Capitulo 8
Meu exagero por antecipação beirava a neurose. A pequena mala de viagem que me servira de suporte para os dias na Praia já estava arrumada, e não satisfeita, mudava as roupas de lugar para ganhar espaço. Espaço para quê? Não tinha comprado nada novo, tinha apenas a encomenda da Lúcia que nem era grande. Ah, mentir para quê, Sabrina? Estás a dialogar com a tua mente fervilhante e com ela não costumas ter segredos...
Estava ansiosa pelo jantar com a Fedra, com receio que houvesse mudança de planos. Eu queria muito me despedir dela com esse bendito jantar. Queria mais tempo com ela, fosse num jantar ou noutra coisa qualquer. Nossa conexão, quem diria, ainda era perfeita. Sorri ao lembrar que ela entendera no olhar que eu não tinha comentado nada com a Glória da nossa aventura em São Miguel. Respirei fundo e sorri mais uma vez. Ri ao me dar conta que tínhamos um acordo tácito de que nossa aventura era nossa e ponto. Claro que tive que comentar muito por alto com a Glória que tinha ido com ela resolver alguma coisa no interior. Eu não tinha muita habilidade para mentir e facilmente sucumbiria à intensidade da Glória. Mas meu relato foi blasé, ninguém diria que foi o momento das minhas férias. Posso não ter talento para mentir, mas para camuflar sentimentos...mais risos e a mala olhando para mim com ares de indignação. Meu telefone tocou algures e corri pelos corredores atrás do som. Era Fedra numa chamada de vídeo. Meu dedo deslizou lentamente pela tela numa mistura de sensações...
"Ei, o que fazes?
Ela parecia atarefada andando dentro do que pareceu ser a cozinha.
"Estava arrumando a mala...
"Trouxeste todas as roupas?
"Não...mas gosto de fazer tudo com antecipação...
"Como se eu já não soubesse disso...
Rimos!
"Sempre vais honrar-me com um jantar maravilhoso? - Estava ansiosa para saber tudo.
"Olha a pressão, Sabrina. Ainda queimo tudo.
Ela mexeu numas panelas sobre o fogão e não sei porquê achei-a deslumbrante. Talvez fosse o avental sexy...
"Não me digas que nosso jantar é pipocas?
Rimos às gargalhadas e foi tão bom. Sempre era.
"Não queres vir para cá? Sei que ainda é cedo para jantar, mas teremos mais tempo para tagarelar e me fazes companhia enquanto me aventuro com as panelas."
Eu devo ter escancarado um sorriso de satisfação ou de exagero, os filtros estavam todos desligados.
"Preciso apenas de um banho rápido e do teu endereço."
***
-Sabrina, tu estás a contar tudo? Não sei se acredito nessa tua cara de quem vai ali tomar um sorvete e ponto.
-Que sorvete?
-Ah, não finja que não entendeste...bom, se estás a fingir é por que há coisa aí...se bem que...ah sei lá, mas gostei desse convite. Onde a Salma enfiou meu top azul?
Eu ria enquanto ela remexia na gaveta do guarda-roupa. Pobre Salma que teria de arrumar tudo...de novo.
-Estou atrasada e meu instrutor não espera e ainda tenho de sair às pressas para buscar a madame Malú no treino de futebol. Minha filha tem cada uma...futebol?
-Eu adoro!
-Claro, ela não é tua filha e não precisas ter tentáculos de polvo para dar conta de tudo.
Gargalhadas e nada do top azul.
-Eu vou com essa porcaria marrom que odeio e que não favorece meus peitos.
-É isso ou adeus aula de crossfit.
-Ai Salma...mas sem ela seria bem pior. Eu ainda não engoli minha ausência nesse jantar. A vaca da Fedra estará com segundas intenções?
Quase enfartei de tanto rir.
-Se calhar é um jantar com o namorado dela, com o intuito de te apresentar e eu aqui a viajar...
-Quem sabe...- confesso que aquela possibilidade me causou algum desconforto. - Mas ele não vive fora?
-Sim, mas vez ou outra aparece por aqui. Eles não moram juntos, aliás, eu não entendo essa relação...uma mulher com tanto potencial e insiste em caber numa concha minúscula...
