Acordei no dia seguinte com café da manhã na cama, minha mãe era tudo de bom nesse ponto. Na bandeja tinha suco, café, leite, frutas, pães, bolo, manteiga, frios, ovos, enfim tanta coisa que não sabia nem por onde começar. Ela sentou-se ao meu lado enquanto eu comia.

- Cadê o papai? -  Perguntei

- Foi ao supermercado, eu quero fazer um almoço especial para comemorar a volta da minha filha preferida.

- Você quer dizer sua filha única, né mãe. – Sorri para ela

- Por isso é e sempre será a minha preferida.

- Você é o máximo. Estava morrendo de saudades dessas suas tiradas doidas sabia? – Ri balançando a cabeça.

- Agora me diz amore mio, quando Mariana vem embora? Eu quero muito conhecê-la e agradecer por tudo o que fez. Ela deve ser uma pessoa muito especial. Você voltou diferente, mais feliz.

- Nós não sabemos nem quando e nem se ela vem para o Brasil. Ainda há muita coisa para se resolver antes de tomarmos uma decisão. Ela tem a vida dela lá. Esse tipo de coisa tem que ser muito bem pensado.

- Mas eu achei que vocês estavam morando juntas. Para mim já estava tudo certo.

- Eu estava na casa dela sim, mas não temos planos para o futuro, pelo menos não até eu acertar assuntos pendentes que deixei para trás. Arrumar minha vida. Temos que pensar antes de agir mãe.

- Que tipo de assunto você deixou por aqui?

- Pessoais dona Vânia.

- E por acaso há algum assunto que seja pessoal demais para poder contar pra sua mãe? É assim mesmo, a gente carrega uma filha nove meses, cria, passa as noites ao seu lado quando ela esta doente, faz tudo por ela e pra que?  Pra ela não nos contar o que se passa em sua vida.  Prefere se abrir com os outros. Como se alguém fosse amar ou se preocupar mais com ela...

- Tá bom mãe, já entendi. Sem dramas ok. Eu preciso resolver a minha situação com Clara. Satisfeita agora?

- Eis ai uma coisa que eu não entendo. Por que nunca me contou o que realmente aconteceu entre vocês? Ficou muito evidente para mim que a desculpa da briga foi uma mentira. O que esta me escondendo?

- Não houve bem uma briga, pois ela não estava presente. Mas pra mim é como se tivesse havido. Como se tivesse me dito coisas que jamais pensei em ouvir de seus lábios.

- E o que aconteceu então? Você me disse que quando conseguisse algumas respostas me falaria. Já teve a confirmação que precisava para poder me contar?

- Sim, infelizmente. Clara é uma grande atriz. Consegue enganar a todos que estão à sua volta. Comigo não foi diferente.

- Não fala assim minha filha. Ela é uma pessoa tão meiga.

–É verdade mãe, acredite, ela não é quem parece ser. E me fez de idiota por todos esses anos. De meiga ela não tem nada.

- Idiota por quê? Vai me contar ou não? Só está me deixando mais confusa.

- Descobri certas coisas sobre ela que nunca imaginei. Coisas horríveis, que me fizeram muito mal. Eu amei uma fraude mãe. Mas não gostaria de te falar o que descobri. Você ficaria muito chateada, e sem necessidade.

- Bom filha, essa é a sua vida. Não vou me meter. A única coisa que quero no mundo é te ver feliz, mais nada. Só isso me importa.

- Eu sei mãe. Fica tranquila. Farei de tudo para encontrar a minha felicidade.

- Mas às vezes é bom ouvir a opinião de quem esta de fora da situação, você não acha?

- O que você precisa saber é que aquele fim de semana na chácara foi uma farsa. Tudo planejado para me envolver. Não foi só você que me enganou. Nós todos fomos ludibriados por ela.

- Porque esta dizendo isso Aninha? Vocês pareciam tão felizes.

