Como eu já imaginava não foi nem um pouco difícil ser seduzida por Mari. Nós almoçamos, conversamos e depois fomos para a cama. Ela estava certíssima, soube me ligar e desligar quantas vezes quis. E depois de tantos meses sem goz*r meu corpo estava dando cambalhotas de alegria. Nosso timing era perfeito e conhecíamos muito bem uma a outra, sabíamos como extrair as mais diversas sensações e o máximo de prazer de cada toque. Foi muito bom estar com ela novamente, mas minha consciência dizia que aquilo não era certo, ela podia voltar a ter esperanças, e eu ainda não estava curada da minha doença. Era apenas o meu corpo que estava ali, não meu coração.

Nós estávamos abraçadas, ainda nuas na cama quando resolvi conversar com ela sobre isso.

- Mari, estar com você aqui, tendo seu calor e ainda sentindo o seu gosto em minha boca é bom demais. Porém eu me sinto tão culpada.

- Culpada pelo que? Por me fazer ter orgasmos múltiplos? – Brincou.

- Boba. – Beijei o topo de sua cabeça. – Estou falando sério Ruiva. Eu sou como um barco perdido nas brumas do oceano. Não sei pra onde vou e nem o que vou fazer. Minha cabeça está tão bagunçada com tudo isso.

- Eu sei Ana. E entendo perfeitamente o que você esta sentindo.

- Por isso a minha culpa.

- Mas eu não estou aqui por ilusão. Nem imaginando que me dará algo em troca a não ser sex* de primeira. Estou aqui por que quero nada mais. E pra ser bem sincera, não acredito que conseguirá esquecer um amor tão verdadeiro como o que tem no peito. Pelo menos não por um bom tempo.

- Não fala assim. Eu preciso tirar isso daqui de dentro. Esse sentimento me faz mal.

- Em algum momento ele vai sumir meu amor, mas não da noite para o dia. Por isso não adianta ficar brigando com ele desse jeito. Isso só piora tudo. É só ter calma. Tudo vai se ajeitar.

- Prometo que vou tentar. Mas não será fácil.

- E eu prometo que vou te ajudar a colocar essa cabecinha no lugar. – Disse buscando meus lábios e encerrando a conversa.

Enfim depois de quatro dias em Londres ela precisava retornar ao trabalho, e voltaria para Vancouver no dia seguinte, tínhamos alternado as noites nos hotéis, duas no meu e duas no dela. Essa era a última e estávamos juntas no quarto dela, eu estava me preparando mentalmente para me despedir e voltar a ficar sozinha, com certeza seria mais uma separação dolorosa, quando ela me fez uma proposta.

- Ana, você pretende ficar mais quanto tempo viajando?

- Não sei, um mês acho. Pedi para meu pai tomar conta da empresa pra mim, mas não é certo, afinal ele se aposentou para poder descansar e estou abusando da sua bondade. Além disso, tenho que arcar com meus compromissos. Gostaria muito de poder ficar perambulando por ai, mas é impossível continuar assim para sempre.  Por que Ruiva?

- É que quero te fazer uma proposta. Não quer vir para Vancouver comigo? Passar o resto das suas “férias” em minha companhia?

- Mari essa sugestão é muito tentadora, mas não sei se é viável. Talvez acabássemos criando falsas ilusões. E eu não acho que estou pronta para assumir qualquer tipo de compromisso.  

- Concordo plenamente com você na questão do compromisso. Mas não creio que com tantas coisas pairando sobre nós criaríamos expectativas diferentes da que estou propondo, que é apenas você se assentar em um lugar. Ou você não acha que seja uma ideia interessante?

- Claro que é uma ideia interessante e bastante agradável, mas será que isso não balançaria ainda mais as coisas entre nós? Estarmos juntas por um longo período poderia dar uma errônea sensação de que tudo voltou a ser como antes da sua partida. Além do que você entende que minha vida é no Brasil, não entende?

- É lógico que sei disso. Ana, não estou te pedindo em casamento e nem te sequestrando. Estou só te fazendo um convite para passar uns dias comigo, em minha casa. Isso não quer dizer que você terá que ficar lá para sempre.

- Você tem certeza de que quer mesmo isso? Mesmo sem garantia nenhuma de que eu venha esquecer Clara?

- Tenho. E tenho certeza de mais uma coisa, em algum momento quando você voltar terá que procurar por ela e amarrar todas as pontas que ficaram soltas, inclusive, se for o caso, falar tudo o que esta entalado na sua garganta. Não importa se serão coisas boas ou ruins. Isso tem que ser resolvido definitivamente. Não há como deixar essa história sem um final. Já se passou tempo demais sem que nada fosse feito nesse sentido.

- Pra mim está tudo acabado. Essa rede de mentiras e falsidade em que me enrolei já foi destroçada. Não há mais nada para se resolver.

