Nessas horas que valorizo o meu trabalho e de certa forma a vida que tive até os meus vinte anos. O trabalho obriga-me muitas vezes a ser atriz e a vida, essa obrigou-me quase sempre a representar...

 

Abracei Susan e beijei-lhe a face com muito carinho.

 

--Vamos comer? Estou com muita fome e hoje se quiseres podemos comer no parque...

 

--O quê? Catherine, estás aí? Sério que ouvi essa proposta?

 

--Vá...

 

--Para, não gosto de palavrão.

 

Rimos abraçadas.

 

--Cathe, queres mesmo comer no parque?

 

--Sim...de vez em quando é bom fazer coisas diferentes...

 

--Conheço-te há três anos e nunca quis essas diferenças.

 

--Mas hoje quero...ah Susan, pelo amor de Deus, esse carnaval todo porque quero comer um hot dog sentada num banco e vendo patinhos no lago?

 

Gargalhadas altíssimas.

 

--Vamos?

 

--Claro, mas...

 

--Sem mas Sue, vamos comer e depois conversar um pouco...

 

Tudo o que queria era ganhar tempo e tirar aquele peso de mim. Não ia falar de Skya para Susan e nem para ninguém. Não tinha a menor ideia do que dizer sem parecer uma idiota e não gosto de me sentir idiota, sob hipótese alguma. A minha mente é boa, e até devorarmos um ou dois cachorros quentes eu teria a história perfeita para acalmar a fúria investigativa da minha amiga.

 

Queria ter mais coragem para contar toda aquela loucura à minha amiga mas não tinha. Não ia exteriorizar uma coisa que provavelmente não iria acontecer novamente...não iria porque eu não sinto a menor atração por mulheres...Skya foi uma exceção, não sei o que aconteceu, mas ela conseguiu...às vezes, poucas vezes é certo, mas às vezes eu tinha a impressão que ela fizera tudo milimetricamente cronometrado, que usara de sedução o tempo todo para ter uma noite de sex* comigo...tudo bem que essas coisas passam pela minha cabeça porque eu agiria assim se a "presa" valesse a pena, mas uma menina como a Skya jamais faria tal coisa...o olhar dela era sincero demais...sinceridade? Um campo vasto para análise nos tempos que correm...Skya não agiria deliberadamente para me levar para a cama, nunca.

 

--Helloooo, Cathe?

 

--Oi...

 

--Pelo amor de Deus Catherine, por onde anda essa tua mente?

 

--Num certo homem lindo que conheci no trem...- Pronto, começara a encenação e eu não perco muito para as ganhadoras de óscares.

--Ahhhhh sempre teve um homem, claro...

 

--Susan, tu és discreta, lembras?

 

Gargalhadas!

 

--Sou, mas confesso que já estava ansiosa para saber o que tinha acontecido para a senhorita regressar tão...

 

--Tão?

 

--Sei lá Cathe...tem muita coisa diferente nesse semblante, na forma como falas, como ages então nem se fala...

 

--Exagerada!

 

--Não senhora. Desde quando ficas perdida em devaneios? Desde quando não gritas comigo a cada dois minutos? Desde quando ris sozinha e com olhar perdido? Que homem é esse pelo amor de Cristo?

 

Risos alegres e eu a ponto de dizer, que homem amiga, fui seduzida por uma mulher linda que arrancou meus pés do chão...mas meu autocontrole é uma característica muito forte...

 

--Se eu te contar...

 

Risos.

 

--Se não. Vais contar e com riqueza de detalhes. Tenho mais uma hora e tu estás em alta na empresa e logo ninguém vai se importar se passares da hora no almoço.

 

--Eu não tenho horário sua louca...

 

Risos.

 

--Melhor ainda, avança Cathe, estou ansiosa.

 

--Ah...conheci um rapaz no trem...

 

--Rapaz? Como assim rapaz?

 

--Um rapaz de uns vinte e cinco anos...

