O trabalho sempre foi meu escape para quase tudo na vida e mais uma vez não foi diferente. Nem sempre é muito confortável vermo-nos aos olhos dos outros e o reflexo de mim nas palavras daquela menina ainda causavam alguma turbulência no meu íntimo.

 

Ela não disse mentiras, descreveu a Catherine que sou e que sempre me orgulhou, Catherine que não se apega a nada além do trabalho, que usa corpos alheios para se satisfazer. Nunca questionei minha forma de encarar a vida, aliás, sempre acreditei ser a forma mais sensata de se viver. Continuo com o mesmo pensamento mas algo no olhar dela me incomodou e incomoda cada vez que fecho os olhos e revejo a cena. Ela queria transparecer algum orgulho e até admiração por mim, mas lá no fundo eu vi uma tristeza, quase uma ferida aberta...claro que estou doida, primeiro porque eu não sou de profundidades e segundo porque ela estava muito certa do que dizia...mas...

 

Trabalho, nada como o bendito trabalho para me distrair. Passei a semana toda em polvorosa, uma reunião atrás da outra, muitas vezes longe do escritório mas eu estava anestesiada, fugindo de pensamentos desconcertantes. E fugindo de Susan também, mas crente que ela não acharia estranho porque muitas vezes passamos vários dias sem estar juntas por conta da minha carga de trabalho, o problema é que sempre existe um telefonema ou vários, mas desta vez eu me tornei inacessível.

 

Susan é muito observadora e ela facilmente me faria pensar em coisas que não estou com a mínima vontade de analisar e ainda tinha a mentira do tal do Kiman...maldita hora que fui falar da porcaria dos sneakers...e aquela menina tinha que usar um par desses sapatos horríveis no dia em que Susan a surpreendeu no meu escritório? Mas ela não usa outra coisa...quase ri das minhas conjeturas...

Agora a culpa era dela? Não Catherine, tu é que não estás muito bem da cabeça...

Trabalho, muito trabalho...ah e sex* também.

Quinta à noite saí com o Yourgos, aquele que gem* muito na cama. À vista desarmada, ele é o sonho de consumo de qualquer mulher que gosta de homem, mas para quem entende bem da coisa como eu...esse coitado precisa entender que é gay, completamente gay. Fui para cama com ele porque estava a fim de relaxar e tem coisas que ele faz bem...fazia, até conhecer Skya. Não pude evitar a comparação ainda que mentalmente e concluí que não tem comparação possível.

Skya...se não fossem aquelas palavras martelando na minha mente eu correria atrás dela por essa cidade toda e faria sim sex* com vontade...enlouqueci, completamente louca. Agora sex* com vontade é com uma mulher de 25 anos...

Se fosse completamente honesta, o que não sou nem para o meu íntimo, eu diria que escolhi o Yourgos num universo considerável de possibilidades, porque ele é o homem que mais perto poderia chegar do sex* que não me saía da cabeça...mas claro que essa constatação ficou no inconsciente.

**************************************************

Uma semana fugindo e não tinha mais como ignorar Susan. Maior que o incomodo pelas verdades que ela tentaria arrancar de mim, era a saudade da minha amiga...minha grande amiga.

--Karen, Susan disse a que horas viria?

--Catherine, ela não vem...pediste que eu marcasse no restaurante de sempre e ela disse que se encontrariam lá perto da uma e já estás atrasada.

Peguei minha bolsa e corri para a porta.

--O que seria de mim sem ti dona Karen?

Ela sorriu e eu ri alto.

No restaurante:

--Pensei que estivesses a fugir de mim...- Disse Susan deliciando-se na sobremesa.

--Porquê? Muito trabalho Sue, sabes como é...

--Sei sim, mas nessa semana sequer falamos ao telefone.

--Estás carente meu amor? Aquela senhora não está dando a devida atenção.

Gargalhadas!

