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O Peso do Azul por asuna

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Palavras: 8596
Acessos: 267   |  Postado em: 13/07/2025

Capítulo 25

 

O azul artificial da tela queimava-me a visão como sal em ferida aberta, cada carácter uma pequena agulha que perfurava a escuridão crescente por trás das pálpebras. Vinte e três horas. O número piscava com a insistência de um coração eletrônico, medindo não tempo, mas a distância crescente entre quem eu pretendia ser e quem realmente era naquele momento, uma mulher sentada no escuro, fugindo de si mesma através de códigos de cor e ajustes de contraste.

Os dedos moviam-se sobre o teclado numa dança automática, corrigindo pixels como quem arruma sintomas sem curar a doença. O trabalho era refúgio e prisão, a única superfície sólida num mundo que se liquefazia cada vez que permitia que os pensamentos derivassem para territórios perigosos.

Tinha de resultar, repetia como mantra no meu pensamento. Não por elas, jamais por elas, contudo por algo mais difuso e urgente que começara a tomar forma durante o almoço com Mia. A menina com olhos demasiado velhos para o rosto jovem, que rejeitara a minha oferta de ajuda com o orgulho feroz.

Talvez a redenção não fosse reconquistar o que perdera, mas proteger quem ainda estava a tempo de se salvar.

O cursor piscava numa linha vazia, espelhando o vazio que sentia expandir-se entre as costelas como ar rarefeito. Afastei-me da secretária, as palmas das mãos pressionando as órbitas oculares até ver estrelas por trás das pálpebras. O gesto libertou uma tensão que nem sabia estar a carregar, músculos do pescoço e ombros desatando-se como cordas molhadas.

A casa respirava à minha volta com a quietude particular dos espaços vazios à beira-mar, onde o silêncio humano se mistura com o murmúrio constante das ondas. A brisa que entrava pelas janelas abertas trazia consigo camadas de aroma, sal, vegetação húmida, o fantasma do café que esfriara sobre a bancada horas antes.

Precisava de água. De ar que não fosse filtrado pela luz azul daquela tela que me hipnotizava como chama mortal.

Foi então que o dispositivo vibrou contra a mesa de madeira, um zumbido baixo que cortou o silêncio. O número era desconhecido, uma ligação àquela hora, só podia ser algo importante, atendi sem vacilar.

— Maya? — A voz chegou pequena e quebrada, carregando uma vulnerabilidade tão crua que me fez endireitar na cadeira como se respondesse a um reflexo ancestral. — É a Mia. Desculpa incomodar, mas... — A pausa que se seguiu foi preenchida pelo som de respiração irregular, cada inspiração um esforço consciente. — Estou em frente à tua casa.

O mundo contraiu-se.

— Mia? — O nome escapou-me como exalação, incrédulo e assustado.

— Por favor. — A palavra chegou partida, urgente, carregando o peso de quem esgotou todas as outras opções. — Posso... posso entrar?

Não havia espaço para perguntas, nem tempo para calcular as implicações. Havia apenas uma necessidade crua e imediata que me levantou da cadeira como se fosse movida por instinto primitivo, anterior ao pensamento.

— Claro. Já vou abrir.

Desliguei a chamada e atravessei a casa correndo, o coração martelando contra as costelas numa cadência irregular que ecoava nos meus ouvidos como tambores de guerra distantes. As mãos tremiam ligeiramente enquanto lutava com a fechadura, antecipação e terror misturando-se num coquetel tóxico que me subia à garganta.

Quando abri a porta, o ar noturno entrou como rajada fria. E ali, encostada à parede como se precisasse do apoio para se manter de pé, estava ela.

Encharcada. Completamente destruída pela chuva que devia ter começado enquanto eu estava absorta no meu próprio labirinto de autocomiseração. O cabelo colava-se-lhe ao rosto em mechas pesadas, o casaco transformado numa segunda pele que a fazia parecer ainda mais pequena e frágil. A mochila de lona pendia-lhe do ombro como peso morto, escura de água, e nos seus olhos, Deus, nos seus olhos, vi algo que me fez gelar até aos ossos.

Medo. Não o medo superficial, contudo terror profundo, visceral, de quem fugiu de algo que a podia destruir.

— Mia. — O nome saiu como suspiro de alívio. — Céus, estás completamente encharcada. Entra, entra.

Esta hesitou por uma fração de segundo, como se precisasse de permissão explícita para cruzar a fronteira entre o perigo lá fora e a segurança relativa que eu oferecia. Depois avançou, deixando um rasto de gotas sobre o soalho polido, os ténis fazendo um som ensopado e triste contra a madeira.

— Desculpa — murmurou, a voz tão pequena que quase se perdeu no eco dos nossos passos. — Eu não sabia para onde ir e...

— Não tens de pedir desculpa. — As palavras saíram mais firmes do que esperava, cortando as suas desculpas antes que pudessem formar-se completamente. Fechei a porta atrás dela com cuidado deliberado, como se o gesto pudesse manter o perigo do lado de fora. — Vamos tratar de te aquecer. Precisas de roupa seca.

Guiei-a através da sala até ao quarto de hóspedes, ligando as luzes pelo caminho. O espaço era simples, contudo acolhedor, cama de casal com lençóis brancos que cheiravam a amaciador, uma cómoda de madeira clara, com uma janela que dava para o pequeno jardim lateral onde cresciam lavandas selvagens.

— Há toalhas na casa de banho ali do lado — comentei, indicando a porta enquanto me encaminhava ate ao meu próprio quarto e abria o roupeiro à procura de algo que lhe servisse.

As minhas mãos moviam-se mecanicamente, procurando a camisola cinzenta demasiado grande que comprei num momento de autoindulgência e as calças de treino que nunca usava porque me faziam sentir demasiado jovem para a minha idade.

Quando voltei a entrar no quarto para lhe entregar as peças, notei que esta continuava parada no meio da divisão, água escorrendo do cabelo para os ombros numa cascata silenciosa, os braços envolvidos em volta do próprio corpo numa postura defensiva que me partiu o coração.

— Toma um duche quente — sugeri, tentando manter a voz neutra enquanto observava a forma como se abraçava. — Eu vou preparar qualquer coisa para comer. Quando estiveres pronta, se quiseres, falamos.

Ela assentiu sem me olhar nos olhos, segundos depois vi-a desaparecer na casa de banho. O som da água a correr chegou abafado através da porta fechada, misturando-se com o rumor distante da chuva contra as janelas numa sinfonia aquática.

Lentamente voltei à cozinha com os pensamentos a dispararem em todas as direções como estilhaços de vidro. Abri o frigorífico e encontrei as opções limitadas de sempre, ovos, queijo, algumas sobras de uma refeição que já não me lembrava de ter cozinhado. Nada extraordinário, no entanto teria de ser suficiente. Comecei a preparar uma omeleta simples, anotando mentalmente que no dia seguinte teria de reabastecer os armários. O gesto mecânico de partir os ovos, mexer, aquecer a frigideira, o ritual repetido funcionava como uma tentativa frágil de conter os nervos que ameaçavam desfazer-se a qualquer instante.

