Capitulo 11
Eu já estava acostumada com as cambalhotas que minha vida teima em dar, a diferença era que a cambalhota dessa vez não tinha me tirado dos eixos...ou tinha? Depende do ponto de vista. O fato era que a cambalhota da vez me arrancava sorrisos, ao invés de anos de vida. Seguia firme na terapia, e talvez por isso, menos desesperada no trabalho. Passei a entender que o trabalho é minha válvula de escape, é quase como uma tábua de salvação, onde me sinto útil...
No trabalho é onde sei que não vou ser defraudada, que tudo depende apenas de mim e ao mesmo tempo não quero dar nas vistas, embora faça tudo com excelência. As sessões têm me ajudado a entender essa dicotomia. Ainda escorrego aqui e ali, mas as palavras da minha terapeuta ecoam sempre deixando tudo seguir no fluxo...vamos com calma, foram anos de repetição de padrão, mas estás cada dia melhor...
Por falar em padrões, eu já conseguia identificar alguns...começamos a trabalhar minha relação com o meu pai...não tinha consciência que me causava tanta dor...
Aqui dentro está uma verdadeira erupção, mas sinto-me consciente como há muito tempo não acontecia. Já consigo respirar melhor...
-Devaneando em pleno horário de trabalho, dona Sabrina. - Ri de mim mesma. Definitivamente estava mais relaxada.
Meu telefone vibrou e instantaneamente um sorriso se formou no meu rosto.
"Acreditas que hoje, no elevador do trabalho, entrou uma mulher com o teu perfume? Quase cometi a insanidade de lhe dizer que esse perfume só combina com uma pele e não era a dela."
"Deixa-me adivinhar...fechaste os olhos e pensaste em mim..."
Eu não sei por onde andava a Sabrina contida, mas essa nova versão me caía bem. Me assustava um pouco, claro, mas a culpa toda era da interlocutora que provocava meu lado mais ousado.
Sim, tinha mais essa novidade na minha vida...uma troca intensa de mensagens e ligações de vídeo e sem vídeo, enfim, todo o tipo de comunicação com a Fedra. O fluxo de mensagens abrangia o dia todo e me fazia tão bem. A troca oscilava entre coisas corriqueiras como um simples bom dia, ou boa noite, a mensagens que me arrancavam gargalhadas. Também havia algum flirt disfarçado de outra coisa qualquer e nessa parte assumo a culpa. Gostava de provocá-la...gostava mais ainda que ela embarcava na minha ousadia, e estava encantada com a inteligência dela em me confundir...não sabia se tudo não passava de brincadeira ou se realmente estávamos construindo alguma coisa...bendita terapia que controlava minha ansiedade.
-Eu não sei se estou doida...
-Mais doida ainda?
Rimos, Catarina tinha acabado de entrar no meu espaço de trabalho.
-Musa, quem é a mulher maravilha que te mantem nas nuvens?
-Hã? Perdeste o ultimo resquício de lucidez, garota?
-Ah, podes disfarçar, tentar me tirar do rumo, mas que aconteceu alguma coisa intensa por esses dias, aconteceu. - E colocou as mãos na cintura como quem esperava uma novidade bombástica.
-Eu tinha essa agência em alta conta, mas se mantêm uma estagiária relapsa como tu nos quadros...- Provoquei.
-Isso, joga sujo, no meu ponto fraco. Apenas acabaste de confirmar minhas suspeitas. - Riu. - Musa, quem é? Alguém daqui? Duvido, só tem mulher hétero...fora eu, mas a mim jamais darias condição.
Rimos ás gargalhadas.
-Além de relapsa, ainda provocas a minha demissão também, sua sem noção. Não tens mais o que fazer? E eu posso me apaixonar por uma mulher hétero...
-Não caia nessa esparrela, musa. Elas nos usam, abusam das nossas habilidades e depois voltam para a vida conhecida.
E ela estava coberta de razão.
-Atenção às opiniões cristalizadas...
-Musa, estás apaixonada por uma mulher hétero?
-Catarina, não estou apaixonada por ninguém...preciso trabalhar, será que é possível?
-Vim convidar-te para almoçar. Recebi minha bolsa estágio. - Sorriu. - E recebi de meus outros jobs também.
-Sempre seguiste com a assessoria às microempresas?
-Sim, graças aos teus conselhos. Não interfere em nada no meu estágio e ganho bem. Então, como agradecimento, convido-te a almoçar comigo.
-Pode ser daqui a meia hora? - Olhei para o meu relógio.
-Aceitaste? ACEITASTE? Musa, mulher da minha vida...juro que me comporto e não tento te seduzir.
-Catarina, saia daqui antes que eu me arrependa.
***
Depois do almoço com a estagiária maluca e boa gente, não voltei correndo para o trabalho. Ainda tinha algum tempo antes de mergulhar nas minhas demandas, pelo que resolvi sentar numa praceta e tomar sorvete. Adoro sorvete e não me deliciava assim há bastante tempo.
Entregue aos meus devaneios, me surpreendi com uma folha que pareceu dançar no ar até cair nas minhas pernas. Sorri me comparando à folha, solta no ar sem saber onde pousaria. Pensei em enviar uma mensagem à Fedra contando da tal folha e da comparação que havia feito à minha vida, mas desisti por me parecer bobo. Sorri mais uma vez lembrando das besteiras que compartilhávamos. A história da folha nem seria das mais bobas...meu telefone vibrou e meu coração também.
"A caminho de uma reunião fora do escritório, olhei para o céu e vi uma nuvem em forma de coração. Lembrei de ti e pensei em fotografá-la. Não o fiz porque não sei fotografar e não estavas ao lado para me obrigar e também para não parecer piegas."
"Não fotografei a fila da gelataria e mesmo assim pensei em ti. Seria um empate?"
Foi minha resposta. Ah, com certeza o resto do meu dia de trabalho seria bem mais leve...
***
O trabalho sempre conseguiu anestesiar a minha mente e impedir que pensasse asneiras, mas minha angustia ao agrupar ideias para mais um projeto, deixou claro que alguma coisa havia mudado. Respirei fundo e me dei conta do motivo do meu desassossego, falta de noticias Fedra. Devo ter-me acostumado rápido demais, mas já era rotina nossa troca de mensagens ao longo do dia. Ousava dizer que ela já fazia parte do meu dia-a-dia. Uma mensagem de bom dia à qual respondi com efusividade e mais nada. Só me restava o trabalho.
-Ei, isso que é foco!
Levantei os olhos sobressaltada e deparei com Lúcia me encarando com curiosidade.
-Nem te vi entrar. Estou concentrada a ver se concluo mais uma etapa ainda hoje...
-Submeti o nosso trabalho e a pontuação está altíssima. Nós duas sempre arrasamos.
Sorri por hábito, mas sem muita convicção.
-Estás preparada para mais desafios? Temos em perspetiva um projeto imenso e desafiador.
-Estamos aqui para isso!
Um bipe no meu telefone e quase deixei cair os papéis que estavam em cima da mesa. Não era ela. Porr*!
-É minha impressão ou tem alguém ansiosa?
-Nada de especial...questões familiares...-Disse vagamente.
-Hmm, teu querido pai...qual é a questão da vez? Se vai esquiar nos alpes Suíços ou em Aspen?
Sorri sem entrar em nenhum detalhe para não ficar tentada a mentir.
-Não aceites nenhum compromisso para quarta feira. Vou receber alguns amigos em casa e quero a tua presença. Jantar às 8.
E saiu como tinha entrado. Antes de voltar a concentrar-me no trabalho, fiz algo que nunca fazia. Não sei por qual motivo, mas tive a curiosidade de entrar na plataforma onde todos os nossos projetos eram colocados. Eu tinha alguns projetos sob minha total responsabilidade e havia outros que eram trabalhados em conjunto com outros consultores. Era norma elencar toda a equipa técnica de cada trabalho. Meu nome estava em todos em que havia colaborado. Entrei no campo da Lúcia, que era considerada consultora sénior. Meu nome não constava em nenhum projeto e tinha contribuído em todos. Ouso dizer sem cometer qualquer exagero, que merecia muitos louros em determinados projetos. Os créditos eram todos dela. Senti uma pontada nada usual no estomago. Fechei a plataforma e voltei a concentrar-me no trabalho.
***
Depois de enrolar vendo uma série, finalmente estava na cama. A sensação estranha do dia todo não me largou. Nem o treino intenso conseguiu esvaziar minha mente. Quem sabe depois do meu novo ritual...
Por sugestão da terapeuta, todos as noites eu anotava num bloco de notas os tons do meu dia. Escrevia tudo, sem obedecer a qualquer regra. Anotava as frustrações, as alegrias, as coisas que ficaram presas na garganta, as incertezas, medos, aspirações...tudo. Fechei o bloco de notas e meu telefone vibrou.
"Boa noite. Durma bem."
Apenas isso, mas pelo menos ela tinha dado sinal de vida. Bom dia e boa noite. Talvez estivesse mal-acostumada. Ah, sei lá...
Ensaiei mil respostas, outras tantas perguntas, mas terminei por ser breve e carinhosa:
"Bons sonhos. Amanhã quero ver mais do que isso."
***
Ainda antes de sair de casa para mais um dia, recebi um áudio dela com a risada mais gostosa desse mundo. Ouvi umas cinco vezes e cada vez meu sorriso era mais escancarado.
"Cumpri o desafio!"
Melhor forma de começar o dia.
***
Lúcia entrou no meu espaço de trabalho da forma intempestiva de sempre e para galgar mais alguns degraus no exagero, contornou a minha mesa e enfiou a cara no meu computador. Com uma destreza que não sabia que tinha, minimizei a tela antes que ela começasse um festival de perguntas. Às vezes ela conseguia cutucar um lado meu que eu preferia manter lá nos fundos do porão.
-Pesquisando viagens? Vais viajar?
-Nada para agora...para as férias, quem sabe...- Ainda bem que minimizei a porcaria da tela a tempo. Se ela visse que a pesquisa de voos era para a Praia, a ladainha duraria uma vida...
-Preciso que dês subsídios para esse trabalho. Não gostei do que foi apresentado...preciso de outras opiniões e ninguém melhor do que tu.
-Para agora? - Tinha terapia em meia hora.
-Eu sei que vim em cima da hora, mas é que passei o dia fora em reuniões e só agora comecei a dar vazão à agenda de hoje. Isso é urgente, mas depois podes tirar uns 2 dias off.
-Ah, mas podes crer que vou tirar dias off.
-Sem exageros...meio dia de folga. - Piscou o olho como sempre fazia para me convencer.
-Dois dias, Lúcia. Preciso resolver algumas coisas que ninguém pode fazer por mim...
-Decidimos isso depois. Foca nesse documento e arrasa como sempre.
Saiu airosa como sempre. Nunca conseguiria terminar a leitura daquele calhamaço em meia hora. Concluí desolada que faltaria na terapia. Mais uma pontada no estomago...
***
Algumas simples mudanças na rotina podem causar grandes revoluções. Há algumas semanas corria todos os dias antes do sol nascer e sinceramente não sei como é que um dia eu preferi correr no final do dia, ou ás vezes, nem isso. Meu dia corria muito melhor, minha tolerância para as pessoas aumentava e meu corpo agradecia.
Era comum cantarolar logo cedo e rir das minhas distrações. Ah, sem contar que tinha mais tempo para fazer meu café de rainha e disposição para degustar tudo que colocava na mesa.
Olhei o relógio e ainda tinha tempo de sobra para fazer a lista de tarefas de Guima. Ela tinha tirado alguns dias de férias e sempre voltava com a cabeça no ar. Ah, que delicia que seria chegar em casa ao final do dia e estar tudo arrumado e cheiroso e não ter sido eu a limpar. Eu gostava de arrumar a minha casa, mas agradeço pela Guima na minha vida. Meu telefone gritou algures e com certeza era ela avisando que já estava a chegar. Ela tinha as chaves e não precisava me informar de nada, mas e convencê-la do contrário? De chávena de café nas mãos, saí pela casa atrás do bendito telefone. Fui encontra-lo na varanda. Sentei-me para apreciar a beleza dos raios de sol, enquanto lia as mensagens. Não era Guima. Meu coração acelerou o que não fazia o menor sentido. Fedra me mandava mensagens todas as manhãs, já deveria estar acostumada. Não estava. Era sempre um evento para o meu pobre coração e eu sempre me repreendia e voltava a experimentar a mesma coisa na manhã seguinte.
"Bom dia! Estou cá e gostaria de passar pelo menos uma hora contigo. Podes?"
Entornei o café na mesa e por pouco não sujei minha roupa de trabalho. O telefone voou das minhas mãos e só não se espatifou no chão porque sou uma mulher de bons reflexos.
"Estás cá...onde?"