 

--Hã? Mas tu não és aquela que não fica com ninguém com menos de 30 anos, ainda que seja para uma noite de sex* eventual?

 

Olhei para ela como que querendo situar quem era a Catherine que ela descrevia.

 

--As pessoas mudam Sue, quando vale a pena, elas mudam...- Ah se ela soubesse...

 

--Estou pasma, mas prossiga.

 

--Conheci esse rapaz e na falta de algo mais interessante para fazer...

 

--Assim? Nesse desânimo? Não condiz com o teu semblante sonhador...

 

--Semblante sonhador? Não delira Susan...

 

--Se tivesse um espelho aqui... o que aconteceu?

 

--Ah, ficamos perdidos e sem nada para fazer...aquele lugar não tinha nada, ele lindo, eu atraente, ambos com a sexualidade aflorada...

 

--Hmmm, então o que não faltou foi sex*? Está explicado essa pele de bebé...

 

--Oh Susan, pele de bebé, a sério? Acho que são meus cremes caríssimos.

 

Gargalhadas.

 

--Ah minha amiga, sex* rejuvenesce e amor resplandece...experimenta fazer as duas coisas em simultâneo...

 

--Não viaja no romantismo...foi apenas bom sex* com alguém interessante.

 

--Esse gostoso tem nome?

 

Pensei rapidamente.

 

--Kiman.

 

--Hmmm, bonito nome. Conta mais...

 

--Mais o quê?

 

--Tudo!

 

--Passamos horas trancados num quarto perdido algures na imensidão desse país...sex* bom e acabou um bocado com o meu preconceito de que gente abaixo dos 30 não sabe das coisas...

 

--Preconceito idiota.

 

--Umhum...- Skya não saía da minha mente. Eu me controlava para não gritar para a minha amiga que não tinha homem nenhum e sim uma mulher misteriosa, maravilhosa e que sumira...

 

--E vais querer mais? Repetição do sex* bom?

 

Ah Susan...se essa menina aparecesse por aqui...nem sei do que seria capaz...

 

--Umhum...- Não consegui verbalizar.

 

Ela olhou-me com ares de espanto.

 

--Repetir com a mesma pessoa?

 

--Não com o irmão gémeo. Claro que sim Sue...

 

Risos.

 

--Grossa! Sério? Apresentas esse homem?

 

--Não gostas...ou gostas?

 

--Pateta! Sou muito bem resolvida, mas quero conhecer esse operador de milagres.

 

--Sem milagres, apenas um homem com um pouco mais de...sei lá...gostei dele e foi maravilhoso na cama... - Viajei para lugares perfeitos...olhar inebriante...queria Skya mais uma vez...queria...poderia ser apenas mais uma vez...

 

Susan me olhava com um ar estranho, parecia analisar-me em profundidade...mas eu não queria que ela fizesse nada daquilo, não queria análises, não queria questionamentos...nada disso. Queria apenas a minha terceira dimensão ou universo paralelo...fazia-me bem...mal também, mas o bem sobrepunha...

 

--E quando vou poder conhecer esse Kiman poderoso?

 

Risos.

 

--Não sei...

 

-- Como não?

 

--Não sei nada dele...sequer o número de telefone...

 

--Aí sim é a Catherine que eu conheço, que não se conecta realmente com ninguém...então porque ele foi tao especial?

 

Ah Susan, como eu queria ter esquecido essa minha característica tão egoísta nos dias em que estive no paraíso. Provavelmente agora teria um telefone, endereço eletrónico, qualquer coisa que me ligasse a Skya...

 

--Bom sex*.

 

--Pelo amor de Deus...bom sex* tens sempre, pelo menos é o que dizes...

 

--Nem sempre...

 

--Quase sempre...

 

--Quase... mas há pessoas que marcam mais...

 

--Pessoas que marcam mais? Eu juro que não estou a entender mais nada...eu que jurava que só vias o pau e os músculos definidos dos homens de revista...pessoas?

