Lucas já estava em meu apartamento há cinco dias, era muito fácil de conviver com ele, sempre organizado, amável, bem-humorado e discreto. Se percebeu minha apatia não fez nenhum comentário. Além disso tudo era um ótimo cozinheiro. Tive a oportunidade de conhecer melhor Aldo, os dois juntos formavam um casal belíssimo.  Na sexta feira resolvi chama-los para um happy hour. Liguei para as meninas e combinamos de nos encontrar no barzinho de sempre. Mas algumas coisas iriam mudar o correr do meu dia.

Estava no escritório analisando uns documentos quando recebi um telefonema que não esperava, Fátima me passou a ligação que atendi intrigada.

- Ana tudo bem?

- Alicia, que surpresa. Estou bem e você?

- Com saudades. Você ficou de me ligar.

- Eu sei, me desculpe. Fiquei sabendo que não está mais no Brasil.

- Eu voltei. Cheguei ontem. Estou no mesmo apart. Por que você não vem aqui para que possamos conversar melhor? Gostaria de saber como foi sua viagem.

- Infelizmente hoje eu já tenho um compromisso.

- Ah. Que pena. E amanhã? É sábado, podemos marcar um almoço.

Eu não queria reencontrar Alicia. Primeiro porque não tinha a mínima vontade de manter aquela amizade, e segundo porque não iria deixar que ela se iludisse quanto ao que tinha acontecido àquela tarde.

- Eu vou pra chácara esse fim de semana. Lamento. - Menti

- Entendi. Quem sabe um outro dia. Me liga pra marcar?

- Vou ver e te ligo avisando ok?

- Ok vou te esperar. Beijos.

-Até mais.

Quer dizer que ela havia voltado e não tinha alugado um lugar para se estabelecer. Era estranho. A menos que ainda estivesse à procura. Bom não importava, eu não ligaria para ela.

Um pouco antes de sair para encontrar o pessoal recebi o segundo telefonema esquisito do dia esse em meu celular:

- Oi meu amor.

- Oi Sisse. Estou quase terminando aqui e já vou.

- Então Aninha, estou ligando pra mudar o lugar do nosso encontro.

- Como assim? Já está tudo combinado.

-Eu sei mas...a Su quer nos encontrar em outro barzinho.

Aquilo me deixou super intrigada. Suzana nunca dava palpites nesse sentido. Sempre ia para onde Clarice a levava.

- Que estranho!

- Também achei. Mas ela anda tão esquisita esses dias. Cheguei até a desconfiar que ela podia estar tendo um caso.

- Não alucina Sisse. A Suzi carrega um piano por você.

- Eu sei, mas estou com a pulga atrás da orelha.

- Para com isso. Vai ver ela está com algum problema no trabalho.

- Não Ana. Eu conheço a minha mulher. É outra coisa. Ela está muito pensativa, e quando pergunto o porquê desconversa.

- Bom e onde é esse barzinho? Tenho que avisar o Lucas.

Ela me passou o endereço e se despediu. O lugar era perto do trabalho de Suzana, na verdade ao lado da produtora onde Clara havia trabalhado. O que será que estava acontecendo?

Cheguei ao barzinho e me sentei no balcão à espera do resto do pessoal. Logo depois elas chegaram e Suzana fez questão de escolher a mesa. Clarice me encarou com a cara espantada. Não era costume essa pratica vinda da sua namorada. Sempre éramos eu ou Sisse que acabávamos decidindo tudo.

Após nos acomodarmos e pedirmos as bebidas os meninos chegaram. Estava me sentindo um peixe fora d’água, no meio dos dois casais, mas fazer o que?  Minha amiga maluquete até que queria arranjar alguém pra me fazer companhia, mas não permiti. Não queria um encontro com ninguém no momento. Já tinha problemas o suficiente pra ir atrás de sarna pra me coçar. Estávamos conversando sobre a atual situação econômica do país quando chegou um tipo estranho e sentou-se na mesa do nosso lado, onde já havia um outro rapaz a sua espera.  Começaram a falar em voz alta o suficiente para que pudéssemos ouvir, o que me incomodou. Odeio gente que não saber manter a própria privacidade afinal não são todas as pessoas que gostam de saber da vida alheia.

- E aí cara beleza? Me passaram o recado que você está à procura de alguém pra fazer um servicinho extra.

- Oi Carlos Alberto. É isso mesmo. Me deram algumas referências sobre você. Quero saber se é verdade.

- Depende do que você está querendo.

- A pessoa que me indicou seu nome disse que você não tem nenhum tipo de problema com coisas digamos “ilegais”.

O cara que havia chego depois começou a gargalhar.