"Cidade do Mindelo, ora essa. Rsrsrs"
Engoli em seco várias vezes. Ela tinha me antecipado e agora eu não sabia como agir. Estava nos meus planos aparecer na Praia e...deixar a vida se encarregar do resto. Não conseguia mais lidar com falta física dela. Quanto mais nos falávamos, mais eu queria estar com ela, tocá-la...e agora ela estava cá?
Ah, mas a Fedra é essa pessoa... dada a rompantes e eu sempre adorei. E ela dizia, meus rompantes programados e caíamos na risada. Quase apaguei a mensagem dela de tanto que meus dedos tremiam.
Ensaiei muitas respostas, apaguei todas. Fiquei parada por alguns minutos, sem saber o que fazer. Meu coração gritava nos meus ouvidos.
"Onde estás?
Finalmente reagi.
***
Saí de casa às pressas e esqueci as chaves do carro em ciam do sofá. Voltei e bati a canela na quina da mesa, praguejei por duas gerações e saí correndo. No carro, me dei conta que não tinha meu sapato para dirigir, é que eu não tenho destreza para dirigir de salto alto e justamente nesse dia, tinha inventado de usar um dos meus saltos. Porr*, Sabrina, tu nunca usas salto e justo hoje que precisas correr? Respirei fundo para me acalmar, não podia chegar à frente dela nessa inquietação. Fedra era calma, dona da situação, ahhh como eu adorava essa maneira de ser dela. Alguém buzinou e me dei conta que estava parada no meio da avenida. Soltei uma gargalhada alta. Precisava me acalmar. À frente do hotel é que me dei conta da coincidência, Zaina era rececionista ali. Tomara que não estivesse a trabalhar...
Ah, meu anjo estava de férias, Zaina me viu e abriu um sorriso.
-Sabrina! Que bons ventos a trazem. Saudades tuas...
Sorri de forma discreta, já que ela parecia ter esquecido que estava no desempenho das suas funções.
-Nunca mais me ligaste...não consigo esquecer a última vez...
Fui salva por um grupo de hóspedes. Olhei para todos os lados e nem sinal de Fedra. Claro que não, por acaso eu tinha avisado que já lá estava? Respira, criatura.
Os hóspedes se dispersaram e Zaina voltou a concentrar a sua atenção em mim.
-Poderia passar mais tarde...o que achas? Estou com muitas ideias...
Eu não ouvia nada do que ela dizia, ainda mais que achava inadequado aquele comportamento na receção de um hotel. Ouvi o barulho de uma porta se abrindo e olhei para o lado. Ela tinha acabado de sair do elevador panorâmico. Usava um vestido midi acinturado e solto no corpo, o cabelo preso, pouca maquiagem, simples, mas o lobby pareceu encolher com os passos dela. Eu babei, Zaina pasmou e qualquer ser humano de bom gosto que por ali passava deve ter feito a mesma coisa.
-Olá! - Sorria.
-Então é verdade...- Sorri de volta, meu corpo inteiro tremia.
-É uma história longa...tens tempo para um café? - O sorriso dela prendia toda a minha atenção.
Ela nem esperou minha resposta e com a mão na minha cintura me conduziu ao bar do hotel com vista para o mar. Meus pés flutuavam pelo piso e a mão dela na minha cintura parecia trepidante.
Sentadas, nos encarávamos como quem não acreditava naquela realidade. Sorrimos nos devorando. Eu ri, precisava extravasar.
-Como é que se dá essa tua presença inesperada na minha terra? - Não conseguia desviar meus olhos da figura dela.
-Antes de qualquer coisa, um detalhe importante: tinha dito que só queria uma hora... mas enganei-me. Quero o dia inteiro. Podes dar um jeito de me ajudar? - O olhar suplicante dela quase me levou para outra galáxia.
-Posso mexer meus pauzinhos...- Pensei rapidamente nos meus dias off. Ainda que não tivesse combinado nada com Lúcia, eu não colocaria meus pés naquela agência.
-O dia todo juntas?
-Se nos aguentarmos...sim.
Rimos, completamente descontraídas.
-Lembras do casamento da minha prima em Santo Antão?
-Sim...uma das filhas da dona da casa maravilhosa em São Miguel.
-Isso, boa memória! O casamento é no próximo mês e coube à minha mãe vir a Santo Antão verificar o andamento dos preparativos e eu vim como suporte. Pobre da minha mãe que faz tudo por essas irmãs malucas dela. Passamos dois dias no meio de montanhas e no último dia, estivemos isoladas do mundo, num lugar remoto, sem rede. Quem é que casa num lugar assim?
Rimos às gargalhadas.
-Minha mãe foi embora hoje logo cedo e eu como tinha algumas coisas para resolver, resolvi ficar mais um dia...
-Hmmm...
-Tu não vais nos visitar na Praia, eu vim...quero passear. Leva-me para visitar as belezas da tua ilha. Não venho para cá há bastante tempo...
-Hmmm e depois a ingrata sou eu...
-Nem sabia que estavas por aqui...mal soube, cá estou...
Rimos cada vez mais soltas.
O sol discreto entre as nuvens parecia cúmplice daquele encontro inusitado e que requeria calma. Ambas estávamos hesitantes apesar da aparente desenvoltura.
-Quando vais embora?
-Hã? Já me queres longe daqui? - Riu da minha cara de espanto.
-Claro que não, sua doida. Quero saber quanto tempo temos...- Meu coração batia numa cadência louca.
-Amanhã cedo...temos quase 24 horas. Achas que consegues me aturar?
-Fedra, queres um abraço? - Provoquei rindo.
Ela me surpreendeu com um abraço apertado e montes de beijos pela face. Atordoada e quase levitando apertei-lhe a cintura colando nossos corpos.
Dentro do carro, ela riu da minha falta de jeito para dirigir com os saltos e riu mais alto ainda quando tirei os sapatos.
-Queres que eu dirija? Os sapatos deixam-te mais sexy ainda, mas são inimigos dos pedais.
-Minha ilha, minhas regras.
-Hmmm, não vou me esquecer disso.
Trocamos um sorriso carregado de palavras não ditas.
Nos perdemos pelos recortes da ilha de São Vicente, numa viagem cadenciada com risos, silêncios cúmplices e muita música. Perto da hora do almoço paramos na baía das gatas e a doida informou-me que daria um mergulho. Era tudo o que eu queria, mas como se até à ligação dela, estava pronta para encarar um dia de trabalho. A praia deserta era um convite tentador para muitos mergulhos na água cristalina. Ela tirou o vestido e por baixo tinha um fato de banho verde. Correu para o trampolim com uma criança feliz e eu olhei para os lados para me certificar que ninguém me olhava. Apesar do areal estar praticamente deserto, havia pessoas além nos restaurantes, na sua maioria, trabalhadores. Agradeci pela minha lingerie escura e pela ousadia que insistia em tomar conta de mim. Nadei até o trampolim e ela parecia não acreditar.
-Bendita a hora que decidi ficar. - Gritou me enchendo de água.
-Ah pois, excelente decisão.
-Sabrina, estás a nadar nua? -Provocou.
-Claro que não! Não vês meu sutiã? Estou de lingerie...maluca, eu sei, mas não resisti...
-Alterei completamente a tua rotina...
-Melhor decisão da tua vida, reitero.
Mergulhamos para o fundo do oceano. Apesar de estar dentro de água, meu corpo queimava...
Ficamos por ali durante algum tempo até que fomos vencidas pela fome.
-O que queres comer?
-Peixe grelhado, uma boa taça de vinho e sorvete.
-Vão me chamar de doida em qualquer lugar que apareça com traje executivo, toda molhada, descabelada e descalça...
-Linda...se soubesses como estás linda...ah, mulher...podemos comer numa tasca...
Ri alto.
-Tu nunca mudas. A mulher que vai de um restaurante com estrelas Michelin a um botequim de esquina com a mesma desenvoltura.
-E tu me adoras, por isso.
Só me restou assentir. Ela estava coberta de razão.
Comemos num restaurante pequeno e simples à beira mar. Fedra elogiou a comida desde a entrada ao prato principal. Devo confessar que mal prestei atenção ao tempero, minha atenção estava toda virada para a mulher. Na minha cabeça, mil fantasias. Sabia que provavelmente não passariam disso, mas como era bom devanear.
-Vamos tomar sorvete?
-Vamos!
Caminhamos até uma sorveteria de praia e finalmente prestei atenção no que comia. Não obstante, deixei escorrer uma linha de sorvete pelo meu braço.
-Ela continua a mesma desastrada com sorvete. - Riu alto.
-E tu continuas a rir de mim. - Sorri enquanto tentava me limpar.
Nossos olhares cintilantes se cruzaram e ficamos. Ela sorria e eu queria desenhá-la nos mínimos detalhes.
Meu telefone, apesar de estar no silencioso, dava sinal de vida a cada meia hora. Nem me dei ao trabalho de ver, claro que era Lúcia. Enviei uma mensagem avisando que não iria. Sem muitas explicações, eu trabalhava demais...
-Já abusei muito de ti? - E me olhava com aqueles olhos brilhantes.
-Depende...se me pedires para mergulhar a essa hora, não vou. O resto...
-Sabrina, olha que o resto é amplo...depois não quero reclamações e nem caras de espanto.
Ri às gargalhadas.
-O que é que tu queres? - Olhei-a com minha expressão mais languida e foi sem qualquer premeditação.
Ela mordeu a boca e fez um bailado com o olhar que foi de cima a baixo na minha figura até desviar para o oceano.
-Neste momento, quero beber alguma coisa contigo de frente para o Monte Cara.
E lá fomos nós para um spot que eu adorava e que tinha a vista mais privilegiada da baía do Mindelo e consequentemente, do Monte Cara. Mais uma vez, quase não tinha gente, o que era maravilhoso. Podíamos conversar, rir à vontade ou apenas observar. Começou a tocar Bésame de Alejandro Sanz e Shakira e a doida começou a dançar...para mim. Devo ter ficado vermelha e não era de vergonha. O calor que me subiu pelo corpo pegaria fogo numa cidade inteira...ela me puxou para dançar e não me fiz de rogada. As mãos dela pelo meu corpo, como quem não queria nada...como não, se as mãos ardiam? Mordi a boca quando ela me rodou e de repente o corpo dela grudou no meu por trás. Ela riu nos meus ouvidos e minha pele se arrepiou...
-Ainda arrasamos numa pista.
-Hum-hum...
Ouvimos palmas de duas moças que atendiam no bar. Tomamos mais um gin e de repente o sol se punha. Admirámos o espetáculo da natureza em absoluto silêncio. Saímos de lá já era noite. Eu não queria que aquele dia acabasse, mas o medo de fazer alguma coisa que estragasse o clima, me mantinha expectante.
-Acho que precisamos de um bom banho...minha pele está toda ressecada.
-E com um bronzeado perfeito. - Sorri.
-Sim, essa é a melhor parte. Um dia de praia em plena semana de trabalho. Apronto e ainda te levo junto.
Rimos muito.
-Queres que eu te deixe no hotel? - Se isso significasse o fim do dia, quem não queria era eu.
-Preciso de roupas limpas e de um banho. Sabrina, onde foi parar a tua hospitalidade?
-Hmm?
-Não vais me dizer que o que dizem sobre gente de São Vicente é verdade?
-Queres ir para a minha casa? - Finalmente desci para a terra. Queria tanto que não ousava pensar...
-É o mínimo que se espera de uma amiga. Estou convidada?
-Como tu és dramática! Claro que estás convidada para o meu humilde apartamento.
Rimos juntas.
-Passamos no hotel rapidamente e depois sou toda tua. - Brincou.
-Olha....
Rimos mais uma vez.
-Posso tomar banho? Não aguento mais o sal no corpo...
-Claro que sim. Eu posso esperar no carro, ou na receção...
-Hmmm, a moça da receção vai adorar....
-Zaina? - Ah, essa minha boca...
-Ah, tu a conheces? Claro...ela me pareceu querer saltar-te para cima...
-Como é que sabes disso?
-Elevador panorâmico. - Sorriu piscando o olho.
-Eu te espero no carro. Não demores.
***
-Não tem nada nessa casa para comer?
Ri enquanto ela me indagava com as mãos na cintura.
-Meu bem, eu não estava à espera de tão ilustre visita. - Fiz vénia e caímos na risada.
-Estou com fome!
-Sabrina, passaste o dia a comer!
-Tu não tens fome?
-Pensando bem...mas não tenho nada em casa.
-Nem spaguetti instantâneo?
Ri alto.
-Eu não almoço em casa, e ainda não fiz compras. Podemos pedir alguma coisa. O que tu queres comer?
-Meu amor, até massa instantânea.
Risos.
-Sushi? Tem um delivery excelente.
-Sim! Confio na tua avaliação.