-Estou bem? - Fiz pose de menina moça e rimos muito.
-Tu estás linda e mais uma vez vou insistir, volte para cá. Essa terra tem a tua cara...eu morro de saudades tuas e a Fedra parece que viu um pote de ouro com o reencontro.
-Que exagero! Eu gosto de morar em São Vicente, mas prometo vir mais vezes...
-Vocês não se desgrudam...cuidado para não te apaixonares...mais uma vez.
-Besta! Nunca fui apaixonada...
-Naquela época, querias sacanagem que eu sei, mas não tinhas talento. A Fedra acabaria na tua cama com duas cantigas, mas tu insistias em desafinar...
Sim, eu ia enfartar de tanto rir.
-Os tempos são outros, a senhora já tem grau de doutora nas artes lésbicas e não sei porquê, mas sinto que a Fedra pode ser flexível. Criatura, hoje ela nem teve paciência para me ouvir no telefone. Fui despachada com a justificativa de que precisava passar no supermercado para comprar coisas para o jantar.
-Tu és doida...muito doida.
-Outro dia foram para não sei onde, fugiram da festa do Guillaume e agora esse jantar. Espero que antes de ires embora, tenhas ao menos o relato de um beijo maravilhoso para me contar. Um? Vários!
-Glória, respira! - Ria com o corpo todo.
-Não acredito que a coragem da Fedra extrapole um beijo, mas levo fé na tua arte, amiga. Tu és danada com esse jeito de quem não quer nada...cruzes.
-O bom é que surtas e logo em seguida, recuperas o bom senso...é só um jantar entre amigas de longa data...
-Hum-hum e que a outra amiga não foi chamada...vocês são safadas, isso sim. A Fedra com aquele ar sério consegue me enganar...
-Já eu...- Risos.
-Só um pedido...não brinques com ela.
-Como assim? Eu não brinco com as pessoas, Glória. - Me indignei.
-Tu entendeste...não brincas, mas não te apegas e a Fedra passou por um mau bocado e às vezes as pessoas ficam carentes. Eu gosto muito dela...
-Não te preocupes. Não está a acontecer nada demais...é uma boa amizade e somos adultas. Ah, e eu já não sou a mulher doida que inventava um romance a cada semana.
Mais uma sonora gargalhada.
***
-Demorei? - Lancei meu melhor sorriso diante da imagem perfeita dela que me causou um fogo no peito.
Ela abriu a porta com um sorriso que me lembrou o nascer do sol. Estava descalça e com um vestido que lhe deixava os ombros nus. Ninguém entende, mas eu tenho uma loucura por ombros, braços no geral. Acho sexy e os dela...desviei o olhar porque consigo ser bem intensa quando gosto de alguma coisa...
-Nada! Ainda estou às voltas com quase tudo. - Beijou-me na bochecha e eu aproveitei para inalar o cheiro delicioso que vinha dela. Do cabelo, pescoço, aroma da casa, tudo cheirava a vida.
-Trouxe-te um vinho...não sei se é bom, mas a moça da garrafeira teceu os melhores elogios. Esse vinho eleva os sentidos e leva o apreciador ao paraíso...palavras dela. - Sorri.
-Então é para lá que vamos! Importas-te de me servir uma taça? Minhas mãos estão muito ocupadas com os ingredientes. Foco na comida.
Riu alto enquanto se dirigia à cozinha. Olhei de relance pelo apartamento e que bom gosto.
-Sinta-se em casa, meu bem! - Gritou da cozinha.
-Tua casa é linda! - Disse enquanto prestava atenção aos detalhes.
-Ainda estou a dar os últimos toques...gosto muito dela, comprei há poucos anos.
-O que temos para comer? - Encostei na porta que separava a cozinha da sala de estar. Era um deleite vê-la às voltas com panelas e utensílios.
-As entradas já estão prontas, só falta abrires a garrafa de vinho que nos levará ao paraíso.
Rimos enquanto eu abria o vinho.
