Já fazia quase três meses que tinha saído da minha terra natal, eu havia visitado além de Madri e Lisboa, Paris, Roma, Veneza e no momento estava em Londres já há uma semana. Mantinha-me rodeada de livros, museus, catedrais, parques, peças teatrais e pessoas desconhecidas, tentando fingir que era uma simples turista em um passeio pela Europa. Não que os acontecimentos estivessem esquecidos, mas não os estava cultivando. Durante esse tempo descobri várias coisas, uma delas foi que apesar de tudo ainda não tinha conseguido deixar de amar Clara, havia magoa, ressentimento, decepção, mas no meio disso tudo amor. Isso me deixava desconfortável e furiosa comigo mesma, porém o este é um sentimento tão poderoso que consegue nos derrotar. Ouvira várias vezes as pessoas dizerem que o tempo cura qualquer dor de amor, mas não acreditava mais nisso, o tempo estava passando e nada mudava.

Depois do que tinha acontecido, comecei a acreditar que o apelido colocado em mim por Clara fazia todo o sentido do mundo: Ana Banana, prazer sou eu mesma. O engraçado nisso tudo é que durante o percurso de minha vida como advogada já tinha visto muitos casais que diziam se amar loucamente separando-se e começando nova vida com outras pessoas, e agora ficava me perguntando como é que se fazia para acabar com esse sentimento chamado amor. Acho que teria que perguntar para um deles, por que comigo não estava funcionando. Aliás, não tinha funcionado nem com vinte anos de separação, imagina se funcionaria com três meses.

Tentava me concentrar em outras coisas, mas às vezes uma música, um trecho de livro, um gesto de alguém na rua, um momento perdido no tempo me fazia lembra-la, ai vinha uma dorzinha lá no fundo, e eu me abatia por alguns segundos, para depois levantar a cabeça e seguir em frente. Eu ia conseguir meu intento, voltaria para casa totalmente transformada. Não deixaria mais ninguém tomar decisões por mim, agora era a minha vez. Quando desejamos muito alguém nós tornamos cegos perante qualquer defeito que essa pessoa tenha. Tentamos colocá-la em nossa vida nem que seja a força. Passamos por cima do desejo do destino, de todos os nãos, de todas as barreiras, viramos escravos do sentimento. Brigamos com tudo e com todos e não conseguimos nos imaginar sem aquela pessoa. Ai vem a vida e nos mostra que não somos os donos da situação, que o que não é pra ser, não será, mesmo que você chore e grite, mesmo que faça birra ou pirraça. Então passamos a entender que só nos resta aceitar e cada vez que as lágrimas teimarem a cair dizermos pra nós mesmos “um dia eu vou aprender a te esquecer”.

Antes de sair do Brasil comprei um novo chip de celular e descartei o antigo, porque não queria dar oportunidade para que Clara nem Alicia tentassem entrar em contato comigo. Não cumpri com minha promessa de ligar para Alicia, perante as novas provas eu sabia que ela não tinha culpa de nada, mas não queria iludi-la. Nunca a amaria, sequer tinha algum sentimento de carinho por ela. Arrependia-me muito de ter me deixado levar pelas emoções conflitantes daquele dia e trans*do com ela. Dessa forma apenas meus pais e Sisse tinham o meu número novo de celular.

Depois de minha mãe ter ido me encontrar quando estava em Lisboa e passado três dias comigo, Sisse e Susana haviam ido a Paris. Segundo minha querida amiga tinha sido uma visita romântica a cidade que mais amava no mundo, mas sei que no fundo ela queria ver como eu estava. Foi muito bom passar aquela semana ao lado delas, passear, rir, conversar, ver rostos conhecidos. Quando elas foram embora quase comprei a passagem pra voltar junto com elas, mas depois percebi que ainda não era a hora certa.

Os dias estavam passando e eu sabia que em um determinado momento teria que retornar e assumir meus compromissos, seguir meu caminho, mesmo porque com ou sem Clara a vida não havia parado e nem o faria, ela seguia seu percurso incansavelmente e eu teria que seguir com ela como todos os demais mortais, mas ainda não, ainda tinha um tempo para isso. Podia curtir mais um pouco a minha solidão e aprender a viver com ela.

Depois do café, fiz o que já estava se tornando uma rotina para mim, peguei um livro e me dirigi ao Green Park, que fica perto do Palácio de Buckingham para passar o resto da manhã em comunhão com a natureza. Era o que eu mais queria paz e tranquilidade. Escolhi uma árvore e sentei-me embaixo dela como gostava de fazer, recostei-me no tronco e comecei a ler, o livro era do meu autor de terror preferido Stephen King, e terrivelmente maravilhoso como todos os outros livros dele, estava tão mergulhada na leitura que não percebi uma pessoa se aproximando e parando à minha frente. Só notei sua presença quando ela chamou meu nome, levantei os olhos tive uma grata surpresa.

- Ora oras, que bela visão! – Disse levantando a sobrancelha.

