Capitulo 8
Por Bia:
No domingo, me presenteei com um café da manhã digno de hotel. Manga e banana picadinhas, café, leite cremoso que aprendi a fazer com Juliana e um pão na chapa com queijo. Tudo cuidadosamente disposto em uma bandeja enquanto eu, de pijama, me aconchegava na cama, beliscando a comida e rolando as redes sociais no meu celular.
Ah, a internet… sempre pronta para proporcionar entretenimento de qualidade.
Não sabia quem tinha sido o gênio responsável, mas precisava de um prêmio quem capturou a cena perfeita do meu beijo com Luísa no coquetel. A foto e o vídeo estavam impecáveis. Um beijo lindo, sensual e… hilário. Não pelo beijo em si, mas porque, bem, a expressão de Rebeca ao fundo era um espetáculo à parte.
Os comentários? Realmente, o povo não perdoa!
"O marketing da Pelle Serenità nunca foi tão eficaz. Se esse gloss sobreviveu a ESSE beijo, eu compro um lote inteiro! 🔥"
"Alguém me manda o vídeo em 4K, câmera lenta, trilha sonora dramática e análise quadro a quadro, POR FAVOR! 🎥"
"Rebeca assistindo ao vivo e percebendo que o batom não saiu depois do beijo. Nem o gloss dela aguenta tanta química! 👀 😂"
"Luísa tirando as mãos da Bia depois do beijo como quem diz 'ok, já entregamos o show' e Bia com aquele sorrisinho de 'isso é só o começo'... EU ESTOU PASSANDO MAL! 💋"
Sorri, mordendo um pedaço do pão, enquanto observava o engajamento explodindo. Os comentários não paravam de chegar, o número de curtidas crescia como fogo em palha seca e meu nome era um dos assuntos mais comentados do dia.
E o mais divertido? A reação de Luísa. Sabia que ela estava vendo tudo. E, conhecendo um pouco da sua personalidade, deveria estar alternando entre querer deletar a internet inteira e se trancar num bunker por tempo indeterminado.
Não me contive e mandei uma mensagem para ela:
"Bom dia para você e para nós, casal do momento. Dormiu bem ou tá considerando um processo por danos morais?"
Três pontinhos de digitação surgiram. E desapareceram. Depois voltaram. E sumiram de novo. Ri sozinha. Ah, Luísa...
Se isso não fosse um ótimo começo de domingo, eu sinceramente não sabia o que poderia ser.
Vi que tinha uma mensagem de Pietro.
Pietro: Bia, ontem foi um sucesso. Sua imagem não está limpa, está transluucida, amiga.
Bia: Nem me fale! meu número de seguidores não para de aumentar. 🙌
Pietro: Bia, na segunda teremos reunião na Pelle Serenità. Confere o e-mail da Valéria que te encaminhei.
Bia: Beleza. Vou conferir. 😁
Jura? Jura mesmo? Era domingo e Pietro estava me informando da reunião de trabalho. Por pura curiosidade e talvez um leve instinto masoquista, fui ver do que se tratava. Métricas. Relatórios. Engajamento. A coisa toda era sobre as publicações que eu já havia feito.
Revirei os olhos, soltando um suspiro exagerado. Ah, claro, porque não tem nada melhor para fazer num domingo do que organizar números e gráficos. A ideia de simplesmente fingir que o e-mail não existia passou pela minha cabeça, mas não. Lá estava eu, olhando para a tela, sentindo aquela pontada irritante de responsabilidade cutucar minha consciência. Bufei, cruzando os braços me programando mentalmente para começar a fazer isso amanhã de manhã, antes da reunião.
Quando menos eu esperava, meu celular mostrou notificação com uma mensagem.
Abri o aplicativo.
Luísa: Minha imagem já está no lixo desde a primeira vez que meu nome foi associado a você. Da próxima vez que pensar em me beijar: NÂO faça. Pegar na sua mão já é um sacrifício.
Bia Mozão: Pois ontem a sua língua retribuiu super bem o beijo. Tem vídeo nosso, amor. Não adianta negar.
Luísa: 🤮
Bia Mozão: … que feio, amor. Ah, amanhã tenho uma reunião na PS.
Luísa: Hum… Vai participar também?
Bia Mozão: Vou sim, amor. Sua mãe me convocou convidou.
