Capitulo 9
Atordoada e com uma sensação de dor já velha conhecida, comecei a arrumar tudo entre a cozinha e a varanda. Eu tinha essa mania de cuidar da limpeza quando estava com a mente baralhada. Na varanda, enquanto recolhia as garrafas e taças, fui invadida por memórias da minha vida em que ser útil era a única coisa que podia fazer para tentar agradecer o lar que me abrigava. Não sei por que essas memórias nem sempre boas teimavam em me visitar. Achava que já tinha controlo de tudo e que cada coisa estava bem arrumada na sua respetiva gaveta. Não estava. Precisava voltar para a terapia. Larguei tudo por falta de tempo. De tempo para mim. Sentei numa cadeira e me permiti desaguar em lágrimas. Há muito tempo eu não chorava com o intuito de esvaziar. Às vezes, eu só queria que alguém cuidasse de mim...lá estava eu com 11 anos e tendo que assumir um papel que não era meu. Não sei quanto tempo fiquei naquele estado reflexivo, mas quando levantei para terminar a arrumação, a casa permanecia em absoluto silêncio.
Quando tudo estava na mais completa ordem, ainda sem saber o que fazer, pensei em ir embora. Talvez fosse a atitude mais sensata a tomar, mas meu coração não ficaria tranquilo. Eu não sei em que momento comecei a ouvir a porcaria do coração, mas não podia apenas bater a porta e ir embora. Não com uma pessoa que me tratava tão bem e com quem eu me sentia tão...não sei ao certo definir o que sinto quando estou com a Fedra, mas é como se não precisasse estar sempre no controlo das minhas ações...sei lá.
Ela só poderia estar num dos quartos. Abri a porta que estava fechada da maneira mais subtil que me foi possível. Apesar da luz fraca, pude vê-la sentada num canto. O silêncio me intimidava, mas aproximei-me tentando concentrar nos meus passos hesitantes. Respirei fundo, esfregando minhas mãos até sentir calor. Ela tinha mudado de roupa, vestia um short jeans e uma camisa. O vestido estava num canto e ele parecia me repreender.
-Fedra...- Chamei-a quase num fio de voz. Aproximei-me devagar da cadeira.
-Pensei que tivesses ido embora...- Respondeu-me no mesmo tom.
-Nunca faria isso...aproveitei e limpei a bagunça do nosso jantar. Da cozinha à varanda, está tudo perfeito.
-Já percebi que quando estás nervosa, o teu escape é limpar tudo. - Sorriu.
-Hum-hum...- Sorri de volta e me aproximei um pouco mais.
Nossos olhares se cruzaram e eu me senti tão próxima dela. Não experimentei aquele redemoinho do desejo que me consumia, mas uma conexão ainda mais profunda. Ela parecia sentir a mesma coisa, até que desviou o olhar.
-Que somos muito boas numa pista de dança, eu já sabia, mas acabo de descobrir que temos outros talentos. -Disse Fedra sorrindo.
-Hmmm?
-Exímias na arte de beijar!
Rimos juntas e eu senti minha face arder. Graças aos céus que a luz do quarto era fraca.
A brincadeira dela foi um excelente quebra gelo. Aproximei-me e sentei aos seus pés. O silêncio já não me constrangia, eu apenas tentava encontrar a melhor abordagem...
-Há bocado...eu fui depressa demais? - Eu precisava entender.
Fez-se um silêncio que mais uma vez não foi cortante. Eu diria que explodia cumplicidade se é que fazia algum sentido...
-Não...- A voz dela continuava quase um sussurro.
-Me perdoa se eu entendi tudo errado... devo ter bebido demais e...desculpa, não queria que nosso reencontro terminasse assim...- Interrompi minha fala para não cair num choro que me pareceu patético.
Ela não dizia nada, apenas me olhava com uma expressão que me incitava a desnudar-me.
- Eu devo ter confundido tudo...culpa do vinho, da tua comida deliciosa, dessa casa linda, da atmosfera, da nossa dança...
-E da minha vontade de te beijar desde o momento em que ansiosamente te esperava chegar...- Ela interrompeu meu raciocínio com uma veemência que me calou.
-Então, o que eu fiz de errado? - Estava confusa, ansiosa por entender o que falhara.
