Yesmin e Rogério conversavam nervosamente no corredor do hospital Leblon Dói.

 

--Stefany teve uma crise de ansiedade tão intensa que os sintomas despertados no corpo dela simularam o efeito de um infarto! – Rogério explicava – Uma vez internada, entrou em surto ansioso, parece que reagiu mal à medicação aplicada e... entrou em coma.

 

--Eu não me conformo, não me conformo! -- a CEO andava nervosamente de um lado a outro – Stefany foi submetida a um cancelamento pesadíssimo e eu sei muito bem que isso não foi simplesmente por causa de gente realmente revoltada com o caso da Fernanda! – gesticulava rapidamente – Esse cancelamento foi encomendado! – concluiu

 

--Você quer dizer... – aproximou-se da esposa – que aqueles homens que te procuraram...?

 

--Com certeza! – interrompeu a fala do marido – E eles sabem muito bem que nada é mais doloroso pra quem é mãe do que ver um filho sofrendo! – tentava secar o rosto molhado de lágrimas – Canalhas desonestos! Malditos! – praguejou entre dentes

 

--Meu Deus! – balançou a cabeça contrariado – E o que você vai fazer? – perguntou aflito – Eu cancelei minha agenda essa semana e vou ficar aqui acompanhando.

 

Respirou fundo e gastou uns segundos tentando se acalmar antes de responder. -- Eu virei aqui todas as noites, vou cancelar todas as viagens próximas, mas não posso deixar de trabalhar. E vou buscar me inteirar melhor sobre o caso da Fernanda pra frear esse cancelamento! – pausou brevemente – Também vou conversar com maama, porque ela ainda não sabe de nada disso!

 

--Veja lá como vai falar com dona Adma! – advertiu – Não queremos uma segunda internação na família! – considerou – E cuidado com esses malditos homens! – gesticulava – Não são empresários, são bandidos! – acusou

 

--Eles esqueceram que não existe animal mais perigoso que a mãe defendendo a própria cria! – mirou um ponto no infinito – Eu não sei no que tudo isso vai dar, mas vou nessa guerra até o final! – prometeu para si mesma

 

***

 

Vivinácia observava o rosto pálido e sofrido de Fernanda. A hacker estava inconsciente e entubada, respirando com certa dificuldade. Os sons periódicos emitidos pelos sistemas de monitoramento acoplados a ela pareciam notas de uma triste melodia.

 

--Eu prometo que vou fazer tudo ao meu alcance pra você ficar bem, viu, fi? – dizia para a outra – E vou infernizar esses médico doutor de um jeito maneira que eles não vão ter força e nem coragem pra te deixar na mão! – continuava dizendo

 

Após mais alguns minutos de visita, a caipira saiu do CTI e se dirigiu até o local onde sabia que Ana aguardava. Surpreendeu-se ao vê-la conversando com uma mulher negra que regulava sua idade.

 

--Oh, madame, o que a senhora achou dela hoje, hein? – perguntou aflita – Ela me parece tão abatida, tão fraca...

 

--Ela vai melhorar, tenha certeza! – respondeu para incentivar – Boa tarde, moça. – cumprimentou a desconhecida

 

--Boa tarde! – respondeu com simpatia

 

--Madame, essa é Shirley! – Ana apresentou – Ela tem por hábito fazer visitas aos hospitais pra orar pelos pacientes, conversar com as famílias... já é a segunda vez que vem ver minha filha. – olhou para a outra – Shirley, essa é madame Vivi, sobre quem lhe comentei.

 

--É um prazer conhecer a famosa madame Vivi. – estendeu a mão – Dona Ana me falou muito bem a seu respeito. -- sorria

 

--Ela sempre é muito gentil por demais da conta comigo, não sabe? – apertou a mão da outra e deu beijinhos de comadre – “Eita, que bicha cheirosa!” – pensou

 

“Meu Deus!” – sentiu pesadíssimas vibrações ao se aproximar da outra – “Essa pobre mulher tem uma energia terrível!” – pensou preocupada – Eu sou muito atuante no Centro Caminhos da Luz, lá em Bonsucesso. – comentou ao se afastar – Fica até perto da casa da dona Ana e ela nem sabia. – continuava sorrindo – Que tal nos brindar com sua presença um dia desses? – convidou gentilmente – Seria ótimo pro nosso grupo de estudos ter contato com uma médium do seu nível. – olhava para a caipira

 

Repentinamente sentiu antipatia pela mulher. – Eu não frequento mais Bonsucesso. – respondeu sem muita graça – Moro e trabalho na zona sul. Se um dia quiser conhecer meu terreiro, estarei às ordens. Basta procurar na internet que você me acha! – olhou para Ana – Já vou indo. Até a próxima! – despediu-se

 

--Obrigada por tudo, madame! – agradeceu – Vá com Deus!