E, para variar, Luísa me deixou no vácuo.
Suspirei, encarando a tela do celular como se fosse possível arrancar uma resposta dela com a força do pensamento. Nada. Nenhum emoji, nem um mísero "até amanhã".
Não que eu tivesse feito uma pergunta, mas, poxa, um mínimo de consideração, né? Um aceno virtual? Um pontinho azul de "visualizado" seguido de um "blz" seco que fosse? Mas não. Silêncio absoluto.
Revirei os olhos e joguei o celular no sofá, cruzando os braços. Ótimo. Agora eu podia adicionar "ser ignorada" à lista de pequenas humilhações do dia.
Após cumprir minha nobre missão matinal de testar hidratantes, finalizei os reviews dos produtos da Pelle Serenità. Em seguida, compilei relatórios detalhados com todas as métricas possíveis e imagináveis: visualizações, curtidas, comentários, compartilhamentos, alcance, crescimento de seguidores... Enfim, uma verdadeira prestação de contas sobre o impacto das minhas publicações. Anexei tudo bonitinho num e-mail e disparei para Valéria, Ângela e Pietro, como quem entrega provas. E, claro, os números estavam ao meu favor.
Pontualmente às 10h, lá estava eu, sentada em uma cadeira tão chique quanto desconfortável na sala de reuniões da PS. Aquela era a típica cadeira de escritório sofisticada que destrói sua lombar em tempo recorde. Maravilhoso.
A sala já estava ocupada por Pietro, Valéria, Roger, Luísa e uma tal de Ângela, que eu nunca tinha visto na vida. Mas bastou um olhar para sacar tudo: baixinha, cabelos curtos e uma expressão de quem se divertia jogando pessoas no fogo só para ver quem saía vivo.
Valéria começou a reunião com aquele tom sério, mas carregado de um sorrisinho de canto que me dava arrepios de leve. O tipo de sorriso que significa que algo grande estava vindo e que eu provavelmente teria trabalho.
— Chamei todos aqui para falarmos a respeito dos últimos números da Pelle Serenità. — Ela anunciou, lançando um olhar a Pietro. — Os resultados estão excelentes. Realmente, Pietro, tenho que te parabenizar, a ideia foi fantástica.
Pietro sorriu de canto, me lançando um olhar de quem já sabia que seria elogiado e estava apenas esperando.
— Concordo. — Disse Ângela, num tom seco, direto, quase cirúrgico. — Agora deveremos pensar nos próximos eventos. Roger, se puder explanar para todos.
Roger, se levantou de imediato, ajeitando a camisa com aquele ar de “eu nasci para esse momento”.
— Claro. — Disse, antes de iniciar a apresentação.
Na tela, surgiram imagens conceituais enquanto ele gesticulava, dando início ao espetáculo.
— Para a nova linha, teremos uma temática inspirada nos quatro elementos: água, terra, fogo e ar.
Tá, nada revolucionário, mas vamos ver onde isso vai dar.
— Para a água, faremos gravações na praia, onde serão apresentados os produtos da linha Maresia. Teremos hidratante de algas marinhas, sérum de água termal, esfoliante à base de areia vulcânica e um borrifador de água termal bruma.
Ok, então basicamente vão me encher de creme e jogar no mar. Anotado.
— Para a terra, já reservamos um espaço na Fazenda Raízes Naturais, onde será lançada a linha Gaia. Vamos trabalhar com sombras de tons terrosos, cremes herbais e máscaras de argila purificante.
Ótimo, mal posso esperar para ver reviews de influenciadores cobrindo o rosto de barro e dizendo que sentem uma “conexão profunda com a natureza” enquanto postam Stories de dentro de um SUV de luxo.
— Para as linhas Fogo e Ar, utilizaremos estúdios aqui na cidade. Para o fogo, a linha Eruption terá produtos como iluminadores quentes, batons em tons vibrantes e óleos corporais com efeito glow. Já a linha de ar, chamada Brisa Celestial, trará produtos leves, com texturas suaves, como body splashs e sprays faciais refrescantes com fragrâncias delicadas.
Roger fez uma pausa dramática e olhou ao redor, esperando nossa reação.