- Até agora, nada. Tens sido um festival de acertos e...- Respirou fundo e tinha os olhos marejados.
Aproximei-me um pouco mais e toquei-lhe os joelhos. Não queria que ela se sentisse desconfortável.
- Eu...eu fui além dos meus limites exatamente por ser tão fluído...tu me olhas como se eu fosse inteira, eu me sinto tão viva que...
As lágrimas que ela tentava segurar, caiam livremente pela sua face. Sem saber o que fazer, limitei-me a estar ali, de corpo e alma, atenta a cada fragmento de emoção que as palavras e sobretudo as expressões dela revelavam.
- Entre tantas outras coisas, a doença me deu uma cicatriz enorme na minha mama esquerda...uma parte de mim foi embora...eu não consigo que me olhem, ou que me toquem...eu não consigo...- As lágrimas vieram intensas.
Eu queria tanta coisa, mas fiquei abraçada aos joelhos dela.
-Eu tenho uma relação, já te falei disso...-Olhou-me expectante.
-Sim...
-Nunca fomos atletas sexuais, mas antes do meu diagnóstico, as coisas aconteciam com alguma regularidade... Depois de tudo...demorou muito até eu conseguir ter sex* e...- Ela soluçava.
-Não precisas dizer mais nada...-Levantei-me do chão e abracei-a por trás da cadeira.
-Eu preciso falar para não sufocar...sex* é esporádico e...e é apenas para lhe dar prazer...
Levei um soco no estômago. Eu não concebia sex* sem prazer. Nunca!
-Sempre no escuro porque de outra forma não consigo...sem muitos toques...eu não vejo nada, não sinto nada...só quero que acabe logo...- Suspirou.
-Por que manténs essa relação? - Me surpreendi com minha pergunta. Não controlei o impulso de tirá-la daquele marasmo. Minha essência discreta e comedida quando o assunto era a vida dos outros estava em metamorfose.
Ela me olhou como alguém que procura sentido no que vai dizer.
-A culpa não é dele...com qualquer pessoa que eu vá me relacionar sexualmente será assim...pelo menos até conseguir me sentir inteira. Tive que reformular tanta coisa na minha vida e acho que por ser uma relação à distancia, eu ainda não tive necessidade de debruçar sobre essa parte da minha vida...mas não são apenas agruras, pelo menos ele não mora comigo e não preciso me atormentar sempre...
Estreitei ainda mais o abraço e ela se desfez num choro convulsivo. Mais uma vez perdi a noção do tempo...
-Sabrina, nada me pareceria estranho, se eu não tivesse sentido uma vontade doida de me dar por inteira... tenho medo que sintas repulsa dos meus remendos.
Num instante estava à frente dela segurando a sua face entre as minhas mãos. Ela apertou os olhos como quem não queria ser vista.
-Ei...- beijei-lhe a testa, os olhos, as lágrimas. - Tu és linda...linda...linda...remendos todos nós temos, eu mesma, sou toda remendada...remendos na alma...
Choramos juntas. Minhas dores represadas atravessaram a grade ilusória que as mantinha distantes e me atropelaram.
- Esse nosso reencontro parece roteiro de série. - Ah os rompantes providenciais da Fedra.
Rimos juntas.
-Tanta coisa em tão pouco tempo...
-Pois é, e amanhã já vou embora...
-Será que haverá uma segunda temporada?
Gargalhadas entre lágrimas.
-Adoro o teu sentido de humor! - Muita coisa mais me encantava, mas o humor em particular.
-E eu adorei o nosso jantar com todas as suas nuances...
-Uma loucura e já é tarde...- Nem sabia que horas eram, mas com certeza era bem tarde.
-Hum-hum...
-Podes chamar teu táxi de confiança para me levar?
-Ou podes dormir aqui...já dormimos juntas e sabes que não ronco. Ronco?
É claro que eu ri até quase ganhar gominhos na barriga. O humor dessa mulher tem me salvado de me sentir inadequada.
-Sabrina, já passa das duas da manhã! - De pé, ela olhou-me admirada enquanto conferia as horas no relógio da mesa de cabeceira.
-Sim, bem tarde.
-Temos de dormir. A que horas é o teu voo amanhã?
-Final da tarde...