Vinte minutos depois, ouvi passos descalços no corredor, pequenos, indecisos, como de quem testa a solidez do chão antes de confiar o peso completo. Virei-me e vi-a aproximar-se da cozinha, o cabelo ainda húmido, mas já não pingando, vestindo a minha roupa que lhe ficava tão folgada que parecia uma criança a brincar com roupas de um adulto. A transformação era simultaneamente tocante e devastadora, sem a roupa molhada e o terror imediato, parecia ainda mais jovem, mais vulnerável.

— Senta-te — pedi, indicando a mesa onde já tinha disposto um prato, copo e talheres com o cuidado inconsciente. — Não é nada de especial, mas...

— Obrigada. — A palavra saiu carregada de uma gratidão que transcendia qualquer agradecimento por comida, uma gratidão que reconhecia o gesto pelo que realmente era.

Servi a omelete ainda quente, o vapor subindo como incenso, acompanhada por torradas douradas e um copo de água que enchi até à borda porque não sabia quanto tempo fazia desde que ela bebera adequadamente. Sentei-me na sua frente, tentando não observar em demasiado.

Foi quando ergueu a mão para pegar no copo que notei.

As marcas nos pulsos.

Hematomas escuros, recentes, que contornavam a pele delicada como pulseiras sinistras. O formato era inconfundível, dedos grossos que apertaram com força suficiente para deixar aquelas impressões digitais da violência.

O ar abandonou-me os pulmões como se tivesse levado um murro no estômago. Mia notou a direção do meu olhar, seguiu-o até aos próprios pulsos, e imediatamente puxou as mangas da camisola para baixo num gesto automático.

O silêncio que se instalou entre nós foi denso e carregado, coberto por uma verdade que nenhuma de nós estava pronta para articular. No entanto os seus olhos encontraram os meus por um momento fugaz, e naquele olhar vi confirmação, vergonha e um pedido silencioso que compreendi sem necessidade de tradução.

Acenei quase impercetivelmente, um acordo tácito que dispensava palavras. Havia tempo para perguntas mais tarde.

— Podes ficar o tempo que precisares — murmurei, a voz saindo mais rouca do que pretendia. — Não tens de explicar nada, não tens de justificar nada.

Vi os seus ombros descaírem alguns centímetros, como se um peso invisível tivesse sido aliviado, e foi nesse momento que a realidade da situação começou a cristalizar-se na minha mente como gelo que se forma sobre água parada.

Uma adolescente. Na minha casa. Com marcas de violência nos pulsos.

O que tinha feito?

A pergunta emergiu das profundezas da consciência como bolha de ar tóxico. Vinte e quatro horas antes, a minha maior preocupação era se conseguiria partilhar o mesmo espaço que Chloe sem me despedaçar emocionalmente, se deveria ficar para enfrentar o passado ou fugir mais uma vez como fizera durante dez anos consecutivos. Problemas de mulher privilegiada que podia se dar ao luxo de transformar dramas pessoais em épicos de autocomiseração.

Agora tinha uma jovem traumatizada sentada à minha frente, e as implicações da minha decisão impulsiva desabavam sobre mim como avalanche.

Serviços sociais, a expressão flutuou na mente como nuvem repleta de tempestade. Não sabia nada sobre isso, nunca tivera interesse, nunca pensara que precisaria de navegar por essas águas burocráticas e turvas. Estaria legalmente obrigada a reportar a situação? Abrigar Mia sem autorização oficial tornara-me cúmplice de algo? E se o agressor a procurar? E se descobrir que ela está?

O pensamento de ligar para Chloe atravessou a minha mente como raio, ela saberia o que fazer, mordi o interior da bochecha enquanto tentava suprimi quela ideia brutalmente. Não a podia envolver nisto, não enquanto ainda mal conseguia processar que a minha presença aqui era uma intrusão dolorosa numa sua vida.

Polícia. A palavra formou-se na minha cabeça como peso morto. Era essa a resposta óbvia, não era? Denunciar quem fizera aquilo a uma jovem indefesa. Mas como convencer Mia a apresentar queixa quando ela vivia claramente aterrorizada com a possibilidade de represálias? Como lhe explicar que expor o abusador era o único caminho quando eu própria havia passado dez anos a esconder-me dos meus próprios demónios?

A ironia atingiu-me com a força de uma bofetada. Eu, que escolhera o silêncio em vez da coragem, que deixara que o medo definisse cada decisão importante da minha vida adulta, agora precisava de convencer uma adolescente a ser mais corajosa do que eu jamais conseguira ser.

Que autoridade moral tinha para isso?

As responsabilidades começaram a acumular-se na minha mente como tempestade. Comida, roupas, segurança, essas eram apenas as necessidades imediatas. E depois? Educação, apoio psicológico, estabilidade emocional a longo prazo. Como providenciar tudo isso quando eu própria estava emocionalmente destroçada, numa cidade que não era minha, lidando com traumas que nunca tivera coragem de resolver?

Quando ofereci ajuda durante o almoço, parecia simples, quase inevitável. Vê-la naquele estado de desespero controlado despertara algo primitivo em mim, um instinto de proteção que ultrapassou qualquer cálculo racional. No entanto agora, com ela ali sentada, tão pequena e quebrada vestindo roupa demasiado grande, a magnitude do que assumira esmagava-me como pedra gigantesca sobre o peito.

Não era apenas sobre oferecer um teto por uma noite. Era assumir responsabilidade por uma vida humana, por alguém que agora dependeria de mim para tomar decisões acertadas quando eu mal conseguia orientar-me no labirinto das minhas próprias emoções.

E se falhar? E se a minha inexperiência, a minha ignorância sobre sistemas de apoio social, as minhas próprias instabilidades emocionais resultarem em algo pior para ela? E se, na tentativa desesperada de a salvar, acabar por a expôr a perigos ainda maiores?

O contraste era devastador e humilhante. Momentos antes, contemplava partir. Como se a minha dor pessoal, os meus ciúmes tardios e arrependimentos autoindulgentes fossem tragédias dignas de fuga dramática.

Agora tinha presenciado hematomas reais. Terror genuíno. Uma situação onde as minhas decisões poderiam significar a diferença entre vida e morte para alguém que neste momento talvez não tivesse mais ninguém no mundo.

A vergonha queimou-me por dentro como ácido corrosivo. Que tipo de pessoa era eu? Que vida patética e narcisista construíra, onde os meus problemas emocionais me pareciam tão monumentais que considerava fugir deles como opção legítima?

Mia ergueu a cabeça, talvez percebendo a intensidade do meu olhar. Por um momento, os nossos olhos encontraram-se, e naquele olhar vi o reflexo cruel da minha própria inadequação. Ela precisava de alguém forte, de alguém que soubesse exatamente o que fazer, de alguém corajoso o suficiente para enfrentar sistemas burocráticos, confrontar abusadores, navegar por águas legais turvas sem hesitação.

Em vez disso, tinha-me a mim. Uma mulher de trinta anos que passara a última década a fugir das próprias sombras.

No entanto talvez fosse precisamente isso que tornava aquele momento um ponto de viragem. Talvez fosse altura de deixar de ser a covarde que sempre fui e aprender a transformar-me na pessoa que ela precisava que eu fosse.

Mesmo que isso significasse abandonar a zona de conforto onde me instalara como ermita emocional. Mesmo que tivesse de admitir que não sabia o que estava a fazer e humilhar-me pedindo ajuda.

Pela primeira vez em dez anos, algo era mais importante que a minha própria dor.

Lá fora, a chuva continuava a bater contra as janelas numa sinfonia melancólica, contudo agora o som parecia diferente. Quando terminou de comer, empurrou o prato vazio, levantei-me recolhendo os talheres. O som metálico contra a porcelana ecoou na cozinha como pequenos sinos, preenchendo a quietude tensa que se estendia entre nós.

— Mia — comecei, a voz saindo mais suave do que pretendia, quase sussurrada. — Precisas de descansar. Amanhã... — Pausei, pesando as palavras como quem mede veneno. — Mais cedo ou mais tarde, vamos ter de falar sobre o que aconteceu. Não hoje, não agora, mas eventualmente. Para que eu possa ajudar-te da forma certa.

Ela assentiu sem me encarar, os dedos brincando nervosamente com a bainha da camisola emprestada. Vi-a levantar-se como se cada movimento custasse um esforço consciente, como se o próprio ato de ocupar espaço fosse uma transgressão.

— Obrigada, Maya. Por tudo. — As palavras saíram tão baixas que quase se perderam no rumor da chuva contra as janelas.

— Não tens de agradecer. — Respondi, observando-a dirigir-se para o corredor com passos que pareciam não querer fazer ruído. — Se precisares de alguma coisa durante a noite, qualquer coisa, chama-me.

Ouvi a porta do quarto fechar-se com um click suave. Fiquei na cozinha durante mais alguns minutos, lavando os pratos com uma atenção desnecessária, como se a água morna e o detergente pudessem limpar também a sensação de inadequação que me corroía por dentro.

Quando finalmente me dirigi para o meu quarto, a casa tinha assumido uma quietude particular. Deitei-me vestida sobre os lençóis, demasiado cansada para trocar de roupa, demasiado alerta para conseguir adormecer verdadeiramente.

O sono, quando chegou, foi quebrado e inquieto, povoado de sonhos onde corria por corredores infinitos à procura de portas que se fechavam antes de conseguir alcançá-las.

Foi por isso que o grito me atingiu como raio em noite clara.

Agudo, desesperado, carregado de terror que transcendia qualquer pesadelo comum. Levantei-me da cama antes mesmo de estar completamente acordada, os pés encontrando o chão frio numa corrida instintiva pelo corredor. A porta do quarto de hóspedes estava entreaberta, e através da fresta via a forma pequena de Mia curvada sobre si mesma na cama, os ombros sacudindo com soluços silenciosos que eram mais devastadores que qualquer choro audível.

— Mia? — Sussurrei, batendo levemente na porta antes de a abrir completamente. — Posso entrar?

Ela ergueu a cabeça e vi o terror ainda vivo nos seus olhos, como se o que tivera acontecido no sonho continuasse a persegui-la mesmo na vigília. As faces estavam molhadas de lágrimas que brilhavam na luz fraca que entrava pela janela.

— Desculpa — conseguiu articular entre respirações entrecortadas. — Eu não queria acordar-te, eu...

— Não pedes desculpa por isto. — Aproximei-me da cama com cuidado, como quem se aproxima de um animal ferido. — Posso sentar-me aqui?

Ela assentiu, movendo-se ligeiramente para me dar espaço. O colchão cedeu sob o meu peso, criando uma pequena depressão que naturalmente nos aproximou.

— Foi só um pesadelo — murmurou, as palavras soaram ocas, como se ela própria não acreditasse nelas.

— Às vezes os pesadelos são piores que a realidade — respondi, tentando manter a voz neutra. — E às vezes são memórias disfarçadas.

Por um longo momento, ficámos sentadas em silêncio, ouvindo o ritmo cadenciado da chuva que continuava a cair lá fora. Foi ela quem quebrou o silêncio, a voz tão baixa que tive de me inclinar para a ouvir.

— Maya? — Pausou, como se precisasse de coragem para continuar. — Podes... podes ficar comigo? Só até eu adormecer?

O pedido atingiu-me como soco no estômago, não pela surpresa, contudo pela confiança que representava.

— Claro. — Deslizei para debaixo dos lençóis, mantendo uma distância respeitosa, porém suficientemente próxima para que soubesse que não estava sozinha. — Vai ficar tudo bem. Não sei como, não sei quando, mas vai ficar tudo bem.

Estendi a mão hesitantemente, e quando ela não recuou, comecei a fazer-lhe carinho no cabelo. Os fios ainda estavam ligeiramente húmidos, cheirando ao meu champô, criando uma intimidade estranha e tocante.

Gradualmente, senti a sua respiração tornar-se mais regular, os músculos relaxando sob o toque suave. Continuei com a carícia até ter a certeza de que dormia profundamente, depois permaneci imóvel durante mais alguns minutos, reparando na forma como o seu rosto se suavizava no sono, como se os demónios que a perseguiam durante o dia dessem tréguas temporárias à escuridão.

Quando finalmente regressei ao meu quarto, já eram quase quatro da manhã. Não consegui voltar a adormecer. Fiquei deitada de olhos abertos, a processar a realidade de que tinha agora.

A manhã chegou pálida e vacilante, filtrada através das cortinas numa luz dourada que parecia demasiado suave para o peso da noite anterior. Levantei-me sentindo-me como se tivesse envelhecido anos em poucas horas, a primeira coisa que fiz foi ligar o laptop para fazer uma encomenda de supermercado online. Comida para duas pessoas. Produtos de higiene. Coisas básicas que uma adolescente precisaria. A lista cresceu rapidamente, cada item uma pequena declaração de intenções.

Dirigi-me de seguida para a cozinha para o ritual matinal do café. O aroma forte e familiar encheu o espaço, misturando-se com a luz dourada que entrava pelas janelas, criando uma atmosfera que quase conseguia ser descrita como normal.

Foi no momento em que preparava as torradas que ouvi passos descalços no corredor. Virei-me e vi Mia parada no limiar da cozinha, ainda vestindo a minha roupa emprestada, o cabelo desalinhado do sono, no entanto os olhos mais claros do que na noite anterior.

— Bom dia — disse, a voz rouca, mas mais firme. — Desculpa por ontem à noite.

— Bom dia. Acho que esse pedido já bateu o recorde das últimas horas. — Sorri, tentando transmitir uma normalidade que não sentia completamente. — Café?

Assentiu, sentando-se à mesa enquanto eu a servia. A ausência de palavras que se instalou foi confortável, preenchido apenas pelo som suave da louça e pelo murmúrio distante do mar.

— Mia — comecei finalmente, sentando-me de frente para ela. — Hoje é terça-feira. Qual costuma ser a tua rotina? Tens aulas? Trabalho?

Senti quando hesitou por um momento, as mãos envolvendo a sua bebida como se procurasse calor.

— Como sabes, estou em estágio no centro comunitário — disse finalmente. — Tenho de apresentar um projeto final na escola, por isso passo lá maior parte das manhãs. E... — Pausou, mordendo o lábio inferior. — Trabalho num bar ao final da tarde.

— Num bar? — A pergunta escapou-me antes que pudesse medi-la. — Mia, tens dezasseis anos. Isso é legal?

Vi-a encolher ligeiramente os ombros, um gesto defensivo que me fez arrepender imediatamente do tom direto da questão.

— Não é nada ilegal — respondeu rapidamente. — Só sirvo comida e limpo as mesas. Nada de álcool. O patrão... ele precisava de ajuda e eu precisava do dinheiro.

Havia algo no modo como proferiu "o patrão" que me fez gelar, uma indecisão quase inexistente que carregava camadas de significado que preferia não decifrar naquele momento.

Passei a mão pelo cabelo, os dedos encontrando nós que não sabia ter formado durante a noite inquieta. O gesto era automático, uma tentativa inconsciente de criar ordem onde só existia caos, que me serviu para escolher as palavras certas. Ou talvez para adiar o momento em que teria de fazer as perguntas que ambas sabíamos serem inevitáveis.

— Mia — comecei, a voz saindo mais cuidadosa do que pretendia, cada sílaba pesada como chumbo. — Esse trabalho... é seguro? O ambiente, as pessoas, as condições?

Vi-a apertar os dedos em volta da xícara até os nós ficarem brancos, um gesto tão pequeno e revelador. Os seus olhos desviaram-se dos meus, focando-se num ponto indefinido sobre a mesa como se ali pudesse encontrar as respostas que não queria dar.

— É trabalho — respondeu finalmente, o tom deliberadamente neutro. — Preciso do dinheiro.

A resposta foi uma não-resposta, envolvida em camadas de autodefesa que reconheci porque eu própria as usara durante anos.

— Não foi isso que perguntei — insisti suavemente, inclinando-me ligeiramente para a frente, tentando capturar a sua atenção. — Perguntei se é seguro.

A respiração suspensa que se seguiu foi carregada de tensão, como ar antes de uma tempestade. Pude quase ver os pensamentos correrem por de trás da sua expressão, pesando opções, calculando riscos, decidindo.

— Define seguro — disse finalmente, havia uma amargura na voz que me partiu o coração. — É mais seguro que estar em casa.

A frase atingiu-me como bofetada gelada. Mais seguro que estar em casa. As palavras ecoaram na cozinha como confissão involuntária.

Voltei a passar a mão pelo cabelo, desta vez com mais força, como se o gesto pudesse ajudar-me a processar a magnitude do que ela acabara de revelar.

— Mia — A voz saiu-me quebrada, repleta de uma compaixão que não sabia como expressar adequadamente. — Quando disseste que é mais seguro que estar em casa... estás a falar sobre aquele rapaz?

Vi-a encolher-se ligeiramente, como se as palavras fossem agressões físicas. Os ombros curvaram-se para dentro, criando uma carapaça defensiva que me fez compreender que estava a aproximar-me de território extremamente sensível.

— Não posso — sussurrou, abanando a cabeça com uma determinação desesperada. — Não posso falar sobre isso. Se ele descobrir que eu disse alguma coisa...

A frase ficou inacabada, suspensa no ar como ameaça fantasma, porém o que não disse foi mais eloquente que qualquer confissão completa.

Suspirei, fechando os olhos por um momento, enquanto tentava encontrar o equilíbrio certo entre pressão e paciência.

— Está bem — afirmei finalmente, forçando a voz para que esta soasse calma apesar da tempestade que se formava no meu peito. — Não tens de me contar nada agora se não quiseres. Mas, precisas de saber uma coisa, enquanto estiveres aqui, comigo, ninguém te pode magoar. Ninguém.

Era uma promessa audaciosa, talvez até irresponsável. Mas que naquele momento parecera necessária.

— E se ele vier à procura? — A questão saiu tão baixa que quase se perdeu no rumor distante das ondas.

— Então vai ter de passar por mim primeiro.

As palavras saíram com uma convicção que me surpreendeu. Não sabia de onde vinha aquela certeza, aquela determinação súbita, contudo senti-a instalar-se nos meus ossos como verdade irrefutável.

Esta ergueu finalmente o rosto para me encarar, e nele vi algo que me fez compreender que acabara de atravessar uma linha invisível. Não era apenas gratidão ou alívio. Era reconhecimento.

— O que é que vamos fazer? — perguntou, a voz ainda trémula, ao mesmo tempo, carregando uma nota nova, algo que se assemelhava perigosamente à esperança.

Mordi o interior da bochecha, ponderando.

— Primeiro, vamos tratar de te manter segura. Depois, vamos descobrir como quebrar este ciclo de uma vez por todas. — Pausei, segurando mantendo o contato visual. — Mas isso significa que eventualmente vamos ter de enfrentar a verdade toda. Toda ela.

Vi-a assentir lentamente, como se estivesse a aceitar um contrato que ainda não compreendia completamente, no entanto que sabia ser a sua única hipótese de salvação.

— Mia — comecei tentando manter a voz neutra. — Esse trabalho no bar... quanto tempo faz que trabalhas lá?

— Uns três meses — respondeu, os dedos voltando a brincar nervosamente com a bainha da camisola. — Desde que... desde que as coisas em casa ficaram mais complicadas.

Três meses. A cronologia começava a formar-se na minha mente como quebra-cabeças.

— E como conseguiste esse trabalho? — interroguei cuidadosamente. — Foi através de quem?

O dilema foi quase invisível, todavia eu estava a observá-la com a atenção de quem procura fissuras numa parede que ameaça desabar.

— O Ryan — expôs finalmente, a voz ficando ainda mais pequena. — O meu... ex-namorado. Ele conhece o patrão.

Ryan. Chegamos ao ponto. O nome pairou no ar entre nós como nuvem tóxica. Não era difícil imaginar o resto da história.

— E onde é que o Ryan está agora? — A pergunta saiu antes que pudesse medi-la completamente.

Vi o impacto das minhas palavras refletir-se no seu rosto. Os olhos arregalaram-se ligeiramente, depois desviaram-se rapidamente, e instintivamente puxou as mangas da camisola para baixo, cobrindo os pulsos num gesto que já me era familiar.

— Não sei — mentiu, ambas sabíamos que era mentira. — Quer dizer, por aí. Ele... ele não gosta quando eu desapareço sem avisar.

Claro que não, pensei. As palavras ecoaram na minha mente como sirenes de alarme. Os hematomas nos pulsos ganharam um significado mais específico, mais aterrorizante. Não eram apenas marcas de violência genérica. Eram marcas de posse, de alguém que a agarrara com força suficiente para a lembrar de que lhe pertencia.

— Mia — chamei suavemente, inclinando-me para a frente. — Foi o Ryan quem fez isto não foi?

Apontei discretamente para os seus pulsos, mesmo sabendo que estavam cobertos. Ela seguiu o meu olhar e imediatamente apertou os braços contra o corpo, como se pudesse esconder não apenas as marcas físicas, mas toda a história que elas contavam.

— Não foi... ele não queria... — As palavras saíram entrecortadas, uma defesa automática que reconheci de inúmeros documentários sobre violência doméstica. — Ele estava apenas zangado porque eu não fui trabalhar nem consegui a minha parte do dinheiro. E ontem à noite, quando tentei explicar...

A frase morreu no ar, porém não precisava de ser completada. Conseguia imaginar o resto com uma clareza que me enjoava. Ryan descobrira que ela faltara ao trabalho, trabalho esse que ele provavelmente controlava como controlava tudo o resto na vida dela. A zanga escalara para violência física, e ela fugira na única direção que conhecia, para mim.

— Quantos anos ele tem? — questionei, embora já suspeitasse da resposta.

— Vinte e dois — sussurrou, confirmando os meus piores receios.

Um homem de vinte e dois anos numa relação com uma menor de dezasseis. E se ele a controlava ao ponto de a colocar num trabalho duvidoso, se a agredia quando ela não cumpria as suas expectativas, então estávamos a falar de muito mais que violência doméstica comum.

— Mia, ouve-me com atenção — disse, a voz saindo mais firme do que me sentia. — Nada do que aconteceu contigo é normal. Nada disto é culpa tua. Nada disto é amor.

Vi lágrimas começarem a formar-se nos cantos dos seus olhos, como se as minhas palavras tivessem tocado numa verdade que ela mantinha enterrada há demasiado tempo.

Levantei-me da cadeira, uma ideia súbita formando-se na minha mente como solução temporária para o peso que se instalara entre nós.

— Tive uma ideia — comecei tentando injetar leveza numa conversa que ameaçava afogar-nos a ambas. — Acho que hoje será melhor ficares em casa. Que tal irmos até ao shopping, comprar algumas roupas?

A sua expressão mudou instantaneamente para algo desconfortável, os ombros curvando-se para dentro numa postura defensiva que já me era familiar.

— Maya, eu não tenho dinheiro e tu já estás a fazer demasiado — murmurou, a voz carregada de vergonha que me partiu o coração.

— Bom, ninguém aqui perguntou sobre isso, não é verdade? — respondi, tentando manter o tom leve apesar da seriedade do momento. — Tu não trouxeste muita coisa e precisas de roupa. Para sair, para trabalhar. Podemos até ir ao cinema, comer alguma coisa, distrair desta situação toda.

Vi-a hesitar, a batalha interna refletindo-se-lhe no rosto. Era clara a tensão entre o orgulho ferido e a necessidade prática, entre a vergonha de aceitar ajuda e o alívio de não ter de enfrentar sozinha mais um dia com o peso das revelações da manhã.

— Não sei... — começou, contudo, cortei-a suavemente.

— Mia, quando foi a última vez que fizeste algo só porque te apetecia? Sem ter de pensar se era seguro, se alguém ira ficar… incomodado, se irias ter problemas depois?

A pergunta atingiu-a como se fosse física. Vi o momento exato em que compreendeu que não conseguia responder.

— Exatamente — conclui suavemente. — Então hoje vamos começar por aí. Vamos comprar roupas que gostes, sem que ninguém opine. Vamos ver um filme escolhido por ti. Vamos comer o que te apetecer.

 O shopping funcionou como escape temporário. Observar Mia a experimentar roupas, foi como assistir a alguém a redescobrir a própria identidade. Vi-a duvidar diante do espelho, tocando tecidos suaves, permitindo-se considerar cores que gostava em vez de cores que passavam despercebidas.

Comprámos jeans que lhe ficavam bem, camisolas macias, roupa interior, ténis confortáveis. Pequenas vitórias que se acumulavam como prova de que podia ter escolhas, de que merecia coisas bonitas, de que a sua opinião importava.

No cinema, escolheu uma comédia romântica que normalmente me faria revirar os olhos, no entanto que naquele contexto se transformou em declaração de independência. Observei-a rir durante as partes engraçadas, deixar-se levar pela história previsível, permitir-se duas horas de fantasia onde o amor era gentil e os finais eram felizes.

Quando regressámos a casa ao final da tarde, ambas carregadas de sacos e com aquela exaustão boa provinda de um dia bem passado, senti que algo fundamental mudara. Não tinha resolvido os seus problemas, Ryan continuava por aí, o trabalho no bar permanecia questão em aberto, as questões familiares não tinham desaparecido, porém tinha-lhe dado algo que talvez não tivesse há muito tempo, a experiência de ser cuidada sem condições, de ter os seus gostos respeitados, de se sentir segura o suficiente para relaxar durante algumas horas.

E para mim, surpreendentemente, aquele dia funcionou como medicina. Cuidar dela, vê-la sorrir genuinamente, testemunhar os pequenos momentos em que a sua verdadeira personalidade emergia entre as camadas de trauma, tudo isso me deu um propósito que não sentia há anos.

A semana passou rapidamente. Todas as manhãs, acompanhava Mia até ao centro comunitário, mantendo uma distância respeitosa, todavia vigilante. Observava-a entrar no edifício, depois regressava à casa para trabalhar nas propostas visuais, sempre mantendo o telefone ao alcance da mão.

Durante esses dias não me cruzei com Chloe. Nem com Grace. Era como se tivéssemos estabelecido um acordo tácito de coexistência paralela, órbitas que se mantinham cuidadosamente separadas enquanto gravitávamos em torno do mesmo projeto. Parte de mim estava grata por esse espaço, tinha as mãos cheias com Mia, e não sabia se conseguiria navegar simultaneamente pelas complexidades da nossa história e pelas responsabilidades do presente.

Mia falava pouco sobre o trabalho no centro, no entanto conseguia perceber pela forma como os ombros relaxavam quando saía de lá que era um dos poucos lugares onde se sentia verdadeiramente segura. Ryan não aparecera, ainda, porém ambas sabíamos que era uma questão de tempo. Vivia na constante expectativa de ouvir o toque do telefone, ou pior, de ouvir passos não convidados no caminho de entrada.

As noites eram as mais difíceis. Mia acordava frequentemente com pesadelos, e eu desenvolvi o ouvido de mãe insone, saltando da cama ao primeiro som de angústia. Algumas noites, ela pedia-me para ficar, outras, precisava de espaço para processar sozinha os demónios que a visitavam no escuro. Aprendi a ler os sinais, a saber quando a minha presença era conforto e quando se tornava sufocante.

Gradualmente, as peças da sua história começaram a despontar em pedaços. A família disfuncional onde nunca se sentira segura. O pai viciado que alternava entre negligência e fúria, a mãe que tinha falecido. Ryan, que aparecera como salvador quando ela tinha apenas quinze anos e estava desesperada por atenção, por alguém que parecesse se importar. Como ele a isolara gradualmente dos poucos amigos que tinha, como a convencera de que só ele a compreendia, como a dependência emocional se transformara em controlo absoluto.

A cada revelação, compreendia melhor por que motivo ela vacilava em aceitar a minha ajuda.

Na segunda-feira da semana seguinte, decidi mudar de estratégia.

— Hoje vou ficar no centro — anunciei durante o pequeno-almoço, observando a sua reação por cima da xícara de café. — Tenho trabalho que posso fazer lá, e além disso... gostava de ver como é o teu ambiente.

Vi um lampejo de algo, alívio, talvez, atravessar-lhe o rosto antes de assentir.

— Está bem. Mas aviso-te já que não é nada de extraordinário.

Mentira. Quando chegámos e a vi começar a trabalhar, compreendi imediatamente por que motivo se sentia segura ali. Mia transformava-se. A jovem indecisa e assustada que conhecia dava lugar a alguém eficiente, organizada, genuinamente dotada para lidar com as pessoas que procuravam ajuda.

Instalei-me numa mesa no canto do espaço comum, o laptop aberto numa encenação de trabalho enquanto na realidade analisava cada movimento dela. A forma como falava com os visitantes que vinham buscar informações sobre programas sociais, usando um tom respeitoso, contudo caloroso. Como organizava documentos com precisão quase obsessiva. Como conseguia acalmar uma jovem mãe em pânico com apenas algumas palavras bem escolhidas.

Havia uma competência natural ali, uma inteligência emocional que me fez compreender que não era apenas uma vítima a ser salva. Era uma pessoa com capacidades reais, com potencial que estava a ser desperdiçado numa situação impossível.

Estava tão absorta a observá-la que quase não notei quando Chloe entrou no espaço.

Quase.

O movimento na minha visão periférica fez-me erguer a cabeça, e ali estava ela, atravessando a receção com passos que pareciam mais pesados que o habitual. Mesmo à distância, conseguia ver que algo estava diferente. Os ombros curvados ligeiramente para a frente, como se carregasse um peso invisível. O cabelo, habitualmente impecável, estava preso num rabo-de-cavalo descuidado que sugeria pressa ou exaustão.

Quando os nossos caminhos visuais se cruzaram brevemente, vi algo nos seus olhos que me fez gelar. Não era a frieza controlada dos últimos encontros, nem sequer o constrangimento da situação entre nós. Era algo mais profundo, mais preocupante. Parecia... perdida.

Desviou rapidamente o foco e dirigiu-se ao balcão onde Mia trabalhava. Conseguia ouvir fragmentos da conversa, embora tentasse fingir que estava concentrada no ecrã do portátil.

— Mia, a minha máquina fotográfica esta aqui? — ouvi Chloe perguntar, a voz soando mais áspera que o normal.

— Sim. — A resposta de Mia foi imediata, profissional. — Ela ficou na sala de reuniões desde a semana passada.

— Ah sim — Pausou, passando a mão pelo rosto num gesto de cansaço que me tocou de forma inesperada.

Uma semana. A máquina estava lá há uma semana inteira e ela não dera pela falta. Para alguém que vivia da fotografia, que tratava a câmara como extensão do próprio corpo, isso era... estranho. Preocupante.

Vi Mia dirigir-se ate uma sala e regressar alguns momentos depois com a bolsa de couro negro que eu lhe dera para que fosse guardada. Chloe aceitou-a com um murmúrio de agradecimento que mal chegou aos meus ouvidos, depois ficou parada por um momento, como se tivesse esquecido por que motivo viera buscar a máquina.

Não consegui resistir mais. Levantei-me da mesa, fechei o portátil com cuidado deliberado e aproximei-me do balcão. A loira ainda estava ali, olhando para a bolsa nas mãos como se não tivesse a certeza do que fazer com ela.

— Chloe? — chamei suavemente.

Ela ergueu a cabeça, e quando os nossos olhares se encontraram, vi que o que interpretara como distância era na verdade exaustão profunda. Havia sombras escuras sob os olhos azul-turquesa, e algo na sua expressão que me fez pensar em alguém que não dormia adequadamente há dias.

— Maya. — O meu nome saiu como suspiro, neutro, sem ser hostil. — Não te tinha visto.

— Vim trabalhar aqui hoje, espero que não seja problema. — Pausei, pesando as palavras. — Podemos conversar sobre o projeto? Se tiveres tempo, claro.

Por um momento, pensei que fosse recusar. Vi-a pondera, os dedos apertando a alça da bolsa da máquina, como se estivesse a calcular se tinha energia emocional para lidar comigo.

— Sim — afirmou finalmente, a voz saindo mais baixa que o habitual. — Podemos. Vamos para a sala de reuniões.

Segui-a pelo corredor, notando pela primeira vez como os seus passos pareciam menos decididos, como se cada movimento exigisse um esforço consciente. Havia uma fragilidade ali que nunca vira antes, algo que contrastava brutalmente com a pessoa que conhecera.

Quando chegámos à sala, fechou a porta atrás de nós dirigindo-se à janela, ficando de costas para mim por alguns segundos. Notei os ombros subirem e desceram numa respiração profunda, como se estivesse a tentar recompor-se.

— Como está a correr o trabalho? — perguntou finalmente, virando-se para me enfrentar, mantendo a distância da janela.

— Bem. Tenho algumas propostas para te mostrar. — Pausei, estudando a forma como se continha. — Estás bem?

A questão escapou-me antes que pudesse censurá-la. Vi-a piscar algumas vezes, como se a tivesse apanhado desprevenida.

— Estou. — A resposta foi demasiado rápida, demasiado automática. — Apenas... tem sido uma semana complicada.

Não insisti, embora tudo em mim quisesse fazer explorar mais. Havia algo na forma como se mantinha junto à janela, criando distância física entre nós, que me fez compreender que estava a usar toda a energia que tinha apenas para estar naquela sala comigo.

— Então — comecei abrindo o laptop sobre a mesa — vamos falar sobre trabalho.

Porém enquanto lhe mostrava as propostas visuais, uma parte de mim permanecia concentrada no mistério da sua exaustão, na forma como segurava a câmera como se fosse um peso que já não sabia como carregar.

A sensação de que apenas metade da sua atenção estava comigo intensificou-se, enquanto explicava as escolhas de cor e tipografia. Os seus olhos percorriam as imagens na tela, assentindo nos momentos certos, fazendo comentários apropriados, contudo havia uma cadencia mecânica nas suas respostas que me fez compreender que esta estava a funcionar em piloto automático.

