Olivia

            

Essa semana está sendo tão boa, acho que depois do fim de semana maravilhoso que passei ao lado de Giovana me deu um gás especial. Sem contar que meus filhos estão bem e saudáveis.

Hoje é quinta feira e estou indo deixar meus filhos na casa dos meus pais, pois precisarei ir ao restaurante, há uma reserva especial e nessas ocasiões gosto de estar presente. Nem sempre sou eu que cozinho, mas sempre estou no restaurante para se caso precisarem de mim.

- Oi filha – Minha mãe me abraça quando entro na sala de sua casa – Como você está?

- Estou bem, vim só deixar as crianças e daqui a pouco já preciso voltar para não me atrasar – Explico – E vocês como estão?

- Mas antes de você ir, dá tempo de conversar um pouquinho com sua velha mãe – Ri enquanto me arrasta para nos sentarmos no sofá – Nós estamos bem, ainda ontem sua tia Gerusa ligou, dizendo que sentiu muito que não pode vir no nosso almoço aquele dia, mas que já soube da novidade.

- Novidade? – A olho com um enorme ponto de interrogação em meu rosto.

- Do seu namoro, a notícia já se espalhou pela família.

- Meu Deus, mãe – Levo as mãos ao meu rosto – Não é um namoro.

- Não? – Ela parece surpresa – Mas você a trouxe aqui.

- E o que tem demais nisso? – Me exalto – Olha, Giovana e eu estamos apenas nos conhecendo e a senhora sabe como nossa família cria teorias onde não existe, daqui a pouco vão dizer que já estou com casamento marcado.

- Mas vocês não estão namorando mesmo? – Ainda parece confusa – Mas Theo disse que Giovana é sua namorada e que já até dorme na casa de vocês.

- Mãe, qual a idade que o Theo tem? – A encaro – A senhora não deveria acreditar em tudo que uma criança de três anos diz.

- Ok, Ok, você não precisa ficar brava – Segura minha mão – Mas você parece estar tão feliz nesses últimos tempos, o que impede vocês de terem algo mais sério?

- Nada nos impede, não mais – Tento explicar – Mas decidimos ir com calma, nos conhecer melhor, afinal, eu tenho filhos, não posso me dar o luxo de viver aventuras impensadas, mas estamos deixando rolar, e vamos ver onde vai dar.

- Ela parece ser uma menina boa, as crianças parecem gostar muito dela e você também, então não deixe o medo te impedir de viver algo legal, filha.

- Não estou deixando, só estamos indo com calma, mas realmente me sinto bem com ela, estou gostando bastante do que estamos vivendo.

- Dá de perceber no seu rosto, o quanto ela tem te feito bem – Dá um sorriso fraterno, daqueles que só quem nos ama sabe dar – Fico muito feliz em te ver assim depois de tanto tempo.

- Para ser sincera mãe, acho que nunca me senti tão bem assim com ninguém – Olho em seus olhos e ela entende o que quero dizer – Ninguém.

- Com toda certeza – Solta uma risadinha baixa – Você sabe que sempre apoiei suas escolhas, mas isso não quer dizer que eu concordava, e seu relacionamento com aquela mulher não era algo saudável, na época você poderia achar que aquilo era amor, mas quando você viver um relacionamento leve, saudável e tranquilo, verá que aquilo nunca foi amor.

- Acho que esse foi um dos maiores motivos de eu me fechar tanto – Divago – O medo de errar de novo.

- Nunca haverá garantias de que você não irá sofrer novamente – Inicia um carinho em minha mão que ainda está junto a sua – Mas você pode prestar atenção aos sinais que as pessoas te dão, se essa menina te sinaliza ser uma pessoa boa, aproveite e se entregue.

- Estou tentando fazer isso mãe – Deito minha cabeça em seu colo como fazia quando era criança.

- Aí está você – Ouço a voz de meu pai soar pela sala – Esse pestinha foi lá na oficina me dizer que sou um avô que não pensa em seu netinho porque nem estava aqui para receber ele, o que você está fazendo com esse menino, Olivia?

Rimos da fala de meu pai, e minha mãe inicia um carinho em minha cabeça. Meus pais sempre estiveram ali por mim, mesmo quando eu decidi não os ouvir, não seguir seus conselhos, mesmo assim eles estão ali por mim, são meu porto seguro.

 

******

 

Quando entro na cozinha ao lado de Adriana, que até o momento está me contando como estão as coisas por ali, vemos o caos instalado, todos estavam em volta de duas pessoas que gritavam sem parar, e foi apenas ao se aproximar da aglomeração que noto que uma das pessoas envolvidas é Giovana.

- Você é uma incompetente – Grita Alfredo.

Tento abrir espaço entre as pessoas para poder chegar até eles.

- Quem você pensa que é para falar comigo desse jeito? – Giovana responde no mesmo tom de voz – Já falei que não cheguei nem perto da sua praça hoje, eu estou trabalhando com a Juliana.

- Isso é verdade, Alfredo – Juliana se pronuncia – A garota está o tempo todo aqui me ajudando, não teria como ser ela.

- É claro que foi ela – Insiste em acusá-la – Eu vi quando ela estava perto da minha bancada, só pode ter colocado sal no meu molho para me prejudicar aqui dentro, ela já roubou meu lugar em ajudar a chefe, agora quer me prejudicar no dia que ela virá aqui.

- O que está acontecendo aqui? – Me intrometo na briga – Que bagunça é essa?

Os olhos dos dois se arregalam em minha direção, Giovana é “novata” na equipe, mas já me conhece suficiente para saber que odeio esse tipo de coisa na minha cozinha. 

- Estou esperando – Digo quando nenhum dos dois fala nada.

- Essa pirralha que não faz nada certo – Alfredo começa a falar – Ela colocou sal no meu molho, só para eu me prejudicar com a senhora.

- Isso é mentira – Minha aluna se defende – Nem faz sentido isso.

- Claro que faz, você estava perto da minha bancada, e eu só coloquei sal uma vez no molho, não tinha como ficar salgado assim.

- Problema seu, o que você faz com seu molho não é da minha conta – A mais alta continua se defendendo – Eu estou o tempo todo na praça com a Juliana, já falei isso e repito.

- Isso é verdade, Dona Olivia – Juliana fala com a voz baixa – Eu não quero me meter, mas Giovana realmente estava comigo o tempo todo.

- Por que você está acusando a Giovana se a superior dela está dizendo que não teria como ser ela? – Encaro Alfredo.

- Porque ela está mentindo para defender essa incompetente – Ele grita.

- Primeiro, não precisa gritar comigo que não sou surda – Digo no meu tom de voz mais controlado – Segundo, Giovana tem uma chefe na cozinha, que a avalia para ver como está o progresso do estágio, e essa pessoa é a Adriana, e até hoje não chegou nenhuma reclamação aos meus ouvidos sobre algum trabalho mal feito.

- Ela não sabe fazer quase nada sem supervisão, como você pode achar ela competente, Olivia?

- Adriana – Me viro para a gerente – Alguma coisa que eu precise saber sobre a falta de comprometimento, postura ou profissionalismo da Senhorita Gonçalves? 

- Nenhuma, senhora – Ela não demora a responder – Nenhuma reclamação sobre isso e nem sobre o serviço dela, a garota está aprendendo e nunca faltou respeito com ninguém por isso. 

- Alfredo – Respiro fundo – Giovana está aprendendo como funciona uma cozinha em tempo real, na prática, e é normal que ela ainda precise de supervisão, tomos nós começamos em algum ponto, com você não foi diferente.

- Eu sabia que você a defenderia – Jogou os braços para o alto em sinal de irritação – Só porque você está pegando a funcionaria, não deveria misturar profissional com pessoal.

- Como é? – O silêncio na cozinha é ensurdecedor, ninguém se atreve nem a respirar alto, e sinto todos os olhares sobre mim – Você está querendo dizer que não sou profissional ao ponto de misturar as duas coisas? 

Vejo Giovana respirar fundo e me encarar, sei que ela está tentando se controlar ainda mais para não colocar tudo a perder, e por, assim como eu, estar surpresa de ele saber que estamos juntas.

- Me responda Alfredo, é isso que está querendo dizer?

- É isso mesmo – Diz sem saída, sustentando o que acabou de dizer – Eu sei que vocês estão juntas, já vi as vezes que deu carona para ela e depois daquele dia que você a chamou para te ajudar e me deixou de lado, foi a gota d´água.

- O fato de eu dar carona para ela não comprova o que você está dizendo, isso na verdade não significa nada além de uma carona, eu poderia dar para qualquer pessoa desse restaurante – Eu inicio – Mas se quer tanto saber da minha vida pessoal, posso te dizer que estou sim com a Giovana e isso não é da sua conta e nem da de ninguém nessa cozinha. Uma coisa posso garantir, ela não está aqui por nada além do seu profissionalismo, e eu jamais colocarei o meu restaurante a prova, por alguém, isso inclui qualquer uma pessoa dessa equipe. Se ela não trabalhar correto, não ser responsável ou se portar como a funcionária que é, estará fora, como qualquer outro. Algum problema, Alfredo, quanto a esse assunto?

- Não, senhora – Abaixa o olhar sem me encarar.

- Ok – Dou um passo à frente – Agora eu tenho um outro problema: O fato da SUA falta de profissionalismo.

Ele me encara respirando fundo, seu rosto está vermelho de tanta raiva, mas ele vai ter que arcar com as consequências de me acusar de algo tão grave.

- O fato de seu molho estar salgado não é problema nenhum dentro dessa cozinha, isso pode acontecer com qualquer um, e mesmo se Giovana ou Maria, que são as mais novas aqui tivessem ido te ajudar e errado, ainda assim não seria problema, só é necessário fazer outro – O olhar de todos ainda estão sobre mim muito atentos – O problema foi sua postura arrogante de achar que pode ser melhor aqui dentro, achar que pode gritar e humilhar alguém dentro da minha cozinha, e ainda por cima me acusar de defender alguém por algum envolvimento pessoal. Então você pode retirar o seu avental e ir para casa, volte apenas amanhã para assinar sua saída e receber seus direitos.

- Você só pode estar brincando – Diz indignado.

- Estou com cara de quem está brincando? – Respondo – Não aceito injustiças, e nem covardias, se quer gritar e humilhar alguém, colherá as consequências.

- Se quer saber, eu vou embora mesmo, para mim já chega – Tira seu avental e joga no chão – Esse restaurante é uma bosta, e essa cozinha só foi para a frente porque eu estava aqui, quero ver como vai fazer sem mim aqui.

- Que pena que terei que fechar as portas sem você aqui, né? – Digo irônica – Mas correrei o risco mesmo assim, e agora você já pode ir que atrapalhou demais o expediente. 

Ele não diz mais nada e sai em direção ao vestiário, provavelmente para trocar de roupa e pegar suas coisas antes de sair. Me viro para as pessoas que ainda estão ali.

- Mais alguém tem algo a dizer sobre o que acabou de acontecer?

- Não, Chefe – Dizem em uníssono.

- Perfeito – Respiro aliviada, mas não encaro os olhos claros – Vocês conseguem se organizar para alguém ficar na praça de Alfredo enquanto converso com Adriana em meu escritório alguns minutos?

- Sim – Foi Juliana quem respondeu.

- Ok, Adriana, me acompanhe.

Sai da cozinha com um pouco mais de pressa que o normal, acho que se eu voltar a cruzar o caminho de Alfredo nesse momento, mandaria minha calma para o além e terei um belo processo trabalhista, porque não tenho sangue de barata.

Entramos em meu escritório e eu fecho a porta para ficarmos completamente a sós.

- Isso já aconteceu alguma vez ou foi a primeira? – Digo direta.

- Foi a primeira vez, mas faz dias que via que ele estava um pouco fora de controle – Começa a explicar – Ele chegou a se desentender com a Maria, mas não foi tão grave assim, por isso que não levei o problema até você.

- Tudo bem – Solto o ar com força – Você se importa de fazer a rescisão dele amanhã? Eu realmente não vou conseguir olhar na cara dele de novo sem perder a cabeça.

- Não tem problema – Responde sincera – Amanhã estarei aqui pela manhã.

- Obrigada. E Adriana, você ouviu o que falei lá dentro e é verdade, mas eu não quero que isso seja algo a ser levado em consideração aqui dentro, se houver reclamações dela, quero que seja tratada como qualquer outro funcionário, nada tem que ser diferente.

- Eu não suspeitava de nada, e concordo quando você disse que ninguém tem nada a ver com sua vida privada e conheço você o suficiente para saber que nada será diferente.

- Perfeito...

Somos interrompidas com leves batidas na porta, e Maria aparece sem jeito quando digo para que entre. 

- Com licença – Diz tímida – Não queria interromper, mas eu precisava muito falar com vocês duas.

- Sente-se – Falo quando vejo que ela realmente está nervosa – Aconteceu algo?

- Não – Responde apressada – Quer dizer, sim. Preciso contar uma coisa.

- Fique à vontade – Incentivo.

- Não foi a Giovana que colocou o sal no molho, e não quero que a culpa caia sobre ela – Começa – Fui eu.

É problema atrás de problema, e pelo jeito minha semana que estava perfeita começa a ficar não tão perfeita assim.

- E por que você fez isso? – É Adriana quem pergunta.

- Porque Alfredo é um babaca e faz dias que vem pegando no meu pé só porque eu não quis ajudar ele a criar uma situação para prejudicar a Giovana – Isso nos pega ainda mais de surpresa – Eu sei que não fiz o certo, agi por impulso, queria que ele se ferrasse, mas não quero que esse assunto prejudique a garota.

- Realmente não foi legal o que você fez – A olho nos olhos e a vejo tremer – Mas obrigada por ser sincera. Mas por que não conversou com Adriana sobre isso? Se ele estava te incomodando ela precisava ser a primeira a saber e tomar providências.

- Fiquei com medo de vocês não acreditarem em mim, afinal sou só uma novata aqui.

- Isso não tem que ser motivo de medo, Maria – Adriana fala com a voz calma – Queremos que você se sinta à vontade de sempre conversar conosco quando tenha algum problema com algum colega.

- Agora eu sei disso, e se precisarem me punir por isso, estou preparada, mas não queria que Giovana fosse injustiçada de novo por isso.

- Fique tranquila que isso não vai acontecer – A tranquilizo – Ficou bem claro lá na cozinha que ele estava fazendo tempestade em copo d’água, mas peço que quando tiver outro problema venha até nós, não aja assim, porque aí sim terá consequências, mas por hoje fica apenas como um aviso.

- Obrigada Dona Olivia, obrigada mesmo.

- De nada, Maria.

A menina se despede e sai da sala, eu deixo tudo acertado com Adriana para amanhã, e quando olho o relógio, já passou a hora da reserva, então não tenho mais o que fazer. Lembro também que é o horário que os estagiários saem.

Espero mais um pouco para que todos já tenham saído quando desço do escritório, os problemas da noite já ocuparam demais a minha cabeça para que eu tenha que lidar com algum outro funcionário me enchendo.

Sei que Giovana tem ido a pé para casa, sendo que o restaurante é perto de seu dormitório, e faço o mesmo caminho com o carro que ela faria para ver se a encontro. Mas acho que já deu tempo de ela chegar em casa.

            Quando estaciono na frente do seu prédio, procuro seu numero em meu telefone e aperto em chamar.

            - Alô – Atende.

            - Está em casa? – Digo sem responder seu cumprimento.

            - Sim.

            - Estou aqui embaixo, pode descer rapidinho?

            - Claro, estarei aí em um minuto.

            - Ok, te espero.

            A chamada é encerrada e não demora mais de um minuto até eu vê-la sair pela porta do prédio, ainda com a mesma roupa de mais cedo, sinal que realmente tinha pena chegado em casa.

            Entra no carro assim que libero a trava da porta, seu rosto ainda parece um pouco irritado.

            - Queria saber como você está – Tomo a iniciativa de começar a conversa.

            - Irritada com aquele homem – Diz sem me encarar, olhando para a frente – E você?

            - Também – Falo baixo – Ele realmente passou dos limites.

            Giovana bufa e encosta sua cabeça no encosto do banco, fechando os olhos.

            - Eu não queria que chegasse a esse ponto, achei que ele ia parar.

            - Com o que? – Pergunto confusa.

            - Já faz dias que ele estava pegando no meu pé e no da Maria, sendo um babaca porque somos novas e ainda precisamos de ajuda para fazer as coisas.

            - E por que você não falou nada?

            - Porque não quero levar até você qualquer problema que eu tiver com meus colegas, não quero ter privilégios. 

            - Isso me irrita Giovana – Falo um pouco mais rude – Você não precisa vir até mim se não se sente à vontade, mas Adriana está lá dentro para resolver esse tipo de coisa, hoje já conversei com a Maria e disse a mesma coisa, vocês não precisam ter medo de contar o que está acontecendo.

            - Desculpa, eu não achei que ia chegar a esse ponto que chegou.

            - Mas chegou, e eu poderia já ter resolvido isso antes se vocês tivessem aberto a boa.

            - Desculpa – Repete.

            Tento controlar minhas emoções, não vim aqui para brigar com ela, e sei que deve estar passando mil coisas em sua cabeça.

            - Olha – Começo de novo depois de um minuto em silencio – Eu não vim até aqui para brigar com você, só quero que você entenda que ali dentro não sou nada além de sua chefe e que pode falar comigo ou com Adriana como em qualquer outro trabalho.

            - Ok, se acontecer algo de novo eu falo.

            - Combinado? – Estendo meu dedo mindinho em sua direção.

            - É sério isso? – Ri, mas cruzando seu dedinho com o meu – Combinado.

            - Agora acho que mereço um beijinho para alegrar minha noite que foi só tiro, pancada e bomba – Sua gargalhada soa pelo carro ao me ouvir falar.

            - Você sabe que você assumiu para o restaurante todo que você está pegando sua funcionária, não sabe? – Provoca.

            - Nem sempre é eu que pego ela, as vezes é ela quem me pega – Brinco – Mas tenho noção do que eu falei, e não me arrependo, isso é um problema para você?

            - Problema em as pessoas saberem que estou com uma gostosa como você? Nenhum.

            - Você não leva nada a sério, garota? – Dou um tapa em seu ombro.

            - Claro que levo, levo você bem a sério – Se aproxima deixando alguns selinhos em meus lábios.

            - Bom saber disso.

            Aproveito para aprofundar o beijo, sentir o seu gosto e tentar esquecer um pouquinho do que aconteceu essa noite. Amanhã será um novo dia e tudo voltara a paz que estava nos dias anteriores. Assim espero.

Fim do capítulo