***
Eu achava que ia dormir no quarto dela e acredito que ela também num primeiro impulso tenha cogitado essa possibilidade. Mas o bom senso sempre foi um traço forte do caráter dela e fui direcionada ao quarto da filha. Confesso que me senti aliviada. Não que dormir com ela fosse um inferno. Inferno seria não extrapolar e era tudo que não queria, depois de ouvir o relato sincero e carregado de fragilidades...
- É melhor dormires aqui, por que apesar de eu não roncar, tenho mil rituais que faço antes de dormir e não quero te incomodar.
Eu sabia que era desculpa e ela sabia que eu sabia. Adorava essa nossa conexão...sorri. Segurei as mãos dela entre as minhas e beijei demoradamente.
-Boa noite! - disse.
Lançou-me um olhar hesitante e depois de um longo suspiro, deixou o quarto.
Sozinha, permiti que toda minha confusão mental viesse á tona. Meu coração gritava de saudade dela. Meu corpo queria o calor, os arrepios, a vontade doida de me entregar ao prazer e sobretudo, dar-lhe todo o prazer do mundo. Que insensatez! Há muito aprendera a minha lição, sem apegos, sem sofrimento. E eu já sofri tanto nessa vida...exatamente por me apegar a migalhas de afeto. Fui invadida por emoções que já considerava apagadas dentro de mim. Abraçada a um travesseiro, aliviei minha alma com um choro que misturava dor e uma vontade de experimentar emoções diferentes...
Mais calma, mas ainda sem conseguir me render ao sono, vi a porta do quarto ser aberta e a silhueta de Fedra entrar na ponta dos pés. Suspendi o ar por instantes e fingi que estava a dormir. Ela deitou na ponta da cama e também pareceu não querer ser notada. O bater do meu coração me ensurdecia. Não demorou muito e ela se aconchegou em mim soltando um longo suspiro. Me senti uma vela derretendo.
-Estás sem sono? - pergunta idiota, mas eu precisava soltar o nó da minha garganta ou sufocaria.
-Parece que somos duas...
Rimos mais relaxadas. E eu a acolhi nos meus braços. Era tão bom...
- Mesmo correndo o risco de me achares uma doida, que não sabe o que quer, eu vim para cá...não consegui ficar no meu quarto...
Fiquei em silêncio. Queria absorver tudo dela.
- Eu não estou preparada para fazer sex* contigo...eu quero muito, mas eu sei que não consigo, mas eu não quero perder a chance de estar assim...é tão bom...eu não entendo o que acontece quando me olhas ou quando estou encostada no teu corpo, mas a sensação que tenho é que há infinitas possibilidades...
Soltei o ar lentamente. A cada segundo, meu mundo ficava mais complicado e paradoxalmente, mais excitante...
-Eu não posso me dar ao luxo de perder tempo, deixar para depois...ainda mais que não sabemos quando voltarás por esses lados...
Eu ri e ela me olhou nos olhos. Num impulso, beijou rapidamente a minha boca e logo voltou para o meu colo. Eu demorei a respirar cadenciadamente.
-Não precisas ter qualquer tipo de receio. Eu não vim para cá para passarmos horas fazendo sex*. Nem passou pela minha cabeça...eu gosto de estar contigo...gosto do que causas em mim... as coisas saíram um pouco do controlo e...se um dia desses voltarmos a nos encontrar e esse fogo de há bocado voltar a atiçar, temos muitas opções que com certeza te deixarão mais confortável ou a opção de simplesmente ficar assim...é tão bom.
A resposta dela veio na forma de um aconchego ainda mais estreito contra o meu corpo. Beijei-lhe a cabeça com toda a ternura que me cabia, até ela pegar no sono. Não demorou muito e também fui agraciada com um sono profundo.
***
Abri meus olhos para dar ainda mais intensidade ao meu desconforto. Tudo naquele quarto pareceu-me fora de ritmo, assim como era a sensação do meu corpo naquela cama. Respirei fundo sei lá quantas vezes para tentar organizar minhas próximas ações. Ah, que falta das minhas aulas de yoga seguidas de meditação. Precisava voltar. Precisava tomar conta de mim. Estiquei meus dois braços por toda a extensão da cama, apenas para confirmar o que já sabia. Que grande confusão e eu tentando não meter os pés pelas mãos. Meu script para driblar emoções claramente precisava de atualização.