 

--Cala a boca Susan.

 

Gargalhadas!

 

--Não sou esse monstro...

 

--Não és monstro, apenas vives na superfície...e não é julgamento, respeito a tua forma de estar na vida, mas juro que às vezes não entendo...é vazio demais...Mas voltando ao Kiman...pessoa e mais?

 

-- Ele é interessante...a par do sex* muito bom, eu fartei-me de rir com ele, fiz coisas que normalmente não faria...ele é diferente, é meio moleque, meio jovem...usa sneakers...

 

A cara de Susan com a boca aberta fez-me rir até doer-me a barriga.

 

--Catherine, tu partilhaste uma cama com um rapaz que usa sneakers?

 

--Umhum...- Lembrei-me de Skya entrando no trem e o efeito dos sneakers em mim...momento em que ainda era guiada pelas aparências, preconceito...saudades da menina dos sneakers.

 

--Estou pasma...não bateste a cabeça?

 

--Não...apenas diversifiquei amiga...

 

--Haja diversidade...deves ter dominado esse pobre rapaz...

 

--Não...

 

--Não? Estás vermelha? VERMELHA? Que novidade é essa? Cathe, és tu?

 

Não pude evitar uma lembrança forte de Skya...ela provando que eu também ficava vermelha...o calor do corpo dela preso ao meu...a nossa imagem refletida no espelho...a respiração dela na minha nuca...o sorriso...a gargalhada...Suspirei e viajei para longe dali....muito longe.

 

--Catherine suspirando...quero conhecer esse Kiman.

 

Risos.

 

--Também adoraria vê-lo mais uma vez, mas não sei como...

 

--Ele faz o quê da vida? Internet costuma ajudar...

 

--Eu não perguntei nada disso...

 

--Claro que não...sex* bom é o que interessa à dona Catherine.

 

Gargalhadas.

 

--Foi mais uma aventura...marcante sim, mas nada além de uma aventura.

 

--E a vida segue...mais homens de revista...

 

--Sim, claro. - Sorri sem o menor ânimo mas tentando convencer a mim mesma que passaria o fim-de-semana fazendo muito sex* eventual para a satisfação do meu corpo...a alma não tinha a menor importância.

 

Susan continuou a olhar-me com aquela intensidade estranha...mas não quis prolongar aquele festival de mentiras.

 

 

**************************************************

 

Voltei ao escritório com uma sensação estranha no peito. Não queria ter mentido...eu minto às vezes, mas por necessidade. Finjo orgasmos que não tenho, finjo entusiasmo em conversas que me entendiam, minto quando digo que a ideia do chefe é maravilhosa apenas por não estar com tempo para argumentar...finjo...minto...às vezes até a mim mesma, mas não queria ter mentido à Susan e nem ter fingido um descaso quando meu coração...ei Catherine...coração? Não...não viaja...meu corpo é senhor de mim e ele pulsa por um toque daquelas mãos quentes e hábeis, apenas mais um...um toque apenas...não queria ter mentido mas não saberia o que dizer...a verdade nem sempre é fácil e para mim muitas vezes é sinónimo de crueldade mas não quero pensar nisso agora...Skya é sinónimo de coisas boas e quero ficar presa nesse universo. Até quando? Não sei...

Com o avançar das horas meu humor sofreu algumas oscilações...nada de novo. Sou esquisita mesmo.

Karen estava na minha sala organizando algumas pastas...

--Karen, ninguém diferente ligou para mim?

Ela olhou-me com cara de quem não tinha entendido nada.

--Karen?

--Diferente como?

--Ligaram ou não?

--Não...

--Ok, saia, estou com dores de cabeça e não aguento mais...- Parei diante do olhar amedrontado dela e só assim percebi que gritava.

--Karen...quero ficar sozinha.

Ela saiu com a cabeça baixa e senti-me péssima mas não era boa em pedir desculpas, muito menos naquele momento...depois deixaria um chocolate na mesa dela...algumas vezes faço isso. Adoro a minha secretária e não posso ficar sem ela, jamais.

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--Então achas que a senhora gelada esconde alguma coisa? - Ciara perguntou a Susan fingindo um interesse que não tinha. Não suportava a amiga da mulher mas elas era amigas...fazer o quê?

--Não sei ao certo Ciara...

--Não me chame de Ciara...não na cama meu amor...

--Oh meu amor...

Ciara beijou Susan com vagar e ela sentiu-se nas nuvens.

--Eu sei que queres falar dessa chata, embora a nossa cama não seja o lugar ideal para assunto tão sem interesse mas tudo bem, o que não faço para ver minha Sue feliz?

Ciara ganhou um beijo demorado na boca e sorriram felizes.

--Eu gosto dela baby...não me pergunte o motivo...sei lá, gosto dela.

--Sei...tu gostas de todo mundo Sue...

--Nada a ver...a Catherine é um enigma...eu gosto de enigmas.

--Eu não sei como não morro de ciúme dessa mulher, e olha que apesar de todos os defeitos, ela é linda e não te larga...

--Parva. Eu te amo! Amo muito...

--Diga mais...

Risos cúmplices.

--Ela não faz o meu género...gosto de moças românticas, que podem até vestir uma carapuça de frias mas que entre quatro paredes são esse doce, essa fúria numa cama...amo minha Ciara.

Beijos...muitos...gemidos também. Amor, felicidade.

--Baby, às vezes eu penso que sei muito pouco sobre a Cathe...

--Mas ela não fala de si, pelo menos é o que dizes...

--Fala apenas o essencial...não sei muito da vida dela, da família...quase nada. Ela não gosta de falar do pai, só sei que ele vive no Maine, perto do Canadá...ela nunca o visita, não fala dele, não fala de parentes...estranho.

--Não...ela é focada em si, no trabalho...é fria e família muitas vezes nos obriga a ser mais condescendentes...sinceramente não sei como aguentas Sue. A fama dela corre por essa cidade...fama de quem usa os outros e descarta.

--Eu sei...já ouvi algumas coisas, mas as pessoas ao que parece a admiram por isso.

--Não sei se é admiração mas hoje em dia demonstrar emoção é coisa de gente fraca, então alguém como a Catherine deve sim causar alguma curiosidade. Outro dia lá na editora, um escritor que é patrocinado por uma das empresas do grupo dela disse que não se importaria nada em ser usado por ela e que não descansaria até derrubar aquele muro de gelo maciço. As pessoas ficam curiosas e ela se diverte...

--Essa coisa de sex* banal é tão vazio...mas ela não se importa, parece que gosta...

--Ela é assim Sue, não vá querer mudá-la...

--Claro que não, eu gosto dela assim...mas tem algo estranho...rapaz de sneakers, 25 anos?

Gargalhadas!

--Até para uma excêntrica como ela parece meio bizarro...de repente o rapazote é bom de sex* tântrico e a fez atingir o nirvana...

Risos.

--Não sei...

--Ela é frustrada Susan. Por trás dessa frieza toda, existe uma mulher frustrada e infeliz que não tem capacidade de amar, que sofre e faz os outros sofrerem mais ainda...há muita gente como essa tua amiga por aí, gente que usa o sex* para sentir alguma coisa...pena desse povo.

Susan aninhou-se no peito da sua mulher e apertou-a nos braços. Agradeceu por tê-la em sua vida. Ciara era intensa, verdadeira...às vezes um tanto ou quanto franca demais mas uma mulher como poucas e Susan a amava e sabia-se amada.

Sorriu feliz ao sentir mãos ávidas por suas curvas...não se cansava de fazer amor com Ciara.

 

**************************************************

Voltei para casa depois de ter saído do escritório ciente de que acionaria um dos meus vários contactos para poder acalmar um pouco a minha ansiedade. Traduzindo, voltei para casa sozinha depois de ter saído do trabalho com a certeza que pegaria um dos meus homens de revista e faria sex* até desabar de cansaço.

A meio do caminho que me levaria ao bar onde tudo acontecia, desisti. Não sei porquê mas desisti. Sei sim, não posso mentir a mim mesma...tive preguiça. Grave, gravíssimo.

Mas não vou pensar sobre isso...

Depois do banho e de algum trabalho, enchi mais uma taça de vinho...já ia na terceira. Meus problemas existências poderiam não ser resolvidos mas eu provavelmente me tornaria numa alcoólatra. Exagero, claro, sou dada a isso...

Vaguei pelo apartamento que é relativamente grande, diria que é espaçoso. Um dos luxos que me permiti mal tive condições para tal. Lembranças de casas apertadas, casas...lembranças de casebres com poucas condições não tiravam mais o meu sono. Agora tinha um apartamento espaçoso, sem luxos desnecessários porque não tenho tempo para aproveitar e também porque não gosto, mas espaço é fundamental, um quarto grande é essencial e hoje tenho tudo isso e mais um pouco, graças ao meu trabalho e a muitas agruras...trabalho acima de tudo.

Terminei deitada no sofá e com os pensamentos dançando numa incoerência sem medida.

Scoutie não me largava, desde que regressara da viagem ao paraíso e que a cada dia que passava mais parecia viagem à terra do nunca...nunca mais vou ver a Skya...desde então ele ficava comigo o tempo todo. Era bom? Claro que sim, mas muito suspeito, aquele gato era um ser arrogante que não me ligava nenhuma, e no entanto vivia no meu pé, deitado no sofá, no quarto ele sabia que não podia subir na cama mas ficava enroscado no tapete perto das minhas pantufas...gato doido, mas se ele saiu à dona...explica-se.

--Scoutie, vem cá meu amor. - E ele veio para o meu colo...acho que Scoutie sofreu alguma coisa em casa da Susan...ou seria a tal da paixão pela Younie?

--Mr Scout, o que faço para tirar essa mulher da minha cabeça?

Ele miou e eu fingi que entendi.

Suspirei profundamente. Aproveitei que o tablet estava em cima da minha barriga e fiz mais pesquisas sobre Skya. Mais do mesmo...nada de novo, não tinha nada em concreto daquela mulher. Passei algum tempo vendo entrevistas dela a rádios, televisões...ela falava russo, checo, inglês e um pouco de alemão e eu me perdia nas covinhas, no sorriso e no talento...uma sensação estranha no peito...de novo...ah sim, claro, saudade...saudade de uma felicidade que nunca vivera...saudade dela...saudade...

Meu telefone tocou algures. Pulei do sofá e Scoutie veio junto, quase correndo atrás de mim. Corri para atender na esperança que pudesse ser alguém interessante...Skya, claro, mas não admitia em alta voz, ainda restava alguma sensatez.

Yourgos? Nunca! Ele insistiu e arremessei o telefone contra a parede. Eu estava louca, completamente insana mas nada me faria atender aquele idiota naquele momento.

Scoutie olhou para mim com ares de espanto. Levantei meu bichano e o enchi de carinho.

--Desculpa Scoutie pelo meu destempero...mas Yourgos não dá. Um homem que gem* mais alto que eu na cama? Que me mal presta atenção em mim e sim na sua performance e que diga-se de passagem é uma autêntica merd*. Uma bixa enrustida a essa altura da vida...não.

Scoutie pareceu ter pena de mim...aninhou-se nos meus braços e ronronou.

Quase dormindo no sofá na companhia do meu gato...

--Scoutie, como ela poderá ligar para mim se não sabe o meu número?

Scoutie estava de olhos fechados e assim permaneceu. Pelo menos o meu gato tinha alguma noção...dormir era o melhor remédio.

**************************************************

--Adoraria Cathe mas já tenho compromisso e não posso desmarcar.

--Vais sair com a Ciara? - Perguntei com cara de quase drama, queria minha amiga comigo naquela noite.

--Sim, em termos, vai ter um evento da editora. Lançaram um concurso que foi vencido por três novos talentos, gente muito boa e hoje à noite vai ter um evento de lançamento do pessoal. Eles já são conhecidos mas na internet e agora vão ganhar outros espaços, diria que vão ganhar o mundo. Jovens que esbanjam criatividade, sensibilidade e muito talento.

Fiz cara de enfado, nada daquilo me interessava...literatura? Jovens escritores? Que seca! Prefiro minha taça de vinho...

--Vem comigo Cathe, pode ser interessante?

--Interessante? Não...nada de livros, romances...eu preciso de um choque de realidade...

--Catherine...

--Agora não...

--Tu lá sabes...eu sei que algo não vai bem mas não vou insistir...vais fazer o quê?

--Agora?

--Sim, claro.

--Primeiro comprar um telefone novo porque o outro não funciona mais e depois...Não sei...talvez vá a um bar, pub...

--Acho que precisas de sex*, dessas incursões sexuais que te deixam de perna bamba...

Rimos, ela com muito mais ânimo do que eu.

--Acho que sim...quem sabe hoje não conheça alguém interessante...

--E o menino de sneakers?

--Nunca mais...

--Ele vai aparecer...da mesma forma que se deu o encontro no trem...inesperadamente.

Ri com gosto.

--O que seria de mim sem ti dona Susan?

--Nada!

--Convencida!

Ela beijou-me a face e me abraçou saindo em seguida.

Me vi sozinha...e sozinha na verdadeira aceção da palavra.

Sem pensar peguei o telefone e chamei a minha secretária.

--Sim, Catherine.

--Karen, queres sair comigo?

Ela me olhou com aqueles olhos grandes arregalados e não disse uma palavra.

--Karen? Tudo bem?

--Sim senhora...

--Senhora? Essas cerimónias nunca existiram entre nós...

--Desculpa...- Ela parecia nervosa. Porquê? Era tão horrível assim sair comigo?

--Vamos? Uma bebida num bar cool, alguma conversa e depois prometo deixar-te em casa. - Eu não fazia a menor ideia do endereço dela.

--Ado...adoraria Catherine mas hoje já tenho compromisso. - Ela gaguejou e olhou para baixo.

--Tudo bem Karen...tudo bem.

--É que hoje eu e Juan vamos comemorar a promoção dele...

--Juan?

--Meu marido. - Ela disse com os olhos brilhando.

--Claro. - Sequer sabia que minha secretaria era casada, mas eu não sabia nada dela, apenas que era eficiente e que me aturava como ninguém.

--Catherine...mas...

--Sim?

--Mas eu não vou perder meu emprego? - O olhar de pânico dela quase me assustou.

--Perder o emprego porque não pode tomar uma bebida comigo? Por quem me tomas Karen? - Tentei manter a voz pausada, mas o pavor daquela mulher fez-me sentir um monstro.

--Ainda bem, preciso muito do meu trabalho, não posso sob hipótese alguma perder meu emprego.

--E se depender de mim não vais, não encontro outra igual a ti nem em sonhos. Boa comemoração com o teu marido e sucessos.

--Obrigada. Posso ir?

--Corra!

E ela correu porta afora, literalmente.

Todos tinham compromisso, com amigos, amores...eu ficaria sentada no escritório até esgotar todo o trabalho da semana seguinte.

 

**************************************************

 

Eu já tinha brigado com quase todo o nono andar, estava possessa com a falta de profissionalismo de alguns colegas. A semana estava tensa, eu estava em desequilíbrio e quando assim é sobra para quem estiver por perto.