-Estou a dar o meu melhor numa receita clássica da minha mãe. Já importunei as férias da mulher e por pouco não fui mandada a plutão. Se vai ficar bom, saberemos daqui a bocado. - Sorriu.
-Hmmm, sem queimar nada!
Rimos enquanto brindávamos com as taças de vinho.
-Hmmm, é bom...muito bom.
-Vamos com calma, por que ainda há uma deliciosa refeição...
-Ah, mas tenho uma adega e de excelentes vinhos. Eu quase não bebo, mas sempre que faço alguma coisa cá em casa, meus primos trazem tanta bebida...de falta de vinho não morreremos.
Mais risos.
-Tudo bem com o Djaiss?
-Ele não estava bêbado, graças a Deus. Mas ele anda muito instável com toda essa situação e se exalta com pouca coisa. Foi provocado...enfim. Mas ainda bem que estávamos lá e que percebeste o alvoroço a tempo. Ele dormiu cá em casa e eu pude ficar mais descansada.
-Que bom! - Sorri. - Posso explorar a tua casa linda?
-Ah, esteja á vontade. Eu coordeno aqui na cozinha e o resto da casa é por tua conta.
-Estou apaixonada por essa varanda. Ah, Fedra, temos uma vista perfeita. - Gritei abrindo os braços diante do por do sol que pintava o céu em tons de laranja e amarelo. - A sério que tens vista para o vulcão do Fogo? - Gritei para me fazer ouvir.
-Sim, em dias claros e perfeitos...sim. É lindo, não é?
-Podemos comer aqui? - Estava encantada e ainda se via o mar logo ali...
-Claro! Com esse calor seria tortura comer aqui dentro.
Eu olhava o esmero com que ela cuidava da casa e pensava em como meu apartamento precisava de um toque de charme. A desculpa de não ter tempo já se enraizara em mim até para coisas que costumavam me dar prazer. Sempre gostei de detalhes e ali tudo fazia sentido e transbordava amor, cuidado...precisava prestar mais atenção...suspirei sem muita convicção.
-Ei, Sabrina, escolhe uma música para nós.
-Fedra, que cheiro bom é esse? Andas a esconder o jogo? Isso é cheiro de comida de chef.
Rimos e eu passeei meus olhos pela figura dela. Fedra tinha alguma coisa que aguçava meus sentidos, não sei explicar o que era, mas vê-la tão à vontade naquele vestido de verão e descalça às voltas com nosso banquete...eu poderia passar horas ali como quem admira uma obra de arte.
-Ei, a música? Podes dar-me um pouco de vinho? Minhas mãos estão ocupadas...
Caminhei lentamente até ela, sem desgrudar meus olhos perscrutantes da sua bela figura. Dei-lhe vinho na boca e a sensação no meu corpo assemelhou-se a um prenuncio de desejo consumado. E eu ainda nem tinha esvaziado a segunda taça de vinho...
-Esse vinho é uma delicia. Hoje eu abro uma exceção e vou beber essa garrafa contigo. Sabe lá Deus quando é que vou ter essa mulher por aqui...brindemos, com as mãos sujas mesmo.
Rimos tanto e eu me encostei nela. Nossos olhares se encontraram e juro que vi faíscas.
-A música! - Precisava sair dali.
-Sim senhora, honre suas atribuições. Ei, prove as bruschettas, fiz com muito amor e não precisei de auxilio de ninguém.
Claro que rimos. Que leveza e que perigo.
-Hmmm, isso é bom...brie derretido é dos deuses...hmmm, muito bom...
-Sabrina, para de gem*r!
-Meu amor, é involuntário...eu gemo quando gosto das coisas e a tua bruschetta está um a delicia...de-li-ci-aaa. - Mordi um pedaço de torrada com vontade e ela pareceu-me enfeitiçada. - Já agora, quais são os ingredientes dessa iguaria?
-Pão italiano com um fio de azeite. - Sorriu. -Queijo brie derretido, geleia de cereja e presunto cru...acho que não esqueci nada. - Riu enquanto me via comer com vontade.
-Tudo que eu gosto e ainda tem esse cheiro de coisa boa no ar. Será que mereço esse banquete?