Rolei para a beira da cama e me sentei tentando equacionar meus próximos passos. A única certeza que tinha era que não queria me afastar dela. Tudo estava sendo tão mágico...
-Ah, Sabrina, para. Não voltes a entrar no mundo de ilusões que já conheces tão bem e onde os unicórnios no fim são serpentes traiçoeiras e altamente venenosas.
O cheiro de café fresco invadiu o quarto e decidi que já era hora de enfrentar o mundo. Minha desenvoltura da noite anterior já não era a mesma e caminhei pelo apartamento quase como uma intrusa.
Finalmente vi-a sentada na varanda, de pijama e com o olhar perdido no horizonte.
-Bom dia! - Minha voz soou rouca.
-Bom dia! Ainda é cedo, podes dormir mais um pouco...se quiseres.
O tom dela gritava uma distância que na noite anterior não teria feito o menor sentido.
-Queria tomar banho...se possível.
-Claro! Tens toalha limpa sobre a minha cama e no banheiro tem tudo o que precisas.
Sorri me sentindo uma peça de puzzle mal colocado e me arrastei pelo apartamento.
***
Demorei algum tempo debaixo de água à espera que um raio de assertividade me atingisse. Depois do banho, já com a mente mais desperta e recomposta, voltei à varanda. Ela estava no mesmo lugar, mas vestida para trabalhar. Que mulher elegante! Servi-me de uma chávena de café que fumegava na cafeteira.
-É uma bênção poder acordar com essa vista...- Disse a primeira coisa que me veio à mente.
-Tenho consciência desse privilégio...essa vista já me salvou algumas vezes...- Ela suspirou e bebericou o café.
-Está tudo bem? - Mais uma vez me surpreendi com a minha pergunta. Eu não fazia muitas perguntas exatamente por medo de não saber lidar com as respostas. A superficialidade na vida me caia tão bem...
Ela olhou-me e imediatamente desviou o olhar para a chávena de café e em seguida perdeu-se no horizonte. Respirou fundo e eu senti um redemoinho no meu estomago e não era fome.
- Eu acho que esperava uma coisa, aconteceu outra e agora não sei como lidar...
Foi minha vez de perder o olhar algures no horizonte azul à minha frente. O redemoinho no estômago subiu-me pela garganta.
- Eu te revelei minha dor mais profunda, a parte mais feia de mim e ainda estás aqui...não faz sentido. - A fala dela saiu entrecortada e no olhar carregava uma dor inequívoca.
Pousei a chávena de café e respirei fundo. Precisava acautelar as minhas palavras para mais uma vez não meter os pés pelas mãos. Era tudo que não queria.
- Sabe, Fedra, desde o nosso reencontro, eu tenho me sentido como uma folha de árvore voando no vento, sem saber onde vai parar...a brisa leve me leva e eu vou...tenho ido...- Respirei fundo três vezes seguidas para concatenar as ideias.
Ela me encarou. Tinha tanto sentimento confuso naqueles olhos grandes e belíssimos.
-Tenho pensado bastante e... cheguei à conclusão que naquela época, construímos uma relação forte de amizade que eu poucas vezes tive na vida.
-Sim...
- Pode parecer que eramos amigas apenas de farra, mas me veem memórias de coisas que passamos juntas que simbolizam amizade, elo forte entre duas pessoas...
O olhar que ela me dirigia agora era outro, parecia carregar emoções menos conflituosas.
-Isso tudo para te dizer que o que chamas de exposição da tua dor, da parte mais feia de ti, para mim foi a coisa mais honesta que alguém me mostrou nos últimos tempos. - Soltei o ar com força.
-Eu não sei o que fazer com isso... -Pela face dela corriam lágrimas.
-Nem eu...- Foi minha resposta mais sincera ainda que num fio de voz.
Instalou-se um silêncio entre nós quebrado pelo som de pássaros que voavam em direção ao mar.
-Queres eu vá embora? - Eu não queria ir, mas mais importante era o conforto dela.
-Preciso ir trabalhar! - Levantou-se num rompante e eu a acompanhei. Nos encaramos por alguns segundos e quase mandei meu resquício de sobriedade às favas. Que vontade doida de abraçá-la e ficar.
-Almoçamos juntas mais tarde? Já tens a mala pronta... - Ela sorriu e nos olhos pude ver ansiedade misturada a outra coisa que não pude distinguir. Apenas assenti com a cabeça. Minha fala não traduziria qualquer vislumbre de coerência.