 

--Fiquem com Ele. – olhou para Shirley – Inté! – deu tchauzinho e partiu

 

--Até mais... – a mulher acompanhou a outra com o olhar

 

--É... a madame não foi muito simpática ao final, mas garanto que é muito boa pessoa! – Ana justificava meio constrangida – Eu e minha filha devemos muito a ela!

 

--Acredito. – olhou para a mãe da hacker – E entendo que ela deva ser muito requisitada por aí. – considerou – “Mas com toda certeza, vive cercada por péssimas influências do mundo espiritual!” – pensou

 

--Ora bolas, quem é essa mulherzinha que me apareceu do nada? – o obsessor de Vivinácia observava Shirley e sua áurea luminosa – Se quiser fazer tipo de boa samaritana com a gordinha e a mãe dela não é da minha conta, mas não venha se meter com o que é meu! – referia-se à caipira – Vamos tratar de deixá-la bem longe da madame Vivi! – falou com desprezo antes de desaparecer dali

 

Shirley não fez comentários, mas sentiu que uma negativa presença também havia acabado de se afastar.

 

***

 

Zaida e Adma estavam na casa de Malika. Era a primeira vez que a cuidadora visitava a mãe acompanhada por sua paciente. As mulheres conversavam sentadas na mesa da sala após terem lanchado.

 

--E a senhora gostou do bolo que eu fiz? – Nazira perguntou animada – É que eu não tô acostumada a cozinhar pruma estrela d’alva, sabe? – olhava para a idosa – Aliás, deixa eu perguntar: se eu pegar meu caderninho a senhora me dá um autógrafo? – tietou – Põe beijinho, estrelinha, essas coisas todas? – pedia – Ai, será que pode ser em árabe? Olha que luxo!

 

Adma e Zaida acharam graça.

 

--Quer parar de me fazer passar vergonha, bicha? – Malika deu-lhe um beliscão na coxa – Dona Adma vai achar que nós somos duas brocoiós! -- ralhou

 

--Ai, dona Malika! – resmungou esfregando a pele dolorida

 

--Eu agradece por hospitalidade, gostou de bolo e dá autógrafo! – Adma respondeu com simpatia – Vocês têm a melhor de Brasil e Líbano pra receber pessoas! – elogiou as anfitriãs – Só que faz tantos anos que eu não dá autógrafo que nem sei se lembro direito! – achou graça

 

--Claro que lembra! – Nazira respondeu de pronto – Uma vez estrela, sempre estrela! – levantou-se rapidamente – Vou buscar meu caderninho e volto num instante! – seguiu apressada

 

--Obrigada pelas palavras, dona Adma. – Malika agradeceu envergonhada – É um prazer receber a paciente preferida da minha filha! – sorriu – E por favor, não repare em Nazira. – pediu – Ela é meio esquisitinha mesmo!

 

--Ela é divertido! – a idosa comentou

 

--Também gosto dela. – Zaida olhou para a paciente – Me lembra muito a Wanderleya! – riram brevemente

 

--Voltei! – Nazira colocou o caderninho aberto em frente a cantora e entregou-lhe uma caneta  – Receber uma estrela d’alva nessa casa, pop star internacional e além de tudo avó do Pitaquinho, não é pouca coisa não, viu? – sorria como assistente de mágico

 

--Avó de quem? – a idosa não entendeu

 

--Repara não, dona Adma, é brincadeira da Nazira! – deu-lhe um novo beliscão na coxa  – Ela gosta muito de falar certas besteiras só pra descontrair! – olhou rapidamente para a outra

 

--Ai! – esfregou a pele dolorida – “Dona Malika e essa mão pesada!” – pensou revoltada

 

Achou graça. – E eu precisava mesmo de um descontração... – autografava – Meu neta ainda pena em hospital... – lamentou – Aquele moço Fernanda também... – terminou – Pra você! – entregou de volta o material de Nazira

 

--É triste, sim... duas mulheres jovens, cheias de vida pela frente... – Nazira considerou – Mas temos que manter nossa fé inabalável e continuar orando pelo bem delas! – benzeu-se ao mesmo tempo que Malika – Muito obrigada, viu? – abraçou-se ao caderninho e novamente se sentou – “Só eu no Brasil inteirinho tenho um autógrafo de estrela internacional libanesa!” – pensou orgulhosa – “E vó do Pitaquinho!” – suspirou embevecida

 

--Ninguém esperava pelo que aconteceu nem com Fernanda e nem com Stefany! – Zaida comentou – Foi um baque pra todo mundo!