- Eu estava muito feliz. Acreditei que tinha reconquistado o amor da minha vida. Mas não era real. Vieram parar em minhas mãos algumas provas disso. Coisas muito cruéis mãe. E mesmo assim, eu não consegui acreditar nelas. Então mandei investigar, e descobri que eram verdadeiras.

- Têm absoluta certeza disso? Pois não devemos crer em tudo, muitas coisas que não entendemos podem ser explicadas.

- Nesse caso não há mais nada que se possa fazer. Nem explicações para dar. No fundo mãe, eu gostaria de estar enganada.

- Já vi que não vai me contar tudo não é?

- Existem coisas que é melhor não sabermos pra não nos machucarmos ainda mais. Creia você não gostaria de saber a verdade. Ficaria muito magoada.

- Seja como você quiser. Só mais uma coisa que acho que precisa saber, eu encontrei sua tia no shopping esses dias atrás. Ela me disse que Alma está em São Paulo.

- Dona Alma voltou?

- Sim, ela e o marido. Segundo Yolanda, voltaram para ficar com a filha. Disse que Clara está doente, em depressão profunda. Estão tentando fazer com que ela volte pra casa com eles. Filha, não sei o que aconteceu entre vocês, mas do fundo do meu coração eu espero que não seja por sua culpa que ela esteja assim. Eu sou mãe e da mesma forma que não quero te ver sofrer, não gostaria de saber que você causou tamanho sofrimento em alguém.  

- Fica calma mãe, provavelmente seja sua própria consciência que a está incomodando. Você me conhece jamais machucaria ninguém por prazer. A Clara não é quem você pensa que ela seja, aliás, não é nem quem os pais pensam que é. Lobo em pele de cordeiro, essa é a máxima perfeita para ela.

- Ana cuidado com o que fala. Falsas acusações podem acabar com a vida de uma pessoa. Destruir uma reputação. Pense bem nisso. E se houve alguma coisa que ela te fez de tão grave ao ponto de originar esse desprezo que estou percebendo em sua voz, o melhor a se fazer é ter uma conversa franca. Nem tudo é o que parece ser. Eu já te disse isso e repito. Além do que todos merecem o direito de poderem se defender, se explicar. Às vezes nos enganamos.

- Não quando temos provas irrefutáveis em mãos.

- Filha, você está equivocada se acha que tudo o que pode ser visto deve ser considerado como prova irrefutável, muitos usam bijuterias impecáveis que se parecem tanto com joias, que é quase impossível de se dizer que não são reais e iludem a várias pessoas com esse truque. Falsificações podem ser perfeitas, lembre-se disso.

- Concordo mãe, é por este motivo que temos que investigar, e foi exatamente isso que fiz. Por mais incrível e brilhante que uma pedra falsa seja sempre haverá um pequeno defeito, o mínimo detalhe que fará com que seja descoberta.

 - Bella mia se você tem a certeza de que não está cometendo nenhum engano, siga em frente.  Só não se deixe iludir por falsos brilhantes. Nem tudo que parece verdade é real – Me deu um beijo na testa e foi pra cozinha.

Ela não sabia da carta, das fotos, do envelope e das mensagens de texto, por isso dizia aquelas coisas. Se soubesse não tentaria limpar a barra de Clara. Que joguinho filha da puta ela estaria fazendo com os próprios pais? Sacanagem deixar as pessoas te amam de verdade preocupadas. O que será que estava tramando dessa vez? Algum beneficio tiraria disso com certeza. Não fingiria uma depressão à toa. Mas a mim não enganaria nunca mais, isso eu podia jurar. Iria me preparar e fazer uma visitinha pra ela queria só ver sua cara. Faria isso muito em breve. Ela não perdia por esperar.

Depois do almoço recebi uma ligação de Clarice, dizendo que precisava conversar comigo. Cheguei a sua casa já no finalzinho da tarde.

- Oi Sisse. – Disse beijando seu rosto.

- Oi Ana, que bom que você pode vir.

- O que foi? Você parece agitada.

- Tenho algumas coisas que quero te contar. Vem pra cozinha que vou fazer um café pra gente.

Eu a acompanhei e sentei-me já esperando uma bomba.

- Você esta me deixando curiosa.

- Tenho três coisas pra te contar. A primeira é que esses dias atrás eu estava arrumando as coisas aqui em casa e achei as fotos e o envelope. Não sei por que tive a ideia de devolver a Alicia, mas quando cheguei ao flat me informaram que ela havia ido viajar. Perguntei quando e foi logo depois de eu ter ido me encontrar com ela.

- E o que você achou estranho, afinal não mora aqui. Deve ter voltado pra casa.

- Só que quando eu fui falar com ela, pra pegar o envelope me disse que pretendia estabelecer residência no Brasil.

- Então provavelmente foi despachar as suas coisas.

- Não sei Ana, isso me deixou com a pulga atrás da orelha. Ela insistiu para que dissesse onde você estava. Mas como me neguei, falou que esperaria a sua volta. Que precisava muito falar com você.

- Deve ter mudado de ideia. Na verdade fiquei de ligar para ela e não o fiz. Com certeza ficou chateada.

- Pode ser. Bom a segunda é que ontem depois que saímos de sua casa, eu e Suzi resolvemos tomar um chope, e fomos ao shopping Paulista, e adivinhe quem estava lá?

- Ainda não consigo fazer isso, minha bola de cristal esta quebrada. Então me diga de uma vez.

- A Jaqueline.

- Sozinha ou com a namorada a tira colo?

- Não estava sozinha, mas não era Clara que estava com ela e sim um cara super estranho. Não gostei nem um pouco da cara dele.

- E?

- Eles estavam discutindo sobre o pagamento de algum trabalho. Parece que ele queria um dinheiro, alguma coisa assim. Quando Suzi a viu e aproximou-se para cumprimentá-la, e ela fechou a cara. Ficou evidente que não tinha gostado nem um pouco.

- O que a gente tem a ver com a vida dessa fulana Sisse? Ela que brigue com quem quiser. Ela que foda com quem ela quiser. Eu não tenho nada com isso. Provavelmente ficou surpresa por encontrar vocês, visto que nem atendia as ligações de Su.

- Susana ficou bem chateada, você acredita que ela mal disse oi? Sequer convidou a gente para sentar com eles. Não que eu me importe não gosto dela mesmo. Mas fiquei com dó de Suzi.

- Tava na cara que faria isso. Ela ficou com raiva por vocês serem minhas amigas. Quer manter distancia para que não vejam Clara, não falem com ela e nem tentem nos reaproximar. Com certeza é outra idiota, como eu fui, que não sabe com quem esta lidando. Uma pobre coitada. Chega a dar pena.

- É também pode ser. Logo depois que nos sentamos eles se levantaram e foram embora.

- Vai ver estava esperando a namoradinha e ficou com medo de eu aparecer. Mal sabe ela que prefiro ver o diabo em pessoa.

- Agora o último babado. Clara foi afastada definitivamente do programa.

- Como você sabe disso?

- Esqueceu que Susana trabalha em um salão em Moema? A agência que produz as filmagens é ali do lado. Por isso Su sempre sabe noticias do pessoal do meio. Dos artistas essas coisas.

- Me lembro das histórias que sempre contou.

- Então. A produtora do programa foi essa semana até o salão e contou. Já contrataram a nova repórter. Disse que Clara estava doente e já não ia trabalhar a quase quatro meses. Esgotamento nervoso. Os programas que foram ao ar nesse período estavam todos gravados. Daí como ela não melhorou resolveram mandar embora. Ela não era funcionária. Era um contrato de trabalho. Eles quebraram o contrato e pronto.