***
Nosso almoço foi num espaço onde adoraria me alongar e esquecer das horas. Em algum lugar da minha vida organizada, uma vozinha estridente gritava que eu poderia ficar mais alguns dias. Chutei-a para longe. Não tinha mais condições de lidar com tanta novidade...
-Adorei esse lugar!
-É novo, eu também gosto muito. Gostaste da comida?
-Sim! Gostei de tudo...acho que preciso ir ou perderei o voo. - Já estava ligeiramente atrasada, mas mais para os meus padrões obsessivos com regras do que pelo horário real.
-É uma pena que não possa te levar ao aeroporto. O Christopher tem um timing para marcar reuniões de seguimento...
-Manda quem pode, obedece quem tem juízo.
Finalmente rimos, mais soltas.
-A Glória e a Malú vão me levar ao aeroporto. - Sorri.
-Quem é que vai embora das férias numa sexta-feira? Ah, Sabrina e suas nuances...
Sorri e ergui um brinde. Ela me acompanhou e riu levando a cabeça para trás. Experimentei uma sensação que estremeceu meu peito, um gosto amargo e não era do vinho, era gosto de ausência. Eu não poderia ter me acostumado tão rápido...
-Muita saudade de casa? - Perguntou-me olhando intensamente nos olhos.
-O trabalho me espera...- Muitas ideias desconexas passavam pela minha cabeça, e trabalho não era uma delas...
O alarme do telefone tocou e ela virou a tela para baixo.
-Preciso mesmo ir...também tenho um tesão a mais por trabalho.
Rimos às gargalhadas.
-Vês? Nem somos tão diferentes assim...
-Como lidas com promessas?
-Depende...- Sorri, completamente encantada pela energia dela.
-Prometa-me que não passas mais tanto tempo longe de mim.
A porcaria do lembrete gritou mais uma vez e ficamos de pé.
-Droga, já vou! - Exaltou-se olhando para a tela do telefone.
Puxou-me para um abraço onde eu ficaria por horas...abracei-a pela cintura e nossos corpos se encaixaram com força. Eu queria guardá-la dentro de mim. O coração dela batia loucamente contra o meu. Apertei os olhos para gravar tudo.
-Esse cheiro sempre há de me lembrar de ti...adoro o teu perfume...o cheiro na tua pele...- Ainda dentro do abraço, ela aspirou meu pescoço me deixando toda arrepiada. Apertei-a ainda mais contra mim porque minhas pernas pareciam querer sucumbir ao peso do meu corpo. A merd* do lembrete berrou. Nos afastamos devagar. Braços arrepiados, olhos sedentos. Por fim, nossas mãos se soltaram.
-Obrigada...obrigada...muito obrigada. - A voz dela carregava uma emoção que eu jamais esqueceria.
Correu para o seu compromisso e eu demorei algum tempo a encontrar sentido para fazer o que me cabia naquele instante.
***
Na sala de embarque, agradeci pelos meus óculos escuros e auscultadores. Não queria conversa com ninguém, já me bastavam os diálogos barulhentos na minha mente. O livro nas minhas mãos não passava de cenário. Meus olhos passeavam de cima a baixo pela página e não absorviam uma virgula.
No avião, sentada à janela, minha mente gritava mais um dos seus longos mantras:
"Tudo não passou de um momento bom. Intenso e muito bom, mas um momento. A Fedra é hétero, namora, mora em outra ilha e eu já me machuquei demais tentando salvar gente que não me escolhe. Eu tenho minha vida que funciona do meu jeito. Sou livre. Sem promessas."
Aumentei o volume da música enquanto o avião fazia uma curva deixando a ilha de Santiago para trás.
***
-Já estão a abusar de ti naquele escritório? A Malú não para de repetir que está com saudades da tia Sá. Inventaste de levar essa menina à praia durante a semana e agora eu que lute.
Sorri feliz. Saudades da família da Glória.
-Estou cheia de coisas para fazer, mas sempre sobra tempo para dois minutos de conversa.
-Hmm? E não corres comigo? Ei, devolva a minha amiga que não me liga nenhuma e nem atende às minhas ligações.
Ri alto.
-Dramática. Estou com saudades vossas...