Luísa, ao meu lado, mantinha a postura impecável, aquela expressão neutra que me dava nos nervos. Sempre tão composta, tão profissional, enquanto eu me segurava para não bater a cabeça na mesa de tédio. Comecei a calcular quantos cafés seriam necessários para atravessar essa reunião sem revirar os olhos.
De repente, um som quebrou o silêncio: palmas. Isoladas. Solitárias. Ângela, com aquele olhar de quem julgava cada alma presente, começou a aplaudir devagar. E, como ovelhas obedientes evitando um climão desnecessário, todos acompanhamos com entusiasmo falso, parecendo um coral de robôs no modo automático.
— Excelente, Roger! Parabéns pela apresentação. — Ela disse, com um sorrisinho quase condescendente. Roger inflou o peito de orgulho e voltou a se sentar, claramente satisfeito.
Aí veio o verdadeiro motivo do teatro.
— Agora, precisamos ajustar alguns detalhes. — Valéria cruzou as mãos sobre a mesa e lançou um olhar direto para mim. Ah, lá vem. — Bia, seus números estão excelentes. O engajamento foi ótimo e continuaremos seguindo esses passos, pois não tem erro.
Senti o "mas" vindo como um tsunami.
— Porém, todos aqui já estão cientes quanto à veracidade desse “relacionamento” e gostaria de pedir para que você seja menos impulsiva e… — ela hesitou por um segundo, escolhendo a palavra com precisão cirúrgica — efusiva nas suas demonstrações, Bia.
Eu segurei o riso. Ah, Valéria, se ao menos você soubesse.
— Acredito que não haja necessidade de beijar a Luísa e deixá-la desconfortável, como aconteceu no dia do coquetel de lançamento.
Ela arqueou a sobrancelha de um jeito que me fez sentir que estava no colégio, prestes a levar uma advertência por mau comportamento. Todo mundo prendeu a respiração, esperando minha reação.
Minha vontade? Contar que a língua da filha dela estava muito bem instalada na minha boca naquela noite e, pelo jeito que se movia, não parecia nem um pouco desconfortável.
A realidade?
— Está bem, Valéria. — Respondi, adotando meu tom mais profissional e controlado, mas deixando a ironia sutil no ar. Olhei para Luísa, depois de volta para Valéria, como quem não se incomodava, mas deixava claro que achava tudo aquilo uma bela hipocrisia. — Não farei nada que não seja estritamente necessário.
Luísa mordeu o lábio, desviando o olhar. Ah, então estava nervosa?
Valéria sorriu satisfeita, um daqueles sorrisos ensaiados que vinham com cláusulas contratuais invisíveis.
— Então, estamos a caminho do sucesso na mais plena harmonia.
A risadinha forçada dela foi acompanhada por Pietro, Roger e Ângela, todos naquela sintonia de "vamos fingir que está tudo perfeito". Já eu e Luísa trocamos um olhar rápido, e pude perceber que ela estava… corada. Oh.
Antes que eu pudesse pedir para me retirar, precisava abordar outro assunto:
— Em relação ao relacionamento, tenho recebido convites para publicidades e entrevistas com Luísa. Acredito que vocês também.
Ângela assentiu, me dando razão.
— Eu solicitei que Pietro recusasse todos, porém, para manter as aparências, faz-se necessário que Luísa e eu sejamos vistas em público algumas vezes. Talvez até na casa uma da outra.
Joguei essa última parte como quem não quer nada, mas minha mente já estava planejando todos os cenários possíveis. Se fosse para fingir, pelo menos seria divertido.
Ângela, sempre prática, concordou de imediato:
— Concordo com você, Bia. Por isso, acho importante que, pelo menos uma vez por semana, vocês apareçam juntas em locais públicos, como fizeram no post do almoço. E já havia comentado com Valéria que Luísa deverá estar presente durante as filmagens da linha Elementos, principalmente na praia e na fazenda, já que se tratam de locais que não conseguimos isolar 100% e haverão outras pessoas circulando.
Praia. Fazenda. Eu, Luísa e uma equipe inteira assistindo.
Mordi o lábio, fingindo que processava a informação de maneira séria, enquanto, na verdade, já imaginava Luísa tentando manter aquela pose impecável enquanto lidava comigo o tempo todo.
Ah, essa campanha tinha tudo para ser inesquecível.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Sem comentários
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook: