--E foi isso que ela me pediu! – Yesmin narrava toda a conversa que tivera com a filha – Como se não bastasse, depois ainda veio me cobrar pra readmitir Jorel, que foi quem a levou pra visitar aquela moça na prisão, diga-se de passagem! – revirou os olhos – De tudo isso a única coisa boa é que nenhum paparazzi registrou a presença dela no presídio! – comentou aliviada – Já pensou um outro escândalo pra requentar a maldita história da hacker que amava a BoFe? – olhava para o marido

 

Achou graça. – Paparazzi, só você mesmo! – balançou a cabeça negativamente – Ao contrário do que nossa filha possa pensar, ela não é uma estrela internacional como um dia foi sua mãe, então não tem isso de paparazzi! – olhava para a esposa – Confesso que agora fiquei até aliviado porque pensei que você me contaria uma história cabeluda sobre Stefany, mas sem dúvida não é o caso aqui. – cruzou os braços – Graças a Deus!

 

O casal conversava sentado na cama, um de frente para o outro.

 

--Você tá minimizando?! – perguntou sem entender – Meu bem, olha só, será que você ouviu alguma coisa do que eu disse? – insistiu na gravidade da situação – Eu não posso ir prum presídio fazer média com aquela tal de Fernanda simplesmente porque Stefany decidiu virar uma boa escoteira e fazer as vontades da avó! – falava com revolta – Rogério, nós enfrentamos aquela hacker num processo que virou notícia em rede nacional e ainda foi assunto fora do país! – gesticulava – Como assim agora eu vou atrás dela pra fazer visitinha na prisão?? – riu do absurdo – Não tô te entendendo!

 

--Eu que não estou te reconhecendo, querida. – respondeu calmamente – Onde está a mulher de visão que sempre vira o jogo e vence a partida? – provocou – Será que você já esqueceu daquela plenária em Brasília, onde sindicalistas e militantes de esquerda demonizaram as empresas de tecnologia em IA por causa da perda de empregos no futuro próximo e blábláblá? – gesticulou brevemente – Seja inteligente e conduza essa história de modo a calar a boca daquela gente, satisfazer os desejos de Stefany e minha sogra e ainda marcar pontos com Fernanda e seus simpatizantes! – afirmou enfático – Além do mais, readmitir Jorel seria uma boa. Nunca fui muito com a cara do múmia do Jordão! – referia-se ao motorista substituto

 

--Hum... – considerou -- Seja mais claro! – pediu interessada

 

--Você sabe como a esquerda valoriza muito iniciativas sociais voltadas às populações vulneráveis, certo? E já faz alguns anos que o ambiente corporativo também adotou a coisa da “Responsabilidade Social”. – fez aspas com os dedos – Então se a BoFe começar a patrocinar cursos gratuitos pra pessoas de baixa renda aumentarem a empregabilidade no mundo pós advento da IA, isso vai ativar sentimentos de empatia e pertencimento em vários grupos; inclusive nos de esquerda. – sorriu -- Do ponto de vista psiquiátrico e de psicologia social, grupos buscam identidade e validação emocional. Se sua empresa aparecer como promotora de inclusão real, as lideranças e militantes vão reagir emocionalmente e isso se traduz em reputação positiva, meu bem!

 

Yesmin ouvia com atenção e pensava a respeito. – Está insinuando que eu deveria aproveitar a deixa e manipular o caso da Fernanda pra matar vários coelhos numa cajadada só?

 

--Não falo em manipulação negativa; falo em usar o conhecimento psicológico sobre motivadores humanos, por exemplo, déficit de autoestima, necessidade de pertencimento e por aí vai! Ao oferecer cursos com apoio emocional e concreto, a BoFe dará às pessoas a sensação de esperança. Isso gera lealdade emocional à marca. Uma forma de influenciar pelas emoções, com base em técnicas reconhecidas da psicologia clínica. – explicava – E inserindo Fernanda nesse processo você mostrará que a BoFe se preocupa, inclusive, em reabilitar pessoas que, de outra forma, teriam nenhuma oportunidade! – gesticulou brevemente – Seja inteligente no momento de abordá-la que ela fica feliz e aceita a proposta com um sorriso de orelha a orelha!

 

--Tá, eu até gostei da ideia e acho que consigo convencer os acionistas e investidores que a iniciativa seria ótima, só que Stefany não é tão cabeça de vento quanto eu pensava, ela é inteligente e vai perceber o nosso plano. – argumentou – Se não perceber, maama percebe e vai dar na mesma!

 

--Convença nossa filha que é a única forma que você tem de fazer o que ela quer sem gerar problemas maiores. – respondeu de pronto – E diga a ela que você já andava pensando nessa coisa dos cursos, mas que o pedido dela te deu inspiração. – aconselhou – Faça com que ela se sinta importante nessa hora! – piscou para a esposa

 

Riu brevemente. – Sabe que você às vezes me assusta, doutor Rogério? – passou a mão nos cabelos – Me lembra a forma como conseguiu manipular o advogado da Fernanda sem que ele percebesse. –olhava para o homem – Juro que às vezes me pergunto quantas vezes fez o mesmo comigo sem que eu me desse conta.

 

--Humpf! – fez um gesto despreocupado – Não sou tão perigoso assim. – ajeitou-se para deitar novamente – Agora que já discutimos tudo, vamos aproveitar o tempo que nos resta de ociosidade pra dormir um pouquinho. – fechou os olhos – Logo vamos encarar um dia cheio!

 

--Tá bom... – pensava nas coisas que ouviu do marido – Dorme aí. – deitou-se também, mas não estava disposta a dormir – “Do jeito que a coisa anda é capaz de eu sonhar de novo com aquela sapatão me agarrando à força!” – pensou em Zaida – “É melhor ficar acordada e arquitetar a forma como vou construir o que Rogério me sugeriu!” – decidiu – “E transformar vários limões numa baita limonada!”

 

***

 

--Fico feliz que você tenha aceitado esse encontro. – a caipira disse ao sorrir – Sei que os dias de folga são corridos e pensei que você não ia me dar nem tchum... – comentou humildemente – Depois de tudo que houve, né? – olhava para a outra

 

--Temos uma história, Vivi. Eu não me negaria a conversar com você. – Zaida respondeu com mansidão – Mas me diga... o que você quer comigo?

 

--Então, deixa eu te contar... – preparava-se para falar – Tem um tanto de coisa que você não sabe e eu tenho que te participar. – pausou brevemente – Me deixa falar até o final e depois você responde, pode ser? – pediu humildemente

 

--Pode. – concordou simplesmente

 

Vivinácia e Zaida conversavam em uma lanchonete em Bonsucesso.

 

--Como você sabe, eu vinha há muitos anos vivendo de trambiques como madame Vivi, só que... pensando no meu passado, percebi que isso não foi por acaso. Não foi só porque lá atrás alguém me ensinou a me fingir de cigana vidente. – pensava em sua história com Marta – Antes disso eu tinha mesmo um dom e me aconteceram uns troço que só tem explicação pelo mundo espiritual, não sabe? – mergulhou em suas memórias

 

“--Como foi que você soube que a escola tava em perigo, menina? – a professora perguntou desconfiada – Não é dia de aula, não tinha que ter ninguém lá dentro, como você sabia? – insistiu – Não me diga que você entrou na escola escondido e foi fazer alguma besteira que acabou em fogo?

 

--Não foi isso! – negou de pronto -- Eu tava brincando perto do rio e dona Lindomar apareceu pra me pedir ajuda. – a pequena Vivinácia respondeu com a verdade – Ela pediu pra eu chamar o povo todo mode não deixar o fogo lamber a escola, não sabe?

 

--Oxe, mas que conversa?? – a mulher franziu o cenho revoltada – Dona Lindomar morreu faz duas semanas, como que pode uma doidiça dessa? – cruzou os braços esperando explicação

 

--Morreu?! – ficou surpresa – Como pode eu não sei, só sei que ela veio e falou comigo, uai!

 

--Pois vai ficar de castigo pra aprender a não mentir! – a professora decidiu – Especialmente pra aprender a respeitar os mortos! – gesticulou – Dona Lindomar foi diretora da escola por anos a fio e ela não ia gostar nada de ver o nome dela envolvido em esparrela de mentira de criança!”

 

--Eu cansei de ver espírito na infância e ouvir eles falar comigo. – narrava os fatos – E sonhava uns trem que depois vinha a acontecer... isso parou só quando eu fugi da casa de tia Dalva. – gesticulou – Sabe lá se a Marta não me escolheu pra fazer o jogo dela de cigana vigarista porque percebeu de algum jeito que eu tinha um dom? – reparava nas reações de Zaida – Passado o tempo, quando começou aquele trem todo de FalaGPiTaco eu comecei a usar ele pra estudar o mundo espiritual e você não sabe o que aconteceu! – fez um suspense – O meu dom voltou e eu passei a ter contato com os espíritos de um jeito como nunca foi!

 

--Como assim? – perguntou curiosa

 

--Quando eu dou consulta como madame Vivi, eles vêm pra falar com as pessoas que eu tô consultando, fazem revelações... – preparou-se para dizer o que mais desejava – E numa dessas, ajudei uma mulher a receber uma herança de um parente que morreu em Minas... em troca, ela me deu nada menos que um imóvel dele no Leblon, na rua Rainha Guilhermina, pertinho da onde você trabalha com dona Adma! – sorriu – E o advogado dela ainda tá fazendo os trem de um jeito que vou receber o apartamento como herança, sem nem precisar pagar imposto de renda! – anunciou satisfeita – Os imposto pra passar tudo pro meu nome eles tão providenciando também!

 

Zaida ficou pasma. “Gente! Por essa eu não esperava!” – pensou boquiaberta

 

--E quando tudo se deslindar, eu vou morar lá e vender o barraco no morro pro novo dono da boca, que vai me pagar em dinheiro vivo! – continuava sorrindo – Vou alugar um outro canto pra trabalhar e madame Vivi vai ficar profissional por demais da conta! – gesticulou – Sem armação nenhuma e nem efeitos especiais! – garantiu – Vou viver disso e nunca mais que faço nenhum trabalho de diarista, se Deus quiser!

 

Estava desconfiada de tudo aquilo. – E... por que você tá me contando essas coisas?

 

--Porque eu quero você morando comigo no Leblon, uai! – respondeu sem rodeios – A gente recomeça com uma vida melhor, sem mentiras, e você ainda vai ficar perto de seu trabalho! – debruçou-se sobre a mesa – Nada de pagar aluguel e ficar com dinheiro contado pro mês todo! – olhava nos olhos – E então? Me dá uma chance? – fez cara de cão pidão

 

Zaida ficou balançada com a proposta. “Deixar de pagar aluguel, de pagar condução pra ir e voltar do trabalho...” – pensou – “Ah, mas eu não posso mais me acomodar numa relação só pra tentar ter uma vida melhor! Não quero mais isso!” – balançou a cabeça como se espanasse as ideias – Desculpe, Vivi, mas a resposta é não! – afirmou com firmeza

 

Surpreendeu-se com a resposta imediata. – Mas... não é possível que eu já saí do seu coração tão rápido, sô! – retrucou – Eu não acredito que você prefira viver apertada numa quitinete e sem dinheiro! – gesticulava – Sabia que eu sei onde e como encontrar sua mãe? – percebeu o espanto da outra – Você ficaria até besta! E te digo que ela tá doida pra encontrar de novo, viu, fi?

 

--Infelizmente, querida, não dá mais pra haver um nós e eu não concordo com isso de alguém viver às custas do mundo espiritual, com ou sem mentiras no meio. – abriu a carteira e pegou algumas notas – Recomendo fortemente que você procure um centro espírita sério pra se orientar, estudar de verdade e ter um suporte, porque do jeito que tá fazendo, você se torna uma presa fácil pra espíritos aproveitadores! – colocou o dinheiro na mesa – Minha parte na conta. – olhava nos olhos -- Desejo de coração que você se encontre! – levantou-se – E por fim: não estou a venda e valho muito mais que uma vaguinha num apartamento no Leblon! – fez um gesto de cabeça e partiu

 

“Como você é idiota, Vivinácia!” – a caipira pensou despeitada – “Se humilhar desse jeito por causa de uma cuidadorazinha de meia pataca que não é nem essa coisa toda como mulher!” – acompanhava a outra com o olhar – “Quando você se estabilizar na vida, tiver dinheiro, fama e sucesso, vai chover mulher muito melhor que essa na tua horta!” – recolheu o dinheiro deixado na mesa – “Esquece Zaida e foca no que interessa!”

 

A caipira não imaginava que seus pensamentos estavam sendo inspirados pelo sombrio espírito que a assediava diretamente nos últimos tempos.

 

***

 

Stefany entrava no quarto da avó acompanhada por Tamara. – Pessoas, oiê! – cumprimentou e se deteve na mesma hora – Ah... – deu um sorriso sem graça ao reparar no semblante da idosa – Firmeza, vó?

 

--Débora, Tamara, vão dar passeio de meio hora no rua porque eu tenho um particular a tratar com meu neta. – a idosa pediu seriamente

 

As duas mulheres se entreolharam e saíram sem nada dizer.

 

--Qual é, o que tá pegando, vó? – perguntou desconfiada – O que rola? – não conseguia encarar a outra

 

--Diz você, Stefany. – cruzou os braços – Tô esperando! – continuava séria

 

--Ah, sei lá... – abaixou a cabeça – “Puta merd*, quem será que me dedou pra ela?” – pensou preocupada – Tá bolada por causa do último vídeo que eu postei no Fuçagram? – continuava constrangida

 

--Vídeo essa que rodou meio mundo e foi parar na TikoTuko da Débora. – prestava atenção na jovem – O que foi aquilo, menina? – cobrou satisfação – Quando eu pensa que você toma jeito me acontece um baixaria daquele tipo? – ralhou de cara feia – AHHa!

 

“Puta merd*!” – pensou contrariada, mas decidiu contar a verdade – Seguinte: a real é que perdi um porrilhão de followers, as curtidas caíram e aí decidi gravar uma cena falsa de discussão na rua só pra viralizar. – confessou – Geral gosta de porr*daria, né? Já voltei a bombar. – mantinha-se de cabeça baixa

 

--Menina, e isso vai te trazer o quê? Atenção falsa não vale de nada! – gesticulou – A público pode ser enganada uma vez, duas ou três. Depois disso, cospem na seu nome! – pausou brevemente – Olha pra mim quando fala com você! – a moça olhou receosa – E cuidado com palavreado no meu casa!

 

--Ah, vó, mas é só um vídeo, tá ligada? Ninguém se machuca... – falou como criança -- Só pra recuperar meu engajamento, poxa... Muita gente faz, sabe qual é? – gesticulava -- Influencers manjam tendências, usam reels, memes... essas parada toda...

 

--Stefany, no meu época não tinha isso de redes sociais, mas em todo o tempo a segredo pra chegar na topo e continuar lá em cima é conteúdo de qualidade, relevante, bem pensada e sem apelação! – destacou -- Você se importa demais com aprovação de povo no internet! – observou – É quase como um dependência, uma droga! E todo droga causa ansiedade, estresse… -- pausou brevemente – Eu nunca, nunca provou droga! – dizia a verdade – Toda sucesso que eu tive foi com cara limpa! – pausou brevemente – Quer dizer, só usava maquiagem no cara pra ficar mais bonito! – observou

 

Achou graça do último comentário. – Eu... fico down quando as curtidas somem, tá ligada? – confessou mais uma vez -- Eu só queria me sentir popular de novo...

 

--Vem aqui, menina. – abriu os braços – Deita na colo de sua gidda! – ofereceu e a jovem aceitou imediatamente -- Filha, seu valor não depende do curtida. – acariciava os cabelos dela -- E não vale trocar seu dignidade por visibilidade barata. Prefira qualidade real: poste com frequência regular, mas sem ser todo hora. Use conteúdo autêntico, se envolva nos coisas sem sensacionalismo. – aconselhou – E pare de fazer besteira porque a tipo de gente que só te gosta quando você apela não é gente que vale o pena. – considerou

 

Aconchegou-se como criança no colo da avó. – Mas aí eu não sei o que postar, vó... Parada difícil essa daí... É punk, sabe qual é?

 

--Você há de saber. É só botar este cabeça pra funcionar. – respondeu de imediato – E nada de aparecer com peito e bunda de fora! Isso eu nunca fez!

 

Sorriu. – Tá bom, vó. – calou-se por uns instantes até que perguntou insegura: -- A senhora ainda me ama?

 

--Oh, Aba, mas é claro que ama! – beijou-lhe a cabeça – Pro vida todo! – garantiu – Não somos artistas? Artista tem que se unir!

 

--Irado, vó! – levantou a cabeça rapidamente – Promete que não conta pra Zai? Nem pra Leya? – referia-se às outras cuidadoras – E nem pra minha mãe?

 

--E eu lá sou mulher de fofoca, menina? – ralhou e a jovem riu – Fala nada! – garantiu – Se elas souberem é porque internet que contou!

 

--Valeuzão! – beijou o rosto da idosa – Te amo muito, vó! – deitou-se no colo dela de novo – Minha gidda é do caralh*!

 

--Olha palavreado, aHHa! – ralhou mais uma vez fazendo Stefany rir de novo

 

***

 

Zaida dormia agitada, rolando de um lado para outro na cama por conta de um sonho quente.

 

“--Você se acha acima do Bem e do Mal, não é? – perguntava cara a cara com Yesmin – Segunda vez que invade a minha casa! – olhava nos olhos – E agora, o que eu fiz de errado na sua opinião? – questionou – Qual será a ameaça da poderosa CEO da BoFe, hein? – perguntou provocando

 

--Tá se sentindo ameaçada, meu bem? – a mulher perguntou insinuante – Pois eu vou te mostrar quão perigosa eu posso ser pra você, sua sapatãozinha de beira de estrada! – puxou a cuidadora pela gola da roupa e a beijou furiosamente

 

--Ah! – desvencilhou-se com dificuldade – Isso é alguma armadilha, um truque ou o que? – perguntou sem entender – “Meu Deus, que beijo!” – pensou excitada

 

--Isso é uma prisão! – a engenheira tirou toda a roupa de uma só vez – E eu, uma grandessíssima chave de cadeia! – puxou a cuidadora pelos cabelos da nuca e a beijou cheia de desejo

 

As duas mulheres caíram sobre o sofá e Zaida teve suas roupas rasgadas pelos dentes da CEO. Entregou-se completamente ao sentir os lábios e língua da outra invadirem seu sex* sem cerimônia alguma.”

 

--AH, meu Deus, ai! – a cuidadora acordou nervosamente e levantou-se de um pulo – Gente, o que foi isso? – apoiou-se na parede para não cair – Caramba, fiquei até tonta! – falava com respiração ofegante – Tonta e toda molhada... – percebeu o jeito como havia acordado – Eu não acredito que vou ficar tendo sonhos eróticos com aquela nojenta! – reclamava consigo mesma – Cadê minha bíblia? – olhava para todos os lados – Vou no banheiro lavar o rosto e passar o resto da madrugada lendo o Salmo 91 até cair no sono de novo! -- decidiu

 

***

 

Stefany pensava no que deveria investir para postar conteúdos da forma como sua avó aconselhou, mas não conseguia se decidir por nada. Dirigia absorta nestes pensamentos quando um telefonema a despertou. Viu que era um colega de faculdade e decidiu atender usando o bluetooth. – E aí, Samuca? – cumprimentou – Fala!

 

--Fala, garota, tudo tranks? – cumprimentou também – Aqui, tu teve comigo hoje na facul e eu só me lembrei de te falar um lance agora, tá ligada? Ó, a professora Kelly se amarrou naquele vídeo que tu fez na clínica que a tua vó frequenta, manja? – comentou – Fiquei pensando: que tu acha de fazer um outro, mais caprichado, com música de fundo e o escambau, pra gente usar naquela campanha da semana da Terceira Idade? – referia-se a um trabalho em grupo – Acho que dá pra safar um dez e ainda postar nas redes pra bombar geral!

 

Gostou do que ouviu. – Cara, que ideia foda! – concordou de pronto – Eu vou usar umas das músicas da minha vó, que já tão tudo com legenda, tá ligado? – respondeu empolgada – Vamo fazer uma parada responsa e mandar ver nessa porr*! – decidiu

 

--Já é! – respondeu animado – Então vai vendo aí o melhor dia pra ir lá de novo, eu vou contigo e a gente manda ver! – propôs – Eu vou fazer um roteirinho e a gente discute amanhã na facul, pode ser?

 

--Demorou! – balançou a cabeça – Agora fui! – despediu-se e desligou o telefone – Cara, por enquanto é melhor investir nas parada da minha vó pra postar conteúdo de responsa. – falava consigo mesma – Aí eu vou pensando e vai surgindo umas ideia! – considerou – Minha vó bota fé em mim e ela sabe das parada! Então eu consigo, tá ligada? -- sorriu

 

***

 

--Meu Pai amado e agora? – Nazira vasculhava suas coisas procurando algo valioso em vão – O que eu posso vender pra ter dinheiro pra apostar na Beth, hein? – perguntava para si mesma – Comecei faturando todas e agora só perco! – reclamava – Mas eu acho que o Pitaco tem razão: é efeito estufa, El Niño, guerra da Ucrânia, crise no governo... tudo conspira pra baixar minhas probabilidades de sucesso! – remexia em seus pertences – Hum! – encontrou um terço – Foi madame Vivi que me deu isso! – lembrava – Tem cara de ser valioso! – examinava o objeto atentamente – Por quanto será que consigo vender ele, hein?

 

Discretamente Malika chega na porta do quarto de Nazira e a observa examinando o terço. Não lhe passou despercebida a bagunça que imperava no local. “Essa criatura anda tão esquisita!” – pensou ao se afastar novamente – “Encegueirada atrás de dinheiro, nervosa, tensa... O que será que ela procurava? Não podia ser aquele terço!” – refletia sobre as atitudes da mulher nos últimos dias – “Algo que me diz que a resposta desse mistério tá naquele maldito celular!” – concluiu – Nazira! – chamou ao chegar na sala – NAZIRA!! – aumentou o tom para ser ouvida

 

--Tô indo, tô indo! – colocou o terço em cima da cama e correu para a sala – O que foi, dona Malika? – perguntou ao olhar para a idosa

 

--Preciso que você vá no mercadinho e compre a ração de Sultan! – sentou-se no sofá – Um saco grande, daquele da tira azul no meio.

 

Não gostou da ideia, mas não se opôs. – Tá bom. – tirou o celular do bolso e digitou algumas coisas – Vou no banheiro me trocar e já saio. – olhou para a idosa novamente

 

--Vê se deixa esse celular em casa! – advertiu – Diz que tem dado muito assaltante na rua e do jeito que você é desmiolada, se der azar de encontrar com algum na rua, com certeza ele vai te escolher como vítima!

 

--Deus que me livre! – benzeu-se – Tá bom. – deixou o aparelho em cima da mesa – Agora eu vou logo me trocar pra fazer o que a senhora me pediu. – foi para o quarto e de lá para o banheiro

 

--Deixa eu ver se descubro alguma coisa! – Malika levantou-se depressa e pegou o aparelho da outra – Hum... – viu que a janela do FalaGPiTaco estava aberta – Isso deve ser o robô da IA que ela adora! – concluiu – Mas como vê as coisas aqui? – não sabia

 

Por um golpe de sorte, Malika conseguiu acessar a última conversa de Nazira com a IA e os trechos que leu a deixaram deveras preocupada.

 

Ai, meu Pitaco, eu já não sei mais o que fazer! – a mulher havia escrito – Eu não tiro mais a Beth da cabeça! – desabafava – Meu dinheiro acabou e não sei como fazer pra conseguir mais antes do meu próximo pagamento!

 

--O que?? – Malika arregalou os olhos – Meu Deus, mas quem é Beth?? – não entendia – Nazira tá gastando dinheiro com essa sujeita por causa de que?? – voltou a ler

 

Calma, Nazira! – o modelo de IA respondeu de imediato – Tudo em excesso vira veneno! – advertiu – Você não pode deixar sua vida virar pelo avesso por causa da Beth! – aconselhou – Bem que eu tive receio, pois sabia que você acabaria se envolvendo demais... – confessou -- Mas se te serve de consolo, procure algo valioso que você possa vender e que não te faça falta num futuro próximo! – sugeriu

 

Ai, meu Pitaco, você é demais! – foi a resposta

 

--Minha Nossa Senhora! – Malika levou uma das mãos ao coração – Eu não acredito no que tô descobrindo! – estava chocada – Então era isso: ela procurava um troço valioso e decidiu que vai vender aquele terço! -- prestou atenção para ver se Nazira ainda estava no banheiro e voltou a ler

 

Dona Malika não pode nem sonhar de saber de um negócio desse! – a mulher escreveu – Ela jamais aceitaria!

 

Certamente, Nazira! – o FalaGPiTaco afirmou de pronto – A geração dela não está preparada para esse tipo de modernidade!

 

--Eu não acredito! – colocou o celular da outra sobre a mesa novamente e andou em círculos pela sala – Depois de tantos anos, o passado bate a minha porta mais uma vez pra me tentar! – falava sozinha – Eu tô sendo provada por Deus! Ele quer saber se eu tô pronta pra receber a graça que tanto imploro! – pensava em reencontrar Zaida – E aí foi isso... desiludida pela falta de macho e pelo desprezo do nerd do prédio, Nazira simplesmente... – desabou sobre o sofá – virou sapatona! – concluiu – Se apaixonou e tá enchendo o rabo da tal da Beth de dinheiro! – continuava pasma -- Será que eu tô preparada pra viver isso, meu Pai?

 

Enquanto isso, Sultan saía de casa tranquilamente levando o terço de Nazira preso entre os dentes.

 

 

Fim do capítulo