--Idiota. A Ciara é um doce...estou a falar da minha amiga que não me deixa em paz e de repente some.

--Ah, estás farta de mim?

--Quem é a carente aqui?

Mais gargalhadas!

--Mas e as novidades? Só trabalho? Nada de capas de revista?

Foi minha vez de rir alto.

--Umhum...

--Umhum?

--Sim Susan...tudo igual.

--Exceto pelo fato de ter dormido com uma menina que usa sneakers.

Quase engasguei no meu próprio ar. Claro que ela tinha percebido minha mentira, mas precisava vir assim, como um cataclismo na minha cabeça.

--Fui idiota...- Fiz cara de pateta e me sentia uma verdadeira pateta.

--Conta como foi. Confesso que estou curiosa para saber o que te levou a fazer sex* com uma mulher e ainda a mentir descaradamente.

--Curiosidade...- Precisava minimizar o efeito daquela menina na minha vida. Mas como se já estava com o meu estômago instável?

--Hmmm, mas e a certeza que sex* entre mulheres é uma porcaria...ainda pensas a mesma coisa?

"Nem sei o que pensar Susan..."

--É diferente...

--Catherine, pelo amor de Deus, seja clara e objetiva como quase sempre és. Quero saber, a Skya te seduziu? Ela é linda, mas para quem não sente o menor tesão por mulher...fica difícil entender...

--Estávamos perdidas no meio do nada, presas no mesmo quarto...

--Wow, sério? Realmente não tiveste escapatória minha amiga...aquela menina é muito sexy, despretensiosamente sexy o que lhe confere um charme irresistível.

--Susan, a tua mulher sabe que babas assim por outras? - Estava incomodada com o interesse de minha amiga pela menina dos sneakers.

Ela fartou-se de rir e me olhava com um ar desconfiado.

--Mulher é uma delícia, admita.

--Ah Susan...

--É ou não é?

"Não sei se mulher é uma delícia mas a Skya é perfeita" - Inconsciente, claro.

--Sabes se ela é gay? - Mudei de assunto ou fugi da resposta.

--Não sei...porque saberia? Quem ficou trancada num quarto durante dias fazendo muito sex* com ela não fui eu...sabes que sou discreta.

--Umhum...- Ri da cara de Susan. Essa minha amiga é muito esperta mesmo se fazendo de tola ou desligada.

--Orgasmo?

--Hã?

--Tiveste orgasmo?

"Susan, pelo amor de Deus não me faça lembrar daquelas sensações...como se fosse possível esquecer."

--Sim...claro, porque isso só depende de mim. - Resposta ensaiada.

--Catherine...melhor ficar calada. - Ela revirou os olhos.

--Mas depende mesmo só de mim...

--Vá para cama com alguém que não te desperte nada para veres o quanto depende só de ti.

--E desde quando eu vou para cama com gente que não me desperta nada?

--Então a Skya despertou alguma coisa?

--Claro! Sou louca mas não sou desvairada...acho que estava carente, e ela soube fazer as coisas...deve ser esse vosso feitiço...sei lá. Fizemos sex* e foi bom, nada demais...

Susan riu muito e continuou me analisando com aquele seu olhar doce.

--Mas ela é gay assim como tu ou apenas está aberta a novas experiencias como eu?- Não sei porquê estava tao interessada na orientação sexual da menina...não sei...

--Aberta a novas experiências? Desde quando? A Skya foi a primeira...ou não?

-Sim...a primeira de muitas...- Fiz minha melhor cara de predadora.

--Louca! Tarada!

Gargalhadas.

--Mas se quiseres mesmo enveredar por esse mundo complexo e maravilhoso, o que não falta é mulher doida por aí...eu posso te apresentar a várias, mas eu não conheço muitas mulheres como a Skya...sexy e atraente até de sneakers.

Eu ri com gosto...estava com vontade de ver aquela menina...era uma sensação estranha, um misto de vontade e outra coisa qualquer...ela me enlouquecia. Queria saber mais sobre ela, e Susan estava com certeza melhor informada.