- É isso aí meu irmão. Pra conseguir meu intento ou um dinheirinho extra estou sempre pronto pra fazer de tudo. Se tiver mulher gostosa no meio fica muito melhor. Fala aí se tem coisa melhor que uma boa foda. E a mulherada hoje em dia tá praticamente se jogando atrás de um macho como eu. – Riu alto

Eu já estava me remoendo por dentro, que absurdo era aquele. Além de estar na cara que ele era um safado ainda falava de mulher como quem fala de mercadoria barata exposta em algum açougue de terceira. Minha vontade era levantar da mesa e dar um soco na cara dele. Mas decidi ficar quieta na minha, um sujeito daquele não merecia que eu causasse uma confusão e envergonhasse meus amigos.

- Mas me diga quem foi que me indicou?

- A menina que deu o seu nome não quer aparecer. Mas ela soube de você através da Jaqueline.

Ao ouvir aquele nome meu coração parou. Olhei para Suzana que fez um sinal com o dedo na boca pedindo silencio.

- Aquela lá. É verdade fiz um trabalhinho pra ela. Quer dizer dois. Um ela ainda está me devendo. Bom não bem ela, mas a sua amiguinha. Eu fui é besta. Devia ter cobrado em sex*. A vadia é muito linda deve ser uma fera na cama, pena que não gosta do meu instrumento de trabalho se é que me entende. – E fez cara de cafajeste.

- É verdade então que a Jaqueline que mexeu os pauzinhos pra você ir trabalhar lá na produtora?

- É sim. Esse foi o pagamento pelo primeiro serviço. Eu conheço Jaque há muito tempo, desde que éramos crianças. Eu até namorei com ela escondido, mas isso foi antes dela decidir virar sapatão. Naquela época já era bom no que fazia. Eu mesmo assinava os bilhetes que a professora mandava para a minha mãe.  Mas afinal você ta perguntando muito e falando pouco. Qual é o trabalho que quer de mim?

- Eu preciso falsificar uma assinatura em uma procuração e em um cheque. Você consegue?

- Isso pra mim é fichinha cara. O que eu fiz dessa última vez foi mais complicado e deu tudo certo.

- É mesmo? O que foi que você precisou fazer?

- Foram cartas inteiras, não só assinatura. E ficou bom pra caralh*. Duvido que alguém tenha percebido algo.

Gelei até o fundo da alma. Meu coração parou, a boca secou, pensei que ia ter um infarto e pelo olhar de Sisse percebi que ela estava pensando o mesmo que eu. Não podia ser verdade. Comecei a suar frio, era inacreditável, eu não estava ouvindo direito. Ninguém seria tão espúrio.

- O que está acontecendo? – Aldo perguntou percebendo que o clima tinha mudado.

- Eu não sei – respondeu Clarice - Mas eu tenho a impressão que esse cara está falando de uma coisa que foi feita contra com Ana.

- Como assim? Algo sério?

- É uma longa história. Mas precisamos saber se estamos certas.

- Não por isso. Já vão descobrir.

Levantou-se e parou em frente à mesa dos homens que continuavam a conversar.

- Boa noite!

- Boa! – Respondeu o mau elemento

- Estava ouvindo o papo de vocês e achei muito interessante, gostaria muito que se juntassem a nossa mesa para sabermos o final do caso.

- E se eu não quiser?

- Bom, - Disse ele tirando a identificação do bolso – Como você pode ver eu sou delegado e posso te deter.  Ah e lá no meu DP, os policiais não gostam de malandros, só pra você saber.

- Vai me deter com que acusação?

- Isso é fácil de eu arrumar. Pode ter certeza. Então o que vai ser? Vai falar aqui ou lá na delegacia?

Os dois se levantaram e o seguiram até a nossa mesa.

- Senta aí e abre o bico. Sem esquecer nenhum detalhe. Vai ser melhor pra você eu garanto.

- Eu já posso ir embora Suzana? Fiz o que me pediu. Não tenho mais nada com isso. – Disse o rapaz que estava tentando “contratar os serviços”.

- Pode ir Reinaldo e muito obrigada por me ajudar. A gente se fala na segunda.

- Mas o que está acontecendo aqui Su? – Clarice se exaltou.

- Vamos deixar ele falar primeiro, e depois eu conto tudo.

- Você ouviu rapaz. Diga o que queremos ouvir.

- O que o senhor quer saber?

- Tudo. Simples assim. Pelo jeito vocês estavam falando dessa moça que está aqui, como ela é minha amiga, quero saber toda a história. Desembucha.

- Bom doutor, eu não sei quem é essa moça. Eu juro. Nunca a vi na vida. Nem fiz mal nenhum a ela.