Quando chegámos ao final da apresentação, ela ficou em silêncio por alguns segundos, encarando para a tela como se estivesse a tentar decifrar hieróglifos.

— Está bom — declarou finalmente. — Podes continuar nessa direção.

Está bom. Vindo de Chloe, que normalmente dissecava cada detalhe com precisão cirúrgica, aquela aprovação genérica soou como alarme.

Parei por um momento, estudando-a. Estava sentada na cadeira com as costas direitas, os ombros tensos, os dedos tamborilar distraidamente sobre a mesa numa batida irregular que espelhava a minha própria ansiedade crescente. Saltava à vista a forma como evitava contacto visual prolongado, como se estivesse constantemente a medir quanto tempo podia manter-se presente.

Uma ideia começou a formar-se na minha mente, perigosa, talvez, porém irresistível.

Abri o browser e comecei a procurar por passagens literárias, os dedos movendo-se sobre o teclado enquanto navegava entre Camus e Shakespeare. Encontrei o que procurava.

— "Hoje, a mãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem..." — sem pensar completamente nas consequências, comecei a citar.

O efeito foi imediato e devastador. O seu corpo contraiu-se como se tivesse levado um choque elétrico, a expressão que antes parecia perdida e distante fechou-se completamente, transformando-se numa máscara de controlo absoluto. Observou-me por alguns segundos que pareceram eternos, senti a minha sobrancelha arquear como se a estivesse a desafiar, testando se ainda sobrava algum vestígio da Chloe que conhecera por baixo daquele estado de exaustão.

Por um momento, pensei que fosse se levantar e sair. Vi o momento exato em que ela calculou essa possibilidade, pesou a opção de fugir daquela armadilha emocional que eu acabara de lhe tender. Mas depois, algo mudou na sua expressão. Endireitou-se na cadeira, humedecendo os lábios.  

— "Recebi um telegrama do asilo: 'A sua mãe faleceu. Enterro amanhã. Sentidos pêsames.' Isso não quer dizer nada. Talvez tenha sido ontem." — citou firmemente.

Um pequeno sorriso escapou-me, quase sem aviso, enquanto procurava pela próxima passagem. Era como se algo dentro de mim se despertasse depois de anos de hibernação, uma parte que só conseguia respirar completamente naqueles momentos de conexão intelectual pura.

— "Ser ou não ser, essa é a questão" — continuei estudando cuidadosamente a sua reação. Queria vê-la ali. Presente. Inteira.

— "Se é mais nobre no espírito sofrer pedras e flechas da fortuna ultrajante…" — respondeu sem hesitar. A voz ainda um pouco rouca do cansaço, mas com uma firmeza que não escutava há muito. — “…ou tomar armas contra um mar de problemas e, resistindo, pôr-lhes fim.”

E então contemplei. Por trás das sombras sob os olhos, da tensão acumulada nos ombros, notei um brilho. Breve, mas real. Como uma fresta de luz entre cortinas pesadas.

— "Porque todas as criaturas que vivem e respiram são apenas sombras que caminham" — lancei, mudando para Macbeth.

— "Uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, que não significa nada" — completou, e agora surgia um traço vago de sorriso no canto dos seus lábios.

Continuámos assim por mais alguns minutos, trocando citações como cartas numa partida de póquer intelectual. Cada troca era uma pequena vitória, uma prova de que por baixo da exaustão e da distração, a mulher que conhecera ainda estava lá.

— "Há uma maré nas coisas dos homens..." — murmurei, deixando a voz escorregar por entre nós como se confessasse mais do que citasse.

O seu olhar demorou-se no meu. E o sorriso que se formou então não foi resposta. Foi rendição. Uma aceitação muda de que havia coisas que não se perdem, por mais que se tentem enterrar.

— "Que, tomada na enchente, leva à fortuna. Omitida, toda a viagem da sua vida fica encalhada em baixios e misérias." — Pausou. — Brutus, Shakespeare. Julius Caesar.

Assenti com um leve murmúrio.

— Sim… — A palavra fluiu devagar, arrastada por dentro do peito. — Sempre preferi a parte que vem antes dessa.

Ela arqueou uma sobrancelha, os olhos fixos nos meus com uma curiosidade cautelosa.

— "Num mar tão cheio é que ora flutuamos... "?

Assenti de novo. Mas desta vez foi um gesto mais denso. Quase uma entrega.

— Porque... — a minha voz tremeu na primeira sílaba. Respirei fundo. O olhar não fugiu do dela. — Porque me faz lembrar de ti.

A frase saiu num sussurro mais baixo que o silêncio. Não pela vergonha, mas pelo peso. Porque não era uma metáfora. Não era um elogio disfarçado de citação. Era uma memória. Um espelho. O intervalo que se seguiu foi diferente dos anteriores. Não estava carregado de tensão ou constrangimento, mas de algo mais complexo, mais perigoso. Reconhecimento. Memória. A consciência partilhada de que aquelas palavras não eram apenas citações literárias, contudo pedaços de uma linguagem privada que construíramos juntas.

Chloe não disse nada durante longos segundos, apenas me observou com uma intensidade que me fez lembrar de todas as vezes que jogáramos aquele jogo antes, em camas desarrumadas, deitadas aproveitando tardes preguiçosas, testando os limites da conexão intelectual como forma de intimidade.

— Não jogava isso há muito tempo — confessou finalmente, a voz saindo mais baixa, quase vulnerável.

Entrelinhas. Era assim que chamávamos o jogo. Não eram apenas citações aleatórias, era uma forma de comunicar através das palavras de outros, de dizer coisas que eram demasiado perigosas ou complexas para articular diretamente. Uma forma de nos testarmos mutuamente, de confirmar que a conexão entre nós transcendia o físico e se enraizava em algo muito mais profundo.

Cada citação era escolhida não apenas pelo seu mérito literário, no entanto pelo que revelava sobre quem a escolhia. Cada resposta era simultaneamente demonstração de conhecimento e confissão pessoal. Era um jogo íntimo disfarçado de exercício intelectual, e nós éramos as únicas que conhecíamos todas as regras.

— Eu também não — admiti, fechando o laptop lentamente. — Não tinha quem jogasse comigo.

As palavras pairaram no ar entre nós, carregadas de tudo o que não podíamos dizer diretamente. Que ela fora a única pessoa com quem conseguira jogar aquele jogo. Que ninguém mais compreendera as regras, ou sequer percebera que eram regras. Que durante dez anos, uma parte de mim permanecera em pausa, esperando por alguém que pudesse completar as citações que deixava a meio.

Chloe desviou o rosto para a janela, mas não sem antes de eu notar algo a atravessar-lhe a expressão. Dor, talvez. Ou saudade. Ou a consciência súbita de que algumas conexões são demasiado profundas para serem completamente cortadas, mesmo quando seria mais seguro fazê-lo.

