Capitulo 7
Por Luísa:
Olhei para o vestido pela quinta vez… talvez fosse a sexta. Ele continuava ali, deitado sobre a cama, me encarando como se soubesse que eu ainda não estava convencida. Azul-marinho, midi, alças finas, decote quadrado. Elegante, sem esforço.
Cruzei os braços, mordendo o canto do lábio. Quando Bia deu a entender que já tinha escolhido nossas roupas, minha primeira reação foi a revolta. Sério, onde estava meu livre-arbítrio? Mas, para minha surpresa e talvez para meu alívio, ela não escolheu algo que tentasse camuflar minha perna como minha mãe teria feito. Pelo contrário.
Suspirei fundo, peguei a peça e a vesti. O tecido deslizou sobre minha pele com uma leveza quase irritante, como se tentasse deixar claro de que aquela era, sim, a escolha certa. Ajustei as alças finas sobre os ombros e dei um passo para trás para me avaliar no espelho. A verdade? Ficou bom. Perfeito, na verdade. Mas eu jamais diria isso em voz alta para alimentar o ego já inflado da minha "namorada" fake.
Passei a mão pelos cabelos soltos, sentindo a textura das ondas suaves que fiz mais cedo. Nada muito exagerado, mas o suficiente para não passar despercebida. Algo me dizia que, ao lado de Bia, passar despercebida seria impossível de qualquer forma. Nos olhos, um esfumado marrom discreto e delineado rente aos cílios. Nos lábios, um batom rosado acetinado, que combinava perfeitamente com a elegância discreta do vestido.
Agora, os sapatos… Peguei o par de scarpins pretos e sentei na beira da cama. O primeiro foi fácil. Deslizei o pé no sapato e ajustei o calcanhar. O outro exigia um pouco mais de paciência. Paciência essa que eu tinha em estoque.
Apoiei a prótese contra o chão e, com um pequeno impulso, deslizei-a para dentro do sapato. Ajustei o tornozelo e movimentei o pé artificial levemente, testando a estabilidade. Perfeito. Me levantei, endireitei os ombros e encarei meu reflexo no espelho mais uma vez.
"Bom, Luísa, é isso. Você está pronta. Ou quase. Agora só falta a paciência pra aguentar uma noite inteira ao lado da Bia."
Minha mãe me aguardava no carro, com a expressão fechada de sempre. Quando viu minha roupa, me escaneou de cima a baixo, como se estivesse tentando decidir se me mandava trocar ou se desistia de vez. No fim, optou pelo silêncio.
— O endereço é esse que eu acabei de lhe enviar, Jean — disse ao motorista. Sim, ainda passaríamos buscar Bia. De que maneira a entrada seria triunfal sem ela, não é mesmo?
O carro parou em frente ao prédio dela e, enquanto aguardávamos, notei minha mãe enviando uma mensagem. Para quem? Para Bia. Ah, então as duas tinham o contato uma da outra? Provavelmente tramavam maneiras de tornar minha vida um inferno ainda maior.
Quase dez minutos depois, a silhueta de Bia finalmente surgiu. Sem a menor intenção, minha boca se abriu em um reflexo traiçoeiro, mas tratei de me recompor no mesmo instante. Quando ela entrou no carro, o perfume intenso tomou todo o espaço, e eu pude ver melhor os detalhes de sua roupa. Blazer oversized e saia curta verde-esmeralda, top preto por baixo, um rabo de cavalo alto e maquiagem impecável com sombras esverdeadas e batom vinho. Como se não bastasse, ainda cruzou as pernas e me lançou aquele sorriso de canto, consciente do efeito que causava.
Valéria não disse um A. Sinal do apocalipse? Talvez.
— Estão lindas, senhora e senhorita Fischer — disse Bia, com aquele tom falsamente encantador que me irritava.
Revirei os olhos e virei levemente para a janela, mas antes que o silêncio me salvasse, ouvi uma voz inesperada:
— Você... Vocês também estão — minha mãe disse, relutante.
Pisquei algumas vezes, processando o elogio. Eu estava delirando?
O caminho foi silencioso, para meu alívio. Quando chegamos, Valéria voltou ao seu modo autoritário habitual:
— Vou primeiro e, daqui a dez minutos, vocês saem. Se derem as mãos e você mudar essa cara de quem foi obrigada a vir, será mais convincente, Luísa.
