Não podíamos ficar paradas ali a manhã inteira, eu tinha um objetivo e iria cumpri-lo, por isso tomei coragem e falei:

- Bom dia Clara. Posso entrar ou vamos ficar paradas aqui fora como dois de paus? – Falei mantendo a calma

 Como quem desperta de um sonho ela movimentou-se abrindo um espaço para que eu entrasse, sem nada falar. Fechou a porta, depois caminhou até a sala e sentou-se em um sofá, eu a segui com o coração nas mãos, rezando para que minhas pernas não me traíssem, pois pareciam maria mole. Além de estar nervosa eu também comecei a ficar preocupada com sua aparência.  O que será que estava acontecendo? Aquilo não parecia uma encenação. Sente-me em frente a ela. Clara levantou a cabeça e me encarou. Em seus olhos havia uma mistura de sentimentos que não conseguia decifrar.

- Você está bem?

Ela apenas me olhou e balançou a cabeça num sinal de sim. Oras então eu não era  digna de nem uma palavra?

- Provavelmente você não sabe por que estou aqui, ou será que já desconfia? – Perguntei amarga.

Ela baixou os olhos para as mãos que estava apertando sem parar, e recusou-se a falar.

- Muito bem, se prefere ficar calada vamos lá. Isso não vai ser bonito de se dizer, mas tem que ser feito, então não vou perder mais tempo. – Falei de uma só vez, após seu silencio - Tenho comigo uma coisa que te pertence.

Eu retirei uma das fotos de minha bolsa, a que ela estava sentada no colo do rapaz. Antes de sair de casa havia colocado tudo o que ela havia me dado em uma caixa, junto com as fotos, o envelope e a carta, mas decidi que precisava ficar com aquilo pra mim, para me lembrar de tudo que sofrera em suas mãos, escolhi levar apenas aquela foto. Já bastaria.

- Isso é seu, e veio parar em minhas mãos.

Estendi a foto em sua direção e mesmo assim ela não se movimentou para pegá-la então a joguei na mesa de centro. Clara sequer se moveu para olhar, continuou ali, parada. Aquela mudez estava me deixando cada vez mais irritada. Como ela conseguia permanecer na minha frente sem tentar ao menos se defender de algum modo?

- Creio que Alicia não deve ter te contado sobre o que aconteceu, pois pedi que não o fizesse.

Ao ouvir o nome de Alicia ela levantou a cabeça e me olhou com fúria. Agora sim demonstrava algum sentimento. Fora descoberta. O que faria? Será que agora reagiria? Mas não, voltou a abaixar a cabeça. Eu aguardei um minuto inteiro por uma resposta sua e como não veio deixei toda a minha indignação e cólera vir de dentro de mim:

- Com certeza nunca imaginou que teríamos essa conversa não é mesmo Clara? Pois é a Ana Banana aqui, não foi tão idiota quanto você pensava e resolveu dizer o que esta entalado na garganta. Tantos anos nessa expectativa à toa. O amor que sentia por você se transformou em nojo. Sempre acreditei em nós. Um dia eu olhei em seus olhos e te prometi amor eterno, uma vida, sonhei com isso e fiz planos. Mas era só ilusão, você não era a pessoa que eu imaginava, não era a minha Princesa Encantada como se diz por aí. É eu sonhei demais, fiz planos demais. O sentimento adolescente tinha que acabar uma hora. Você fugiu e me deixou para trás. Bem a vida continuou. Encontrei uma pessoa bem melhor do que você. Alguém que soube me valorizar, me dar carinho e amor.  Nessas horas o negócio é levantar a cabeça e dar a volta por cima, e foi exatamente o que eu fiz. Agora fui eu quem fugiu, e quem ficou comigo foi exatamente essa pessoa incrível. Hoje tenho alguém me sabe me fazer feliz. Que se entrega com paixão. Que cuida de mim. Que mata meu tesão. Que sabe ser mulher em todos os sentidos. Não um anjo caído de asas quebradas. Mas uma pessoa integra, perfeita e é para os braços dela que vou voltar. É com ela que vou ficar.

Durante todo esse tempo ela não disse uma só palavra, os dedos de suas mãos estavam brancos de tão apertados, como se ela estivesse fazendo força para não me agredir e vi que lágrimas escorriam de seus olhos. Eu olhava para ela sem acreditar. Como era possível tanta falsidade? Depois de tudo o que eu havia dito, ela nem por um momento tentou se justificar. Parecia uma estátua de gelo.  Se eu ainda tinha uma fagulha de esperança em meu peito ela foi se apagando lentamente até se extinguir por completo.

- Ainda me pergunto o porquê disso. Mas pelo jeito essa será uma questão sem resposta não é mesmo. Um monte de nadas isso é o que fomos. E pensar que ensaiei tanto para vir aqui com medo do que poderia ouvir. Pra que?

O que eu recebi em troca dessa minha última declaração foi mais quietude.

- Bom acho que não há mais nada a ser dito e nem pra ser ouvido também pelo jeito. Que seja.  

Levantei e me encaminhei para a porta. Mas antes de abri-la me virei e olhando uma última vez pra ela disse:

- Pelo menos você teve dignidade. Mas contra provas não há argumentos não é verdade? Poderia te desejar felicidade, mas sinceramente eu não consigo. Me esquece. Nunca mais me procure. Sabe o que é mais foda nisso tudo? É que eu ainda acreditava. Adeus Clara.

E sem dizer mais nada fui embora. Só quando entrei no carro que percebi o quanto minhas pernas e mãos estavam tremendo de stress. Não consegui dar a partida e me encostei no banco tentando me acalmar. No fundo eu queria que ela tivesse alguma coisa para falar, que tentasse ao menos amenizar a dor que eu estava sentindo, mas não, ela apenas ficou ali. Aquele sentimento covarde espancando meu coração sem dó nem piedade. Eu queria com todas as forças do meu ser que ela tivesse mentindo para mim, que houvesse inventado alguma coisa pra tentar me iludir. Eu acreditaria em qualquer coisa que dissesse por que no fundo era com ela que eu queria ficar. Quem mentiu fui eu. O pior de tudo era o estado que ela se encontrava. Quem a visse diria que estava sofrendo tanto a ponto de não conseguir falar. Mas eu sabia que não era verdade. Ela estava com raiva por Alicia ter me entregue a carta, o ódio em seus olhos quando falei seu nome foi evidente. Agora só me restava fazer exatamente o que tinha dito que faria mesmo que meu coração estivesse agora sangrando no meu peito, mesmo que eu estivesse morrendo de vontade de voltar lá e enxugar suas lágrimas com meus beijos, e acalentá-la em meus braços.

Meu Deus, por que me deste a porr* desse coração estupido? Fechei meus olhos e reli mentalmente a carta que sabia décor, palavra por palavra, para poder tirar aquele sentimento louco do meu peito, mas não adiantou, aquela pressão se transformou em um choro convulsivo, e fiquei ali parada dentro do carro até não ter mais lágrimas. Depois fui para casa e me enfiei debaixo da coberta, sem querer falar com mais ninguém, só lutando com minha dor.

No dia seguinte fui buscar Lucas no aeroporto e conheci seu namorado, seu nome era Aldo, um moreno lindo, o mesmo tipo físico, a mesma masculinidade, aquele jeitão de homem mau que as mulheres adoram. Para as que estavam no aeroporto eram um colírio pros olhos, mas para a infelicidade delas, nenhum dos dois notou os olhares de cobiça que receberam, tão focados estavam um no outro. Levei os dois em casa só para Lucas deixar as malas, pois apesar do cansaço da viagem era evidente que queriam passar a noite juntos. Era bonito de ver o carinho e amor entre eles, e no fundo me bateu uma inveja que procurei afastar rapidamente.

Estava me sentindo muito sozinha, resolvi ligar para as meninas e marcar um jantar. Precisava conversar e rir um pouco. Sisse aceitou na hora, e marcamos em um restaurante perto da casa dela. No meio do papo contei que tinha ido falar com Clara, e o clima ficou pesado instantaneamente.

 - Não acredito que fez isso sem me avisar antes.

- Era uma coisa que tinha que ser feita. Nada de mais.

- Como foi? Muito difícil?

- Fácil não poderia ter sido né Sisse.

- A Jaqueline estava por lá? – Perguntou.

- Não. Talvez esteja ficando em outro lugar até os pais dela irem embora. Não sei.

- E onde ela ficaria se não tem família por aqui?

- Como é que vou saber? Bem, se elas ainda estão morando juntas, não estava lá na hora em que fui.

- Enfim isso não vem ao caso agora. Me conta o que aconteceu, aquela cobra peçonhenta tentou negar tudo?

- Não Sisse. Ela não disse uma palavra sequer.