--Ela ainda está por aqui? - Perguntei com o melhor ar blasé, mas por dentro...

--Sim e vai ficar por algum tempo. A Ciara está entusiasmada e com muitas ideias na cabeça. A Skya, além de tocar muito bem ainda canta embora ela diga que esteja a aprender, mas Cathe não sei se ela cantou para ti, mas a voz é perfeita...eu não entendo de técnicas mas de emoção sim, e ela me emociona...

Eu estava lidando com muitas emoções naquele momento e todas em decorrência do efeito daquela mulher na minha vida...

--Eles descobriram uma saxofonista que também escreve e querem fazer um projeto de arte café para a livraria central da editora, aquela do centro que parece um lounge maravilhoso, querem unir várias artes...imagina, essas meninas escrevem, tocam, cantam...sucesso absoluto. A Ciara está doida e parece que contagiou a Skya e eu fico muito feliz no meio disso tudo.

--A saxofonista é daqui? - Lembrei-me do sonho de Skya de fazer parceria com uma saxofonista...mais uma vez fiquei com aquela sensação esquisita.

--Não...algures na América latina, ou central, não sei ao certo. Vive cá mas está na India, ou Tailândia...é do estilo Skya, sem muitas pretensões e com muito talento. Vi vídeos dessa menina no youtube...Cathe, dos céus. Devias ver já que adoras Sax.

O entusiamo de Susan me contagiava embora existisse alguma inquietação à mistura.

--Essa saxofonista é muito jovem?

--Sim, acho que mais nova ainda do que a Skya, 23 anos se não me engano...de repente elas tornam-se muito amigas e Skya não precisa encontrar apartamento para alugar, já que a Rebeka mora aqui...podem morar juntas.

Não gostei daquela história...mas eu tinha alguma coisa a ver com o destino de Skya?

--Susan, olha a hora. Mulher falas demais e eu tenho mil coisas para fazer no escritório.

Risos.

--E eu sou desocupada...

Gargalhadas.

--Estava com tantas saudades Sue...

-Eu sei, por isso não entendi o sumiço...- Ela fez aquela cara que me irritava, parecia que me analisava profundamente.

--Não sumi...apenas muito trabalho. Preciso ir correndo...adoro-te sua doida.

--E eu mais ainda...viu que mulher com mulher pode ser muito interessante?

Ela fez aquela cara que misturava travessura com timidez e eu sai correndo do restaurante rindo às gargalhadas.

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Karen olhava para mim com assombro, eu não tinha feito nenhum estardalhaço com a notícia que ela acabara de me dar, viagem de trabalho, mais uma.

--O que foi Karen?

--Esperava outra reação...

Ri da expressão dela.

--A melhor coisa que pode acontecer-me agora é viajar muito e trabalhar mais ainda. Mente ocupada não pensa asneiras...

Eu não queria pensar...nada.

--Mas vai ficar quase uma semana fora...há algum tempo que não gosta destas viagens longas.

--Pois é, mas mudei...quero estar longe daqui por uns dias, quem sabe não me reinvento.

Karen riu sem entender nada, ela deveria achar-me uma louca.

--Aproveita a minha ausência e namore muito o...esqueci o nome do teu marido...

Ela sorriu, sabia que minha cabeça era uma loucura para as coisas mundanas.

--Juan...-sorriu tímida. - Quem me dera, não nos sobra muito tempo...trabalhamos muito.

--Ele faz o quê?

--Não teve a mesma sorte que eu...tem dois empregos e o que paga mais é nas docas, trabalha numa empresa de pescado, a noite toda quase todos os dias...

--E te exploro muito Karen?

Ela arregalou os olhos e maneou a cabeça negativamente.

--Não! Eu sempre digo que adoro trabalhar contigo. Mesmo quando o pessoal...