Ela saiu sem esperar resposta. Olhei para Bia, que sorria com uma diversão irritante.
— Quer ensaiar o dar as mãos comigo? — perguntou, erguendo a palma no ar.
— Dispenso.
— Sua mãe está certa em uma coisa: precisamos ser convincentes. O público que shippa isso — apontou para nós duas — é grande. Mas os haters também estão ali.
Voltei meu olhar para fora da janela. Os flashes em direção a Valéria me faziam lembrar que ela sabia exatamente como encenar uma postura impecável.
Antes que pudesse respirar fundo e me preparar, senti Bia se aproximando. O perfume dela ficou ainda mais forte, sua presença ainda mais evidente. Seus olhos encontraram os meus e, sem que eu pudesse evitar, um arrepio percorreu minha espinha.
— Posso? — ela perguntou, erguendo a mão.
— Pode — respondi, sem racionalizar.
Seu toque começou no meu ombro e desceu pelo meu braço, provocando um calor incômodo e delicioso ao mesmo tempo. Minha mente gritava para eu me afastar, mas meu corpo pedia por mais.
— Pensei que toques assim demonstram uma intimidade necessária — ela disse, observando minha reação.
— Uhum — murmurei, sentindo minha respiração ficar errada. Rápida demais, entrecortada demais.
— Assim também — ela continuou, deslizando os dedos pelo meu rosto, descendo até meu pescoço. Em um movimento sutil, umedeceu os lábios com a ponta da língua. Fechei os olhos, tomada por um impulso involuntário, e senti a respiração dela se aproximar. Quente. Perto demais.
— Sua mãe acabou de enviar uma mensagem avisando que podem ir, senhorita Luísa.
A voz de Jean rompeu o instante e me jogou de volta à realidade. Abri os olhos e encarei Bia, sentindo meu coração disparado.
— Vamos — disse, mais para mim do que para ela.
Assim que saímos do carro, uma passarela se estendia à nossa frente, ladeada por fotógrafos e jornalistas ávidos por imagens que rendessem manchetes escandalosas. Flashs explodiam por todos os lados, e eu sentia cada olhar atravessar minha pele como se fossem raios-x. Alguns estavam fixados em mim, mas a maioria mirava minha perna. Ótimo. Nada como ser a atração do circo.
Foi quando senti a mão de Bia segurar a minha, firme e quente. Meu primeiro instinto foi me retrair, mas, para minha própria surpresa, aquilo me trouxe alívio imediato. Como se, ao segurar minha mão, ela me ancorasse de volta à realidade. Respirei fundo e segui em frente, tentando ignorar a curiosidade alheia e fingir que aquilo tudo era só mais um sábado qualquer.
Entramos no salão e fomos engolidas pelo brilho e pelo luxo da festa. O ambiente era impecável: grandes lustres pendiam do teto, refletindo a luz dourada nas paredes espelhadas, enquanto garçons deslizavam silenciosamente pelo salão, equilibrando taças de champanhe e bandejas com canapés delicados. O aroma era uma mistura de perfumes caros e flores frescas que decoravam cada canto. No centro do salão, uma instalação de vidro exibia os produtos da nova linha da Pelle Serenità como verdadeiras joias, com um jogo de luz que os fazia parecer reluzentes.
O ambiente estava repleto de pessoas importantes. Empresários do ramo da beleza, influenciadores, investidores e, claro, um mar de bajuladores que orbitavam minha mãe como mariposas em volta de uma lâmpada.
E então, eu a vi.
Rebeca. A causadora de tudo. A mulher que conseguiu, com um único golpe, fazer minha vida desmoronar em rede nacional. O sorriso dela estava intacto, como se não carregasse a menor culpa pelo que fez. Meu estômago se revirou e, por reflexo, soltei a mão de Bia. Ela me olhou de soslaio, mas não disse nada. Minha mãe veio ao nosso encontro e lançou um olhar rápido para nossas mãos separadas antes de sorrir de maneira quase ensaiada.
— Mãe, o que Rebeca está fazendo aqui? — perguntei entre dentes, sem desviar os olhos daquela figura arrogante.