- Minha mãe também me falou que ela estava em depressão.

- Como sua mãe ficou sabendo disso?

- Encontrou minha tia, que contou pra ela que os pais de Clara estavam aqui para tentar levá-la embora.

- Nossa! O que será que aconteceu com ela?

- Sinceramente, não sei e nem quero saber. Depois de tudo o que ela me fez, não serei eu a ficar preocupada com sua saúde.

- Você já conseguiu esquecê-la?

- Poderia mentir e te dizer que sim. Mas não Sisse, eu ainda não tirei Clara de dentro de mim.

- E o que você pretende fazer?

- Eu vou voltar a minha vida cotidiana.

- Vai deixar isso tudo de lado?

- Não. Eu vou enfrentá-la. Falar na sua cara tudo o que está preso em minha garganta. Mas primeiro vou me preparar para isso.

- Você precisará ser forte.

- E serei. Você vai ver.

Me despedi dela e voltei pra casa. Amanhã seria um novo começo, e eu voltaria a ser quem um dia eu já fora.

Depois de uma semana já estava completamente inteirada das coisas do escritório e meus pais puderam ir embora, não sem antes minha mãe me deixar com pelo menos um quilo a mais. Foi bom trabalhar junto com meu pai de novo nessa transição de documentos e casos, eu era sua fã incondicional, ele era um advogado maravilhoso e para minha grande alegria tinha ganhado com os pés nas costas o caso da Dona Maria, a senhora da casinha, e colocado aquele advogado cretino e seu cliente safado onde mereciam.

Fatima tinha o tinha auxiliado durante minha ausência, e acabei fazendo dela minha assistente particular por recomendação do próprio que viu nela um grande futuro. Para ela seria maravilhoso já que estava cursando o sétimo semestre da faculdade e poderia acompanhar bem de perto todos os processos como estagiária.

Eu já tinha feito minha pesquisa e descoberto que os pais de Clara estavam em sua casa mesmo e ela ainda não tinha se mudado, só não sabia direito como faria para ter a conversa que queria sem a presença deles. Eu não deixaria que soubessem quem de fato era sua filha. Por mais vagabunda que ela fosse os pais não precisavam sofrer por conta disso, eles podiam viver na ilusão de que tinham a filha perfeita. A única coisa que eu queria era me resolver com ela e o resto que se fodesse.

A oportunidade apareceu dois dias depois que mandei investigá-la, Susana soube através de uma das clientes do salão que era conhecida de Clara que eles iam ficar fora aquele fim de semana. 

Era a minha chance. Sábado de manhã estava preparada mentalmente para o encontro, me vesti muito bem, pois não queria que percebesse em meu semblante ou atitude que eu tinha me machucado com a descoberta de seu caráter, ou melhor, da falta dele. Ensaiei tudo o que eu queria falar para ela na frente do espelho, com um Boris olhando intrigado para mim e miando enquanto recitava palavra por palavra. Peguei as chaves do carro, alimentei o meu peludinho e fui embora. Durante todo o percurso tentei me acalmar, mas no fundo meu coração batia acelerado. Como ela reagiria ao me ver? Como eu reagiria ao reencontrá-la?

Parei em frente a sua porta e respirei fundo, me concentrei e toquei a campainha. Foi necessário fazer isso duas vezes antes dela vir atender. No instante em que ela abriu a porta levei um susto, sua aparência era péssima, tinha emagrecido uns oito quilos, estava esquálida, pálida e com olheiras enormes. Ainda de pijamas, os cabelos negros estavam emaranhados e sem vida. Foi um baque vê-la assim. O que será que estava acontecendo? O que estava planejando para se deixar ficar naquele estado? Ficamos paradas olhado uma para outra, sem reação. Nos meus olhos a surpresa por vê-la daquele jeito e nos dela o susto, como se eu fosse um fantasma do seu passado que ela não esperava ter de volta. 

Fim do capítulo