- Mentira. Nada foi terminado, nem nunca será sem um confronto entre vocês. É necessário que se fale sobre tudo o que aconteceu. Todo o desengano, dor, sofrimento. Duvido que em sua cabeça não haja uma interrogação enorme sobre o porquê dela ter feito o que fez.  E por que com você. Todos nós sabemos que o amor não correspondido é um mal que não tem cura, imagine um sentimento cultivado por tantos anos sobre a sombra de uma mentira.  Se isso não for esclarecido nunca conseguirá restaurar a sua saúde amorosa. Diga se eu estou errada quanto a isso.

- Não, você está certa. É claro que me pergunto o porquê disso tudo, indago até mais do que deveria, mas isso não significa que queira saber a resposta, principalmente da boca dela. Pra que? Pra ficar ainda mais machucada? Pra ela me humilhar pessoalmente? Já não chega tudo o que li? As palavras estão gravadas como ferro em brasa na pele. Não, eu não vou fazer isso. Preciso sim falar com ela, porém não questioná-la sobre os por quês. Apenas quero devolver a ela tudo o que Alicia me entregou.

- Nossa Ana, pelo tempo que convivi com você e tudo o que já vi, nunca imaginei que fosse assim!

- Assim como?

- Covarde.

- Covarde? Por estar tentando não me machucar ainda mais? Você chama isso de covardia? – Me irritei profundamente

- Você pode se machucar? Pode, mas também pode dizer tudo o que pensa dela. Por esse veneno que está te corroendo pra fora, se livrar do que está carregando no peito e talvez até se tornar uma pessoa capaz de se entregar novamente. Você deve isso a si mesma meu amor. E eu sei que é capaz de fazê-lo. Sua dignidade te deixará inteira perante a falta de caráter dela. Veja, se você não colocar esse sentimento em xeque nunca vai conseguir combatê-lo, e para isso tem que entrar nesse embate pra valer. Esta doendo de qualquer jeito, e vai continuar assim enquanto não tiver um fim justo. Lembre-se não será sua máscara a cair, pois sempre esteve de rosto limpo.

- Eu já te falei que você acredita mais em mim e na minha capacidade de me expressar do que eu mesma. Porém no fundo sei que tem razão, eu preciso dar um fim nesse caso que já passou tempo demais em aberto. A grande verdade é que tenho medo. Foram tantos anos na companhia desse sentimento, acreditando que era de alguma forma correspondida, que parece que uma parte de mim irá embora junto com ele. Mas você esta certa. Farei isso e colocarei um ponto final nessa obra macabra.

- Isso mesmo. Agora sim estou reconhecendo a mulher maravilhosa pela qual me apaixonei.

- Ah minha Ruiva, não fala assim. Não mereço esse afeto.

- Merece sim, você é admirável, doce, terna. Mas me responde, o que diz sobre a minha proposta?

- Mari você sabe que eu nunca morei com ninguém, a não ser meus pais. E já faz um bom tempo que sai de casa. Gosto da minha privacidade e tenho as minhas manias. Tem certeza que quer aturar tudo isso?

- Já te falei que tenho. E depois, não vamos morar juntas. Encare isso como uns dias na casa de uma amiga “colorida” que mora em outro país.

- E quanto à pessoa com a qual esta se relacionando? Garanto que ela não ficará feliz se eu for para sua casa.

- Eu nunca menti e nem prometi nada a ela. Estamos apenas nos conhecendo, nada mais. Eu sei que ela esta querendo uma coisa mais séria, porém eu ainda não estou preparada para um relacionamento integral por assim dizer. E eu quero muito ficar esses dias com você. Mas vou conversar com ela assim que chegar. Não gosto de mentiras. Você me conhece.

- Você sabe que pode estar perdendo uma chance incrível, por um alguém que não tem nada a oferecer no momento.

- Ah, mas você tem muito pra me oferecer. - disse piscando. – Agora falando sério, eu não acredito que as coisas aconteçam apenas por acontecer. O que tem que ser será. Se não for pra eu ser sua e nem dela, tudo bem. Eu aceito as condições que a vida me propuser.

Olhei bem para ela e pensei “por que não?”. E se essa convivência desse tão certo a ponto de eu querer assumir o relacionamento para sempre? Eu não estava mentido e nem enganado Mariana sobre os meus verdadeiros sentimentos. Ela sabia todos os riscos que estava correndo ao me fazer o convite. Era uma mulher madura, com a cabeça no lugar. Se estava disposta a se aventurar por esta estrada, por que eu não podia fazer a mesma coisa? Devia deixar de lado a oportunidade de tentar ser feliz? Ia ficar a vida inteira esperando o amor morrer sem ter ninguém? Resolvi que valia a pena dar essa chance pra nós.

- Um mês ao seu lado? É acho que eu posso te aguentar durante esse tempo sem ficar muito entediada. – Brinquei

- Ai ai tem gente que quer apanhar viu. – Balançou a cabeça sorrindo

- Podemos até pensar em colocar isso em prática, mas de uma forma mais interessante, mais gostosa. Afinal nem sempre uns bons tapas é uma coisa ruim. Que tal tentar? – Perguntei maliciosamente enquanto a puxava para mim.

- E eu achando a minha proposta de te levar pra casa indecente! Você não vale nada Ana, e eu adoro isso! – Rodeou meu pescoço.

E caímos na gargalhada antes de colocarmos em exercício a brincadeira proposta.