Bia olhou ao redor, tentando encontrá-la. Rebeca, como a boa cínica que era, acenou e sorriu para ela. Descarada.
— Mantenha seus amigos perto e seus inimigos mais perto ainda, Luísa — minha mãe respondeu, enquanto entrelaçava o braço no de Bia e a puxava para longe. Claro. Agora elas eram melhores amigas. Eu deveria ter previsto isso.
Roger e Pietro se aproximaram e pararam ao meu lado, acompanhando o movimento das duas.
— Você está simplesmente deslumbrante, Luísa — disse Roger, sorrindo.
— Agradeço. Você também — respondi, tentando me concentrar no que realmente importava naquela noite.
Minha mãe assumiu o palco, iniciando seu discurso com maestria. Falou sobre como a campanha era um sonho antigo, sobre os produtos inovadores, sobre luxo e cuidado. Tudo era cuidadosamente roteirizado, e eu sabia que, por trás daquelas palavras, havia uma jogada estratégica para reforçar nossa imagem. Eu só não podia negar que, por mais ridícula que fosse, Bia havia feito um trabalho excepcional. Ela tinha conseguido capturar a essência da campanha com perfeição, e quando minha mãe a apresentou como o rosto da nova linha, os aplausos foram estrondosos.
O restante da noite seguiu como um teatro bem ensaiado. Bia e eu ficamos lado a lado, comemos canapés, bebemos champanhe e trocamos o mínimo de palavras possíveis no meio de sorrisos ensaiados. E então, como se o universo soubesse que eu não poderia passar uma noite em paz, Rebeca ressurgiu.
Ela parou diante de nós e praticamente devorou Bia com os olhos.
— Você está deslumbrante, Bia — disse ela, ignorando completamente minha existência.
— Está, sim — intervim, estreitando os olhos para chamar sua atenção.
Rebeca, impassível, virou-se para mim com um sorriso preguiçoso.
— Ah, parabéns pelo evento. Meus cumprimentos à sua mãe. — Ela ergueu a taça de champanhe antes de dar um gole, como se eu não estivesse ali.
Levantei as sobrancelhas e sorri de volta, contendo a vontade de revirar os olhos.
— Tenho que me desculpar contigo, Bia — continuou Rebeca, voltando sua atenção para ela. — Quando tudo aconteceu, eu não sabia quem você era. Minha assessoria lidou com tudo sozinha, e, bem, acabou te deixando em maus lençóis. Fico feliz em ver que deu a volta por cima. Um relacionamento fake... Saída perfeita.
— Nosso relacionamento não é fake — retrucou Bia, com sua voz saindo levemente afiada.
Rebeca soltou um riso baixo e lançou um olhar divertido para mim.
— Ah, é sim. E se não for, então Luísa levou um belo par de chifres naquela noite em que você foi até o meu apartamento — disse, inclinando-se um pouco mais perto de Bia.
Meu sangue gelou.
— Inclusive, estou com saudade, Bia — Rebeca completou, deslizando a mão pelo braço dela.
Por um segundo, achei que Bia fosse hesitar. Mas, ao contrário do que eu esperava, ela simplesmente se virou na minha direção, segurou minha cintura e colou seus lábios nos meus.
Minha mente ficou em branco.
O beijo começou como um simples selinho, mas em segundos a boca de Bia se moldou à minha, e sua língua deslizou quente contra a minha. Meu corpo inteiro reagiu antes que eu pudesse processar o que estava acontecendo. Fechei os olhos, sentindo o gosto doce do champanhe e o cheiro viciante do perfume dela se misturando em um turbilhão de sensações.
Quando ela se afastou lentamente, nossos olhares se cruzaram. Meu peito subia e descia em uma respiração pesada, e eu ainda sentia o calor dos lábios dela nos meus. Pisquei algumas vezes, tentando recuperar a sanidade.
Foi então que percebi que Rebeca já não estava mais ali. Mas Valéria, Roger e Pietro sim. Roger e Pietro estavam boquiabertos. Minha mãe tinha um olhar indecifrável. E Bia? Ela apenas me olhava com um sorrisinho travesso, como se soubesse exatamente o que estava fazendo.
Fim do capítulo
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