- Nãooooo? Senhor! Quem diria. Achei que ela iria elaborar algum plano mirabolante pra tentar te enfeitiçar de novo. Não dá pra acreditar.

- Não, ela apenas ficou em silencio. Aliás ela está com uma aparência péssima. Muito magra e abatida.

- Quero que ela se foda. Se fez você sofrer não merece a minha piedade. – Retrucou Sisse

- Obrigada amor, pela sua amizade. Porém fiquei pensando, se isso for de verdade eu gostaria de saber o que a está deixando assim. Eu fique preocupada.

- Nem brinca viu dona Ana. Nada de ficar com peninha e ir atrás da vagabunda, pra ela te usar de novo e te deixar mal. Você já ficou tempo demais no exterior, e eu sinto muito a sua falta.

- Fique tranquila que não estou pensando em ir atrás dela.

- Acho bom mesmo. O que ela fez não tem desculpa.

- Eu sei. Eu vou conseguir apagar as marcas que esse amor deixou.

- Sabe mas está com cara de cachorro que caiu do caminhão da mudança e está perdido sem sabre pra que lado ir.

- Você fala cada coisa amor. Deixa a Ana quieta. – Falou Suzi.

- Não deixo não. Tá na cara que ela ainda arrasta um bonde por aquela lá.

- Não se preocupe Sisse. Sei o que devo fazer e farei. É só uma preocupação que teria por qualquer pessoa.

- Vê-la mexeu muito com você, não é? Você ainda a ama?

- Você quer que eu minta ou diga a verdade? – Respondi desanimada

- E precisa depois dessa resposta?

- Eu não gosto do que sinto, queria ter esquecido e tirado Clara totalmente da minha cabeça. Superado esse sentimento. Mas isso ainda não aconteceu. Preciso me centrar. Quero ficar bem pra poder ligar para Mariana e chama-la para morar comigo.

- Você acha isso legal? Quer dizer eu sei que gosta dela e tudo, vocês formam um lindo casal, eu adoro a Mari, e sei que sua mãe também adoraria, mas você não a ama, ama?

- Não, e ela sabe disso, e sabe também que dificilmente voltarei a amar com tanta intensidade. Mesmo assim foi ela quem ficou comigo e nos demos bem juntas.

- Sabe Ana, apesar de tudo o que aconteceu preciso te dizer uma coisa, o amor que você sente pela Clara é raro, raríssimo na verdade. Quase nunca acontece. As pessoas sonham com algo assim a vida toda. Um amor que superou duas décadas e nem sequer diminuiu, e agora depois de tudo o que você descobriu, ainda te cega. Isso sim pode ser chamado de amor verdadeiro. É tão lindo, tão único, tão sincero. Como alguém pode abrir mão de algo tão perfeito assim? Muito triste ter que terminar assim.

- É. Mas não adianta só um amar, não é mesmo? Quando isso acontece, esse tipo de amor só traz dor, melancolia e tristeza. Eu preferia nunca ter encontrado o que esses tantos procuram.

- Eu sei Ana, mas pense bem antes de chamar a Mari, apesar de você achar que nunca mais vai amar alguém na vida, ela pode encontrar quem a ame. E pode voltar a amar também. E ela merece isso não é mesmo?

As palavras de Sisse foram martelando em minha cabeça durante todo o percurso para casa. Eu sabia que ela tinha razão, Mari merecia uma pessoa só dela, ela era uma mulher magnifica, inteligente, sexy, forte, decidida. Será que meu fim seria ficar sozinha, estava completamente vulnerável, e tinha medo do que estava sentindo.

Não queria conhecer ninguém novo, começar tudo sabendo que logo terminaria, já que não haveria carinho, ou qualquer outro tipo de sentimento. Sempre tinha sido assim, uma depois da outra, apenas sex*, sem paixão, só fora diferente com Sisse por quem acabara nutrindo um amor de irmã e com Mariana que tinha conseguido uma coisa que nenhuma outra conseguira, que eu me apaixonasse.

Aquela semana eu tomaria uma decisão sem falta. Não podia deixar as coisas como estavam. E com esses pensamentos adormeci e tive um pesadelo horrível, procurava desesperadamente por uma pessoa, dentro de uma casa abandonada que tinha milhares de portas escuras, tentando escapar de armadilhas espalhadas pelo caminho, enquanto pedaços do teto caiam sobre mim e uma risada maléfica ficava soando em meus ouvidos.

Fim do capítulo