pediu para fazê-lo. Ela tinha certeza de que vocês acabariam conversando na viagem e ela te contaria do presentinho que recebeu. Só que não poderia te provar nada se não tivesse as dita cujas em mãos. Quando ela voltou do passeio realmente procurou por elas, mas não encontrou. – Sorriu irônica

- Por que você aceitou fazer isso? – Foi a vez de Antonio perguntar

- Sempre fui apaixonada por Clara, mas que ela só tinha olhos pra quem nunca a mereceu. Foram cinco anos ao lado dela, eu não deixaria ninguém tirá-la  de mim assim.

- Você é tão louca quanto Alicia. Não se ganha o coração de ninguém com trapaças e mentiras.

- Como eram as fotografias?

- Ana nua de costas e Alicia também nua com a cabeça em seus ombros, em outra ela está com os braços ao redor da cintura da doutora e uma perna entre as pernas dela, também havia uma como se estivessem se beijando.

Depois da descrição de Jaqueline, me lembrei de um dia que acordei com minha mãe muito brava comigo por estar nua em casa com a porta destrancada. Ela ficou falando na minha orelha quase uma semana sobre o perigo que eu tinha corrido, que qualquer um podia ter entrado e feito algo ruim contra mim. Mal sabíamos quem podia me ferir já tinha entrado e saído. Essa mulher não era diabólica, ela era o próprio diabo vestindo uma carne humana. Agora entendia a tristeza de Clara ao falar das fotos, ao lembrar-me disso meu coração deu um pulo em falso.

- Você disse no começo dessa conversa que Alicia mantém a doutora Ana sob vigilância constante. Quem faz esse trabalho para ela?

- Não sei. Nunca vi essa pessoa. A única coisa que sei é que ela é muito rica. Casou-se com um velho milionário e foi morar na Europa. Quando ele morreu há dez anos ela herdou tudo. Desde então mantém esse detetive na cola da “doutora”, só esperando pra ver se um dia elas iriam se reencontrar coisa que ela não aceitaria de forma alguma segundo suas próprias palavras.

- Quem elaborou o plano da carta? - Perguntou Aldo

- Alicia. Assim que soube que a prima tinha voltado, começou a projetar a estratégia. Ela me disse que se Ana não fosse dela não seria de Clara também. Eu sou apaixonada e por isso concordei com tudo. Achei que se elas não se resolvessem talvez eu tivesse possibilidade de conseguir o que sempre sonhei.

- Então vocês forjaram tudo.

- Sim. Ela me falou sobre montar uma carta ou coisa assim. Que tinha roubado umas fotos de um álbum, ainda tinha o papel roubado guardado, inclusive dobrado para que parecesse desgastado pelo tempo. Eu conhecia o Carlos desde criança, nunca havíamos perdido o contato, então fui atrás dele, sabia que estava desempregado e prometi que conseguiria um cargo pra ele se me fizesse um favor. Levei-o até o apart de Alicia e tudo ficou acertado. Depois disso começamos a acertar o que faríamos para afastar Clara tempo o suficiente para enviar a carta e fazer a intriga entre elas. A chance surgiu logo depois da volta delas da chácara. Havia a viagem até a Patagônia na grade da programação, era tudo o que precisávamos.

- O que vocês fizeram com ela? Por que ela não atendeu minhas ligações? Minhas mensagens na internet?

- Essa foi a minha parte do acordo. Não deixar que ela entrasse em contato com você nem vice e versa. Alicia me deu muito dinheiro para que subornasse o recepcionista do hotel onde nos hospedamos, assim se alguém ligasse a procura dela, ele iria informar que não havia ninguém com aquele nome hospedado ali. Além disso, me deu dois frascos de remédio e uma pílula, essa dei a ela junto com um copo de água um pouco antes de embarcarmos, dizendo que era contra enjoo. Clara sempre passa mal quando a viagem de avião demora mais que duas horas. Ela dormiu e eu roubei o celular de sua bolsa.

- Então era você que estava mandando as mensagens. – Perguntei incrédula

- Sim era eu, tudo combinado. Dia, hora de mandar, o que escrever.

- E ela não deu por falta do aparelho? – Antonio estava com a testa franzida

- Quando chegamos ela ainda estava muito sonada por conta do remédio que havia tomado, mal conseguia ficar em pé. Praticamente tive que carregá-la para o quarto.

- E no dia seguinte? Como conseguiu mantê-la afastada dos meios de comunicação.

- Logo cedo quando acordou estava com muita dor de cabeça, eu levei um suco para ela e dentro estava o conteúdo do primeiro frasco. Não me pergunte o que era, pois não sei. Logo após beber, ela começou a procurar pelo telefone, mas uns quinze minutos depois começou a passar mal, com vômito, diarreia, cólicas e sonolência. Não conseguia permanecer em pé. E dormiu quase o dia todo. Nos poucos momentos que despertava perguntava sobre Ana, se ela havia ligado e eu negava. Já sabia que tudo no Brasil tinha dado certo, pois eu mantinha contato com Alicia em outro aparelho. Já tinha mandado algumas mensagens conforme o combinado. Ela tinha certeza que a doutora procuraria por ela por conta da carta e novamente não se enganou. Depois que Ana ligou avisando que estava indo ela me passou a orientação sobre o envio das demais mensagens.