 

--Eu fico feliz de ver a senhora tão bem mesmo diante dessa situação. – Malika comentou – Tinha falado com minha filha que tava preocupada com seu estado emocional!

 

--Não tá sendo fácil, mas eu tem Zaida! – segurou a mão da cuidadora e sorriu para ela – Seu menina é minha tesouro! – suspirou – “Minha primavera, ar-rabiic (a primavera)...” – pensou embevecida

 

“Essa senhora gosta mesmo da minha filha!” – Malika pensou sem maldade

 

--E como vai a dona Yesmin diante de tudo isso, hein, dona Adma? – Nazira queria saber – Fico só pensando na dor da coitada! – gesticulava – Gente, é uma dor que abunda num peito de mãe! – balançou a cabeça pensativa -- “Que pena que ainda não pude conhecer a mãe do meu Pitaco!” – lamentou em pensamento – “A coitada deve tá precisando de um ombro de amiga e eu com dois aqui dando sopa!” -- considerou – Ser mãe não é pras fracas! – filosofou

 

Malika fez um bico discreto. “Até parece que Nazira sabe o que é ser mãe! Nem mãe de boneca ela foi!” – pensou – É verdade, sua filha deve tá muito agoniada também, né? – olhava para a idosa – Sinto muito por essa dor no seio do seu clã! – dizia a verdade

 

--Meu filha anda um pilha de nervos! – Adma respondeu – Minha genro tem trabalhado pouco porque fica muito tempo na hospital e Yesmin vai lá todo noite. – contava – Aí na dia seguinte ela vai lá em casa antes de trabalhar e chora na minha colo. – pensava na CEO – Eu nunca vi meu menina tão frágil como vejo hoje! Mas ela ainda assim, tem força!

 

“É mesmo, ela tá muito abalada!” – Zaida pensou – “Nem parece aquela nojenta de sempre!”

 

--Coitada... – Malika compreendia – Nem sei como eu ficaria no lugar dela... – olhou para a filha – Você se cuide, viu? – advertiu – E você também, bicha mafiosa! – deu mais um tapa em Nazira – Olha lá!

 

--Mas por que eu tô apanhando dessa vez? – reclamou – Dona Adma, fala pra sua filha que eu e o filho dela, o Pitaquinho, somos assim! – esfregou um dedo um no outro – Se ela precisar de uma amiga pra desabafar, sou toda ouvidos!

 

--Só se ela fosse doida! – Malika se manifestou de imediato

 

--Eu fala... – Adma achou graça novamente – eu fala... – olhou rapidamente para Zaida – Agora vocês têm que ir em meu casa! – convidou – Não é grande como esse mas é bonitinho! – olhou novamente para a cuidadora – Não é?

 

--Uma gracinha, como a senhora! – beijou-lhe a cabeça com carinho

 

--Ai, eu quero! – Nazira logo se manifestou – De preferência quando a dona Yesmin tiver lá chorando no seu colo! – sentiu um tapão na perna – AI! – gritou

 

Zaida e Adma acharam graça, enquanto Malika não sabia onde enfiar a cara.

 

***

 

--Você achou que fosse passar impune, sua desgraçada? – Fernanda chutava a jovem caída no meio do lamaçal – Por sua causa minha vida foi destruída! – acusou – Fui humilhada, caluniada, estuprada, enquanto você ficava divando por aí e dando uma de influencer universitária, naquela faculdade de merd*! – continuava chutando – Eu posso morrer, mas você vai pro inferno junto comigo, sua miserável, fingida, desgraçada! – sentia ódio e com isso, mais sangue lhe jorrava das costas

 

--Meu Deus, o que há com minha filha? – Ana se alarmou ao ouvir os sinais dos monitores – Um médico, um médico! – olhava para todos os lados buscando ajuda

 

--Para com isso, porr*, me deixa em paz! – Stefany tentava se levantar, mas sentia-se retida pelo lamaçal – Eu não sabia que ia ser assim, na moral! – protegia a cabeça dos chutes da outra – Me perdoa, me perdoa! – pedia em meio a lágrimas – Me perdoa!