Ela calou-se acreditando que falara demais.

--Tudo bem Karen, sei que não sou a mais querida por esses corredores e nem faço questão disso...

--Mas eu não tenho razão de queixa. Aprendo todos os dias, és a chefe mais cooperante que já tive, não sonegas informações, me ensinas o que não sei, não tens aquela postura distante de muitos chefes...meu salário é muito bom. Sou muito feliz aqui.

Ela parecia sincera.

--Graças a esse trabalho e à luta do Juan, com fé em Deus vamos poder realizar o nosso sonho...

--Qual é?

--Ter nossa filha...ou filho...-- Ela ficou muito emocionada e com os olhos brilhando.

--Catherine, nós somos de El Salvador e ambos de origem muito humilde. Eu tive muita sorte na vida, ele nem por isso. Temos que ajudar nossa família que permanece lá...eu ajudo minha mãe e dois irmãos mais jovens, é muito fácil perder-se por lá, mas eu não vou permitir, meus irmãos terão destino igual ou melhor do que o meu, nem que para isso eu me mate de trabalhar...

Eu ficava cada vez mais surpreendida com pessoas à minha volta que tinham sonhos e que lutavam arduamente por eles...Skya, e agora a minha secretária a quem considerava um anjo em minha vida mas cuja vida e seus detalhes desconhecia quase tudo.

--Desculpa...eu me emocionei...

--Tudo bem...gostas mesmo de mim? - Ainda parecia-me estranho que alguém pudesse gostar tanto de mim...

--Muito. Claro que tem dias que é mais difícil, mas todos nós temos os nossos dias. Eu agradeço todos os dias pelo meu trabalho e pela chefe maravilhosa, não quero outra.

--Vá trabalhar...puxa-saco.

Rimos muito com o meu comentário e ela deixou a sala com o profissionalismo de sempre.

Gostara daquela conversa...muito.

**************************************************

Véspera da viagem. Trabalhei como louca para deixar tudo pronto para mais uma dezena de reuniões com gente nem sempre fácil de lidar mas que eu tinha como obrigação vencer pelo cansaço e vencia sempre.

Cheguei em casa destruída e ainda tinha que arrumar malas, a de roupas e a de documentos. Precisei de um banho para despertar, do contrário só o meu sofá me valeria.

Arrumei tudo em pouco tempo, não precisava de muita coisa e nem estava com paciência para fazer as habituais escolhas combinadas. Tudo pronto, hora de cair na minha cama. Tinha que levantar cedo para deixar Scoutie na sua segunda casa.

Por falar nele, o bicho não parava de miar, seria saudade? Nunca, ele nem se lembra que eu existo.

--Scoutie...por onde andas meu amor?

Fui encontra-lo na cozinha perto da área onde ele reinava e tentando comer o que não existia no seu pote de comida.

--Oh meu Deus, a doida esqueceu de deixar comida? - A doida era eu...

Peguei meu animal no colo e ele pareceu gostar. Procurei a ração e para meu desespero tinha apenas meia porção. Ele comeria e uma hora depois estaria gritando de fome.

--Scout, eu não acredito...vou ter de sair agora? O pior é que sei que sim, por ti e também porque vais para casa daquela Ciara e não quero aquela mulher dizendo que não cuido bem de ti, da tua alimentação. Oh Scoutie, o que não faço por ti meu bichano.

Ele pareceu rir da minha cara de desânimo. Peguei o blazer que usara no trabalho que ficara no móvel de entrada do apartamento, as chaves do carro e de casa e preparava-me para sair quando o louco fez cara de quem queria ir comigo.

--Vem, já que insistes.

Subiu no meu colo como senhor e dono de mim e fomos à caça da ração predileta do rei.

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Graças aos céus encontrei a mega loja de artigos para animais aberta e ali com certeza teria a ração do Scoutie. Aquela loja tinha tudo, era quase um shopping para pets, mega superfície que vendia de animais a acessórios, alimentos, remédios, tudo.