-Vou tomar banho, tens aqui o número. Eles já me conhecem e não precisas dar informações de endereço.
-Demoram?
-Não sei...não costumam demorar...
-Peço o quê?
-Para mim, hot rol atum picante e uramaki de salmão. Vinho eu acho que tem no frigorifico e na despensa...se bem que já bebemos demais, ou não?
Ela riu e nem me respondeu. Fui tomar banho com borboletas nas solas dos pés.
Devo ter demorado no banho porque quando regressei para a sala, ela já tinha improvisado uma espécie de mesa de restaurante na minha mesa de canto com todas as iguarias que tinha pedido.
-Hmmm, estou com fome!
Ela sorriu e me entregou uma taça de vinho. Brindamos e sentamos no tapete perto da mesinha de canto. Depois do jantar e mais relaxadas, conversávamos sobre assuntos triviais. Ela contou-me toda a odisseia com a mãe nas montanhas de Santo Antão, falou da filha que estava num impasse se ia ou não para os Estados Unidos, já que tinha acabado de ganhar uma bolsa de curta duração na França.
-O pai dela mora lá e por isso o dilema, ela quer passar algum tempo com ele e com os irmãos menores...
Falei um pouco do meu trabalho, do quanto me consumia, da terapia...não tinha muito mais para falar...
-Por que ficaste tanto tempo em silêncio depois que regressaste da Praia?
A pergunta pareceu-me fora de contexto ou não estava preparada para ela.
Respirei fundo e encarei-a. Não sabia o que responder sem parecer idiota...e idiota era tudo que não queria ser.
-Tu poderias ter sido mais incisiva...- Saí pela tangente. Não era o que queria, mas sempre me salvava.
Foi a vez dela me encarar. Os olhos quase me engoliram, mas não me senti invadida.
-Viraste a minha vida pacata de cabeça para baixo...- Sussurrou. - Pensei, ela vai embora, nunca mais dá sinal de vida, que é o que fazes e eu esqueço. Precisava esquecer...
-Não esqueceste, assim como eu me lembrei todos os dias, mas faltava-me coragem...tu me intimidas...me atiças e ao mesmo tempo tenho medo...- Foi minha vez de sussurrar. - Tenho medo de confundir as coisas e estragar uma amizade tão especial...
-Uma coisa não exclui a outra...passamos um dia perfeito como amigas, ainda que muitas vezes quis beijar-te...- Suspirou.
Servi mais vinho nas nossas taças e coloquei minha playlist para tocar. Voltei a me sentar no chão com uma sensação que estava no melhor lugar do mundo. Olhei para ela que me encarava sorrindo. Rimos. Que bom que ela estava tão nervosa quanto eu. Deitamos no tapete e passamos a falar de música, dos shows que queríamos ver. Relaxada, ela deitou a cabeça no meu colo. Cheirei-lhe o cabelo e apertei os olhos para não esquecer. Tocava Till the morning de Haevn com Lily Meola e eu cantarolava baixinho.
-Já foste ao show deles?
-Ainda não...um dia eu vou...
-Dizias que ias casar em Amsterdam e que eles tocariam na festa...
Rimos muito e nos aconchegamos mais um pouco. As coisas que ela lembrava...
Fui surpreendida com uma mão acariciando minha barriga e parei de respirar. A hesitação dela me deixava completamente louca. A mão subia e descia e minha respiração acompanhava a dança. Eu não usava soutien e a mão ganhou mais ousadia. Apertei meus olhos para não voar nela. Abri os olhos e ela estava a escassos centímetros do meu rosto. A mão continuava a acariciar meu seio e a boca clamava por beijos. Beijei-a devagar...devagar...ela subiu em cima do meu corpo e a puxei. O beijo já era sôfrego e minhas mãos a puxavam cada vez mais para mim. Que delicia!
-Tem uma cama por aí? -Ela perguntou com a boca colada na minha.
Rimos. Uma mistura de desejo pulsante com muito nervosismo. Levantei devagar e a trouxe comigo para o meu quarto. Fechei a porta e me encostei nela. Voltou o medo de estragar as coisas, ainda mais com a vontade dela que só aumentava. Ela sentou na cama e me chamou. Beijou-me devagar. Eu ia enlouquecer. A boca dela era quente e a língua...acho que já falei desse detalhe, mas a língua dela é um convite à perdição e como sabe usá-la. Ela me empurrou um pouco e me encarou numa mistura de seriedade com sofreguidão. Quase perdi o ar...