- Vamos ver se eu acredito. Depende do que você tem a dizer

- Se é sobre o último trabalho que eu fiz que vocês querem saber, foi apenas um favor para uma velha amiga.

- Que favor?

- É que eu sou bom em imitar caligrafia, desde muito pequeno eu faço isso, e modéstia a parte fica muito parecido, praticamente idêntica quase não dá pra perceber a diferença.

- Um falsificador, trambiqueiro, estelionatário e ainda se orgulha disso. Que maravilha! Esse é o meu país.

- Não doutor, não sou isso não. Sou só um cara que consegue imitar a letra dos outros.

- Cada uma que eu escuto nessa vida que parecem duas. Continua a falar vai. E o que ela queria que você falsificasse?

- Ela me apresentou a uma pessoa chamada Alicia. Essa mulher me deu uma carta de outra moça, e pediu que eu tentasse fazer a letra igual a dela. Então quando eu já estava escrevendo perfeitamente igual, ela me passou uma carta pra copiar, em um papel velho que ela tinha guardado, inclusive com dobras e tudo. Ficou parecendo mesmo que a carta era bem antiga. Era uma carta sacana, falando um monte de maldade, essas coisas de namoradas entende?

- Muito legal essa brincadeira né? Realmente você não faz nada de mais. Afinal fabricar uma carta não é crime.

- Ei mas não fui eu quem inventei esse joguinho. Eu só ajudei, e depois elas estavam planejando mais umas coisas que eu nem sei se conseguiram fazer.

- Sei. E o que mais você aprontou.

- Mais nada, quer dizer uns dias depois, acho que umas duas semanas, ela me pediu pra escrever outra carta. Dessa vez a caligrafia era de outra pessoa. Copiei de um papel onde estava o endereço da própria mulher. Do jeito que elas estavam felizes, acredito que o plano de separação deve ter dado certo. Mesmo porque Jaque comentou que não teria mais como voltarem a fazer as pazes.

 Eu estava petrificada. Cada palavra era como se um balde de água gelada estivesse sendo despejado lentamente sobre mim, congelando meus ossos. Minha cabeça parecia que ia explodir com toda aquela informação.

Aquilo era doentio, como uma pessoa podia ser tão maléfica, tão destruidora? Não era verdade. Não podia ser.

- E as mensagens? – Perguntei atônita com aquilo tudo

- Que mensagens?

- As mensagens de texto.

- Disso eu não sei nada. Eu juro.

Como em uma fita de terror, tudo o que senti no dia em que li aquela carta foi passando diante dos meus olhos. A minha dor, o desespero, minha morte interior. O dia seguinte quando fui até o apart de Alicia, ela me consolando, as mensagens no celular, minha decepção e tristeza, ela fingindo que não queria que eu lesse o texto, como me abraçou, se fez de mulher apaixonada pra se aproveitar da minha vulnerabilidade e conseguir o que realmente queria: sex*! Era isso que queria, que sempre quis, e para conseguir ela me destruiu sem dó. Vagarosamente o ódio foi tomando conta de mim e fazendo com que meu corpo voltasse a funcionar. Levantei de um pulo e fui para o carro, eu não enxergava nada. Havia uma fúria vermelha que toldava minha visão. Entrei no carro e sai a toda. Passei sinal fechado, limite de velocidade e o cacete a quatro, quando cheguei ao meu destino a raiva tinha aumentado dez vezes. Meu corpo tremia incontidamente.

Desci do carro sem sequer o trancar e toquei o interfone, logo em seguida o carro de Suzana parou atrás do meu.

Informei ao porteiro o andar que queria ir, em poucos instantes ele liberou a minha entrada. Clarice e Suzi, subiram comigo, mas eu nem percebi a presença delas, estava cega de cólera.

Quando Alicia abriu a porta, seu sorriso alargou-se instantaneamente, mas foi por apenas um milésimo de segundo, que foi o tempo exato de minha mão alcançar a sua face. O tapa que eu lhe dei na cara deixou a marca dos meus cinco dedos, além de fazer com que cambaleasse para trás. Horrorizada ela colocou a mão no rosto, e só então viu o que eu trazia no olhar.

No mesmo instante que ela deu um passo para trás tentando fugir do que enxergou eu entrei porta adentro pronta para dar outro tapa. Minha vontade mesmo era de grudar em seu pescoço e apertar até ver o brilho de seus olhos se apagar. Estava completamente alterada pela raiva e se não fosse Clarisse chegar e me segurar eu tinha voado nela. Queria arranhar seu rosto até não sobrar nada além de uma massa de carne. Nunca em toda a minha vida sentira tamanha ira.

Fim do capítulo