Àquela hora, passava das 11 da noite, e o lugar estava cheio de gente. Não era a única que esquecia a ração do felino companheiro de todas as horas.

Além de dois sacos da ração de primeira que o chato adora, ainda comprei um brinquedo, um não, três porque ele me domina com o olhar de peixe morto.

Distraí-me por fração de segundo no momento de pagar e quando olhei para o cesto onde ele estava, nada. Girei 180º e nem sinal de Scoutie. Entrei em pânico, ele poderia muito bem se esconder e levar horas até encontrá-lo. Não o perderia porque ele tem identificação mas precisava voltar logo para casa, estava cansada e encararia mais uma viagem em poucas horas...

Já estava entrando em desespero, procurei por todos os cantos e nada...todos os cantos é exagero porque a loja é imensa, mas procurei muito, e contei com a ajuda de funcionários...nada. Aquele insuportável faz jus ao nome.

Quase 20 minutos depois de muita procura e totalmente em vão, eu já me controlava para não chorar de nervoso...Scout tem esse poder sobre mim...

Olhava descrente para o nada quando ouço alguém no meu ouvido...

--Oi...

Não precisava virar para saber quem era...tremi da cabeça aos pés.

Virei-me devagar quase em camera lenta e lá estava ela, sorrindo e com o folgado nos braços.

--Acho que encontrei algo que te pertence...

Essa mulher é linda demais...e com meu Scoutie nas mãos merece muitos beijos.

--Scoutie seu insuportável, não faz mais isso. - Bati de leve nas patinhas dele fingindo indignação.

Ela fartou-se de rir.

--O que estás a fazer aqui? - Perguntei mais por nervoso do que qualquer outra razão.

--Provavelmente a mesma coisa que tu...

Ela sorriu parecendo debochar da minha cara.

--Desculpa...estou nervosa, quase perdi meu chato...vem cá.

Ele nem se mexeu e a outra também não ajudou muito. Folgado e vendido, novos sobrenomes de Scout.

--Essa coisa peluda só come ração classe A e ainda faz o favor de não me avisar quando o stock está no fim, resultado, temos que sair a meio da noite para comprar comida.

Ela riu muito e eu não entendi, mas tive vontade de rir também.

--Só esqueceste de um detalhe, ele não fala.

Foi minha vez de soltar uma sonora gargalhada.

--Eu esqueço-me que ele não fala...se bem que falta pouco para que o milagre aconteça.

Mais risos e de repente todo o cansaço evaporara.

--Estou tão cansada e ainda consegues fazer-me rir...- Falei sem pensar.

--Isso é bom, não é? - Ela olhou-me daquele jeito que me confundia a cabeça.

--É...mas o que fazes numa loja de animais a essa hora? - Mudei de assunto, o redemoinho no estomago era o alarme.

--Vim escolher um bichinho de estimação. Tem que ser pequeno porque meu apartamento é um ovo. - Ela sorriu e eu tive vontade de tanta coisa...

--Hmmm...tens alguma ideia?

--Certeza nenhuma...podes ajudar?

--Claro, salvaste a vida do meu Scoutie, que aliás não te larga.

--Sou a heroína dele.

Risos.

--Peixe...talvez?

--Não...não fala. - Disse peremptória.

--E Scoutie fala?

--Pelos cotovelos quando quer.

Quase morremos de rir e ela segurou o meu braço...ela adorava aquilo e eu mais ainda.

Por fim, decidimos por uma gatinha linda, ainda bebé e nas cores branca e amarela.

Faltava muito pouco para a meia-noite quando saímos da loja. Dirigi-me ao estacionamento e ela veio junto. O engraçado da cena, era que eu trazia a gatinha dela no cesto e o folgado vinha com ela, refastelado nos seus braços.

--Quase meia-noite, eu nem percebi que já era tão tarde. - Disse ela no momento em que abri a porta do carro.

--E eu viajo logo cedo...

--Nem sabia...não vou roubar mais teu tempo...

--Não...tudo bem. Eu deixo-te em casa. - Ela não roubava nada, qualquer coisa eu daria de graça e ainda agradeceria...

--Não precisa...

--Já tens carro?

--Não...

--Então...- Eu queria mais tempo...

--Moro logo ali...atrás da loja.

Quase insisti mas minha sanidade mandou-me calar a boca.

Ela veio para cima de mim e eu parei de respirar. Deu-me um beijo inocente na bochecha mas o efeito não foi nada inocente.

Ela riu muito e eu não entendi nada.

--O que foi?

--Desculpa...mas é muito engraçado.

E ria mais ainda.

--Skya?

--Olha para ti. - E sorria...lindamente.

Olhei e ri também. Estava de short jeans velho e rasgado, chinelos e um blazer caríssimo que não tinha nada a ver com o resto da indumentária. Simplesmente saíra com a roupa velha de casa e com o blazer de executiva...ah e para completar, chinelos nos pés. Só eu na face da terra.

--Muito engraçada. - Ela apertou a minha nuca e beijou-me demoradamente na face...claro que eu não respirei, mas o cheiro dela me embriagou...cheiro bom, cheiro de Skya...eu ainda enlouqueceria com as inconstâncias daquela mulher, ou minhas, já não sabia mais...

Ela afagou o Scoutie, entregou-mo em mãos, pegou o cesto da gatinha dela e foi embora.

Entrei no carro e fiquei parada olhando ao longe...ela já não estava ao alcance dos meus olhos. Ria sem parar e olhava para Scoutie que parecia quase feliz...sei lá. Eu estava muito feliz.

Liguei minha música favorita do momento...The Fall, Rhye e tive vontade de dançar...na chuva...com ela...dançar...ri alto e dei partida.

 

**************************************************

--Essa casa nunca teve tantos gatos. Se bem que se fosse atrás dos desejos dessa minha mulher teríamos mais gatos do que poderíamos suportar.

Risos.

--Mas ela é veterinária, e com certeza não pode ver um bichinho indefeso...estou apaixonada pela minha gatinha e por esses bichanos todos.

--Quem parece que morre de amores por ti é o Scout, esse bicho não te larga. Mas ele deve ser carente...

--Ah Ciara para, podes não ter simpatia pela Cathe mas ela adora esse gato, acho que ela gosta mais dele do que qualquer outro ser humano...

--O que explica a loucura dela...gostar mais de bicho do que de gente...

--Bom, eu tenho outra opinião acerca disso, mas não vamos brigar já que estamos cansadas de saber que não existe consenso nessa matéria.

Skya observava a conversa entre as donas da casa e tentava entender detalhes nas entrelinhas...estava claro que apesar de Catherine ser a melhor amiga de Susan, Ciara que claramente amava a mulher, não suportava a amiga dela...

--Mudemos de assunto...Skya, minha escritora/musicista e futura cantora favorita, a senhorita é o maior sucesso de público...e olha que ainda nem explodiu como sei que vai explodir...os homens estão doidos...

--Prefiro mulheres! - Disse sorrindo.

--Ahhhhhh, claro, só podia. Mulher de bom gosto.

Ciara gritou e beijou Skya na face e depois rodopiou Susan ao mesmo tempo que assobiava.

--Somos todas mulheres de gosto refinado. - Susan falou solenemente para gargalhada geral.

--Agora me digam o que será a fusão Skya/Rebeka? Essa cidade vai parar, e o mundo será pequeno...

--Ela é louca Skya, não liga.

Risos!

--Mas eu sempre quis fazer uma parceria com uma saxofonista e nunca encontrei a tal...