-Vá escolher uma música e para de ser doida. - Ela sorria e eu poderia jurar que havia uma orquestra por ali.
***
-Fedraaaaa!
-O que foi, criatura? Onde é o fogo? Não posso perder a mão do risoto...
-Teremos risoto? Hmmm, isso só melhora...
-E eu larguei minha panela para quê?
-Ah, desde quando aprendeste a gostar de boa música? - Provoquei.
-Hã? Que ousadia é essa? Eu sempre tive bom gosto...
-Para clássicos sim, mas coisas mais pop, se não fosse eu...
Gargalhadas.
-Então, como não te vejo há séculos, devo estar parada no tempo. Explique-se!
-Ouves Tash Sultana, meu bem. Mereces muitos beijos. - E corri até ela que fingiu se esquivar.
-Podes me beijar à vontade, mas eu nem sei quem é essa...essas playlists são, ou da minha filha, ou dos meus primos.
-Gente de bom gosto!
Ela voltou para a cozinha e fui atrás cantarolando can´t buy happiness.
-Eu sou apaixonada por essa cantora e já desisti de uma candidata a namorada por causa dela.
-Como assim? Ficaste com a cantora?
-Quem me dera! - Ri alto. - Passei uma temporada nos Estados Unidos e ...
-Quando?
-Sei lá, foi há bastante tempo. Fui fazer um curso e teve um show dela em Nashville e eu doida para ir. Queria que a quase namorada fosse comigo e acreditas que ela preferiu ir acampar no fim do mundo com o cachorro?
Ela riu com vontade e eu também.
-Ah, e tu és a pessoa que não sabe gostar de nada sozinha, o mundo tem de seguir a tua vibe. Intensa, essa mulher.
Gargalhadas altas.
-Posso até ser isso tudo, mas a música dela não é maravilhosa?
-Eu ainda não consegui ouvir nada diante desse teu discurso inflamado.
Ela me provocava e eu ria.
-Vem cá!
Fui dançando ao som da Tash.
-O que achas? - Ela me deu um pouco de risoto para provar. Gemi, claro. Era involuntário, porr*. Abri os olhos e ela me olhava como olhos gulosos. Terceira taça de vinho...talvez minha visão já estivesse adulterada.
-Eu sou intensa com as coisas que eu gosto e tu és mentirosa!
-Como assim?
-Ah, Fedra...essa comida é de profissional. Meu Deus, derrete na boca. Temos salmão...
-Sim, risoto de alho francês e salmão. Receita da dona Gracelina que reproduzi ao detalhe. -Sorriu orgulhosa.
-Vamos comer na varanda, certo?
-Sim, a senhora já tinha sugerido e eu acatei de bom grado.
Gargalhadas altas.
-Essa comida merece uma vista.
-E um bom vinho...e parece que teremos de abrir outra garrafa.
-Mea culpa, amor...minhas papilas grudaram no toque aveludado desse vinho...e eu que brado aos céus que odeio vinho tinto...
Gargalhadas.
-Ainda bem que não nos faltam boas opções na minha pequena adega. Traga uma garrafa para nós.
-Quem entende de vinho és tu...
-Confio no teu feeling...-Sorriu piscando o olho eu entrei na onda. Quem resistiria ao tom de voz daquela mulher? E ela relaxada era um convite a soltar as amarras todas...
Arrumamos a mesa e eu me senti num sonho. O álcool com certeza já fazia seu efeito nebuloso na minha mente, mas havia algo a mais. Tudo ali me convidava a apenas ser, sem controlo de qualquer espécie, sem medos...
-Fedra, há tempos não me deliciava assim...eu adoro risoto, mas raramente acertam no ponto e o teu prato está me causando delírios...- gemi de olhos fechados.
-Eu acho que alguém exagerou no vinho. - Sorriu. - Está bom, mas eu quando cozinho não consigo apreciar, mas sendo o jantar para ti, que bom que gostaste...
-Gostar? Oh meu bem, a modéstia não me cai bem. Eu adorei e a prova é que não sobrou quase nada.
Gargalhadas com brindes.
-Eu comi pouco, mas em compensação...- ergueu a taça de vinho no ar.
-Lembras que ias abrir uma exceção?
-Claro! Estou feliz e a ocasião merece! E a senhora que não gosta de tinto? Estamos na temporada das exceções?
Ri muito e ela também.
-Controladora!
-Não...já fui bastante, mas nesse caso estou apenas atenta...é que prestas tanta atenção em mim que não consigo fazer nada além de captar cada movimento teu...
Bebi um longo gole de vinho. Eu já me sentia perdida quando não entendia claramente o que ela queria dizer, mas nada se comparava ao turbilhão de ver verdade nos olhos, nos gestos e até nas reticências...
-Eu gosto da forma como olhas para mim...depois do câncer, as pessoas me olham com pesar, às vezes com curiosidade...às vezes nem olham...a forma como me olhas faz-me lembrar como é bom estar viva.
Não conseguia abrir a minha boca. Eu diria uma asneira sem tamanho. Tive vontade de abraçá-la...já virava rotina.
-Às vezes nos esquecemos de viver... eu só quero coisas inteiras, cheias de vida...verdade...acho que estou levemente embriagada. - Deixou o corpo desfalecer na cadeira.
-Estamos! Não sei tu, mas eu estou ótima. OTIMA! - Ergui minha taça de vinho e brindei com as estrelas.
Rimos soltas.
-Vamos dançar? - Ela já me erguia.
-Agora?
-Só temos agora, meu bem. Vamos dançar uma música que com certeza vai te lembrar coisas boas.
-Ah meu Deus...-Meu coração parecia um pião desgovernado.
-Podemos ouvir as coisas que eu gosto também?
-Claro! Estamos na tua casa, tu mandas.
Rimos abraçadas enquanto ela mexia no telefone. Os primeiros acordes da música invadiram o ambiente e saltei aos berros.
-Ahhhhhhhh, adoro! Bons tempos...- Essa mulher sabia me conduzir para o melhor dos mundos.
-Lembras de quando...
-Lembro de tudo! - Agarrei-a e flutuamos pela sala rindo felizes.
-Curti bô life, dança ma mi, curti bô life, bô life- Cantamos o refrão da música que nos transportava para muitas noitadas felizes e mil planos.
Dançamos Curti bô life (Tito Paris) três vezes seguidas até sermos vencidas pelo calor.
-Que calor!
-Hum-hum...já não te lembras de como a Praia é quente?
Ri da provocação.
-Precisamos de água, Sabrina!
-E de voltar à varanda!
Devidamente hidratadas e instaladas na varanda, a conversa seguiu um ritmo muito próprio, oscilando entre memórias de um tempo muito bom e o momento presente.
-Ei, fala-me de ti - A languidez dessa mulher era um atentado à minha sanidade.
-De mim? Mas tu sabes tudo de mim...
-Ah para, eu não te vejo há tanto tempo que já nem sei mais quem és...
-E recebes uma desconhecida na tua casa? Por onde anda a seletividade tão característica da Fedra?
Rimos muito e ela segurou nas minhas mãos. Apesar das muitas taças de vinho tinto, consegui ligar o alerta.
-Desculpa-me se fui rude. Por mais estranho que possa parecer, és mais próxima de mim do que gente que vejo quase todos os dias...
O olhar dela...alerta vermelho. Mas e o discernimento?
-O que queres saber?
Ela pareceu pensar e eu tive vontade de ficar mais perto...
-O que gostas nas mulheres? O que te atrai? Sim, é sobre isso que quero saber. - E tomou um gole generoso de vinho. Sim, voltamos ao bom vinho.
-Essa pergunta tem alguns desdobramentos...
-Hmmm?
-Há algum tempo, eu te responderia outra coisa...hoje em dia, vou pelo físico mesmo. Tornei-me óbvia com a idade.
Gargalhadas.
-Estou aposentada de confusão...
-Isso significa que agora sais com homens?
Arregalei os olhos e bati a cabeça em negação.
-Não estiques a corda, meu amor.
-Então explique-se, meu amor.
Rimos cada vez mais próximas.
- Já tive confusão suficiente na minha vida, agora só quero bom sex*, risadas e ninguém no meu pé.
-O que achas de ficarmos no ar condicionado? Está um calor insuportável! - ela se abanou e tive a impressão que estava com a face afogueada. Vinho? Ilusão de ótica? Sei lá, mas o ar condicionado pareceu-me um prémio de loteria.
Na sala, eu me sentei no tapete encostada ao sofá e ela fez a mesma coisa. Bendito ar condicionado.
-Estamos melhor assim...
-Hum-hum...
Ar condicionado numa temperatura perfeita, luz de abajur, pelo menos duas garrafas de vinho circulando pelo meu sangue e aquela mulher tão próxima de mim e tão natural. Não sei definir o que sentia naquele momento. Desliguei o sistema de alarme. Ela não me faria mal algum...
-O que gostas nas mulheres?
Ela insistia naquele assunto e eu não me importava.
-Quase tudo...
Gargalhadas.
-No físico, safada!
Gargalhadas.
-Tenho tara por ombros e braços definidos. Se queres saber, é a primeira coisa que chama a minha atenção. - Eu não podia falar de bocas e olhos por que me trairia enlouquecida na boca perfeita dela. E os olhos? Ahhhh...
Ela riu muito.
-Ah, não me digas que não achas atraente um braço bonito?
-Nunca prestei atenção...mas acho que sim, não nessa tua paranoia, mas é bonito...
Rimos alto.
-Eu sou maluca por um braço bonito, mas eu mesma raramente piso num ginásio.
-Impossível que não faças nada...teu corpo não parece de forma alguma negligenciado...meu bem, já beiramos os 50...
-Fedra, pago uma academia alternativa, com yoga, pilates e outras praticas holísticas e essas coisas e raramente apareço por lá. Corro na marginal quando sobra tempo...está tudo errado nessa área da minha vida...
-Sexo todos os dias, claro.
Ri por largos minutos.
-Tu consegues essa proeza? Amor, nem pique e muito menos tempo...e escolho bem minhas roupas. - Pisquei o olho e ela riu. - Eu e meu espelho sabemos de todas as minhas inseguranças.
-Tu estás ótima! Se levares os treinos a sério, terás de providenciar um clone para dar conta da procura.
-Mas tu acreditas mesmo nas besteiras que a Glória diz...eu não tenho tempo para esse bando de mulher que a mente fantasiosa dela cria.
-Tua namorada tem esses tais ombros maravilhosos? -ela sorriu, me olhando de forma provocativa.
-Não tenho namorada...
-Já sei...falta de tempo...sex* casual?
-Hum-hum...com alguma regularidade...- nem era isso tudo, mas quis parecer mais interessante do que realmente era...
-E com mulheres de ombros e braços perfeitos!
Rimos tanto. Ela estava claramente a me provocar e eu completamente entregue. Por instantes nos olhamos com uma ansia mútua que me desconcertou. Pela primeira vez, tive a impressão que ela me desnudava com os olhos.
-Uma mulher normal, assim como eu, poderia chamar a tua atenção? - A voz dela soou-me como uma caricia, o melhor preliminar. Mas e o sentido?
-Como assim? - Eu sei que parecia uma idiota, mas precisava fingir demência para não cometer qualquer loucura e depois me arrepender...
-Se me visses na rua...- respirou fundo. - Olharias para mim? Eu chamaria a tua atenção?
-Estou com meus olhos grudados em ti...- Ah, foda-se se estivesse a entender tudo errado.
Ela sorriu num misto de provocação e vulnerabilidade...eu precisava correr...
-Terias desejo por mim? Hipoteticamente...- e continuava a sorrir.
-Fedra...- respirei fundo enquanto meus olhos deslizavam pelos contornos dela. Todos.
-Sim...
-Tu ainda lembras que sou lésbica?
-Nunca me disseste nada diferente...
-É para ter a certeza que estou a entender o que estou a entender...
-E o que estás a entender?
-Que estás a flertar descaradamente comigo. - Mordi meu lábio inferior.
Ela riu alto deixando a cabeça pender no sofá. Minhas mãos tremeram...ah, tudo tremeu. Caminho perigoso e ela parecia liderar com uma tocha brilhante...