-Não me canso de repetir, venha para cá. Mas, como sei que tu és teimosa e só fazes o que queres, digo que se quiseres fazer uma experiência, eu te ajudo em tudo o que for necessário.
-Meu trabalho é aqui, Glória. Infelizmente não tenho condições para largar tudo e me aventurar na Praia...
-Ok! Ok! Não vou insistir. Eu já me dou por muito satisfeita que a senhora atendeu à ligação e não me retribuiu com uma mensagem rápida, ligo depois.
Rimos muito.
-Preciso desligar, meu bem. Prometo atender sempre que possível.
-Dodu na bo, fastenta! (gosto muito de ti, chata)
-Mi tambê. Txeu! (Eu também, muito)
***
Minha vida seguia seu ritmo conhecido e seguro. Uma semana depois do fim das minhas férias, num sábado à noite, após dispensar um convite para sair com Lúcia e outras pessoas do escritório, eu bebia uma garrafa de vinho verde acompanhada de uma playlist no repeat. Perdi a conta das vezes que ouvi Carry your own weight (Buika), enquanto rolava a lista de contatos do meu telefone. Ansiava por algo que não sabia ao certo o que era. Parei na letra F e meu coração disparou. Meu dedo correu na tela e parou onde sabia que estaria segura. Liguei sem pensar duas vezes.
***
Acordei com beijos nos meus ombros nus. Demorei alguns segundos a entender a situação.
-Já vais? - Perguntei com a voz rouca e arrastada. - Ainda é de noite, ou não?
-Está amanhecendo. Meu turno no hotel começa em meia hora, quase perdi a hora.
Espreguicei na cama enquanto ela pegava algumas coisas espalhadas pelo chão.
-Sabrina, não sei o que aconteceu nessa tua viagem, mas subiste alguns degraus na tua arte que já era irrepreensível. Gata, perdi a conta das vezes que meu corpo explodiu num prazer de enlouquecer. Hoje vai ser difícil tirar-te da minha cabeça...e meu corpo está cheio de marcas deliciosas. Que performance, Sá.
Ela beijou minha boca e minha mente voou.
-Quando quiser, é só me chamar. Gostosa!
Mais um beijo na minha boca e eu nem me mexi.
-Claro! - Respondi vagamente.
Fim do capítulo
Boa leitura e muito obrigada a todas que comentam.
Comentar este capítulo:
brunafinzicontini
Em: 07/09/2025
Ai, meu Deus... Como é que Sabrina consegue manter relação com outra garota tendo Fedra em seu coraçao? É evidente que ela continua presa a Fedra. Vejamos como se desenrolarão os próximos capítulos...
Beijos e boa semana!
Bruna
Nadine Helgenberger
Em: 11/09/2025
Autora da história
A Sabrina é doida, embora nesse particular não acho tão estranho assim, sendo ela como é. Ela quer mais é esquecer esse turbilhão chamado Fedra e nada como voltar à vida como ela é. Vai conseguir? Não sabemos. Estou em dúvida se sigo com a história ou não. Pensando num final aberto no capítulo 11...ou não. Há potencial para muita coisa e minha cabeça fervilha, mas sei lá...vou pensar e ver o que faço.
Bjs e muito obrigada por comentar.
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NovaAqui
Em: 07/09/2025
Será que Glória vai convencê-la ir para Praia?
Apesar dela dizer que tem a vida organizada, ela pode mudar..
Vamos ver! Vamos ver....
Nadine Helgenberger
Em: 11/09/2025
Autora da história
Será? Acho que seria fácil demais rsrsrsrs
Vamos ver sim...temos algumas coisas para ver. Se bem que estou em dúvida se termino a estória no próximo capitulo ou se sigo com mais algumas coisas. Poderia terminá-lo no capítulo 11...final aberto. Vamos lá ver como andará a minha cabeça rsrsrs
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Nadine Helgenberger Em: 11/09/2025 Autora da história
kkkkkkkkk, ela não liga para ninguém...isso ela herdou da autora que lhe dá vida kkkkkkkkk, tenho fama de não atender telefone, não ligar ninguém...eu gosto das pessoas, mas não tenho paciência para telefones, emails e afins...
Vamos ver o que acontece nesses mundos...elas estão a 45mn de distancia de avião rsrs