- Das minhas pernas ou do meu rosto? - Brincou

- As duas coisas, se me permite – Respondi sorrindo torto.

- Se você me permitir sentar ao teu lado...

- Por favor, me dê a honra.

- Quase não acreditei quando te vi. Pensei comigo mesma, “deve ser uma miragem de tanta saudade que você está sentindo”. – Falou enquanto se sentava.

- Boba. – Disse beijando seu rosto

- Por você? Sempre. – Fez carinho em meus cabelos

- Senti saudades também. Mas me diga o que esta fazendo aqui na terra dos Beatles, tão longe de Vancouver?

- Estou a trabalho, resolvendo um assunto para minha empresa. E você? Resolveu tirar férias? Nem dá pra acreditar!

- Mais ou menos. É uma longa história.

- E onde está a sua companheira de viagem?

- Eu estou sozinha. Nada de companheira.

- Hum isso está me cheirando a um café pra colocar as noticias em dia. Que tal?

- Um café? Com você? Não sei...Isso seria muito tentador, afinal café é excitante...

- Para com isso. Muda de país, mas a safadeza continua a mesma– E me deu um tapa no braço. – Levanta logo essa bunda daí.

Levantei-me e estendi a mão para ajudá-la. Fomos a um café ali perto, e olhando a paisagem contei tudo o que havia acontecido, foi menos doloroso do que pensei que seria, mas talvez tenha sido por ser ela a ouvinte. Quando terminei de contar tinha um sorriso amargo nos  lábios, mas o melhor de tudo foi olhar em seu rosto e ver apenas tristeza em seu olhar, nada de pena ou compaixão. Era exatamente isso que eu mais gostava nela, o fato de me conhecer o suficiente pra saber que não suportaria que se apiedassem de mim.

- Muito bem. Não é uma história bonita, mas eu tenho plena confiança em você e sei que dará a volta por cima, já que é uma vencedora nata.

- Você acredita mais em mim do que eu mesma.

- Então esta na hora de mudar essa sua atitude. Ana, na vida temos que aprender que nem sempre podemos ter tudo o que amamos, mas que isso não significa que devemos nos render. Deixar de ir atrás da nossa felicidade. Temos que amar cada coisa pequena coisa que conseguimos obter a fim de não passarmos a vida inteira chorando por algo que talvez nem nos fizesse tão feliz assim. Um dia, pode até demorar muito, mas você vai ver isso vai passar. Creia em mim.

- Queria ter o seu otimismo!

- Preciso te contar um segredo. Esse encontro não foi bem uma coincidência.

- Como assim?

- Liguei no escritório para saber como estavam as coisas por lá e soube que era seu pai quem estava cuidando de tudo. Achei estranho e pedi para falar com ele.

- Sei. Era muita esmola pra pouco santo como diz minha mãe.

- Ele me disse que estava em Londres, mas não contou o motivo. Perguntei se ele poderia me passar o numero do hotel pra eu falar com você.

- E ele passou.

- Não ele fez coisa melhor me disse onde eu a encontraria a essa hora da manhã.

Começamos a rir. Era fácil estar perto dela, tudo era simples, até sorrir em meio à tristeza.

- Meu pai é um gênio.

- Ele é um doce.

- São os meus presentes de Deus.

- Vamos mudar de assunto. E ai já que está solteira andando por ai tem ficado com lindas garotas por onde tem passado?

- Não mesmo. - Ri

- Não?

- Eu não estou com cabeça para isso. Na verdade não estou a fim de namoricos sem importância.

- E como você ainda esta viva?

- Por quê? Não entendi.

- A Ana que com quem convivi não ficaria tanto tempo sem “desestressar”, se é que você me entende.

Cai na gargalhada, só ela pra me fazer rir assim, com vontade. Sem me importar com as cabeças que viraram em direção à mesa onde estávamos.

-Que é isso mulher? Por acaso eu sou alguma tarada, que não pode ficar sem sex* por um tempo? Por acaso estou babando feito boba?

- Bom, eu não sei se você é uma tarada, mas com a fome que você tem, deve estar sendo bem complicado. – Fez careta

- Olha aqui mocinha, para seu governo eu já fiquei sem fazer sex* antes tá? E não morri e nem fui presa por estupro.

- Ah sim tenho certeza de que ficou quando você nasceu. E talvez até fazer pela primeira vez, se é que masturbação não conta.

- Eu não acredito no que estou ouvindo isso! – Debochei

- Ah fala sério Ana, eu estou mentindo? Você não me engana. Não esqueça que te conheço muito bem.

- Saiba que a primeira vez que me separei de Clara, eu também fiquei um bom tempo sem praticar o esporte, por assim dizer. – Olhei zombeteira pra ela.

- Quantos anos você tinha mesmo? Dezessete? Tá bom, vamos dizer que ficou um bom tempo, mas e depois quando começou a jogar de novo, ficou tanto tempo assim no banco de reseva?  – E me olhou insinuante.