 

--Perdoar uma merd*! – a hacker continuava chutando – MALDITA! -- gritou

 

--NÃO, NÃO, NÃO!!! – Stefany gritava e se encolhia na lama, sentindo o coração disparar

 

--Minha filha! – Rogério se alarmou com as indicações dos sinais vitais da jovem – Enfermeira, enfermeira! – olhava para todos os lados – Cadê o médico plantonista, meu Deus? – ficou nervoso

 

Nem Rogério e tampouco Ana imaginavam que suas respectivas filhas sofriam e interagiam negativamente em zonas de baixas vibrações no Plano Astral da Terra.

 

***

 

--Filha, pelo amor de Deus, cancela seus perfis nas redes sociais e vai embora do Brasil! – a mulher pedia com preocupação – Stefany tá sendo massacrada por causa daquela história da hacker e eu tenho medo que acabe sobrando pra você também! – olhava para a jovem – Eu e seu pai não vamos aguentar te ver num CTI como Yesmin e Rogério tão penando com Stefany por causa dessa merd* toda!

 

--Mas por que? – Luiza não sabia o que dizer – Eu não tenho nada com essa porr*! – respondeu na defensiva

 

--Como não tem? – o pai da moça logo protestou – Não lembra que o advogado daquela hacker citou você e a Tati? – gesticulava nervosamente – Nada impede que você seja a próxima a ser linchada nas redes, é isso que você quer?

 

--Ontem eu procurei e vi que a Tati nem tem mais perfil! – a mulher voltou a dizer – Com certeza eles lá no Chile já tão sabendo de tudo e ela, que não é besta, tratou de se prevenir!

 

--Eu arrumo um trabalho pra você no escritório de negócios que abrimos em Londres, minha filha! – o homem ofereceu – Serviço mole, nada cansativo, eu prometo! – garantiu -- Ouça sua mãe e vá embora daqui enquanto é tempo!

 

Luiza olhava para os pais sem saber o que dizer ou fazer. Um misto de sentimentos turbilhonava em seu coração. Além do medo de ser cancelada, sofria pela situação de Stefany. A hipótese de ir embora trazia-lhe uma sensação de perda imensa, por julgar que nunca mais teria para si aquela que acreditava ser seu grande amor.

 

Naquele momento, Luiza se arrependeu por ter sido uma hater e perguntou-se mentalmente se também não seria culpada por tudo aquilo.

 

***

 

--Por favor, fique à vontade. – Rogério falava com um paciente – Vi aqui na sua ficha que somos colegas de profissão! – olhava para o homem – Então nem preciso lhe dizer que a cadeira e o divã estão a sua disposição! – sorria – Use-os como achar melhor!

 

--Pois é, colega. – sentou-se de frente para o outro – O senhor sabe... nosso ofício é muito estressante e às vezes nós precisamos de um momento de análise para espairecer e repensar a vida! – falava educadamente – À propósito, posso lhe chamar por você? – perguntou – Comigo não precisa guardar formalidades! – fez um gesto despreocupado

 

--Nem comigo! – respondeu de pronto – Pode me chamar de Rogério, da mesma forma como vou lhe chamar de Paulo! – pausou brevemente – Mas e então? O que lhe traz aqui?

 

--Ao consultório do melhor psiquiatra do país? – continuava gentil – Onde mais eu teria confiança e liberdade pra falar de mim? – elogiou – Aliás, que agenda difícil, hein? – destacou – Acho que se eu não contasse com certas influências não teria conseguido um momento nem tão cedo!

 

--E quem não tem a agenda concorrida nestes dias difíceis? – devolveu com modéstia – Certamente a sua também deve ser lotada de compromissos! – olhava para o homem -- Infelizmente precisei desmarcar várias consultas por razões pessoais, mas mantive os pacientes frequentes, assim como aqueles muito bem recomendados. – pausou brevemente – Como foi o seu caso.

 

--Sim, estou sabendo da situação da sua filha e apresento minha solidariedade. – ofereceu – No que eu puder ajudar...