— Deveríamos... deveríamos concentrar-nos no trabalho — expôs finalmente, no entanto a voz soou oca, como se ela própria não acreditasse completamente nas palavras.

— Sim — concordei, e mesmo assim, nenhuma de nós fez qualquer movimento para sair da sala ou retomar a discussão sobre o projeto.

Ficámos ali sentadas em silêncio, duas mulheres presas entre o que foi e o que não podia voltar a ser, unidas momentaneamente pela memória partilhada de uma linguagem que só nós falávamos.

Mordi o interior da bochecha, enquanto as palavras se formavam na minha garganta.

— Chloe — comecei, a voz saindo mais firme do que esperava. — Eu sei que a nossa história torna tudo isto... complicado. Desconfortável. E sei que provavelmente sou a última pessoa de quem querias receber isto, mas...

Pausei, observando como esta se voltava lentamente da janela, os olhos azul-turquesa encontrando os meus com uma certa vulnerabilidade.

— Apesar de tudo o que aconteceu entre nós, apesar do que fui ou deixei de ser, quero que saibas uma coisa. — As palavras saíam devagar, cada uma pesada como pedra que eu depositava cuidadosamente entre nós. — Se há algo a que te incomoda, se precisares de ajuda com alguma coisa, podes contar comigo. Sem condições, sem referências ao passado, sem complicações. Apenas... como duas pessoas que se conhecem há muito tempo.

Vi o impacto do que tinha acabo de proferir refletir-se no seu rosto como ondas sucessivas. Primeiro surpresa, depois algo que se assemelhava à confusão, e finalmente, devastadoramente, um parecer de gratidão misturada com uma dor tão profunda que me fez querer retirar tudo o que dissera.

— Maya... — começou o meu nome saindo partido, como se fosse demasiado árduo para ser pronunciado. — Não sabes o que estás a dizer.

— Sei exatamente o que estou a dizer. — Mantive o olhar firme no dela, mesmo quando vi lágrimas começarem a formar-se nos cantos dos seus olhos. — Dez anos atrás, quando deveria ter lutado por ti, por nós, escolhi fugir. Escolhi o medo. Não sou mais essa pessoa, Chloe. Ou pelo menos, estou a tentar não ser.

Ela fechou os olhos por um momento, a respiração tornando-se irregular. Quando os abriu novamente, havia uma fragilidade que me partiu o coração, como se a confissão tivesse rachado uma parede que passara anos a construir.

— Por quê agora? — sussurrou, o som tão baixo que quase se perdeu no espaço entre nós. — Por que estás a dizer isto agora?

— Porque... — Engoli em seco, procurando as palavras certas. — Porque aprendi recentemente que algumas pessoas merecem que lutemos por elas, mesmo quando é difícil. Mesmo quando é tarde. E tu sempre mereceste isso. Sempre.

O vazio que se criou foi carregado de tudo o que não podíamos dizer. Vi-a lutar contra algo, talvez contra a vontade de acreditar o que acabara de dizer, talvez contra o impulso de me contar o que quer que estivesse a consumi-la por dentro.

— Maya, eu... — começou, depois parou, abanando a cabeça como se lutasse contra as próprias verdades. — Não podes simplesmente aparecer e dizer essas coisas. Não quando...

— Quando o quê? — questionei suavemente, inclinando-me ligeiramente para a frente.

Ela desviou o rosto novamente, os dedos apertando a alça da bolsa da máquina até os nós ficarem brancos.

— Quando já construí uma vida sem ti — terminou finalmente, mas as palavras soaram mais como tentativa de convencer a si mesma do que afirmação de fato.

— Eu sei. — Expus de forma mais gentil do que pretendia. — E não estou aqui para complicar essa vida. Estou apenas... estou aqui se precisares. Isso é tudo.

Vi algo quebrar-se ligeiramente na sua compostura. Os ombros descaíram alguns centímetros, e pela primeira vez desde que entráramos na sala, pareceu genuinamente presente comigo, não apenas funcionando no piloto automático da cortesia profissional.

— Obrigada — pronunciou finalmente. — Isso... isso significa mais do que pensas.

— Significa exatamente o que deveria ter significado há dez anos — respondi, sentindo algo discretamente a vibrar no bolso.

Retirei-o, vendo uma mensagem de Piper que dizia simplesmente: " Acabei de sair de casa, encontro-me contigo daqui a pouco. "

Olhei para Chloe, que observava a interrupção com uma expressão neutra, conseguia perceber um lampejo de curiosidade misturada com algo que se assemelhava a alívio.

— Tenho de ir — expliquei suavemente, guardando o telefone. — Combinei encontrar-me com a Piper. Mas Chloe... — Fiz uma pausa, segurando o seu olhar. — O que disse há pouco, falei a sério. Não te vou pressionar para me contares o que está a acontecer. Estou aqui quando precisares.

Levantei-me lentamente da cadeira, recolhendo o laptop com movimentos deliberadamente calmos.

Dirigi-me para a porta, no entanto antes de a abrir, virei-me uma última vez. Ela continuava junto à janela, mas agora observava-me com uma expressão que não conseguia decifrar completamente.

— Cuida-te — murmurei, saindo da sala antes que pudesse mudar de ideias sobre tudo o que acabara de dizer.

Enquanto caminhava pelo corredor, senti que algo fundamental mudara. Não apenas entre nós, mas dentro de mim. Pela primeira vez em dez anos, não estava a fugir de uma conversa difícil com Chloe. Estava a criar espaço para que ela viesse até mim quando estivesse pronta.

E pela forma como me encara naqueles últimos momentos, com os olhos azul-turquesa brilhando com lágrimas não derramadas, suspeitava que talvez não demorasse tanto quanto pensava.

 

 

 

 

 

 

 

Fim do capítulo

Notas finais:

Neste capítulo, Maya foi colocada diante de algo maior do que as suas lamentações.

Obrigada a quem continua a acompanhar esta história.


Vemo-nos no próximo.

 


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Comentários para 26 - Capítulo 25:
Socorro
Socorro

Em: 14/07/2025

Ufa !!! Atualizei kk

 caracas fortes esses capítulos..

Eu queria uns capítulos só com a perspectiva da Chloe .. kkk  vai ter né  kkk

3 mulheres fortes e fascinantes gosto de quero ++

volta logo .. 


asuna

asuna Em: 21/07/2025 Autora da história
Obrigada, ainda bem que gostaste :)
Então… durante algum tempo, cheguei a considerar escrever alguns capítulos só na perspetiva da Chloe. Mas acho que isso não irá acontecer.


Responder

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HelOliveira
HelOliveira

Em: 13/07/2025

Capítulo muito bom


asuna

asuna Em: 21/07/2025 Autora da história
Obrigada!!!


Responder

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Mmila
Mmila

Em: 13/07/2025

Que capítulo pesado. Com muitas verdades.

 


asuna

asuna Em: 21/07/2025 Autora da história
Sim, vamos ver o que nos reserva o próximo


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