- Como você conseguiu utilizar o celular dela?

- Eu sabia a senha. Ela usa a mesma para tudo 230378.

- A data do meu aniversário. Meu Deus! – Nervosa comecei a andar de um lado para o outro passando as mãos no cabelo

- E no domingo o que aconteceu para que ela não reagisse?

- Dei o outro frasco.

- Eu vou te matar filha da puta! – Disse avançando pra cima dela

- Calma Ana. Não se altere. – Aldo segurou meus braços

- Ela podia ter acabado com a vida da Clara! Essa doente mental! Como pode mantê-la dopada tanto tempo? – Mal consegui respirar de ódio

- A Alicia me garantiu que não haveria problemas.

- Você não percebeu que ela era doida? Que não se importaria em matar a prima se fosse preciso?

- Mas ela não morreu. Na segunda feira já estava um pouco melhor. Perguntou se durante aqueles dias você não tinha entrado em contato, quando disse que não ficou muito deprimida e quis voltar mesmo sem ter gravado a matéria.

- E o celular?

- Já tinha colocado de volta na bolsa dela. Como Alicia me falou que a Ana ia viajar, tinha a certeza de que descartaria o chip. Segundo ela a doutora estava morrendo de mágoa da ex-namorada e que com certeza não iria querer falar com ela tão cedo.

- Mas e as mensagens, as ligações na caixa postal?

- Apaguei tudo. Imaginei que poderia ter deixado mensagem na internet e entrei no seu note, também exclui tudo o que havia de recado por lá. Foi como se você nunca tivesse procurado por ela.

- Você não tem alma? Ainda tem coragem de me dizer que é apaixonada por ela? Não doeu ver o sofrimento que estava causando?

- Não. Eu queria que ela ficasse comigo, e minha única chance seria afastar vocês.

- Vocês são duas psicopatas. Abutres!

- Somos apenas duas pessoas lutando por quem amamos!

- Eu tenho nojo de você!

- E acha que eu sinto o que por você “doutora”?

- Por que Clara esta naquele estado? O que vocês fizeram pra ela não me contar tudo isso?

- Não sei o que Alicia fez, mas ela me disse que eu ficasse descansada que a única coisa que eu precisaria era colocar uma pulga atrás da orelha de Clara, dizendo pra ela que tinha me encontrado com Suzana e ela tinha me contado que Alicia estava de volta. E pediu para o Carlos encontrá-la novamente. Não faço a mínima ideia do que queria com ele. Só que não pagou e o infeliz esta me cobrando.

- Ela acreditou nisso? Mas como? Suzi nem conhece essa louca!

- É, mas a Clara não sabe disso. Eu disse que vocês mantiveram contato por todos esses anos. Ela não acreditou no começo. Mas ficou pensativa depois que foi atrás de você e tinha ido viajar do nada. E assim termina a história. Eu não consegui o que queria pois Clara apesar de toda a tristeza não quis meu consolo de jeito nenhum, para melhorar fui mandada embora, e acabei nesse lugar. Já Alicia teve sorte e conseguiu tudo o que queria, separou as duas e ainda conseguiu trans*r com você. Idiota!

- Olha o respeito com a doutora.

- Respeito? Só vou te falar uma coisa “doutora”, eu que nunca teria acreditado em nada do que foi apresentado a você.  Eu merecia estar com ela.Por isso não me arrependo do que fiz.

- Onde está Clara agora?

- Com os pais, no interior.

- Isso eu sei. Quero o endereço.

- Não vou te dar. Pode me prender, me bater, fazer o que quiser, mas eu não dou de jeito nenhum!

Aldo olhou para mim como quem diz, “não tenho como tirar essa informação a não ser usando a força”, porém sabia que aquilo ia prejudica-lo.

- Tudo bem Jaqueline, não preciso que me passe essa informação. Do mesmo jeito que te achei, acharei a Clara.

- Boa sorte, por que ela que ver o capeta em pessoa, mas não quer te ver nem em fotografia depois da conversinha que você teve com ela. Pra você amiga o jogo acabou e você perdeu. – Começou a rir de forma sarcástica.

Eu virei as costas e sai daquele lugar. Agora sabia tudo, tim tim por tim tim daquele plano sórdido. Muitas das coisas que Jaqueline falou mexeram comigo, principalmente o fato de ter acreditado na carta. Agora não adiantava chorar, só me restava esperar que Antonio descobrisse o endereço dela pra que eu me redimisse. Porém, quis o destino que não fosse ele a descobrir.

Fim do capítulo