Deixei Mari falando com a companhia aérea e fui para meu hotel, arrumar as malas e fechar a conta. Quando voltei ela informou-me que tinha conseguido as passagens para o outro dia na parte da manhã, seriam nove horas e quarenta minutos de viagem aproximadamente, o que mesmo de primeira classe é muito cansativo, por esse motivo decidimos dormir o resto da noite. Mas antes de cair no sono me peguei pensando no que teria que fazer quando voltasse dessas minhas férias prolongadas para Brasil. Como seria meu confronto com Clara, o que ela diria? Será que me contaria quem eram aquelas pessoas na fotografia? Como se comportaria frente a mim depois que eu contasse tudo o que sabia. Iria chorar? Se fazer de coitada inocente? Tentaria mentir? Ludibriar-me com mais algum plano? Eu teria que esfregar a carta em sua cara? Ela refutaria as provas mesmo assim? Encontraria uma maneira de safar-se daquilo tudo? Ou simplesmente riria da minha inocência e zombaria do meu amor. Não tinha ideia do que ela aprontaria. Fosse qual fosse o comportamento dela, sabia que sairia machucada, mas Mari estava certa eu tinha que colocar uma pedra nesse assunto, enterrá-lo de vez para ter alguma paz na vida. Seriam dois enterros, o de Clara o objeto do meu sentimento, e o próprio sentimento em si. Como eu me sentiria com aquela viuvez dupla? Mesmo sem querer lembrei-me de uma conversa que tivemos quando ainda éramos namoradas

- Clarinha você consegue imaginar como será nossa vida lá pra frente?

Estávamos deitadas na cama de seu quarto assistindo um filme romântico da Sessão da Tarde.

- Claro que sim amor. Sei exatamente como será. Nós vamos morar em uma casa grande com quintal e jardim. Você será advogada como sempre sonhou e eu uma repórter famosa.

- Nossa quanta humildade! – Ri

- Teremos dois cachorros e um gato. Já tenho até os nomes deles escolhidos. Sansão e Dalila e o gatinho será Perseu.

- Eu não acredito que já escolheu o nome dos bichinhos. – Gargalhei

- Claro que sim. E eu quero ter filhos também. De preferência um casal.

- Como? Você sabe que ainda não há maneiras de uma mulher engravidar outra. - Zombei

- Deixa de ser boba Analu. Existe uma coisa chamada inseminação artificial. Já imaginou que bonitinhos serão os nossos filhos?

- Não isso nunca. A minha imaginação não é tão fértil como a sua.

- Você não quer ter uma família comigo? – Perguntou sentida

- Lógico que quero. Eu quero tudo com você. Realizar teus sonhos. Te fazer a mulher mais feliz do mundo.

- Estar ao seu lado já me faz a pessoa mais feliz do mundo. – E me beijou

- Eu também sonho com nossa vida lá na frente. Tudo o que penso é para nós duas.

- Nunca vamos nos separar. Eu não suportaria viver longe de você.

- Jura?

- E preciso mesmo fazer isso? Você não consegue ler a verdade em meus olhos?

- Eu vejo o infinito em seu olhar. Esse azul todo me hipnotiza.

- Você consegue enxergar o futuro sem mim?

- Não. De jeito nenhum. Se tirarem você de mim Clara, não restará mais nada. É por esse amor que eu vivo sem ele nada serei além de um balão vazio. Um grão de poeira a pairar na vastidão do mundo sendo levado de um lado para o outro pela força do vento, sem rumo, sem direção.

- Que lindo isso amor, mas tão triste.

- E o que me sobraria sem você a não ser tristeza e dor? Clara você é a luz que me dá vida e força. Nunca me deixe meu amor. Promete?

- Prometo. Nunca te deixarei. Teremos sempre a companhia uma da outra.

- Aconteça o que acontecer? Por que somos humanas e cometemos erros. E também vamos brigar em algum momento.

- Eu farei você ficar de bem de mim com muitos beijinhos. – E começou a espalha-los em meu rosto.

- Hum acho que já estou começando a gostar das nossas brigas! – E a puxei de encontro ao meu peito para um beijo de verdade

Foi tudo mentira. Promessas em vão. Pouco tempo depois esse amor foi colocado à prova e não resistiu a um erro. Pelo menos assim eu pensara por tanto tempo. A verdade é que ele  havia existido. Mas era tão difícil de acreditar nisso quando essas lembranças vinham tão vívidas à memória. Agora eu estava ali planejando o sepultamento do amor que imaginei ter tido um dia. Não seria fácil, mas era sumariamente necessário que fosse feito. Virei-me de lado, com o peito sufocado de dor e senti uma única lágrima escorrer pelo meu rosto. “A verdade é que eu nunca te esqueci Clara” disse para mim mesma. Durante todos esses anos ela ainda esteve presente em cada plano que eu fiz. Sempre acreditei que um dia as coisas se resolveriam e ela voltaria a ser minha, me trazendo de volta a luz que eu havia perdido. Agora era chegado o momento de abrir mão de tudo aquilo. Era a hora de me transformar na poeira lançada ao vento.

Fim do capítulo