-Estou doida? Bêbada?
-Levemente embriagada não podemos negar, quanto à loucura...a minha, eu não sei muito bem o que é isso, mas estou curiosa sobre muitas coisas...Sabrina, eu gosto de estar contigo, tu me fazes muito bem...tu me olhas e eu me sinto inteira...viva...
Como um imã, nossos ombros se encostaram. Que calor!
-Eu ainda não sei o que tu pensas, se pensas alguma coisa...queria mais daquele beijo...não sei o que tu queres...
Num pulo, sentei-me nas pernas dela e busquei a sua boca como quem anseia por um sopro de vida. Ela me recebeu com a mesma vontade. Segurei a face dela e beijei com vontade. A língua dessa mulher...gemi com um tesão que não sentia há imenso tempo. Ela me puxou ainda mais para si e prendeu-me contra seu quadril. Que delicia! Beijei-lhe a boca, os olhos, a boca de novo, o pescoço e nossos corpos dançavam num ritmo enlouquecedor. Ela gem*u alto no meu ouvido e me puxou mais ainda para si. Mordi-lhe os ombros e ela sorriu. Minha língua passeou pelo pescoço dela, deixando rastros de arrepio e calor. Nossas bocas voltaram a se grudar num beijo intenso. Volto a dizer, nem em sonhos imaginei tamanha perfeição. Minhas mãos obedeceram ao desejo do resto do corpo e tentei puxar-lhe o vestido. Ah, eu queria senti-la nua, queria entrar nela...meu desejo por aquela mulher parecia querer me sufocar. O que sobrava em desejo, faltava em habilidade, ou quem sabe eu estivesse nervosa demais. Quase rasguei-lhe a roupa, até que percebi que precisava apenas descer a parte de cima do vestido dela. Entre risos abafados e sussurros toquei num dos seios dela e instantaneamente ela retraiu-se. No primeiro instante não entendi o que realmente se passava, até porque meu corpo estava completamente entregue. Minha boca descia pelo colo dela em direção aos seios e nesse instante a reação foi inequívoca. Num rompante, ela estava de pé e eu machuquei minha mão na borda de uma mesa de centro. Olhei para o lado e ela já não estava ao alcance dos meus olhos. Porr*! Estraguei tudo. Porr*!
Fim do capítulo
Os dramas da minha vida sempre são curados com as letras. Depois de uma notícia não muito boa, abri o computador e resolvi escrever. Em duas horas o capítulo 8 ficou pronto. Provavelmente com erros, mas vai ao mundo assim mesmo. Bendita a minha arte que me salva.
Comentar este capítulo:
brunafinzicontini
Em: 07/09/2025
Ah... eis-me aqui de novo! Seria injustiça não mencionar que também adorei Tash Sultana, que não conhecia, e que me encantei com a descrição da casa de Fedra! Uma varanda com vista para o mar e para um... vulcão! Nossa! Que arraso! Tu és genial na descrição de lugares especiais dessa tua terra maravilhosa! Ficamos todas com vontade de passar umas férias por aí...
Forte abraço,
Bruna
Nadine Helgenberger
Em: 11/09/2025
Autora da história
Tash é MARAVILHOSA!!!!!!
A vista para o vulcão é real. Em alguns pontos de Santiago dá para ver o Vulcão do Fogo e é tão lindo. Do Tarrafal também da para ver :)
Bjs
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brunafinzicontini
Em: 07/09/2025
Bendita a tua arte que te salva e nos encanta!
Belíssimo capítulo, querida autora! Jantar perfeito, momentos mágicos, inebriantes... A atração entre as duas é inequívoca! Pena o final abrupto! Faltou feeling à Sabrina com relação à particularidade da doença recém enfrentada por Fedra. Pobre mulher... ainda traumatizada pela duríssima batalha travada contra o câncer. Esperemos que Sabrina tenha sabedoria suficiente para resolver esse impasse.
Espero, também, que tu consigas superar com maestria a notícia não muito boa que recebeste, cara Nadine. Sorte a tua encontrar saída no caminho da arte! E adorei Tito Paris em Curti bô life. Tu - sempre contribuindo para atualizar minha educação musical... Obrigada!