--É a Rebeka...eu já vi tudo à minha frente. Pergunte à Sue, eu tenho feelings infalíveis. Bom, moças, vou sair para buscar nossa outra estrela porque ela não conhece esses lados. Volto em meia hora no máximo.

--E o almoço das deusas estará pronto.

--Amo essa mulher Skya...

Ciara beijou Susan e Skya sorriu feliz.

--Vou aproveitar o quintal maravilhoso com os gatos.

--Sim, e eu vou finalizar o nosso almoço.

**************************************************

Voltei da viagem um dia antes do previsto. Resolvi tudo e com sucesso e não tinha mais porque ficar longe de casa. Estava com saudade de casa, do meu Scoutie...

Depois de deixar as coisas em casa, descansar um pouco, tomar um banho, resolvi buscá-lo. Quem sabe não convenceria Susan a almoçar comigo...bastante improvável, a menos que a mulher dela não estivesse em casa, domingo era dia de família...para quem tinha. Como a minha presente era o Scoutie, fui buscá-lo.

**************************************************

--Cathe? Não te esperava...não era amanhã?

--Era, mas resolvi tudo e voltei. Saudades do meu gato...

--Não era a senhora que estava toda entusiasmada com a viagem?

Perguntou abraçando a amiga com carinho.

--Estava...precisava ficar longe...

--A cabeça melhorou?

--Umhum...creio que sim. Tem festa por aqui? A senhora na cozinha...

Risos.

--Atrevida. Vamos receber amigas...a Ciara foi buscar a...

--Onde está meu peludo? - Ela interrompeu mais interessada no paradeiro do seu fiel companheiro do que nas amigas de Ciara.

--Está no jardim com o resto da trupe...vá lá vê-lo, não posso descuidar da comida ou a Ciara me mata.

--Ok, mestre cuca.

Fui em direção ao jardim maravilhoso da casa da minha amiga com uma sensação esquisita no peito...algo parecido com uma inquietação mas que era boa...meus paradoxos.

Fiquei paralisada na entrada do quintal...Skya estava sentada numa manta brincando com meu gato, os da Sue e a gatinha dela. Ela parecia feliz e os bichos mais ainda. Scoutie pulava em Younie, Strauss tentava separar, a bebé tentava fazer alguma coisa sem muito sucesso e Skya ria parecendo criança com duas bolinhas de gatos nas mãos.

Hipnotizada caminhei em direção à cena que me encantava...ela estava de costas.

Ajoelhei-me, meu coração batia em total desalinhamento. Estava com saudades dela...eu não pensei em nada, com o coração naquela velocidade, órgão nenhum poderia agir, suplantar a velocidade que fazia meu peito arfar...

Toquei-lhe as costas com a ponta dos dedos...eu tremia...não me reconhecia mais...mas não pensava...

Ela virou...sorriso lindo e que pareceu quase ofuscante ao me ver, pelo menos foi o que meu coração viu...lábios entreabertos, quase vermelhos, naturalmente vermelhos...um convite nos olhos...meus lábios buscaram os dela. Beijo doce, tudo o que precisava naquele momento, tudo o que ansiava há dias...tudo o que aprendera a desejar no minuto em que aquela mulher despertou algo dentro de mim...no fim do mundo ou no início do paraíso.

Apenas nossas bocas se tocavam e não se largavam...minha boca clamava pela dela que não deixava a minha nem por um segundo...não sei descrever o que senti...mas queria mais...

De repente acordei...fiquei constrangida e me afastei...por muito pouco. Minha boca tremia, podia sentir, as mãos também.

Ela colocou a gatinha na manta, olhou-me dentro dos olhos com uma profundidade desconcertante...esqueci de respirar quando ela segurou a minha nuca e me beijou gem*ndo na minha boca.

Não muito distante dali...

Susan estava parada na porta que dava acesso ao quintal em total estupefação.

--Ah Cathe...apenas sex* normal? Umhum...e essa energia?

Sorrindo entrou em casa.

 

 

 

Fim do capítulo