- Na verdade... Não fiquei muito tempo no banco não. - Pisquei

- Viu. Eu sabia. Estou sempre certa.

- Convencida. Só você pra me fazer rir. Fazia muito tempo que não me sentia assim tão bem.

- Nada que você não possa consertar rapidamente. E também esta na hora de volta a ativa não acha?

- Talvez, mas não sei quero. Eu ainda não me sinto pronta pra certas coisas, como procurar por alguém.

- Ei, eu não estou falando pra você sair caçando por aí. Mas conheço uma ótima treinadora pra te por em forma novamente.

- Você não merece isso minha Ruiva. É especial demais, e nem sabe o quanto. Tenho um carinho imenso por você. Merece uma pessoa que possa se entregar de coração aberto, sem grilos, e que te ame muito, de verdade.

- Ana, eu não sou criança, sei muito bem...

- Espera, me deixa falar só mais uma coisa. Durante esse período nebuloso da minha existência amaldiçoei mil vezes e mais uma o dia que te deixei sair da minha vida Mari. Não foram poucas as vezes que peguei o telefone pra te ligar, cheguei até a discar, mas depois eu pensava melhor e desistia. Não por falta de vontade de estar com você, ouvir sua voz, conversar, sair, te beijar e te amar, te fazer minha, porque tudo isso seria maravilhoso como sempre foi. Mas... eu seria uma canalha se fizesse isso. Seria errado. Não posso negar que sinto muito a sua falta, você é incrível, e nós, ah nós formamos uma bela dupla. Depois que você se foi descobri que fui apaixonada por você, e muito provavelmente se Clara não tivesse aparecido, eu teria te chamado para morar comigo. Dividir meus dias e minhas noites. Você me traz paz, calmaria, aconchego, ternura.

- Ana, eu teria sido a mulher mais feliz do mundo. Também adoraria ter tido essa oportunidade.

- Porém não seria certo Ruiva, na verdade teria sido muito errado. Por isso não aconteceu.  Por que eu não te daria o amor genuíno que você merece, seria apenas a sombra de um sentimento parecido com amor, que muitos por aí chamam de paixão. Na minha vida sempre existiria o “se”. E se ela voltar, e se eu encontrá-la por ai, e se ela ainda me amar, enfim milhões de “ses”, que me impediriam de ser sua integralmente, e você viveria uma ilusão que um dia poderia te ferir muito. E eu não quero nunca te machucar. Você é muito importante para mim. Tão importante a ponto de eu pensar primeiro em você ao invés de mim. E foi por isso que eu não te procurei. Por não poder te entregar o amor que você merece. Gostaria muito de ter um coração puro, limpo e inteiro, pra colocar em suas mãos e dizer cuida dele pra mim. Mas não posso fazer isso, pois o coração que tenho não me pertence.

- Como pode existir uma pessoa tão pouco egoísta neste mundo Meu Deus? É por essas e outras coisa que eu te pergunto: como não amar você? Como diz Marisa Monte, queria muito que você fosse o “meu infinito particular”. – ela disse com os cotovelos apoiados na mesa e as mãos sob o queixo.

- Se meu sentimento fosse meu, não pensaria duas vezes pra te entregar.

- Me acompanha até o meu hotel? Almoça comigo?

- Lógico minha Ruiva, com o maior prazer.

- Mas eu vou ter que ser sincera com você, assim como você foi comigo. Eu vou tentar te seduzir de todas as formas e maneiras.

Comecei a rir e meneei a cabeça.

- Você não tem jeito mesmo.

- Ei eu estou falando sério. Amor, eu não vou mentir pra você e dizer que estou em greve de sex*. Conheci uma pessoa muito legal, e saímos duas vezes, pois pensei que você estava definitivamente com Clara e precisava levar minha vida adiante, você entende né?

Entendia, mas fiquei com muito ciúme ao saber daquilo. Não conseguia imaginar Mariana com outra.

- Claro você é uma linda mulher. Evidentemente encontraria alguém.

- Mas eu nunca te esqueci, e estou morrendo de saudades de você na minha cama.

- Mariana você não ouviu nada do que falei? A situação não mudou, apesar de tudo que Clara me fez, eu ainda não consegui deixar de amá-la.

- Ouvi muito bem. Mas diferente dos seus pensamentos, eu sou egoísta e estou pensando primeiro em mim, e depois em você.

- E se eu não estiver pronta para trans*r novamente? E se eu não conseguir relaxar?

- Não se preocupe com isso. Eu sei muito bem como ligar a sua caixinha mágica.

- Você quer mesmo isso? Mesmo sabendo o que eu ainda sinto?

- No momento eu só quero sex*...não estou pensando em amor. Vamos ver se eu consigo te seduzir.

E saímos em direção ao hotel, eu sabia que não devia deixar acontecer, porém era causa perdida, carente de carinho como estava, e a maneira que sempre me senti em relação a ela, dariam a Mari toda a vantagem pra sair vencedora daquele jogo de sedução. 

Fim do capítulo