 

--Agradeço, mas creio que em breve tudo isso vai mudar. – desejava ir direto ao ponto – Mas, e então? Por onde começamos? – aguardava uma resposta

 

--Bem, eu... – gastou uns segundos em silêncio – Sou filho de um grande psiquiatra; não tão grande quanto o seu pai, mas talvez você já tenha ouvido falar em José Torrillos, não sei. – percebeu que Rogério desconhecia – Não posso negar que pude construir minha carreira sob o nome dele. – cruzou as pernas – Conheci uma bela mulher quando estava pra me formar, nos casamos, tivemos uma filha, mas infelizmente papai não pode ter muito convívio com ela, porque ele morreu num acidente junto com a minha mãe. – gesticulava suavemente – Tragédias a parte, tive uma vida boa, não posso que me queixar.

 

“Que estranho! A vida desse homem é tão parecida com a minha!” – pensou desconfiado – Mesmo assim, sempre existe algo a nos incomodar. – comentou esperando ouvir mais

 

--Existe... – balançou a cabeça pensativo – Talvez seria a minha... – ajeitou-se na cadeira – Tara?

 

Rogério estranhou. – Desenvolva, por favor.

 

--É que eu... – pensava em como falar – Eu gosto de abusar das mulheres... – mirou um ponto no infinito – Não toda hora e nem sempre, mas... daquelas mulheres jovens, indefesas, acometidas por distúrbios psíquicos que lhes fazem perder a credibilidade diante dos outros. – sorriu – Se alguma me denuncia, eu posso facilmente escapar me baseando nisso! – encarou o outro – E nesse momento, ser psiquiatra é perfeito!

 

Sentiu o coração disparar e um estranho incômodo na barriga. – Quem é você, afinal? – encarava também – Você não é psiquiatra e tudo isso que me falou aqui não passa de uma grande mentira! – acusou

 

--Por que? – perguntou debochado ao se debruçar sobre a mesa – Você se identificou com a minha história de vida, doutor Rogério Beckman?

 

--Saia daqui agora mesmo! – ordenou ao se levantar – Ou então eu...

 

--Chama a polícia? – completou a fala do outro e se levantou lentamente – Acho que não seria uma boa ideia. – continuava encarando – Mais um escândalo na família, imagine? – gesticulava calmamente – Sua filha em coma por causa de um surto causado por um cancelamento nas redes sociais, sua esposa às voltas com acusações diversas sobre a ferramenta de IA que empresa dela produziu... E as duas envolvidas no escândalo de uma hacker que está à beira da morte... – cruzou os braços – Imagine se no meio de tudo isso alguém decidisse ressuscitar um escândalo de abuso sexual que foi abafado no passado? – provocou – Naquela época a realidade dos meios comunicação era tão diferente, não acha? – debochava – Se fosse hoje em dia, em menos de minutos o mundo inteiro ficaria sabendo!

 

Caminhou apressadamente até a porta e a abriu. – Ponha-se fora daqui agora mesmo! – ordenou – Eu não estou pra brincadeiras! – falava de cara feia

 

--Nem eu. – seguiu até a porta e parou diante do outro – Às vezes fico pensando... os entendidos têm dito que a IA maximiza o ser humano, mas vivemos na era dos zumbis digitais. Você deve gostar de ter pacientes assim! – continuava provocando -- Transformar a cognição humana em commodity não poderia ser uma coisa sem consequências, não acha? – ajeitou o paletó – NADA é sem consequências! – enfatizou -- Até mais! – deu tchauzinho e partiu

 

Rogério fechou a porta e ficou rodando em círculos enquanto pensava em mil possibilidades. Concluiu imediatamente que aquele homem deveria ter ligação com os inimigos de Yesmin e mais apavorado ficou. Cancelou o resto das consultas do dia, pediu um carro de aplicativo e foi embora sem dar maiores satisfações à secretária.

 

***

 

--Mas... – Zaida não sabia o que dizer – Dona Adma, me perdoa, só que até agora eu não entendi o que a senhora quer que a gente faça! – olhava para a idosa – Quando a senhora mistura português com árabe eu fico meio perdida!

 

A idosa tentou se acalmar antes de recomeçar a falar: -- Minha genro sumiu desde antes de ontem na noite e Yesmin nem conseguiu mais trabalhar por causa disso! Junto com a caso de Stefany isso desequilibrou ela! – contou – Wanderleya ficou até tonto quando Yesmin chegou aqui de madrugada falando tudo ao mesmo tempo!