Não me aguentava mais, marasmo, inercia...que horror. Queria minha postura antiga de volta mas por mais que cavasse ela não renascia.

Eu esperava por algo que não aconteceria nunca...esperava e me desesperava à medida que percebia claramente que a lucidez escorria, diluía, transformando-se em sonhos de adolescentes...tardiamente eu me sentia uma adolescente. Bem que diziam que não se deve pular etapas...agora uma mulher de quase 40 anos sentia-se uma adolescente quando na adolescência vira-se forçada a ser adulta.

Os únicos seres que me acalmavam eram Scout e Susan...Scout pelo silêncio e Susan pelo amor, calma e paciência.

--Não podes almoçar hoje?

--Não Cathe, preciso resolver umas coisas para a Ciara, ela está com muito trabalho na editora. Coisas nossas que normalmente ela resolve mas que agora precisam ser feitas por mim. Sou a princesa que nada faz, dessas coisas burocráticas mas agora preciso cooperar.

--Hmmm...precisava conversar um pouco...

--Eu passo no final da tarde ou então vens para cá...tudo bem?

--Tudo bem, eu vou...

Percebi que Susan ficou preocupada comigo, claro, eu jamais admitia que precisava de alguém e quase implorara por atenção.

Embrenhei-me no trabalho e esqueci um bocado dos meus problemas.

A fome fez-se presente e pedi que Karen comprasse alguma coisa no restaurante que ficava no primeiro andar. Pedi também, ou melhor exigi que ela não passasse qualquer chamada, não permitisse que ninguém me incomodasse, ninguém. Só estava para a Susan e ninguém mais.

Estava com dor de cabeça e pousei a cabeça no tampo da mesa. Não sei por quanto tempo fiquei assim...acho que adormeci, até ser acordada pelo leve barulho da porta da minha sala sendo aberta.

Minha irritação voltou.

--Karen, eu disse que não estou para ninguém. - Gritei sem levantar a cabeça.

--Oi...olá.

Meu estômago pulou, meu coração acelerou e minha cabeça girou. Aquela voz era única e por isso inconfundível...Skya.

Levantei a cabeça e senti uma leve tontura. Ela estava à porta da minha sala...linda.

--Desculpa...não tinha ninguém na antessala e entrei...desculpa.

--Minha secretária foi comprar algo para mim...Olá...Skya? - Eu não conseguia acreditar.

Ela sorriu e aquelas covinhas me enfeitiçaram...mais uma vez. Era ela sim em carne e osso.

--Sou eu...vim devolver esse bloco de cartões-de-visita que deixou cair no trem e que por engano ficou comigo, entre os meus livros...

Eu não ouvi nada, nada. Perdi-me nela, nos contornos, na voz, no jeito, no semblante...ela estava linda e usava sneakers. Como sei disso? Eu estava de pé e a via completamente. Pulei da cadeira...enlouqueci.

--Cathe...

Olhei para a porta, desviando por milímetros de Skya. Susan entrou como um trovão na minha sala.

--Fiquei preocupada contigo e vim correndo antes do planeado...

--Oi Susan...- Nem sei se minha voz saiu. Voltei a fixar-me em Skya que sorria, daquele jeito pueril e ao mesmo tempo sexy...sedutor.

Susan olhou para Skya e sorriu.

--Tu aqui? És a Sofhia Lanz, certo? Nunca me esqueceria desse olhar, menos ainda desse sorriso.

Skya sorriu e assentiu. Sophia?

--De onde conheces a Cathe?

--Nos conhecemos num trem...há algum tempo e ficamos presas no meio do nada por três longos dias...- Ela sorriu e olhou para mim. Eu não consegui sorrir e olhei para Susan que olhava para os pés de Skya, ou Sophia.

--Sneakers...-- Ela riu alto.

Eu quase me enterrei na cadeira e Skya pareceu não entender nada, mas sorriu.

 

 

 

Fim do capítulo