-Disseste que havia outras possibilidades sem...-Ela tremia. Beijei-a com ternura.
-Confias em mim?
Ela não disse uma palavra, nem precisava. Beijei-lhe a boca, o pescoço, descendo pelos braços, cintura, barriga...minhas mãos passeavam pelas pernas dela todas arrepiadas, subiam até á cintura e puxavam-na mais para mim. Minha boca fez o mesmo trajeto das mãos, a pele quente dela arrepiava a cada toque mais ousado e os gemidos...não havia resistência, sobrava desejo. Toquei-a com carinho no meio das pernas, a recetividade aumentou meu desejo e demorei...demorei...me deliciei enquanto ela estremecia e gemia alto apertando a minha cabeça. Meu corpo tremia de desejo a cada reação clara do prazer dela...fiquei...intensa...ela gem*u alto, arqueou o quadril e apertou minha cabeça com as pernas até desfalecer. Pousei minha cabeça na sua barriga, enquanto o corpo dela era sacudido por espasmos. Experimentei uma sensação de plenitude...intimidade...vontade de ficar ali...abracei-a com braços e pernas. Ela acariciava minha cabeça, meus cabelos desalinhados enquanto a respiração voltava à normalidade. Puxou-me para ela e minha boca foi engolida num beijo intenso. A língua dela passeava pelos meus lábios, bochechas e ela gemia. O desejo gritava e eu a queria mais e mais...deslizei mais uma vez para o meio das pernas dela e dessa vez não consegui me demorar. O prazer veio a galope...o meu...o dela...o nosso...explodimos com gritos roucos...
Fim do capítulo
Às que gostam de capítulos menores, im sorry...me empolguei rsrsrs. O próximo ha de vir menor...ou não.
Abraço e boa semana.
Comentar este capítulo:
Nenete
Em: 18/09/2025
Até que enfim, aconteceu. Lindo capítulo.
Tu escreve muito bem, mulher, só não nos abandone!
Ansiosa pelos próximos capítulos. Se cuida! ???? ????
Nadine Helgenberger
Em: 23/09/2025
Autora da história
Muito obrigada.
Bjs
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brunafinzicontini
Em: 16/09/2025
Que sonho! Lindo, lindo! Uma surpresa maravilhosa! E sua terra é um cantinho privilegiado por Deus para um cenário perfeito! Maravilha, Nadine! Tudo perfeito - os lugares, a música, o passeio - tudo delicioso! Só a Lúcia desafinando com sua falha imperdoável, não dando os créditos à Sabrina em seus trabalhos.
O capítulo está de bom tamanho, querida! Não há por que se desculpar... Que o próximos não seja menor, por favor!
Boa semana. Beijos,
Bruna
Nadine Helgenberger
Em: 17/09/2025
Autora da história
Gostei desse capítulo em particular rsrsrs, calhou que eu estava inspirada rsrsrs
O próximo há de ser menor para o bem das mãos da autora rsrsrsrs. Que a Deusa das letras me dê juízo!
Muito obrigada.
Bjs
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MalluBlues
Em: 16/09/2025
Maravilha de capítulo!
Nadine Helgenberger
Em: 17/09/2025
Autora da história
Muito obrigada!
Bjs
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HelOliveira
Em: 15/09/2025
Tamanho do capítulo ótimo....Fedra e Sa finalmente se entregando adorei...
Sempre achei meio estranha essa Lúcia...
Nadine Helgenberger
Em: 17/09/2025
Autora da história
Rsrsrsrs, eu exagerei bastante e até as mãos que não doíam hás bastante tempo, deram o berro.
Muito obrigada por comentar.
Bjs
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NovaAqui
Em: 15/09/2025
Uau!
Capítulo perfeito: perfeito no tamanho, perfeito no momento Catarina, a Estagiária, perfeito com Fedra .
Muito bom, NH! Muito bom
Só não foi perfeito com Lúcia não colocando o nome da Sabrina nos projetos. "Espertinha" essa Lúcia
Nadine Helgenberger
Em: 17/09/2025
Autora da história
Que bom que gostaste ;)
A Lúcia é...aguarde.
Muito obrigada por comentar.
Bjs
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Nadine Helgenberger Em: 23/09/2025 Autora da história
Muito obrigada.
Bjs