 

--Meu Deus, que coisa horrível! – exclamou penalizada – “Por isso que achei Wanderleya tão esquisita!” – pensou – Mas e agora, ela já sabe o que possa ter acontecido com o marido?

 

--Não sabe, mas acionou polícia! – respondeu de pronto – E ela quer que eu fica lá no casa dela até esse tempestade passar!

 

--Ah! – finalmente entendeu – Então eu vou arrumar as suas coisas e lhe levo lá. – balançou a cabeça em entendimento – “Gente, e agora?” – pensou preocupada – “Vou acabar sendo demitida!” – concluiu -- A senhora quer que eu chame o Jorel ou...?

 

--Chama Jorel, mas você fica lá também, tá pensando o que? – interrompeu a fala da outra – De hoje em diante, trabalho de cuidadora vai ser no casa de meu filha!

 

--É?! – surpreendeu-se – Dona Adma, uma coisa foi o natal, mas sua filha não vai querer saber de me ver na casa dela em todos os meus plantões! – argumentou – Eu não vou me recusar a trabalhar lá, mas a senhora e ela conversaram sobre isso? – queria saber

 

--Eu não conversa nada! Você vai e fim! – encerrou o assunto --Ela disse que melhor hora de chegar é de noite pra dar tempo de fazer tudo e empregados arrumar quarto. – esclareceu – Mas eu tenho meus coisas então é bom ir preparando bolsa desde já!

 

--A senhora manda... – concordou preocupada – “Não me faltava mais nada!” – pensou

 

***

 

--Ainda bem que vocês chegaram! – a mulher foi logo dizendo assim que a porta do elevador abriu – Dona Yesmin disse que queria ficar sozinha, mas não tive coragem de deixá-la! – deu passagem para as duas entrarem no apartamento – Desde que vim trabalhar como governanta nessa casa nunca a vi do jeito como está! – afirmou alarmada

 

--Cadê ela, Ivane? – Adma perguntou ao entrar – Está muito nervoso? Chorando?

 

--Dormindo no quarto, após ter se enchido de remédios! – respondeu de imediato – Quer ajuda, dona Adma? – ofereceu, mas percebeu que idosa não desejava

 

“Filha no CTI, marido desaparecido, imprensa e redes sociais enchendo o saco, não é pouca coisa não!” – Zaida entrava carregando as bolsas – Onde posso deixar nossas coisas, por gentileza? – olhou para a governanta

 

--Dona Yesmin havia dito que a mãe dela e a cuidadora ocupariam os mesmos quartos que ocuparam no natal. – olhava para a outra – Quer que eu te mostre?

 

--Pode deixar, eu lembro do caminho. – agradeceu e foi seguindo pelo corredor – “Embora ainda ache que um mapa não seria nada mal pra se guiar nessa mega cobertura!” – pensou

 

--Yesmin chegou a passar mal? – Adma perguntou enquanto se ajeitava no sofá

 

--Não sei ao certo, mas ela chorou muito... – respondeu com pesar – Bem, eu só aguardava pelas senhoras pra poder partir. Não quero que dona Yesmin me veja aqui e pense que desobedeci a uma ordem dela. Com licença. – fez um gesto de cabeça e se afastou

A governanta partiu pouco depois de se certificar que Zaida havia guardado os pertences de Adma e os seus próprios nos quartos certos.

 

--Por que a senhora não vai dar uma olhada na sua filha? – Zaida sugeriu -- Ivane disse que ela tomou muitos remédios e isso não é bom!

 

--Tem razão! – levantou-se devagar – Cheguei a pensar que era melhor deixar ela dormindo, mas é bom dar olhado. – considerou

 

--Não precisa, maama! – a CEO apareceu de repente. Falava como se estivesse bêbada -- Tô de pé e tô boa! – tropeçou mas não caiu

 

--Filha?! – Adma espantou-se com o que viu

 

Zaida olhou na direção da voz e se surpreendeu ao ver a mulher usando apenas  minúsculas roupas íntimas. “De pé, nem tanto...” – reparou que a outra cambaleava – “Mas boa, tá demais, Ave Maria, dai-me forças!” – desviou o olhar para não reparar

 

Mãe e filha se abraçaram emocionadas enquanto Zaida não soube ao certo o que fazer.

 

Fim do capítulo