Beijos,
Bruna
Nadine Helgenberger
Em: 11/09/2025
Autora da história
Obrigada :)
Elas estão pisando em ovos, ou pelo menos, a Sabrina está. A Fedra eu acho que nem sabe ao certo o que está a fazer. Ela apenas vive, o que acho, MARVILHOSO!
Ah, nao sei que versão de Curti bo life escutaste, mas ouça essa aqui que foi a que me inspirou na cena delas ;)
https://www.youtube.com/watch?v=w2n4i_0szmk&list=RDw2n4i_0szmk&start_radio=1
Versão live in Lisbon ;)
Bjs
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mtereza
Em: 07/09/2025
Nadine como sempre entregando tudo amei o capítulo. Sua escrita é maravilhosa e me salva também.
Nadine Helgenberger
Em: 07/09/2025
Autora da história
Oh que lindo! Que a arte nos salve sempre!
Bjs e muito obrigada
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Sem cadastro
Em: 06/09/2025
Nadine você é a minha autora favorita da vida, já tive a felicidade de me corresponder por email com você à anos atrás, na ocasião você tinha dado um tempo de escreve e me disse que pelo meu e-mail você se motivou a escrever novamente. Quando li suas notas nesse capítulo me deu vontade de te escrever novamente só para dizer que sua arte não cura só você, mas cura a todos que à conhecem nunca pare, enquanto lhe faz bem continue e nos presenteia com essa escrita maravilhosa.
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Thaynahcardozo
Em: 06/09/2025
Nadine você é a minha autora favorita da vida, já tive a felicidade de me corresponder por email com você à anos atrás, na ocasião você tinha dado um tempo de escreve e me disse que pelo meu e-mail você se motivou a escrever novamente. Quando li suas notas nesse capítulo me deu vontade de te escrever novamente só para dizer que sua arte não cura só você, mas cura a todos que à conhecem nunca pare, enquanto lhe faz bem continue e nos presenteia com essa escrita maravilhosa.
Nadine Helgenberger
Em: 07/09/2025
Autora da história
Muito obrigada :)
De vez em quando eu paro mesmo de escrever. A vida me leva para outros lados, mas o meu amor pelas letras sempre vence ;)
Acho que me lembro desse fato ( teres me motivado a voltar a escrever) e ele acontece com alguma regularidade. Às vezes estou descrente, desmotivada, e surge uma mensagem de uma fã da minha escrita e volto para os trilhos :)
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MalluBlues
Em: 06/09/2025
Amei o capítulo! Espero que a Sabrina seja uma linda com a Fedra e que as duas fiquem bem!
Nadine Helgenberger
Em: 06/09/2025
Autora da história
Que bom!
Vamos ver como elas contornam essa situação.
Muito obrigada por comentar.
Bjs
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HelOliveira
Em: 02/09/2025
Salva pela arte...que maravilha...
Fedra só precisa ir com calma, deve estar sensível ainda, mas confio que tudo vai dar certo...
Nadine Helgenberger
Em: 06/09/2025
Autora da história
Oie, obrigada pelo comentário.
Vamos ver como elas desenrolam esse clima tenso.
Bjs
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NovaAqui
Em: 01/09/2025
Bendita sua arte que te salva!
Fedra ainda está sensível ainda por causa da doença, mas Sabrina vai ter saber resolver essa situação.
Imagina estar na varanda e ver um vulcão? Que inveja kkkkk
Adoro como você descreve sua Terra.
Acredito que você ame muito seu País
Boa semana! Cuide-se bem! Sinta-se abraçada por mim
Beijos
Nadine Helgenberger
Em: 06/09/2025
Autora da história
E como me salva!
Vamos ver como essas duas vão sair dessa situação tensa.
Sim, dependendo da localização e da luz do dia, dá para ver o vulcão do Fogo a partir da ilha de Santiago. Beleza pura! Eu adoro as belezas da minha terra, fica fácil descrever rsrsrs
Muito, mas muito obrigada mesmo. Senti-me abraçada :)
Bjs
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